IRMÃO DE TODOS

RESUMO DO LIVRO: IRMÃO DE TODOS – PE. RENÉ VOILLAUME (+ 2003)

ED. VOZES- 1973- (palestras feitas pelo padre em várias datas, aos Irmãozinhos de Jesus e do Evangelho).

INTRODUÇÃO

É o amor que consome tudo em Deus, trouxe o Cristo à terra e é do amor que temos sede acima de tudo.

Seremos julgados a respeito do amor. O mandamento que Jesus nos propõe só poderá ser atingido em sua plenitude no céu. “Amar como Jesus amou”.

Isto nos impele a constante melhoria. É o coração da vida cristã e da vida religiosa.

A nossa prática destoa muito de nossas corretas intenções: quantas inconsequências!

Há algo em nós que afoga os verdadeiros impulsos da caridade fraterna ou cria, em nós, ilusões inimagináveis.

Somos todos dominados pelo orgulho e pelo egoísmo, mais ou menos conscientes.

Os laços que nos unem a todas as pessoas é uma conexão de vida de nosso próprio ser de consagrado ao Cristo, de membro de seu Corpo sofredor, que não podem ser descartados como de um fardo sobre os ombros.

Somos todos membros uns dos ouros.

O todo divino que vive em nós nos deve arrancar de um individualismo latente, que continuamente procura recuperar seus direitos.

A união a Deus e aos irmãos possuem as mesmas exigências: o encontro do Cristo, na fé, no amor sem ilusões e a adesão sem reticências ao mistério da cruz. Essa unidade tranquila já começa a existir na vida da renúncia, que é o atalho para uma e outra destas duas situações: a de sermos filhos do Pai e a de irmão universal entre nós.

O verdadeiro cristão, o verdadeiro religioso encara o caráter incerto da vida, a vida de peregrino que não se instala e suspira pelo fim de sua peregrinação. Descobre nela a caridade divina, que a morte não interromperá.

Quando amamos nosso irmão já estamos num plano de eternidade, se o amarmos como uma pessoa destinada, como nós, `a eternidade. Amor este que deve ser um reflexo do o amor de Deus.

Nós somos maiores que a condição que nos é atribuída aqui na terra. Nós somos já um absoluto, e o amor aos irmãos já nos leva a viver no absoluto do reino eterno, começado aqui e que nunca terminará.

Não podemos mais viver à espera de um tempo para amar, pois a única realidade que não sofrerá alterações, que já é eterna, é aquela do amor que nos foi dado por Cristo.

A importância do amor fraterno, humilde, aberto a todos, sem o qual não se pode falar em santidade, nem de amizade divina com Jesus, nem entrar em seu reino.

Nas orações parece fácil nos aproximar do ideal de Irmãozinhos de Jesus, mas na realidade é muito difícil. O contato com os outros nos desperta dessa ilusão.

“È ali que nós nos surpreendemos, sem cessar, em contradição, por nossas atitudes, mais ou menos conscientes, com o ideal que, apesar de tudo, nos comprometemos realizar”.

Não amamos a Deus se somos incapazes de amar nossos irmãos. Precisamos ser transformados pela caridade divina para sermos capazes de amar os outros, como Deus, seu Criador e Salvador, os ama.

Nossas fraquezas no amor fraterno constituem nosso maior obstáculo no conhecimento de Deus.

A luz divina não penetra nos corações que não amam ao próximo.

Para nós o sobrenatural (=amor a Deus) só pode existir no natural (=amor às pessoas).

Necessitamos nos libertar de nossos egoísmos, complexos, capacidades de exteriorizar nosso amor aos outros. Buscamos refúgio no sobrenatural por ser mais fácil!

Dizer “amo sobrenaturalmente ou espiritualmente o meu irmão” equivale a dizer: “renuncio a me tornar mais social, a lutar para modificar-me, talvez sou um tipo insuportável aos outros e declaro que neste domínio nada posso fazer...”.

Hebreus 2,17-18: Só conheceremos o Coração de Cristo se tivermos feito a experiência da miséria humana e quando tivermos sabido nos compadecer dos outros, por nos termos tornados suficientemente “doces e humildes de coração” (cf. Mt 11,29). As bem-aventuranças devem marcar as nossas vidas.

João 13,35: “Nisto todos reconhecerão que sois meus discípulos, pelo amor que tendes uns pelos outros.”

“Poderão os homens nos reconhece como discípulos, vendo-nos viver juntos, numa de nossas Fraternidades”?

Às vezes nos preocupamos com os outros de fora e “durante esse tempo, podemos ignorar o sofrimento de nosso irmão, daquele com quem rezamos juntos, com quem nos sentamos à mesa diariamente”.

Às vezes nos enervamos com seus defeitos externos e perdemos a oportunidade de escutá-lo ou de lhe dar um pedacinho de nosso tempo. O que responderemos a Jesus quando ele nos perguntar: “Que fizeste de teu irmão”?

A fraternidade existe para dar testemunho da caridade fraterna.

“Permaneçamos simplesmente e corajosamente um Irmãozinho de Jesus. Nós nos doamos não a um ideal, por maior que seja, não à realização de uma perfeição, por mais verdadeira que seja, mas a uma Pessoa vida, a um Deus que é, no sentido absoluto do termo, nosso irmão, por ser ele homem também. É unicamente por ele e para ele que devemos viver”.

Com a perfeição da técnica, cada dia menos se trata o homem como pessoa, pelo seu nome, como único no universo, que tem um coração, sofrimentos pessoais, problemas próprios, alegrias, e uma família que não é a dos outros.

Suas doenças talvez serão conhecidas e curadas, suas necessidades satisfeitas, de casa, de descanso e lazer.

Não se nega a necessidade da técnica, mas ela escraviza o homem. Nós corremos o risco de nos submetermos demais a essas leis para colocar a técnica a serviço do amor, mas corremos o risco de também nós nos escravizarmos.

Irmãozinhos, Jesus não vos pede que organizem uma obra de beneficência corporal ou espiritual, mas sim, amar algumas pessoas, a quem Jesus quiser, amá-las com amizade, ternamente, como pessoas e não como “casos” a aliviar. E isso como supremo testemunho, como se fosse um contrapeso à sedução da técnica.

“Jesus, em seu caminho, curou apenas alguns doentes, amor um pequeno número de amigos. Fez tudo isso dentro de um ritmo tranquilo e humano, se preocupar coma quantidade e o rendimento.”

Seja quem for, é tão digno de amor como o próprio Deus, seja qual for sua miséria moral.

Jesus deseja que sejais devotados ao amor dos vossos irmãos.

Pe. Voillaume dá aqui o exemplo de alguém que prefere morrer em sua tenda, entre os seus, que na frieza de um hospital, para lembrar que o amor à pessoa, à sua dignidade, está acima da técnica. Não sacrifiquem a qualidade fraternal de um amor de amizade ao rendimento e à eficiência, mesmo que aqui eu não esteja condenando, de modo algum, o emprego cristão das técnicas mais aperfeiçoadas.

O sofrimento físico e mesmo a morte do corpo são um mal menor do que a destruição da pessoa humana.

“Devemos compreender tudo, tudo desculpar, permanecendo –nos calmos, sem assumir posições injustas, ou simplesmente exageradas, desdenhando o mal, o desamor e o ódio, intransigentes conosco mesmos, sem condenar pessoas, nem nações”.

O silêncio, nesse caso, pode ser dolorido, mas não nos arroguemos um julgamento que Cristo se reserva.


PRIMEIRA PARTE- QUE VOSSA CARIDADE SEJA SINCERA (Rom 12,9)

“Jesus nos quer levar longe na caridade, Não devemos nunca pensar que já atingimos o objetivo, mas sem cessar devemos nos dizer que após esta etapa, Jesus nos descortinará outra: receberemos, em nosso pobre coração, o transbordamento infinito de um amor que é o próprio Deus. Sem dúvida, torna-se impossível ao nosso temperamento, à nossa sensibilidade, suportar o peso de forma repentina. Fazem-se necessárias lentas e profundas transfigurações que Jesus pode operar em nós, se de nossa parte o buscamos comum desejo humilde e insaciável. Não acreditemos com muita facilidade em nossa limitações. Estas limitações existem, mas Jesus pode nos levar à superação das mesmas, de uma forma que nem desconfiamos. Tudo é possível a Deus, mesmo o que é impossível aos homens”. (Tamanraset 25/12/50).

1- AMEMO-NOS UNS AOS OUTROS PORQUE O AMOR VEM DE DEUS (1ª Jo 4,70-)

- (Bruxelas, 13/03/61).

O que move nossa vida é o amor: tudo vem do amor. Na raiz de toda a felicidade mora sempre um amor.

A causa dos males sobre aterra não está tanto no desamor, quanto nos erros do amor, suas aberrações, seu desconhecimento.

Todas as causas profundas dos sofrimentos humanos (guerras, discórdias, divórcios, separações etc.) estão no fracasso do amor: um amor que não venceu, que não soube superar os obstáculos do seu caminho, porque não viu claro ou porque teve coragem de ser verdadeiro.

Precisamos aprender a amar, amar de verdade. E não é fácil!

O amor só dessa brocha e se torna perfeito quando é um autêntico amor de caridade (Rom 5,5).

Gostaria de descobrir convosco esta educação, este aprendizado do amor, ao qual nos devemos submeter para darmos uma resposta cabal ao nosso destino humano e sobrenatural, à luz da vida, dos escritos e dos exemplos do Irmão Carlos de Jesus.

Não é uma experiência isolada, única em seu gênero: é a experiência de todos os servidores e amigos de Deus, e de todos os santos (1Cor 13).

O Irmão Carlos tomara o seu “Bem-Amado Irmão e Senhor Jesus como “Modelo único, em dois pontos essenciais da caridade:

1º- A caridade é o vínculo da perfeição Colos 3,14;

2º- Amar a Deus e ao próximo. O amor a Deus nunca poderá nos separar das realidades presentes e do amor ao próximo (Mt 22,37-39).

1- Amarás o senhor teu Deus...”

Devemos aprender a amar a Deus

Não sabemos quem é Deus. Nossa fé não chega a influir em nosso comportamento moral. não desemboca na caridade quando há algum obstáculo. Precisamos, pois, recolher os ensinamentos da fé sobre a caridade para com Deus.


DEIXAR-SE AMAR

Parece paradoxal, mas a regra de ouro para descobrir oque é o amor consiste, antes, em APRENDER A DEIXAR-SE AMAR.

O Novo Testamento nos lembra sempre que “Não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou seu próprio Filho como propiciação pelos nossos pecados” (1ª Joao 4,10.

Não deixar-se amar faz parecer como se se fosse o único ser sobre a face da terra.

“Acho que a atitude mais penosa nos nossos relacionamentos com Deus, aquela que com mais frequência coloca obstáculos ao desabrochar de nossas relações com ele é a de não sabermos nos deixar amar por ele: não nos damos conta disso!“ (pág. 21).

O amor de Deus jaz no fundo de toda criatura e deve ser a primeira realidade a se impor à nossa reflexão sobre nós e sobre o mundo, esse mundo tão cheio de contradições, sofrimentos, mistérios.

Esse mundo é a criação do Deus de amor e devemos aceitar isso! “Tanto quanto o céu domina a terra, tanto são superiores aos vossos os meus caminhos e meus pensamentos ultrapassam os vossos “ (Is 55,9). Jesus só será compreendido verdadeiramente depois que tivermos compreendido o Criador.

Deixarmo-nos amar por Deus será uma atitude de respeito confiante, Não se trata de um respeito teórico, mas afetivo.

Confiança cega em Deus. Aceitarmos mesmo o que não compreendemos, mesmo que isso nos leve, às vezes, à tentação de revolta ou de desencanto.

Nos deixarmos amar não só por um Deus Criador, mas por um Deus Salvador. Descobrirmos diante de nós não “um Ser transcendente, misterioso e invisível, mas o rosto sangrento do Cristo Crucificado”.

Isso equivale em “tomar consciência do mal moral em nós, no mundo e nos outros, em nos aceitarmos como somos, e trabalhar numa atitude não mais derrotista e de impotência, mas de verdade de que não poderemos “sair” por nossas próprias forças e de que estamos, de certa forma, entregues ao pecado, “vendidos ao pecado” (Rom 7,14). Há séculos tentamos escapar das consequências do pecado em nós e no mundo, mas não o conseguimos!

Deixar-se amar= deixar-se salvar= aceitar ser perdoado. Para que isso aconteça, é preciso aceitar-se e reconhecer-se como pecador.

Quando queremos construir nossa própria perfeição, nos fechamos a nós mesmos e a Deus. Para que tal não aconteça, devemos simplesmente aceitar humildemente essa penosa situação em que nos encontramos. “É necessário colocar-se diante de Deus e ir a ele assim como somos, em verdade”. “Se nos julgamos sem pecado, fazemos Deus passar por mentiroso e sua palavra não está em nós” (1Jo1,10).

Deixar-se amar por um Deus que é amigo, que nos introduz nos segredos de sua intimidade (Jo15,12-17).

Carlos de Foucauld chamava Jesus de “Bem-Amado Irmão e Senhor”.

Todos os cristãos são chamados a realizar essa íntima amizade com Deus. “Não existe momento mais propício para desenvolver e firmar esta amizade divina do que o da adoração e o da prece. É nesse instante que devemos aprender a amar a Deus como a um amigo”.

Aprendamos a conhecê-lo em Cristo Jesus! “ O Pe. de Foucauld estava certo quando dia por dia tentava uma paciente meditação escrita das Escrituras, paralelamente às horas de solidão e de silêncio, durante as quais sua oração se reduzia a um simples olhar para o Cristo”.

“Quando nos colocamos na presença do Senhor, devemos deixar cair a máscara e não representar nenhum personagem”.

Para que a oração seja verdadeira é preciso que sejamos diante de Deus total e realmente aquilo que somos. Isso nos leva a comparar esse nosso relacionamento com Deus ao nosso relacionamento com o próximo.

Deus só nos receberá se estivermos em paz e em verdade com todos. (Mt. 5,23-24)

2-“AMARÁS O TEU PRÓXIMO...”


“O amor cristão ao próximo deve ser um autêntico reflexo da caridade divina”. Deve deixar transparecer alguma coisa da ternura de Deus.

O amor cristão deve trazer em si certas qualidades especificamente divinas. “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (J0 13.34). Amar como Deus ama! Muitos que comungam não vivem como cristãos e não refletem nas suas vidas em nada a caridade de Deus.

Por outro lado, vemos homens que se entregam totalmente a seus semelhantes sem terem fé, mas ela ali está! Qual é a situação deles diante de Deus? Não sei.

Deus respeita a sua criatura humana. Um respeito infinito.

Jo2,25: Jesus não tinha necessidade que lhe dissessem o que se passava no coração humano, porque ele o sabia.

Nossos preconceitos e atitudes a priori em ralação aos nossos irmãos nos dificultam a conhecê-los e a nos comunicarmos com eles na plenitude da verdade.

Uma das condições: humildade, que é a verdade. Uma quantidade de esforços de generosidade e de boa vontade se perdem por não serem suficientemente esclarecidos para conduzir ao desenvolvimento pleno da caridade. “Respeitai os outros e sede humildes”!

A caridade divina tende à unidade no respeito às diversidades.

O grande mistério da vida divina é o mistério da vida trinitária: é o amor recíproco entre três pessoas, amor que se consome na mais perfeita unidade.

Nossa unidade não pode ser “uniformizante”. É a unidade feita da comunhão de todos os espíritos, na mesma Verdade, e da comunhão de todas as vontades no mesmo Amor (ver Jo 17).

Há muitos sofrimentos que provêm da falta de unidade. Sermos “misericordiosos como nosso Pai é misericordioso” (Lc 6,37).

A misericórdia é algo mais que a piedade, A piedade às vezes humilha quem é objeto dela, pois o “piedoso” se assemelha a um rico que se inclina sobre um pobre, fazendo-o sentir mais ou menos tudo quanto lhe deve.

“Jesus é misericordioso sem a mínima ironia, sem a menor superioridade, mais ou menos desdenhosa, sem nenhuma falta de respeito aos homens, por mais pecador ou miserável que seja”. Veja a pecadora arrependida (Lc7,36), a adúltera (Jo8,1ss), Zaqueu (Lc19,1ss) etc. E, no mais, só Deus sabe o que é um pecador, pois diante dele todos os somos.


3- RENOVAÇÃO DAS EXIGÊNCIAS DA CARIDADE FRATERNA NO MUNDO DE HOJE


Colaborar conscientemente com o trabalho da Graça em nossos corações, sem nenhuma resistência. Deus exige mais de nós, a cada lance de progresso que temos na parte material, no ramo da inteligência que progride, no que se refere à qualidade do amor derramado na Igreja. Exige mais de nós do que no Antigo Testamento.

“O modo pelo qual se deverá expressar a caridade agora, apresenta conotações e exigências muito particulares”.

Mesmo coisas como a escravidão, hoje em dia, causa maior reação que no passado.

Santa Catarina de Sena, por exemplo, chamava os muçulmanos de “cães sarracenos”.

Que cristão hoje poderia se permitir semelhante linguagem?

Desse modo, hoje, a caridade deve assumir uma dimensão mais vasta para permanecer perfeita. Esta nova dimensão é horizontal (em relação ao próximo).

As exigências da caridade, que antes não iam além dos limites da família e da própria aldeia, se alargaram à escala de estado e de nação: pensava-se que amando o próprio país, amava-se a humanidade toda. Isto não é mais verdadeiro hoje. Somos responsáveis também pelos outros países.

Hoje essa dilatação do amor fraterno tornou-se obrigatória. Não é algo espontâneo. Necessita de reflexão, tomada de consciência e vontade.

Hoje não é mais algo simples socorrer os pobres. Não dá para ser resolvido apenas individualmente como nos tempos de São Vicente de Paula.

A boa vontade não basta para corrigir as reações incontroladas de pessoas que não estão conscientizadas do que devem realmente fazer em relação à sociedade em que, muitas vezes, são os patrões.

Para mudar essa atitude em nós é necessária uma graça toda especial. Faz-se necessário tomar consciência dos erros de interpretação das necessidades da sociedade.

Há muitos movimentos em escala nacional e continental nascidos pela paixão e que nunca estiveram a serviço da caridade divina. Precisam ser esclarecidos pela luz de Cristo, purificados e transformados pela caridade de Cristo.

São desafios para a Igreja. Talvez seja preciso que ela mostre aos homens e aos povos de hoje um rosto que seja mais divino..

“Trata-se de viver o presente e de ir à frente, perguntando-se simplesmente o que Cristo exige de nós no momento.


II- ENRAIZAR-SE NA CARIDADE

“A caridade fraterna deve conseguir deslocar teu centro de gravidade, transportando-o para fora de ti, em Deus e nos outros: deves tornar-te como relativo a Deus e a teus irmãos e disponível a tudo o que possa ser um bem para ele, custe o que custar”.


1- Renunciar para amar

a)- Amar como Deus nos amou. A caridade vem marcada como sinal da cruz. O sofrimento é indispensável: as renúncias, os sobressaltos ao teu egoísmo, os cortes ao teu mundo, às tuas concepções, aos teus hábitos.

b)- Amar de modo desinteressado: o ideal é amar a Deus e ao próximo pelo simples prazer de amar, sem esperar nada em troca. Mas... quem é capaz disso?

Procuremos, pois, amar para o bem de Deus, pelo próprio Deus, e não pelas alegrias que ele nos concede. Que seja o bem dos outros, dos teus irmãos, dos teus amigos, e não o reconforto e a satisfação afetiva que nisto encontras.

Quando amamos no tempo da secura na oração, ou quando a vida comunitária se tornar pesada e árida, então chegou o momento do verdadeiro amor, do amor desinteressado.

Observação:- Sobretudo, nunca deixar de amar os irmãos que vivem conosco. Se não fizermos isto, nossa caridade será apenas uma aparência, onde entra muita busca de si mesmo, necessidade incontrolada de receber simpatias e de meter-se em realizações novas. O calor cheio de sensibilidade, nós o encontramos mais fora que dentro de nossa própria comunidade.

2- Manso e humilde de Coração para amar

Devemos renunciar a tudo o que fere o amor e faz sofrer o irmão, toda atitude nascida de nossa arrogância, de nosso orgulho, mais ou menos consciente, de nossa recusa em aceitar-nos na nossa pequenez e da recusa de sermos mansos e humildes de coração.

Tomar bem a sério essa exigência de pequenez e humilde mansidão, que devem marcar nosso relacionamento com todos, embora sejamos muito fracos nesse assunto da mansidão, benevolência e humildade.

Jesus é manso e humilde de coração. Amamo-nos não só com palavras, mas também com atos, mas nunca desanimemos em ter que recomeçar sempre tudo de novo.

Deus só espera de nós essa paciência corajosa no esforço! Ele vê nossas boas disposições interiores.


3- Conhecer para amar


a)CONHECER-SE A SI MESMO:

pontos fracos, a fonte maior de nossas dificuldades nos relacionamentos diários.

Precisamos nos conhecer a partir da experiência que nossos irmãos vão tendo de nós. Conhecer as dificuldades que os outros têm em relação a nós.

Observação: - O sonho: o que imaginamos, as falsas ideias sobre nós mesmos, as ilusões, a recusa de aceitar os outros assim como são, os maus desejos alimentados por uma satisfação imaginária, a necessidade de nos sentirmos diferentes do que somos. Só com Deus deixaremos de “sonhar”.

A REALIDADE: sempre misturada ao sonho. Sentimos dificuldades de aceitar o real assim como se apresenta, porque nos obriga a aceitar a cruz e nos abrir para o outro.

Os outros são como são e não como gostaríamos que fossem!

Para fugir do sonho e começarmos a ser verdadeiros, precisamos abrir-

-nos aos outros, entrarmos em verdadeira comunhão com eles. Ver Mt.7,21:” Não são os que dizem Senhor, Senhor, que entram no Reino de Deus!”.

b)- CONHECER OS OUTROS

1- Manifestar-lhe interesse

2- Ser solícito para com ele. Perguntar-lhe seu passado, sua família, seu trabalho etc. Descobrir suas qualidades, sobretudo quando os defeitos são mais sensíveis. Lançar-lhe um olhar purificado e renovado pela fé. O irmão é alguém amado por Jesus e por ele escolhido.

c)-OBSTÁCULOS

As sensações negativas que sentimos no relacionamento com os irmãos provêm de tudo quanto recebemos em nossa vida: educação, lugar e família em que vivemos etc.

Ligamos inconscientemente nossos mecanismos de defesa. Para vencermos esse pré-julgamento, é preciso muita humildade de coração. Aceite o fato de não poder compreender tudo e nem sempre podermos nos fazer compreender.

Observação:-Nossa dificuldade vem do fato de querermos julgar tudo a partir de nossa ótica e de nosso temperamento e preconceitos. Visão estreita das coisas! Não julguemos! (Mt 7,2).

Há pessoas que se sentem esmagadas porque deram um passo em falso, algum disparate. Jesus não trata assim a adúltera (João 8,1-11). Se ele diz que ninguém poderia julgar essa mulher, também diz que ninguém pode brincar à vontade com a fidelidade conjugal!

4- Saber manifestar a caridade

a) As dificuldades de comunicação supera as dificuldades de expressão dos nossos sentimentos e expressões. Deus quer que estabeleçamos nossos contatos mútuos na luta, no dia a dia. Sem esta comunicação mútua entre nos, não pode existir uma verdadeira caridade fraterna.

Um gesto, um olhar, mas a expressão mais completa é a da palava e a dos atos.

b)- Aprender a se exprimir

Qualquer que seja nosso temperamento, é preciso aprendermos a falar, a exprimir-nos o que sentimos. Saber “pensar alto” ou fazer perguntas, mostrando assim que estamos atentos e prontos para escutarmos. Uma conversação não é um monólogo! Devemos provocar a réplica. Procurar fazer recair a conversa sobre um assunto que interesse ao seu hóspede ou aos seus amigos e irmãos em Cristo.

Observação: Tiago 1,19: “Cada um esteja pronto para ouvir, tardio para falar”. Adquirir o hábito de escutar. A palavra é uma ponte com tráfego nos dois sentidos. Não é “mão única”.

Deixar mais que o outro fale do que nós, na conversação. “Saber escutar os outros, ser silenciosamente atento, estar presente a seu olhar num silêncio cheio de presença de interesse e de espera. Saber escutar: é isto que faz uma atmosfera tornar-se fraterna”. Entretanto, também é fazer perguntas.

Que a conversação não seja um diálogo de surdos, onde cada um procura falar sem a preocupação de escutar! “Quando se aprendeu a escutar, bastam poucas palavras para dizer muito e estabelecer um verdadeiro contato, muitas vezes profundo, com aquele a quem demos permissão de se abrir pela presença atenciosa do nosso silêncio”.

ATENÇÃO!

A palavra, uma vez proferida, não mais pode ser recolhida e, não raro, nossa expressão trai nosso pensamento! Ver Tiago 3,2-12 sobre os problemas da língua!

Fazemos muito mal quando falamos sem discernimento. Alguns exemplos do que devemos evitar:

1- falar de forma desfavorável de uma pessoa ausente;

2- criticar um responsável ou a decisão de uma autoridade;

3- deixar-se levar a observações demasiadamente frequentes ou injuriosas, ou a gracejos que ferem e humilham;

4- emitir juízos apressados de outras pessoas;

5- fazer eco aos julgamentos desfavoráveis sobre o próximo, mesmo que esses julgamentos pareçam fundamentados;

6- não se esquecer que contar o defeito de alguém é murmurar, quando não é caluniar!

7- reparar os prejuízos causados quando falamos mal ou criticamos.

8- nada falar de alguém que não se possa falar na presença dele

Estas normas aplicam-se também a grupos de pessoas, a um país ou a uma raça.

COMO FAZER?

Desviar o assunto ou tomar a defesa do atingido, e voltar ao assunto anterior. Não aprovar nem consentir. Mateus 7,1: “Não julgueis”.

Quando for necessário omitir uma opinião sobre a pessoa, proceder com muita humildade e só depois de conhecê-la bem. Toda pessoa tem direito à sua reputação. Sempre procurar o bem da pessoa em questão.

c)- Os atos

Devemos saber exprimir nossos sentimentos em relação ao próximo nos nossos atos.

-prestar um serviço

-incomodar-se para prestar auxílio ao irmão;

-adivinhar o que lhe agrada.

Tudo isso é mais importante do que as palavras. O melhor meio para escapar à nossa tendência dos pequenos hábitos egoístas de celibatários é adquirir o hábito oposto, ou seja, do serviço, da disponibilidade, do acolhimento aos outros.

Procuremos nos adaptar, depormos nossos hábitos, mais do que esperarmos que os outros se conformem aos nossos gostos pessoais.

5- A Eucaristia, sacramento da caridade.

A Eucaristia deve representar na Fraternidade (ou na comunidade) o que ela é: está no centro da Igreja como sinal e realidade que a consomem inteiramente na caridade e a congregam num só sacrifício.

O Santíssimo Sacramento é o que há de mais grandioso e mais misterioso, apesar da fé nos mostrá-la numa grande simplicidade.

Dois aspectos principais: A realidade significada (=Jesus) e o sinal eficaz do pão da vida e do sacrifício que nos transmite a vida e nos transforma, progressivamente, em Deus. Orienta-nos para Deus e para os nossos irmãos a serem amados.

Esforçarmo-nos para conformar nossa atitude interior e toda nossa vida a esta dupla realidade. -nos transformar e nos modificar pela Eucaristia. Jesus é o nosso alimento. Estabelecer em nós o Reino do Amor. Introduzir-nos na Páscoa do Senhor. A Eucaristia tem aparência tranquila e imóvel, mas a realidade que está na origem desse movimento espiritual e desta oferenda mística é feita da angústia de um coração de homem, do suor de seu rosto etc.

A semelhança da Eucaristia com a vida de um Irmãozinho. Sinal: a forma de sua vida religiosa. Realidade: o que se passa no coração de um irmãozinho: seus relacionamentos com Jesus e na participação de sua vontade frente à cruz. A forma nada significa sem a realidade, como numa hóstia sem consagrar.


III- O AMOR DE CASTIDADE


Deus quer que amemos. É uma ordem que não tem limites. Jesus amou até à morte. Existem amores egoístas! Não pode existir um grande amor humano sem que tenha antes passado pela purificação do sofrimento. Jesus foi o único capaz de amar com um amor casto e puro, em plenitude, amor humano! Como a Virgem, um amor casto e puro, sem o menor desvio, sem a menor mácula.

Nossa vida cristã é justamente aprendermos a amar nesta forma a Deus e a todas as pessoas, como a um amigo, a um irmão. Aprender a amar é , realmente, o único problema de nossa vida. E é um amor sem limites.

O homem não é anjo. Como falar do amor sem falar do coração, da amizade, da ternura, da sensibilidade?

Aqui surge um turbilhão de problemas e controvérsias que culminam na neutralização e abafamento da sensibilidade. Aí pensa-se que está livre o campo do o amor sobrenatural, que deverá habitar tão somente na vontade e portar-se com soberana indiferença de coração em relação a todas as criaturas, de maneira uniforme, unicamente por “amor a Deus”.

Mas conhecemos os riscos e constatam os resultados. Ao lado de santos que conseguiram ir por esse caminho, encontramos cristãos e religiosos deformados, parra sempre incapacitados de amar com um verdadeiro amor de caridade.

Há também outras catástrofes, as brutais vinganças de um coração desastrosamente dirigido, as repentinas reviravoltas de uma sensibilidade distorcida, para onde levam essas implacáveis repressões, em alguns casos.

Todos os santos autênticos souberam amar com um coração transbordante de ternura, de espontaneidade e de alegrias, assim como Jesus, a Virgem Maria, São Pedro, Maria Madalena.

Falsa noção de sobrenatural. Concepção pessimista da natureza humana. O fato é que o sobrenatural não poderia existir fora de uma natureza a transformar e a sobre-elevar.

O amor de caridade deve desabrochar numa sensibilidade, novamente purificada, mas acrescida e afinada, o que lhe permitirá expressar-se em relação a Deus e aos homens, com todas as riquezas de ternura, de amizade, de doçura e de força de um coração humano.

A perfeição do homem que se tornou filho de Deus não pode repousar na mutilação daquilo que de mais belo existe no homem.

Os riscos, porém, permanecem! As más tendências poderão nos arrastar no sentido oposto do verdadeiro amor.

Como fazer?

Educar e formar em nós uma plenitude de amor fraterno para com todos. A descoberta de nós mesmos será a primeira etapa de nosso itinerário para o amor.

Primeira constatação: tendência a procurar o amor para satisfação pessoal

Segunda constatação: muitas vezes não somos nós que controlamos nossa sensibilidade, mas é ela que nos domina e guia.

A sensibilidade só é uma riqueza e uma força quando dirigida pela razão e pela fé. Vigiar para detectar um amor “irracional”.

As tendências às antipatias e aversões instintivas, irracionais em relação a determinadas pessoas não devem nos desanimar porque são normais.

Não destruir ou mutilar, mas reconstruir, e isso não se opera sem o sofrimento.

Veja bem: Se o coração não estiver submetido ao espírito, acontece, não raro, que o prazer sensual, no lugar de ficar subordinado a um amor que o supere ou o eleve, torna-se objeto ode um apelo aviltante da carne.

O domínio dos instintos pertence à educação do amor. É o mais material, o mais irracional, o mais difícil a pôr sob freios.


APRENDIZAGEM DO AMOR

Partir do desejo de amar Jesus sobre todas as coisas. Estar enraizado em Jesus para que o amor aos demais seja como que um transbordamento. Do âmago desse nosso amor por Cristo é que brota a fonte do amor, que espalharemos por todos.

Amar não apenas como Jesus amou, com a mesma força, com a mesma ternura, com o mesmo desejo de entrega aos irmãos, mas com o próprio coração de Cristo, pois, logo que assim começardes a amar, Jesus mesmo começará a viver em vós.

Para tal, ter confiança absoluta. Nada temer. Amor forte como a morte guiou-o até à cruz. Aprendamos também a sermos fortes!

Alimentar a ambição de se doar, de sofrer por Cristo, pelos irmãos. Ser viril nas afeições. Não ser mole, nem preguiçoso, não contemporizar nas atitudes. Esse terreno estabelece limites com o da castidade e, indiretamente, com o do amor. Não deixar que as susceptibilidades, os rancores, os ciúmes, tomem conta. Tornar bem clara essa região das paixões. Ser corajoso!

Nunca dizer: “é quase nada”, porque nada do que se opõe ao amor é pequeno. Conservar o corpo santo e equilibrado.

O amor de Jesus foi universal. O nosso deve sê-lo também. O amor sensível cega. Recuse a antipatia. Aprenda a colocar-se no lugar dos outros e compreendê-los. Ser simples e verdadeiro no amor como Cristo o foi. Mas sejamos também vigilantes! Um amor puro é sempre um amor respeitoso.

É necessário desenvolver o que de melhor há em nós para possibilitar a expressão do amor. Conhecer o próprio defeito predominante, que é o maior empecilho ao desenvolvimento de uma caridade simples, amiga e fraterna.

Apesar de ser nossa sensibilidade o meio normal para expressar o amor, ele reside no espírito e na vontade. Pensar nos outros, antes que em mim próprio.

Não ocultar a si próprio o que se passa no próprio coração. As mais violentas tentações, as mais repentinas, as mais sensíveis, não são, rigorosamente, um ataque à castidade de vosso amor por Jesus. Mesmo assim, não brinquemos de esconde-esconde com os nossos sentimentos. Não cultivemos em nossa alma algum ponto sombrio, sobre o qual temeria caísse a luz de Cristo. Desmascarar as artimanhas de um mau instinto à busca de oportunidades. Falar com o confessor, não esconder. Na oração, desnudar a alma diante de Deus.

O amor de castidade ao qual o Cristo me convida é infinitamente superior ao amor fecundo do casamento.

Não podemos viver na mediocridade, sem um imenso amor no coração.

Fazer com que o amor seja engrandecido nas crises, fortificado na alegria de ter encontrado uma fecundidade de vida infinitamente mais bela, mais extensa e mais profunda.

Se isso não for possível, nossa generosidade, em baixa, suportará, penando, uma castidade que se apresentará simplesmente como uma diminuição de nós mesmos e que. talvez na inconsciência, lastimaremos por tê-la consagrado ao Cristo.


SEGUNDA PARTE: OS FRUTOS DA CARIDADE (01/12/1951)

I – O DOM DE SI NA AMIZADE

Existe um laço entre a pobreza e o amor. Santa Teresinha diz que “Amar é doar-se a si mesmo”.

Não se dá alguma coisa à qual se está apegado. O primeiro degrau da pobreza é, pois, desprender-se dos bens da terra e das riquezas e corresponde ao primeiro degrau do amor, a esmola: damos dinheiro.

O segundo degrau da pobreza é uma pobreza interior e nos conduz a um degrau mais alto do amor: o homem dará sua vida, seu tempo, sua saúde, devotar-se-á até ao aniquilamento, à doença, á morte, se for preciso.

Mas... será que nos demos a nós mesmos numa verdadeira e humilde amizade? Amor de amizade é possível entre patrões e empregados!

Por que alguém se julgaria superior a outros? Pela cultura? Pela raça? Pela riqueza? Pelo cristianismo?

Um problema: não existe remédio para corrigir desvios dos quais não tomamos consciência. Exemplos: orgulho da raça, da cultura, preconceito de classe.

Temos o que dar, mas é preciso fazê-lo com humildade verdadeira e profunda! Desligar-mo-nos de nossos próprios valores de cultura.

Esses serviços primários, atualmente, são feitos pelo próprio Estado. Resta-nos, no momento, a renovação da amizade que deve reinar em todos.

Somos chamados, atualmente, a eliminar as divisões e a lutar contra todos os ódios!

Muitos deram sua vida num trabalho de caridade, mas sem darem conta que carregavam consigo preconceitos instintivos, que faziam sofrer, que esmagavam, que humilhavam. É preciso descer ao coração do pobre para compreender todo o doloroso complexo que o marca.

Ser amigo dos pobres. Para isso é preciso ser seus iguais. A amizade supões a igualdade (para que a amizade se concretize é preciso que haja a reciprocidade!).

Jesus foi humilde para conosco. Teve amigos entre os mais humildes. Exemplo: veja com que respeito trata a mulher adúltera!

Na própria agonia da morte na cruz se ocupa com o ladrão. Se faz amigo!

No dia em que tivermos a coragem de respeitar um homem condenado à forca, um criminoso, como um possível amigo nosso, teremos, nesse dia, compreendido um pouco o mandamento do Senhor!

II- A UNIDADE DIVINA, LEI DA HUMANIDADE REDIMIDA

As divisões entre as pessoas. O ser humano foi feito para a unidade. Harmonia da sociedade, o conjunto equilibrado de serviços, dados e recebidos naturalmente, os bens trocados na ordem da cultura do espírito, a ordem das necessidades materiais da vida: coisas necessárias para o desenvolvimento humano.

A unidade entre as pessoas na cidade é produto de virtudes e aptidões individuais, bem como de uma ordem social conforme ao bem comum.

A unidade da Santíssima Trindade deve ser o nosso modelo, como diz João 17. Essa unidade supera a unidade natural. É fruto de um amor que transcende o amor natural e interessado da unidade eficaz da ação e do pensamento.

A unidade vivível da Igreja é submissão comum de todos, na fé numa palavra de Deus que criou a Igreja. Para reparar as desuniões, é preciso, de uma só vez, receber a Igreja e aderir ao seu corpo, como o desejou Jesus. Devemos nos juntar a ela na pureza. Igreja essa sem mancha, sem rugas, sem velhice, mas que está no mundo através de homens com manchas, estreiteza de espírito, erros, falta de amor. É aí que deve se concentrar o esforço dos cristãos: na humildade de inteligência, a única que pode guardar sua lucidez; desembaraçar o cristianismo de formas ou instituições acidentais, com que os homens sobrecarregaram a Igreja no curso da história, a fim de reencontrá-la, o mais possível, no seu essencial, assim como a quis Jesus.

III- A UNIDADE NO AMOR

Irmãozinhos, diante de tantas dificuldades que vocês irão enfrentar, temo que vocês sucumbam às tentações que se abatem sobre o verdadeiro amor: que vocês se tornem duros de coração, das tentações do cansaço, da impaciência, movidos pelas suas limitações e estreitezas.

É muito reduzido os que sabem amar como Cristo. Vocês se sentirão perdidos numa multidão que não sabe amar. Temo que vocês se contentem com um amor inacabado, com um sucedâneo do amor.

Convençam-se de que vocês são demais pequeninos para aprender a amar como Jesus amou. Nossos esforços de entregar-nos a um amor fraterno e universal só acontecerá depois que Jesus o autenticar com seu selo.


A PRIMEIRA TENTAÇÃO


Deixar-se arrastar a ver apenas os direitos dos pobres, que devem ser reivindicados, sem a suficiente preocupação de continuar a amar a todos, no meio e além das lutas. (Lc 6,32:amor também aos inimigos).

A luta de classe tende a endurecer os relacionamentos e, por seu próprio peso, quando não for dominada pelo amor, apenas substitui uma opressão por outra. Como é difícil tornar a luta eficaz, sem fazer o ódio instalar-se no coração dos combatentes!

Qualquer combate endurece os sentimentos do homem, pois é muito difícil lutar sem praticar o mal; de outra forma não seria mais uma luta. Nós, cristãos, só podemos lutar dentro das perspectivas cristãs. O ódio jamais gera o amor.

Deus nos obriga a um constante esforço pela unidade no amor. Vocês devem levar aos seus companheiros, cujo dever é lutar, o fermento espiritual, o único que permitirá lutar como cristãos. Esse fermento da unidade e do amor deve ser mais forte que o ódio.

Não podemos anular os ensinamentos do Senhor a respeito das exigências infinitas do mandamento do amor: “e eu vos digo: não resistais ao malvado; e, se alguém te esbofetear na face direita, dá-lhe também a outra; e ao que litigar contigo para te tirar a túnica, deixa-lhe também o manto” (Mt 5,39-41). Essas palavras são apenas redundância de retórica??

É a atitude de unidade e não-violência na paz. Um Irmãozinho operário tem uma vocação muito exigente.

Vocês saberão se comprometer, generosamente, quando isto for necessário, e quando a solidariedade fraterna o reclamar como um dever. Quando houver uma injustiça flagrante, vocês deverão intervir ativamente, mesmo com riscos de perderem seu lugar.(Aqui o autor fala de situações em países sob o domínio do colonialismo. Termina dizendo:) “Faz-se, então, necessário, acreditar, com toda a fé, na eficácia, a longo prazo, de uma vida sacrificada, no propósito de permanecer fiel aos conselhos evangélicos formais, dados pelo Cristo à humanidade”.

Aqui trata de Irmãozinhos jovens que se consagram a povos de mentalidade de cultura e grau de evolução humana diferentes das nossas. Lembra que talvez possam se decepcionar ou até se assustar por terem minimizado um pouco as dificuldades e simplificado o problema.

A amizade dos Irmãozinhos não será compreendida e até poderá despertar desconfiança (provenientes de sociedades destrutivas ou tidas como imperialistas).

A solução seria testemunhar partilhando o mais possível as condições de vida, os trabalhos, falar-lhes em sua língua, mas isso é demorado, a resistência física é limitada, não é fácil habituar-se ao tipo de alimentação e à dificuldade da língua.

Outro problema é que somos moldados, plasmados, por gerações antepassadas, nosso espírito, nossos julgamentos, estão marcados para sempre pelo ambiente dentro do qual vivemos.

A boa intenção nossa não anula essas premissas. Quando estivermos em momentos da vida difíceis por causa dessas diferenças sociais e de cultura entre nós e esse povo, “sereis colocados frente à prova suprema de amor: em vossa alma, totalmente despida na presença de Deus, só vos resta abrir vossa fraqueza a um amor que não será mais obra vossa, pois chegastes ao fim de vossas possibilidades, mas obra do Coração de Cristo, em cujas mãos sois simples instrumentos abandonados à fé”.

Enquanto tratamos esses povos com uma bondade indulgente, cheia de compaixão e sentimentos parecidos, não aprendemos ainda a amar como se deve.

Cristo não disse termos apenas piedade dos outros, pois isso nos faz sentir superiores: ele ordenou amá-los como irmãos, o que não é a mesma coisa!

O respeito, a estima, a compreensão paciente, a ausência de julgamentos e de condenação são partes do amor.

Quando as exigências parecerem superiores às nossas forças, apelemos para Jesus, abramos-lhe nosso coração. Não cabe a nós julgarmos o valor das pessoas. Cada povo tem seus costumes próprios. Como era a higiene da família de Nazaré, por exemplo?

Ver o homem como Cristo o vê! O único valor que possuímos, certamente superior, é o depósito da Revelação, a mensagem do Evangelho. E ambos não nos pertencem. Não usar uma humildade de anzol, mas um sentimento verdadeiro, que somente a luz da presença divina pode nos conceder.

IV- UNIVERSALIDADE DA CARIDADE

(palestra proferida em 07/08/1958 e julho de 1961).

Vivemos separados uns dos outros pelas nossas diferenças no temperamento, educação, atitudes de espírito, do ambiente familiar, profissional ou social e da própria nacionalidade. (É sobre a diferença na nacionalidade que o autor fala neste capítulo).

Na Igreja, a aproximação das pessoas se funda sobre a humildade de espírito, na fé em Deus, e sobre a humilde do coração, no amor. É preciso que nos complementemos mediante nossas diferenças. Reduzir as pessoas à unificação “standard” de um sistema único de pensamento e de expressão seria o mesmo que matá-las. O exílio representa para as pessoas um enorme sofrimento, devido a essas diferenças culturais, psicológicas e físicas.

Deus escolhe sempre alguém imerso numa determinada cultura e civilização, para espalhar sua mensagem. Todo profeta ou mensageiro enviado por Deus é alguém profundamente marcado por seu torrão natal e por sua cultura. O próprio Jesus foi assim. Jesus não é um homem universal: ele é um israelita!(Aqui o autor dá exemplos de vários santos pregadores e suas pátrias).

A Igreja é universal no sentido da capacidade de reviver, em cada época, em plenitude e em toda a verdade, sua mensagem de fé e de amor, em homens pertencentes a civilizações sempre novas, na medida em que estas comportam elementos autenticamente humanos e verdadeiros.

Por isso, sua mensagem é sempre nova e carregada dessa riqueza da multiplicidade de culturas e expressões humanas, que soube harmonizar e utilizar na caridade, para expressar a verdade divina revelada, da qual ela é a garantia e a única depositária.

Amar a terra natal e nunca cultivar sentimentos de indiferença, de desprezo ou de ódio para com as outras pátrias! Os Irmãozinhos devem sempre dar testemunho dos conselhos evangélicos, mesmo quando isso pareça contrariar o dever de patriotismo. Nisso são diferentes dos leigos.

Agir sempre com humildade diante das características da pátria adotada, diferentes dos nossos usos e costumes. “Não podes pretender compreender tudo nos outros, mas podes respeitar tudo, pois todo valor humano, toda atitude sincera é sempre perfeitamente respeitável”.

“Nosso trabalho não se reduz apenas a melhor nos conhecermos, nos suportarmos na vida cotidiana, à força de concessões místicas, mas nosso trabalho propõe-se chegar a amar, nos outros, as maneiras de ser que os tornam diferentes de nós e que, por vezes, nos separam deles ou nos afastam deles”!

Há, entretanto, um limite para esse esforço. Não deve levar-nos à destruirmos nossa própria personalidade naquilo que não é nem pecado, nem a raiz do pecado.

A universalidade da caridade consiste no amor a todas as pessoas sem excluir ninguém.

Tirarmos de nossas ações os exageros, tanto de desprezar as outras nações, como de acharmos tudo bom nelas “ou encontrarmos pessoas que se retraem porque somos negros, ou então nos cumulam de atenções, o que vem colaborar ainda mais para nos lembrar que somos negros! Como se explica que nós nunca podemos ser tratados com naturalidade”? (Palavras de africanos ao Pe. René Voillaume. A isso, o autor chama de “indiscrição da caridade”).

Enfim, “creio que é necessário também ter a humildade de reconhecer as próprias limitações, quando se percebe que alguém é humilde, que não julga os outros e lhe merece a confiança, este saberá sempre amar e será também sempre amado”.

V- TESTEMUNHAS SILENCIOSAS DA AMIZADE DIVINA

O mal, o sofrimento e a morte erguem muralhas e dificultam a percepção do mistério do amor escondido em Deus.

Entretanto, home, mais do que nunca, desejamos ansiosamente acreditar na amizade divina a nosso respeito, cheia de ternura, que nos chama a cada um pelo próprio nome.

As fraternidades são chamadas a ensinar às pessoas a crer na realidade da amizade que lhes dedica Deus de modo mais completo e total do que os leigos, sacerdotes e demais religiosos. A vida dos Irmãozinhos deve, antes de tudo, pôr às claras que eles acreditam no imenso amor de seu Deus.

A pobreza voluntária, o tempo empregado na oração, a paz e a alegria, a castidade consagrada, são os principais sinais para que as pessoas acreditem ser amadas por Jesus.

A ausência do amor fraterno entre nós arruinaria a obra apostólica da comunidade, Jesus só se manifesta através de uma comunidade unida pelo amor.

A amizade deve ser profunda e exclusiva, ou seja, deve conduzir a um dom total e desinteressado àquele que é amado desta forma, com humilde respeito, como Deus ama a cada um de nós.

O Verbo “armou sua tenda” entre nós, em Nazaré, e desposou em tudo a condição humana, menos o pecado. Nós devemos fazer o mesmo ao irmos habitar no meio dos que nos foram dados pelo Senhor para que os amássemos em nome dele.

Essa presença corporal deve desembocar numa presença espiritual tão completa quanto possível. Trabalhar como eles, nas mesmas incertezas, servidão e sofrimentos.

Assemelharmo-nos em tudo a Cristo pobre da vida de Nazaré. Encontrar um tempo, no peso do trabalho diário, de entrar no trabalho próprio de Jesus e carregar, em seguimento a ele, a nossa própria cruz.

No filho pródigo, o pai se inflama de amor a ponto de manifestar-lhe isso antes mesmo de saber se ele estava ou não arrependido. Nossa amizade para com os homens deve assemelhar-se à de Jesus, infinitamente respeitosa, sem sentimento de superioridade.

Quando deixarmos a humildade de coração, e de sermos suficientemente respeitosos, nossa vocação não terá mais sentido.

VI- A AMIZADE ENTRE IRMÃOS

Tenho dificuldades em aceitar que um homem sem amigo possa ser perfeito. Seria um homem profundamente infeliz. Sem amigos, um homem é isolado em si mesmo.

A amizade é espontânea ou pode ser comandada, procurada? É possível tornar-se amigo de alguém pelo qual de início experimentamos apenas indiferenças? E se fosse antipatia?

Na amizade dá-se e recebe-se ao mesmo tempo. Deverá assentar-se sobre a ajuda mútua. Partilha dos sentimentos, preocupações, alegrias e tristezas.

A Fraternidade deve pensar e realizar em comum, dia após dia, todas as atividades cotidianas, na partilha dos cuidados, sofrimentos, alegrias, trabalhos, temores, ideias, projetos.

Talvez precisemos aprender a partilhar, a dar e a receber dos outros. Aprender a receber é muito importante. Não julgar o irmão, mas acolhê-lo (Rom 15,7). Respeito mútuo, mesmo quando precisamos repreender o irmão, mas sem julgá-lo.(Lembro aqui que julgar é pôr má intenção na ação alheia. Às vezes as pessoas fazem coisas erradas sem terem tido más intenções. Se você se interessa por esse assunto, veja nosso texto: “O que é julgar?”- nota do blog)

Uma amizade deve ajudar a manter relacionamento como Senhor e nunca a esquecer os outros irmãos, assim como nos levar à vida da fé.

Evitar ao máximo amizades que nos levam a uma perspectiva materialista da vida.

À GUISA DE CONCLUSÃO

A ALEGRIA DE DEUS NOS É DADA NO CRISTO. ESSA ALEGRIA SÓ A SABOREAREMOS PERFEITAMENTE NO CÉU.