08ª PARTE

CAPÍTULO 7 DA 3ª PARTE – TRABALHO

Devemos participar da vida dos pobres trabalhadores assalariados ou dos pequenos artesãos com o fim de sermos pobres como eles e à maneira deles. Noso ideal é viver perto deles e no meio deles, uma vida religiosa que lhes torne a Igreja mais próxima, mas familiar, mais amorável. Mostrar com nossa vida que nós os amamos e por isso viemos participar de sua sorte.

Nossa missão será o nosso trabalho no meio dos pobres. É preciso que a Igreja esteja aí presente. Irradiar o Evangelho silenciosamente, de preferência onde a Igreja ainda não está implantada. Trabalhar como filho de Deus, com oração e amor. Não encarar o trabalho como intelectuais.

Tanto o capitalismo financeiro como o comunismo ateu escravizam o destino da pessoa humana a uma finalidade terrestre, degradante para o espírito. A verdade é que a questão do trabalho é que determinará, cada vez mais, qualquer organização humana. A presença da Igreja é necessária.

As Fraternidades deverão ensinar as pessoas a rezar e a trabalhar como seres humanos e como filhos de Deus. É uma espiritualidade do trabalhador que devemos ensinar-lhes em atos, pelo nosso exemplo.

TRABALHO = LEI DA NATUREZA DO HOMEM

É assim desce a origem da humanidade. Não deve sr encarado só como penitência. Privilégio e lei do desenvolvimento do ser homem, que tem por missão a invenção, a organização e o aperfeiçoamento do universo.

A escravização, o sofrimento, as catástrofes dos desvios humanos, são causados pela maldade e pelo desiquilíbrio do homem histórico, do homem decaído.

A Igreja sempre nos orientou no encorajamento do esforço científico e no das descobertas. Devemos pôr, franca e alegremente, nosso trabalho a serviço desse comum esforço da humanidade orientado para um domínio cada vez mais total do universo.

O trabalho deverá esforçar-se para encontrar de novo o equilíbrio entre o trabalho manual e o trabalho intelectual = todo o trabalho do corpo deverá pôr em jogo a inteligência sem oprimi-la. A inteligência deve estar sempre harmoniosamente de acordo com a sensibilidade e a imaginação, sem que o corpo viesse a incomodá-la. Cada um deve se esforçar para conseguir esse equilíbrio de homem e de cristão na unidade de seu ser. Na verdade, não se pode ser completamente homem sem ser cristão.

O trabalho deve ser inteligente, compreendendo a utilidade de nossos gestos e esforço no aperfeiçoamento do conhecimento de nossa profissão.

É preciso situar a ascese na própria linha das exigências de um trabalho bem feito, que tem valor moralizador e pacificante. Tornar-se-á fator de equilíbrio, se foi bem escolhido. Superaremos os problemas e desinteresses por meio do amor.

“A cultura opõe-se a tudo o que é artificial. Ela deve estar em relação com o nosso gênero de trabalho, com o nosso próprio temperamento e nosso grau de intelectualidade. Nossa cultura não será a de um técnico ou a de um apóstolo; ela deve ser a sabedoria e o julgamento tranquilo e esclarecido sobre todas as coisas de um homem que mantém o seu olhar fixo nas realidades da fé.” Isso se obtém refletindo-se sobre a vida, tanto a nossa como a dos outros, não no irreal, mas nas coisas concretas e nos problemas da vida em torno de nós, reflexão feita à luz do Evangelho e das certezas de uma fé vivida. Isso se torna um hábito, sabedoria de ver tudo sob o prisma cristão.

A DUREZA DO TRABALHO

O autor inicia explanando o trabalho visto como maldição em Gênesis 3,17-19. Depois comenta:

“ Há no ato do trabalho como que uma obediência muito particular a uma ordem de Deus. Ou se trabalha à força, sob constrangimento, ou se trabalha por amor, para estar na ordem especialmente desejada por Deus.

Aceitar cordialmente, com amor, a lei do trabalho, deve curar-nos, dar-nos a redenção, em relação ao pecado.

O mal é o trabalho que esmaga, que avilta o homem. “ O ritmo do trabalho nas civilizações orientais, na medida em que é o resultado de uma concepção espiritualista da pessoa humana, apresenta-se como mais diretamente compatível com a vida religiosa”.

“Trata-se, em suma, para o Irmãozinho, de aceitar, em espírito e fé, o peso de seu trabalho, como uma lei de expiação querida por Deus, como uma oferenda silenciosamente unida em espírito de amor à Cruz do Salvador.”

O TRABALHO SOLIDÁRIO

“Devemos aproveitar as múltiplas ocasiões surgida durante o trabalho para gestos fraternos, auxílio mútuo e amparo, para neles exprimir o nosso amor.”

Precisamos escolher o trabalho que esteja mais diretamente a serviço do próximo e dedicarmo-nos de corpo e alma ao serviço dos irmãos.

O TRABALHO = AMADO POR JESUS

O amor ao trabalho > ele foi vivido e amado pelo Filho de Deus. Ele decidiu nascer no humilde meio de trabalhadores manuais, e Ele mesmo exercer esse ofício desprezado nos povoados da Palestina (=carpinteiro).

Jesus foi, verdadeiramente, por livre escolha, um humilde, que trabalhava com as próprias mãos. Não escolheu ser pastor nem agricultor.

No trabalho há o elemento material = a própria obra bem feita, por dever de estado, por obediência a Deus, e o elemento espiritual, da alma = o amor com que essa obra será feia, referindo-se a Deus pela pureza de intenção.

Olhemos nosso trabalho com os olhos da fé, sob um ou outro desses dois aspectos providencialmente desejado por Deus.

“A carga de trabalho assumido por cada um deve estar em relação com suas forças físicas e suas possibilidades gerais. Não digo que se devia evitar a fadiga e sofrimento, mas esses nunca deverão ser tais que rompam de uma maneira habitual o equilíbrio de base absolutamente necessário de ser guardado.”

OUTRAS DIFICULDADES DO TRABALHO

Afrontar as dificuldades provenientes do próprio trabalho com coragem e alegria. Dominar e oferecer a fadiga física e acalmar, na mansidão, o enervamento. Toda a luta aceita pode ser um progresso no amor.

Solidariedade operária sim, mas não nos deixarmos levar nem sermos dominados pelo espírito de luta de classes. Ter idéias claras sobre esse assunto.

Companheiros sinceros deles e fiéis. Não odiar. Superar tudo com amor, tirando nossa solidariedade das garras do capitalismo materialista e o do erro de base de comunismo.

“Não se trata de um compromisso com uma economia capitalista ou burguesa, nem de abandono, nem de tradição da classe operária, mas de uma concepção diferente do destino do homem. Não podemos deixar de estar solidários coma Igreja e com Cristo”.

Outra dificuldade: a sabotagem no trabalho. Procurar tentar falar do respeito pelo trabalho, da perfeição da obra, da condição de um verdadeiro destino do trabalhador (O autor fala também sobre as greves, mas não se coloca no problema, limitando-se a orientar o que não se deve fazer, ou seja, nem favorecer ao comunismo nem ao capitalismo).

“Na paz e na oração devemos sobretudo viver de tal maneira que sejamos no mundo do trabalho autênticos representantes da pobreza e do amor do Cristo para com todos os homens, sem exceção” (El- Abiodh Sidi-Cheikh, 24/03/1948)

CAPÍTULO 8º DA 3ª PARTE:- TEOLOGIA, VIDA INTELECTUAL E PERFEIÇÃO EVANGÉLICA.

(Lembro que este tema pode ser um pouco árido)

Pode haver alguma confusão quando se fala de ciência teológica, estudo, vida espiritual, vida interior. Na realidade são planos diferentes.

Muitas pessoas sentem dificuldade em equilibrar a vida espiritual no meio de estudos teológicos, outros se sentem desorientados na difícil vida real de trabalhadores, em consequência de uma vida interior demasiadamente intelectualizada.

Atualmente há evidência de uma ruptura entre teologia e vida, que gera um desequilíbrio doloroso, ameaçando desfigurar a verdadeira fisionomia da santidade cristã e retardando a difusão da mensagem evangélica, num mundo ao mesmo tempo paganizado e sedento do absoluto e da vida profunda.

Muitos se voltam para a teologia para sanarem o fracionamento de uma vida fictícia e de espiritualidades múltiplas, insuficientemente centradas no essencial, desejosos de uma intimidade com Cristo, mas se decepcionam, saem desapontados.

Foi-lhes oferecida uma teologia primária, desarticulada, muito técnica. Talvez estejam pedindo à teologia aquilo que ela não pode e não foi feita para dar.

O PAPEL DO ESTUDO TEOLÓGICO

A unidade humana foi rompida pelo pecado. Os dois elementos essenciais da vida são o conhecimento e o amor. O homem só será perfeito quando a primitiva harmonia entre esses dois princípios de vida e desenvolvimento tiver sido completamente restabelecida.

Essa ruptura entre as potências do conhecer e do agir está na raiz de nosso desiquilíbrio e do sentimento doloroso que temos de não sermos unificados.

O conhecimento deve frutificar no homem em verdadeiro amor. O quietismo e o intelectualismo desconhecem esse princípio. O homem pode parar na representação (conhecimento) e satisfazer-se com ela, deixando a ação numa vida truncada e ilusória, uma “deleitação morosa”, própria dos impotentes, hesitantes, tímidos. Nenhum ato e muito raciocínio. Avareza em relação a si mesmos. Não ousam se arriscar. Isso é alimentqdo pelo conhecimento.

A vida espiritual “representada” e não realizada (por exemplo, pensam na possibilidade do martírio mas são incapazes de vencer uma leve impaciência ou incômodo). São virtudes imaginárias, representadas.

Um desequilíbrio inverso disso seria a ação desvinculada da inteligência, sem ser dirigida por ela. Pode ser uma reação contra um intelectualismo esterilizante. É um primado da ação.

Seremos, então, levados a fazer da vida espiritual um rígido e contínuo exercício da vontade, à custa de uma certa flexibilidade e liberdade do amor que brotaria de um olhar contemplativo, portanto, sobre o Cristo.

“O problema para cada um consiste, pois, em inclinar-se para Deus, esforçando-se para encontrar de novo a unidade fundamental de seu ser no uso harmonioso e simples de suas potências de conhecer e de amar aplicados a Deus. É nessa linha que é preciso situar o papel exato do estudo teológico.”

CONHECIMENTO DE DEUS

Toda a vida espiritual deve se basear no conhecimento de Deus e de Cristo, e dirigida por ele, que é dado pela fé sobrenatural. Esta não é puramente intelectual: implica um amor e uma escolha livres, e um engajamento real total da pessoa.

Para conhecer a Deus é preciso essa unificação harmoniosa de nosso ser e o dom de nós mesmos no amor, de modo intenso e puro. Isso não é ciência, mas engloba um conjunto de verdades na compreensão das quais a inteligência pode entrar e progredir.

Há dois planos: a procura ativa da inteligência à própria luz da fé e o plano do conhecimento passivo, infuso pelo Espírito de Amor.

O primeiro modo se realiza na sabedoria teológica. É uma reflexão progressiva sobe a fé, procurando atingir seu conteúdo e desenvolver sua inteligibilidade.

A teologia nasceu justamente dessa tentativa de passar de um estado de confusão a um grau maior de distinção.

O outro campo é o da ação gratuita do Espírito Santo na alma. Vem do amor e tende a um amor maior, mas só é clarificada na inteligência pelo esforço teológico.

GRAU DE AMOR

A força é a profundidade da intuição de fé em cada alma. É proporcional a seu grua de amor. A fé se desenvolve com amor, e seu prolongamento, numa sede (ê) de Deus, nos proporciona o conhecimento comunicado pelo Espírito Santo.

A sabedoria teológica contribui para o progresso do dogma, para o inventário da fé, para exercer o papel de regulador da ação e da piedade, traz mais firmeza e mais luz à adesão intelectual da fé. Liberta-nos de falsos problemas e de dúvidas inúteis e nefastas. Dirige e esclarece a piedade, separando o que é do que não é de fé, estabelece uma hierarquia entre as devoções, purifica-as do que é acessório ou “superstição'. Torna a piedade firme, verdadeira, autêntica, preserva-a de todo o desvio ou falsa afetividade.

Há também uma especie de “contemplação teológica,” que não se confunde com a contemplação mística e é semelhante à contemplação filosófica.

É conveniente que cada um encontre a melhor maneira de exercer sua fé em Cristo, de esclarecê-la, de aprofundá-la e de vivê-la efetivamente. Não ficar na fé cega. Esforço de conhecimento. Cuidado para não fazer uma falsa teologia.

A maioria dos teólogos dificilmente escapa ao conjunto de riscos a que são expostos pelas suas imperfeições e fraqueza humana.

Todo o passo na pesquisa teológica deve ser feito na luz da fé. Mas nem sempre isso acontece. A unidade perfeita do objeto e da luz teológica é, para muitos, um resultado difícil de atingir.

A teologia deve não somente ficar sob a luz da fé, mas deve também frutificar em caridade efetiva. O aumento de conhecimento de um teólogo deve causar um amor maior. Pode-se amar muito sem conhecer muito, e conhecer muito sem amar muito.

O CRISTO DA FÉ

É preciso desde logo que nossa procura de conhecimento seja sempre procura do Cristo na fé. Trata-se de determinar o grau de conhecimento teológico que convém a cada um para o desenvolvimento harmonioso de sua vida pessoal. Levar-se-á em conta, antes de tudo, a natureza das aptidões intelectuais.

Só deve ser encaminhado ao estudo teológico um espírito capaz de assimilar suficientemente as disciplinas humanas necessárias ao exercício da especulação teológica, para que o resultado não seja uma falsa teologia com todas as suas consequências desastrosas. Para os que não possuem essa capacidade, as leituras progressivas poderiam substituir esse ensino.

Mas sobretudo, que se evite uma procura vã, por pura curiosidade e não por necessidade de fé e de amor.

Somos, muitas vezes, tentados a escapar das exigências instantes do amor ou da renúncia, fechando-nos numa vida interior intelectualizada, alimentada de idéias e de especulações, vida essa não muito real.

É, porém, real o perigo de uma tal vida, sempre em busca de novidades em assunto de espiritualidade. “Parece que a união com Deus e a perfeição consistem em cultivar em si, mais ou menos artificialmente, uma imagem de Cristo que a gente envolve de emoção religiosa”.

A saída disso seria, durante os anos mais importantes de formação, haver muitas ocasiões para experimentar-se, forte e pessoalmente, a autenticidade do desejo de se conformar a vida a Cristo.

“Há o perigo de não haver em nós senão uma vida interior alimentada de idéias e de especulações, mas que é mais intelectual do que real. Quer se trate de uma simples leitura espiritual ou do estudo teológico propriamente dito, será preciso, pois, tomar sempre cuidado em manter em nós a unidade e como que uma certa proporção entre o conhecimento e o amor”.

O primado do amor pode ir além do conhecimento.

O segredo para não haver perigo é ter a vida espiritual bem solidamente firmada no real.

A leitura espiritual pode ser, de quando em quando, substituída por uma assimilação mais pessoal de textos curtos e de preferência evangélicos, de que se esforçará por viver durante o dia. A leitura, embora necessária, não resolve, por ela mesma, o problema de nossa vida de fé.

Abandonar-se ao Espírito. Esforçar-se em pôr em prática o Sermão da Montanha, o discurso depois da Ceia, o ato de carregar a Cruz, as parábolas sobre a oração, a fé, o mandamento do amor. O Espírito Santo nos guiará sobre o que devemos fazer.

“Os que não estão suficientemente abandonados ao Espírito Santo e ficam por demais rigidamente dependentes de um ideal moral intelectualizado, não conseguem atingir uma santidade perfeita, viva, sempre de pleno acordo com as solicitações da vida. A santidade deles é como que contrafeita, rígida. Não tem o impulso e as espontaneidades do amor. São incapazes desses atos de loucura na pobreza, no amor ao próximo, não vivem o Evangelho do Salvador”.

“Algumas vezes há uma espécie de apego a todo o belo edifício de nossa espiritualidade. E é um último obstáculo”.

“Precisamos da irradiação e do testemunho de um santo, através do qual o próprio Deus se dá(...) A leitura de uma biografia ou dos escritos de um santo são muitas vezes mais eficazes pra manter uma verdadeira vida espiritual, do que a leitura de livreos chamados de doutrina”.

Viver plenamente o instante presente e a prática do Evangelho. Viver realidades simples: oração, dedicação, o serviço do próximo, a abjeção, a imolação.

“Não tenham medo da Cruz, da desnudez e de se perderem de vista, para viverem verdadeiramente o Cristo (...) É uma vida heróica a vida do Evangelho, mas de um heroísmo todo interior, que supõe a renúncia absoluta de si mesmo: castidade, obediência, renúncia total às nossas próprias concepções, verdadeiro espírito de pobreza, coragem na oração, amor da cruz e da humildade.

CONCLUSÃO

Voltar sempre ao amor, humilde e simples como o de uma criança. Atingir a pessoa de Cristo. Tomar o caminho que melhor lhe convir. Pôr-se a caminho, mas é Ele que nos encomenda. A sã teologia não se desvia da simplicidade do Cristo do Evangelho, mas reconduz a ela, ajudando-nos a compreendê-la melhor.

A vida interior é uma vida total, sem parede divisória, mas dirigida por um olhar interior constantemente à procura de Jesus, para imitá-lo, sob a luz dos dons do Espírito Santo. “Chegaremos ao verdadeiro conhecimento de Jesus quando tivermos primeiro vivido o que Ele exige de nós no Evangelho. Trata-se de pobreza, de despojamento, d amar até à morte, de estar-se pronto para “arrancar o olho que escandaliza”, de dar de comer ao que tem fome e de vestir os nus, de manter-se vigilante na oração, de cansar-se no trabalho, de não ter medo de nada, sobretudo do futuro, por fé na Providência, de amar a cruz de cada dia e de procurar a abjeção, o último lugar. Leiam e releiam o Evangelho: não encontrarão outra coisa. (Nazaré, 26/06/1948)