A ORAÇÃO DO ABANDONO - REFLEXÃO

ORAÇÃO DO ABANDONO

Tradução e condensação de D. Edson Damian

Do artigo “La Oración de Abandono de Charles de Foucauld”, de Antoine Chatelard, Boletin Jesus Caritas, Famílias Carlos de Foucauld, Espanha, 2/1993, p. 21-35.

A VERSÃO MAIS LONGA

Meu Pai, entrego-me em vossas mãos.

Meu Pai, confio-me a Vós.

Meu Pai, a Vós me abandono.

Meu Pai, fazei de mim o que quiserdes.

O que de mim fizerdes eu Vos agradeço.

Obrigado por tudo. Estou pronto para tudo.

Aceito tudo, agradeço-Vos por tudo, contanto

que a vossa vontade se faça em mim, meu Deus

e em todas as vossas criaturas, em todos os vossos filhos,

em todos aqueles que o vosso coração ama,

não desejo outra coisa, Meu Deus.

Entrego a minha vida em vossas mãos.

Eu Vo-la dou, meu Deus, com todo a mor do meu coração.

Porque eu Vos amo e porque é para mim

uma necessidade de amor, dar-me e entregar-me

em vossas mãos, sem medida e com infinita confiança,

porque sois meu Pai.

A VERSÃO CONDENSADA, QUE USAMOS MAIS

Meu Pai, a Vós me abandono.

Fazei de mim o que quiserdes.

O que de mim fizerdes eu Vos agradeço.

Estou pronto para tudo, aceito tudo

contanto que a Vossa vontade se faça em mim

e em todas as Vossas criaturas.

Não quero outra coisa, meu Deus!

Entrego minha vida em Vossas mãos.

Eu Vo-la dou, meu Deus,

com todo o amor do meu coração.

Porque eu Vos amo

e porque é para mim

uma necessidade de amor dar-me,

entregar-me em Vossas mãos,

sem medida, com infinita confiança

porque sois meu Pai.

INTRODUÇÃO

A Oração do Abandono ocupa lugar central na espiritualidade de Carlos de Foucauld. Provavelmente foi escrita em 1898, durante o último ano em que permaneceu na Trapa de Akbés, na Síria. Encontra-se entre as meditações intituladas “Palavras e Exemplos de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a Oração, a Fé...” (seguem outros doze títulos, mas trata apenas dos dois primeiros). Ele seleciona todos os textos em que Jesus fala sobre a oração e comenta cada um deles. A Oração do Abandono é um prolongamento da última oração de Jesus, quando, do alto da Cruz entrega sua vida ao Pai: “Meu Pai, em vossas mãos eu entrego o meu espírito” (Lc 23,46). A importância atribuída a esta oração aparece na maneira como o Ir.Carlos a introduz: “É a última oração de nosso Mestre, de nosso Bem Amado. Possa ela ser também a nossa oração e que não seja rezada apenas no último instante, mas em todos os momentos de nossa vida”.

Conhecemos e rezamos o texto simplificado. Conserva os elementos essenciais, mas muda alguns deles de lugar e, além disso, não valoriza a força que brota da repetição. Para encontrar todo o significado tomaremos a versão original, pois ressalta melhor a riqueza do conteúdo e permite matizar alguns elementos que o resumo corre o risco de endurecer.

A Oração do Filho

Convém ressaltar a originalidade dessa oração. O Ir. Carlos não faz um comentário, mas uma paráfrase, um prolongamento da oração de Jesus. Caso único em suas 125 meditações sobre a oração e a fé, põe entre “aspas” a oração de Jesus ao seu Pai quando amplia o versículo de Lucas. Impossível recitá-la sem perceber que, em primeiro lugar, é a oração de Jesus, a oração do Filho Unigênito. Para sentir a intensidade da força dessa entrega filial, volvamos ao texto original no qual a repetição da invocação possui mais importância que a atitude expressa por quem reza. “Meu Pai”, aparece quatro vezes no início e assim também conclui. O começo e o fim constituem a nota dominante que dá sentido e torna possível todos os demais elementos, pois as mãos nas quais se entrega o orante sãos as mãos do “Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo e nosso Pai”.

A Oração do Abandono somente tem sentido ou pode ser pronunciada verdadeiramente pelo Filho e por aqueles aos quais o Espírito concede clamar: “Abba, Pai” (Rm 8,15). Essa oração não é uma das muitas do Mestre, mas a última oração, seu último grito, que talvez tenha sido simplesmente “Abba” abarcando em si a totalidade que as palavras não podiam expressar. Não é neste último espasmo de seu ser que Jesus nos entrega o seu “Espírito” que nos torna capazes de repetir agora esta mesma oração? (Jo 19,30).

Uma Oração de Oferta

“Meu, Pai, entrego-me em Vossas mãos”. A oferta de Jesus constitui a essência da oração na qual, entregando-se ao Pai, entrega-se também aos homens. “Este é meu corpo entregue por vós”. O que o Filho entrega nas mãos do seu Pai é todo o seu ser, seu alento, seu espírito, sua pessoa, sua vida. Cada palavra quer traduzir o dom total daquele que se oferece, se entrega, se coloca nas mãos do Pai. Oferta de uma vontade livre: “Ninguém tira a minha vida, mas eu a entrego livremente” (Jo 10,18).

Costumamos relacionar a oração da Cruz com a do Getsêmani, esquecendo a grande diferença entre as duas situações. Quando é ainda possível escolher frente a várias possibilidades, a gente não se expressa da mesma forma como quando se encontra diante de um fato consumado ou pressentido como inevitável. Que escolha poderia apresentar-se a Jesus a não ser a revolta? Haveria outra possibilidade? No mesmo momento pode suplicar ao Pai para perdoar seus torturadores, porém não pode aceitar seus atos nem suas intenções. O Inocente, se não se revolta contra Deus, não pode fazer outra coisa senão entregar-se a Ele. É o grito de um condenado entregue ao poder dos homens.

Uma Oração de Confiança

“Meu Pai, confio-me a Vós”. Voltamos a encontrar a “infinita confiança” no final da oração resumida, porém convém não esquecer que ela está no começo do gesto da criança que se joga nos braços de seu pai e sente-se segura para o que der e vier. A confiança é o sentimento que anula o temor e o medo do futuro que paralisa o adulto.

Diante da morte e de todos os sofrimentos da vida, o ato de fé se converte em ato de confiança. Poder confiar e contar com alguém nestes momentos procede da loucura que integra o ato de fé.

Uma Oração de Abandono

“Meu Pai, a Vós me abandono”. A afirmação não se encontra nos Evangelhos, mas no início do Salmo 22: “Meu Deus, por que me abandonaste?”

Para compreender a radicalidade do abandono é preciso colocá-lo sob a ótica dos dois pedidos precedentes: a oferta de si e a confiança. Palavras do Ir Carlos, que se encontram nas meditações dos versículos anteriores ao nosso, ajudam-nos a ampliar o sentido que buscamos: “O doce abandono de um filho que se sente amado... Doce familiaridade, entrega, abandono absoluto. Jesus pensa em voz alta falando de seu Pai. Diz os pensamentos tal como lhe chegam ao coração e os pronuncia com o abandono de um filho. A nota dominante desta oração é a confiança, o abandono. É um filho que fala a seu Pai com um abandono terno, íntimo e familiar”.

Uma Oração de Conformidade à Vontade do Pai

“Meu Pai, fazei de mim o que quiserdes”. A invocação muda de registro. Já não é mais a oração de Jesus agonizante, pois o orante fala no futuro e concentra-se na oração do Getsêmani e do Pai Nosso: “Seja feita a vossa vontade”. Trata-se do que é feito para nós e não daquilo que fazemos. São os acontecimentos que caem sobre nós, as contradições, a enfermidade, o sofrimento, a morte. Saber interpretar essas situações para descobrir melhor a vontade do Pai que nos ama é entrar na oração de Jesus: “Não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lc 22,42).

A perfeição do amor reside na confiança entre a vontade do Pai, seu desejo sobre mim e meu próprio desejo: “Não quero outra coisa, meu Deus”. O caminho da santidade vai se fazendo através da lenta aproximação dos desejos sob a ação do Espírito que integra e unifica tudo com a vontade do Pai.

O desejo de união total ao amor do Pai estende-se a todos aqueles que nasceram da sua vontade: ‘Contanto que a vossa vontade se faça em mim, em todas as vossas criaturas, em todos os vossos filhos, em todos aqueles que o vosso coração ama”. O coração de Deus que ama a cada um de seus filhos e deseja a sua felicidade, comove-nos mais que o Deus Criador e Providência que teria predisposto tudo e a quem tudo deve submeter-se numa aceitação servil.

O desejo do Pai é a benevolência revelada na pessoa de Jesus, em quem o Pai colocou todo o seu amor, e na predileção pelos pequenos aos quais é dado conhecer e acolher os mistérios do Reino: “Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado” (Mt 11,26).

Uma Oração de Ação de Graças

Quando Jesus diz: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra...” (Lc 10,21), expressa uma oração de louvor. Quem pensa fazer da Oração do Abandono uma oração de agradecimento? No entanto, as palavras não faltam: “O que de mim fizerdes eu vos agradeço, obrigado por tudo... agradeço-vos tudo”. Três agradecimentos pelo que aconteceu, pelo que está acontecendo e por aquilo que virá.

Reconhecer as maravilhas operadas no passado, dar graças pelo presente é descobrir o amor do Pai, sempre maior e surpreendente. Agradecer por um futuro imprevisível é renovar a entrega confiante no Pai que nos ama e não simplesmente aceitar e resignar-se.

Uma Oração-declaração de Amor

“Porque eu vos amo”. Na oração de Jesus não se encontra nenhuma declaração verbal de amor ao Pai. O Ir. Carlos, porém, não podia evitar de colocar um “Eu vos amo” nos lábios de Jesus. Brotava de sua necessidade pessoal, “uma necessidade de amor”, que precisava expressar-se. No dizer do Pe Huvelin, ele “fez da religião um amor”.

As cartas, da mesma forma que as meditações, estão carregadas de expressões afetivas que refletem a piedade da época. Ele sabe, contudo, que esta “necessidade de amor”, que impulsiona o enamorado a entregar-se, nem sempre é uma experiência sensível. Dirá que existem “declarações de amor com provas” que não são palavras nem sentimentos. No dia de sua morte, retomando as últimas palavras pronunciadas pelo Pe Huvelin antes de morrer: “Nunca amarei bastante”, comenta: “Quando se pode sofrer e amar, pode-se muito, chega-se ao máximo do que se pode fazer neste mundo. Sinto que sofro, porém nem sempre senti que amo e isto é mais um sofrimento. Sei, porém, que gostaria de amar e desejar amar já é amar. Percebemos que não amamos e nunca amaremos suficientemente, mas o bom Deus sabe de que barro nos fez e nos ama mais do que uma mãe é capaz de amar seu filho. Ele não mente, por isso jamais rechaçará quem se aproxima dele”. Uma senhora que rezava a Oração do Abandono substituía o “porque eu vos amo”, nem sempre fácil de dizer com toda a verdade, por uma fórmula mais realista, “porque vós me amais”.

Um dia ou outro, compreenderemos que não temos outra escolha: se desejo seguir a Cristo devo escolher e, por causa do seu amor, eu também devo e posso amar. Não há caminho de libertação fora desse amor purificador que queima como fogo dentro de mim. Não há caminho de libertação senão amando a Deus e prosseguindo o caminho de Jesus... “Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13). Alguns meses antes de sua morte, o Ir. Carlos anotou em seu caderno esta frase da Imitação de Cristo: “Quem não está disposto a sofrer tudo e a abandonar-se inteiramente à vontade do seu Bem Amado, não sabe o que é amar”.

Uma Oração na Medida do Amor

O Ir. Carlos não é homem de meias medidas. Deseja tudo e imediatamente. Viver só para Deus, deixar tudo, entregar-se sem medida. “Quando descobri que Deus existia, descobri também que não poderia viver senão só para Ele”, escreve comentando sua conversão. O Absoluto, que parece tão simples, complica-se quando deve passar às ações concretas, pois para as criaturas, tudo é relativo. Só Deus é simples. O orante se aproxima dele por atos sucessivos, repetidos, de compromissos limitados e parciais. É o Absoluto buscado, amado, servido no provisório que um dia será definitivo.

As repetições, a abundância de palavras em sua oração, são um exemplo. São como as expirações contínuas que esvaziam totalmente os pulmões e permitam que a respiração vivificadora penetre mais profundamente. Impossível expressar, de uma só vez e sem vacilações nem dúvidas, o mais profundo desejo de ser. Diante do fato consumado como a morte, por exemplo, se não se revolta, pois o orante não tem outra alternativa senão aceitá-la. No entanto, sua forma de falar no pretérito presente apenas pode duvidar ao pronunciar palavras que não sabe se serão verdade amanhã. “Estou disposto a servir, aceito a vida que me propões”. Está certo, mas quem pode dizer sem presunção: “Estou preparado para tudo, aceito tudo”?

Menos mal, pois existe o “contanto que”, que limita um pouco a afirmação e devolve a pretensão a um nível humano, não ao de super-homem, mas à situação de criatura, de filho que se sente amado pelo pai. “Tudo o que mim fizerdes”, quer dizer também “tudo o que eu fizer”, pois a finalidade da oração é unicamente ajudar-me a fazer com amor aquilo que Deus deseja ver-me realizando. “Nosso amor a Deus deverá ser absolutamente sem medida. Nosso desejo de sua glorificação exterior... nossa vontade de sofrer devem ser limitadas somente pela sua vontade”.

A Oração termina como começou

“Porque sois meu Pai”. Uma só palavra abarca todas: “Abba!”. Distinta de todas as outras, a Oração do Abandono é para Jesus o ato supremo, a culminância da união mística no êxtase, o ato de “saída de si mesmo” no Outro. E isto acontece na dor insuportável do suplício da Cruz.

Neste momento, o homem está só, qualquer que seja o afeto daqueles que o rodeiam. Já não diz “Pai Nosso”, mas somente “Abba, meu Pai”, expressão da solidão na qual se revela plenamente a relação de Filho com seu Pai, de homem com Deus. É a hora em que o véu do templo se rasga. Conta apenas a união de duas pessoas no aniquilamento do humano. Não podendo traduzir Abba por Papai, o pronome “meu” sinaliza familiaridade, “o terno abandono do filho que se sente amado”, que não se encontra nas outras fórmulas de oração: Pai Santo, Pai do Céu, Pai Todo Poderoso...

Para os que julgam a Oração do Abandono demasiado individual, convém recordar-lhes que no ato do supremo abandono nas mãos do Pai, Jesus se entrega pela multidão de irmãos.

Toda oração autêntica não é feita na ótica desta última oração? Está situada no segredo do lugar onde o Pai se revela, segredo do quarto fechado ou segredo do coração aberto. Está perdida de si no Outro e assemelha-se a uma morte. Assim, a oração de Jesus pode converter-se em nossa oração e uma oração de todos os momentos.

Teresinha de Lisieux e Carlos de Foucauld

Foram contemporâneos, mas não se conheceram. Tudo indica que o Ir. Carlos também não chegou a ler “História de uma Alma”, escrita em 1898. Mesmo assim, entre ambos há muitos elementos semelhantes e que se harmonizam perfeitamente com os diferentes aspectos da Oração do Abandono que analisamos. Para comprovar, citamos alguns pensamentos de Santa Teresinha:

“Jogar-se em vossos braços e aceitar vosso amor infinito”

“Abandonar-se com inteira confiança”.

“Minha loucura é a confiança”

“Que eu me eleve a Ele pela confiança e pelo amor”

“Estou disposta a entregar minha vida ... amar até a morte”

“Ele é livre para fazer de mim o que quiser”

“Não tenho nenhum outro desejo, a não ser o de amar a Jesus”

“Quando se ama, sente-se o desejo de dizer mil loucuras”

“Eu desejo amar a Jesus com paixão, dar-lhe mil mostras de amor.

Às vezes tenho verdadeiros transportes de amor”.

O Abandono a Deus na Posteridade de Carlos de Foucauld

Citaremos alguns textos dos escritos das Fraternidades para situar a importância do abandono a Deus nos diferentes ramos da família espiritual do Ir Carlos.

“A infância espiritual é fruto da maturidade da fé e não de uma atitude infantil. É o abandono à vontade do Pai, com a confiança alegre de uma criança” (Constituição das Irmãzinhas de Jesus, n° 16).

“A via da infância espiritual que marca a vida das irmãzinhas dá à sua obediência uma nota particular de simplicidade, de abandono e de liberdade que a protegerá do formalismo das observâncias exteriores. Porém, a obediência poderá ser vivida na noite da fé, o que requer uma plena adesão ao mistério do aniquilamento de Cristo. “Mesmo sendo Filho aprendeu a obedecer por meio dos sofrimentos” (Idem 49 e 50).

“É com um coração verdadeiramente simples e com uma confiança total que poderão entregar suas vidas, como crianças, nas mãos de todos e, um dia, nas mãos de Deus. Assim, unem-se a seu Salvador que se fez obediente até a morte na Cruz para dar a vida a todos os homens” (Constituição dos Irmãozinhos de Jesus, nº 33).

“Não sabendo até onde os conduzirá o chamado de Jesus para segui-lo, nem por que caminho os unirá a seu amor redentor, os irmãos se entregam a Ele num abandono total, confiantes na força de sua ressurreição” (Idem, n°37).

“O Abandono se concretiza de forma efetiva através da pobreza. A prática do abandono é, na verdade, renúncia por amor a todas as garantias humanas. A pobreza deve ser alegre, pois é, acima de tudo, um ato de fé e de abandono. Nessa situação desejada por amor, acontece a realização concreta de um abandono de criança que torna quase sensível a solicitude paterna de Deus... Cuidemos para que o trabalho, a segurança social e outros interesses não venham ofuscar em nós a confiante entrega de nós mesmos nas mãos de Deus” (René Voillaume, Lettres aux Fraternités, tomo 1, p.48)

“A pobreza evangélica deixa o coração livre e alegre, tornando-o disponível para a oração, para a partilha e para o abandono total à Providência” (Constituição dos Irmãozinhos de Jesus, n° 15).

“É com o abandono da criança que elas andam pelo caminho da pobreza evangélica. Será fonte de esperança e de paz e lhes permitirá alcançar a alegria das Bem-aventuranças” (Constituição das Irmãzinhas de Jesus, n° 43)

“Finalmente, é em relação à oração que se falará em abandono. A “oração do abandono” a Deus, recebida do Ir. Carlos, far-se-á pouco a pouco, como o murmúrio de seus corações expressando o desejo de entregar suas vidas para que nelas e em todas as criaturas se cumpra a Vontade do Pai” (Idem, n° 72).

“Dia após dia, os irmãos irão descobrindo que não sabem “rezar como convém”. Ele se abandona com confiança ao amor misericordioso do Senhor que lhes prometeu o Espírito para “ajudar a sua fraqueza”. O Espírito os tornará humildes de coração e lhes ensinará a rezar, como ao publicano, a oração dos pobres” (Constituição dos Irmãozinhos de Jesus, n° 42).

“A semelhança é a medida do amor”

O amor apaixonado de Carlos de Foucauld pelo Bem-amado Irmão e Senhor Jesus levou-o a colocar nos seus lábios a oração que Ele não teve condições de formular antes de seu último grito. É a oração que permaneceu como a tênue chama vacilante de uma lamparina escondida debaixo do pesado manto do cansaço e de seu corpo dilacerado quando se arrastava pelas pedras do caminho, esmagado pelo peso da Cruz e durante as últimas horas de agonia. O ato supremo da vida de Jesus, a prova maior de seu amor, a ação que salvou o mundo, não se realizaram na tranquilidade de uma serena oração contemplativa, mas no esforço doloroso e dramático de uma oração balbuciada em meio aos cruéis tormentos do corpo arrebentado pelo sofrimento. Por que uma vida presbiteral ou religiosa não estaria consagrada mais especialmente a deixar Jesus reviver em nós uma oração semelhante à sua? É o convite que nos faz Ir Carlos quando inicia o comentário: “A última oração de nosso Mestre possa ser também a nossa e não seja rezada apenas no último instante, mas em todos os momentos de nossa vida”.

(Do artigo “La Oración de Abandono de Carlos de Foucauld”, escrito por Antoine Chatelard, Boletin Jesus Caritas, Famílias Carlos de Foucauld, Espanha, 2/1993, p. 21-35, traduzido e condensado pelo Pe Edson Damian)