04ª PARTE -

2ª PARTE – CAPÍTULO 3 -

EREMITÉRIOS E FRATERNIDADES DO PE. DE FOUCAULD.

São João da Cruz diz que ao escolher um local para a contemplação “convém escolher o local que menos ocupa o sentido e o faz esquecer”.

Algumas pessoas se influenciam muito pelo ambiente. O Pe. De Foucauld é um deles. Seu espírito tinha uma feição “topográfica”. Admiráveis qualidades de observação precisa e objetiva dos lugares percorridos. Ele sentia o poder de evocação espiritual de alguns lugares. Sua paixão pelo deserto. Sua estada em Nazaré. Planeja nos mínimos detalhes a moradia em que seus futuros discípulos iriam viver. Ele sabia da influência exercida pelos lugares sobre a espiritualidade dos que os habitam. Dizia: “Nosso espírito se harmoniza com os objetos que o cercam”.

Os lugares em que ele morou e os que imaginou em espírito para seus irmãos são 5:

1- O Nazaré dos Irmãozinhos de Jesus (quando era Irmão Alberico , concebido na Trapa de Cheikhlê, 1896) para seu primeiro projeto.

2- A cabana do eremita na Terra Santa.

3- Fraternidade dos Irmãozinhos do Sagrado Coração, regulamento de 1899.

4- Fraternidade de Beni-Abbés.

5- Dois eremitérios do Hoggar.

1º:- EREMITÉRIO (MOSTEIRO) NAZARÉ

Cidadezinha oriental no meio de terrenos bagos e palhoças. Um recinto fechado com uma construção miserável como as demais, mas maior, forma retangular, com aparência de galpão, uns 30m x 5 ou 6 m. Paredes de terra misturada com palha. Telhado feito com folhagens cobertas com espessa camada de terra argilosa 4 m do solo. Algumas janelinhas nos lados mais compridos. Perpendicular á rua. Porta simples, no meio da parede da fachada. Alguns pés de figo e parca cultura de centeio. Nenhum legume. Um poço sobre a entrada, uma inscrição: “NAZARÉ DE N. SRA. DO SOCORRO”.

Esse é o Mosteiro dos Irmãozinhos de Jesus descrito pelo Irmão Maria-Alberico (Ch. De Foucauld) em seu projeto de regulamento de 1896.

A impressão é de despojamento total, pobreza heróica, exatamente igual a das que encontraríamos nas casinhas vizinhas de trabalhadores pobres vivendo penosamente, semana por semana, ofícios miseráveis: trançar cestas, tecer esteiras grosseiras etc. Os de Nazaré devem viver assim.

O edifício dos Irmãozinhos de Jesus está dividido em três peças:

1ª- 5 a 6 m de lado, algumas esteiras, bancos de pedra junto às paredes, para hóspedes eventuais, servindo de cama, ou poderiam dormir nas esteiras, enrolados num cobertor. Apenas para gente humilde ou habitantes do país, em viagem, à procura de um abrigo para a noite.

2ª- No fundo, uma porta dá para a peça principal, centro do mosteiro e da vida dos irmãos. Silêncio absoluto e verdadeiro, apesar de uma intensa atividade de trabalho. É uma sala de trabalho. Paredes não rebocadas, tijolos cinzentos, 12 ou 15 m. De comprimento. Junto às paredes, um banco de pedra, cortado de 2 em 2 m, por uma série de separações formando compartimentos, de modo que cada irmão tivesse seu canto para dormir ou trabalhar em alguma tecelagem grosseira ou fabricando esteiras. Nessa sala se faz tudo. Matéria prima e produtos fabricados amontoados num canto até o final de semana. Um pobre fogão de terra. Sobre ele, uma panela em que se cozinha sopa de cereais, único e invariado prato das duas refeições cotidianas. Pés descalços, mais de nove horas por dia para viverem pobremente. No fundo, perto da porta que conduz à capela, dois troncos e duas inscrições: “Para o nosso Santo Padre o Papa” - “ Para o aluguel” -indicam o destino das quantias que ali são colocadas. A quantia correspondente a 1/52 (um cinquenta e dois avos) do aluguel anual (os irmãozinhos não são donos do terreno) é colocada no primeiro tronco, sábado à tarde, depois do pagamento da semana. No outro, 1/20 (um vinte avos) da parte do dinheiro ganho é igualmente depositada cada sábado em oferta destinada ao Santo Padre. O que sobra do salário da semana é em seguida literalmente distribuído aos pobres.

3ª- Porta dos fundos. Terceiro compartimento, capela. Esforço para que seja um lugar melhor que o resto da casa. Ladrilhos pobres ou tijolos em lugar da terra batida do chão e teto coberto com terra argilosa, feito com mais cuidado. Um simples altar no fundo e alguns bancos de madeira formam todo o mobiliário. Ali se reúnem três vezes por dia: começo, meio e fim do trabalho. Horário pregado na porta:

De 3:07 hs até 7:00 hs = oração, rosário e Missa.

De 7:00 às 11:00 hs = trabalho, com 15 minutos de descanso, às 9 horas.

Refeição: 11:30 hs, oração.

12:00 hs = recomeço do trabalho até às 17:25 hs, com 15 minutos de descanso, às 15 hs.

Ceia e capela, das 18 às 19:45 hs.

Nesse casebre não há nenhum armário, nem cofre, nenhuma reserva do que quer que seja: nem de roupa, nem de alimento. Só possuem o que trazem no corpo. Lavam as roupas brancas às Sextas-feiras, dia em que ficam sem elas.

Pobreza próxima da miséria. Irradiação de pobreza, coragem calma e heróica, confiança cega na Providência, que comove. A mesma dos trabalhadores árabes que moravam ao redor do mosteiro de Cheiklê, de que visitou uma delas em 10/04/1899, deixando-o envergonhado de viver no mosteiro. A casa era bem mais pobre que o mosteiro! Ele saiu do mosteiro e quis a todo custo manter esse tipo de vida e organização econômica para grupo de 12 a 18 religiosos.

A 02/08/1896, o Pe. Huvelin se horrorizou com o regulamento e pediu-lhe que não redigisse nenhuma regra.

É um projeto de fato inaplicável, mas era a busca de solução para um drama interior, o doloroso conflito espiritual que dele sentia, o seu desejo de viver plenamente a pobreza evangélica a ser realmente vivida na vida religiosa.

2º- A CABANA DO EREMITA NA TERRA SANTA

Em Nazaré ou em Jerusalém, por três anos (1897-1900), morou ele numa cabana simples de tábuas, no fundo do recinto religioso de um convento de clarissas.

Cabana silenciosa, era ideal para uma vida de eremita separado do mundo e inteiramente ordenada a uma oração silenciosa.

No interior, um leito rústico (uma tábua sobre cavaletes e uma colcha de retalhos). Mais tarde haverá apenas uma esteira com uma pedra na cabeceira. Janela minúscula, perto da qual uma pequena prancha serve de mesa. É ali que lê e trabalha. Pequenos serviços de rua, trabalha um pouco no jardim, arruma a sacristia das irmãs e pinta imagens piedosas (1897).

Vida de anacoreta. Longas horas na capela. Longo afastamento do mundo. Tudo é ordenado para o recolhimento,silêncio, oração. Tudo é pobre e austero, mas não é mais a Nazaré do primeiro projeto: é menos austero.

Nesses três anos, verdadeiro noviciado para o período que se seguiu, ele amadureceu seu projeto de fundação e aceitará a perspectiva do sacerdócio. Essa solidão é uma etapa. Ele sonha sempre com uma congregação, a Fraternidade dos Irmãozinhos do Sagrado Coração, e a vê como se ela já existisse, traça seu regulamento e horário.

3ª-FRATERNIDADE DOS IRMÃOZINHOS DO SAGRADO CORAÇÃO, 1899

Que diferença do projeto de 1896! Já não é mais um casebre, mas um verdadeiro mosteiro para até 40 religiosos, com 5 pátios distintos cercados por construções. É um projeto mais sábio que o outro. Preocupação com a pobreza em todos os pontos. Ele se esforçou para atender as observações do Pe. Huvelin, por dar prova de prudência e descrição.

-sem torres ou campanários, identificadas apenas com cruzes fixadas nas extremidades dos corpos de construções, acima das cimalhas e das 2 portas de entrada.

-Cercada por terras de cultura e um pomar, alguns hectares, podem ser cuidadas por eles mesmos.

-construções sólidas e bem feitas.

-zonas de silêncio e de recolhimento de maneira graduada: hospedaria (hóspedes e visitantes), que se comunica com um segundo pátio mais silencioso, para retiros, capela para os hóspedes (pátio de retiro)

-oficina de trabalho (com galpões e estábulo), com pátio fechado pela capela dos hóstedes

-pátio do claustro, mais silencioso de todos, rodeada pelas celas dos Irmãos, refeitório, capela, sacrisia etc.

-pátio do cemitério. Única passagem é pelo pátio do claustro.

Apenas a hospedaria está fora da clausura, e há cancelas e uma placa: “JESUS-CÁRITAS, ENTRADA RESERVADA”. Capela pequena, para abrigar poucos hóspedes. A luz só é abundante no altar, onde o Santíssimo Sacramento é perpetuamente exposto. Sobre o altar, uma imagem do Sagrado Coração de Jesus de braços estendidos; à direita, imagem de Nossa Senhora, à esquerda e S. José. Bancos: lugares para 30 irmãos.

Na parte dos hóspedes, reentrâncias em um dos lados da parede para sacerdotes de passagem celebrarem a Missa e confessionários no outro lado.

Uma impressão de pequenez, humildade e pobreza emana de todas as construções. Celas de 2m x 2m. Lugares na capela são apertados. Lugar pequeno para 30 irmãos. Única sala comum: biblioteca de 4m x 4m.

Por economia, à noite os Irmãos só podem usar a luz da biblioteca, capela e cozinha (não podem usar a da cela). A cozinha tem 6m x 4m e ao mesmo tempo é a lavanderia e padaria. Não há outras salas em comum, como nos mosteiros, para que, na capela, os Irmãos se encontrem como numa família, Reunem-se na cozinha para todo o gênero de ocupação (para se utilizar do calor do fogão_.

O Ir. Prior ou o Ir. Mestre pode reunir a comunidade em qualquer lugar, mesmo nos pátios, nos terraços, nas celas.

A atmosfera que o Irmão Carlos se propôs a criar era de recolhimento e silêncio, agrupamento numa vida de família, em volta da Santa Hóstia, humilde fraternal caridade para com os hóspedes e com todos os de fora que vivem em grande pobreza.

O problema é que para a adoração perpétua seria necessário um grande número de irmãos, que não cabiam no mosteiro de forma conciliável: não iria haver o clima desejado, por falta de um pouco mais de espaço nos cômodos; muito aperto.

Até agora, só a cabana de tábuas da Terra Santa foi real. As outras duas que mencionamos não saíram do papel.

4ª- A FRATERNIDADE DE BENI-ABBÉS

Essa casa foi construída e ainda existe (em 1958). Foi iniciada com o trabalho benévolo dos militares do Oásis, com o plano de 1899, que ficou inacabada.

-Capela vasta: 4m x 14m. Seria uma fraternidade de adoração perpétua.

-Três celas e um quarto para hóspedes.

-um muro de clausura

Só não terminou (5 pátios) porque D. Guérin o proibia de continuar as construções.

-Conseguiu um sino, para lembrar as horas das orações, e o tocava, mesmo sem Irmãos.

A Fraternidade ideal nunca será construída. Ele a abandonou inacabada, em busca de algo diferente, que ele não entrevê ainda, senão de maneira confusa. Por escrúpulo, toma a resolução de voltar ali periodicamente: de fato, nunca mias moraria lá. O sino ficou silencioso.

5ª- HOGGAR

O fortim de Tamanrasset não foi moradia dele e apenas foi feito para servir de abrigo para a população em caso de ataque.

Vamos falar de dois eremitérios: um em Tamanrasset e um em Assekren. Residirá alternativamente num e no outro. Chama-os de “eremitério”. Já não fala mais de Fraternidade, como em Beny-Abbés. Compreendemos que algo mudou em seu pensamento.

EREMITÉRIO DE TAMANRASSET

Parece-se com uma casa pobre da região, muito pobre. Estreito. Espaço dado pelo comprimento. Sua descrição feita por ele:

Dois cômodos de 1,75m por 2,75 m e quase 2 m. De altura. Casa feita de pedra e terra. Uma cabana de ramos que será parlatório, refeitório, cozinha do paulo, local de hóspedes,

EREMITÉRIO DE ASSEKREN

Réplica do primeiro, 50 a 60 km desse outro, no coração do Ahaggar, numa montanha em forma de plataforma chamada Assekren, mais de 2.600 m de altitude. Dois cômodos: um quarto para duas pessoas e uma capela.

Os eremitérios de Tamanrasset estão mais próximos da concepção primitiva de Nazaré de 1896 do que de beni-Abbés= oposto do que lembra um mosteiro. Ele já não fala de 30, mas apenas de um companheiro (o quarto de Assekren era ara duas pessoas).

São como uma casa qualquer da aldeia. Ele pode considerar-se “do país”. Entregue de todo aos Tuaregues, votado de todo a eles, morando em casa como a deles. Nada o afastará deles: nem sino, nem campainha, nem muro, nem claustro, nem capela aparente. Reza no fundo de sua casa, onde trabalha e familiarmente, recebe os que o procuram. Sempre ávido de silêncio e de recolhimento, mas não foge dos Tuaregues. Quer penetrar no meio deles, por isso esse tipo de construção.

No Assekren segue as tribos que passam o verão na montanha. O padre de Foucauld leva agora sua clausura dentro de si, pois pretende ficar monge, e monge ficará até o fim.

Os dois eremitérios tiram a aparência de uma comunidade. Só é previsto um companheiro.

Em 13/05/1911, escreve uma carta mostrando que deseja, agora, só um ou dois companheiros, pequenos grupos pouco numerosos, para que possam viver uma vida muito simples, pobre, misturada com o meio.

Mantém o caráter monástico e contemplativo de sua fundação. As construções do Hoggar mostram que o Pe. De Foucauld sonha com ua ama autêntica vida religiosa, contemplativa, sem encargo de ministérios, sem pregação, mas bem simplesmente misturada às pessoas na pobreza de um verdadeiro labor e em testemunho de um total amor fraterno. Sonha, numa palavra, em “Gritar o evangelho por toda a sua vida”.

OS IRMÃOZINHOS

O desejo dos Irmãozinhos é de viver, na integridade, a mensagem do Pe. De Foucauld, se esforçando para sintetizar todos esses elementos em sua vida. Suas fraternidades devem tornar possível, ao conjunto dos irmãos, um ritmo semelhante de vida, pobreza, trabalho, oração eucarística, dom de si. Isso tudo feito em contatos fraternais simples, simultaneamente ou alternativamente, como o fez o Pe. De Foucauld.

As Fraternidades dos Irmãozinhos deverão todas levar, com pequenas variações que diferenciam uma das outras, conforme os meios, o reflexo das características que acabamos de evocar: pois estas são, de fato, todas essenciais à espiritualidade de Carlos de Foucauld.

CAPÍTULO 4 DA PARTE 2

NAZARÉ, FORMA DE VIDA RELIGIOSA

(Genebra, 15/10/1950)

“O Padre de Foucauld afirmou sempre que sua vocação consistia em imitar a vida de Jesus em Nazaré.” Desde sua conversão esse ideal orienta seus passos, mesmo por etapas tão desiguais. Essa imitação do mistério de Nazaré, ele pretende fazê-la ser uma verdadeira forma de vida religiosa. Isso não era novidade: inúmeras Congregações Religiosas nasceram pela meditação da vida da Sagrada Família.

O ideal do Ir. Carlos é um ideal religioso verdadeiramente novo, mas só frutificou após sua morte. A pergunta que se faz é se não é muio estreito, por ter uma espiritualidade centrada exclusivamente na Vida de Nazaré, apenas um período da vida de Jesus, apenas preparação para a sua missão de Salvador.

A verdade é que mesmo ele não se limitou `q vida de Nazaré, como vemos em suas mediações do Evangelho, mas foi “configurado ao Cristo-Jesus, não apenas o operário de Nazaré, mas nos caminhos de sua vida errante, à procura doas ovelhas mais abandonadas, e sobretudo, em Sua agonia sobre a Cruz”.

Por esse motivo, é preferível não qualificar a espiritualidade dele de espiritualidade de Nazaré, a não ser nos primeiros anos.

Entretanto, o “mistério de Jesus operário, pobre, vivendo obscuro em Nazaré, exerceu uma influência determinante na escolha que teve que fazer de um estado de vida, assim como na elaboração do projeto de congregação religiosa, na qual pensou desde o começo”.

“Nazaré lhe inspirou uma nova forma de vida exterior, enquanto que sua espiritualidade se alimenta na plenitude do mistério de Jesus, ao qual se une através do Evangelho.”

Dois elementos parecem essenciais:

1º- O choque que ele levou, quando era o Irmão Maria Alberico, ao visitar uma pobre família operária muito mais pobre que os monges com quem ele vivia: “Que diferença entre essa casa e nossas habitações! Suspiro por Nazaré!” (escreveu ele ao voltar). Desde então, Nazaré passou a encarnar para ele um ideal de vida religiosa que deverá integrar, salvaguardando a pobreza real da habitação e do nível de vida, assim como a insegurança e o duro labor de uma vida operária. Tudo está ali em germe.” Isso foi expresso no regulamento de 1896.

Pensava em pequenos grupos. Em 1899, redigiu a contragosto um novo regulamento para conciliar os pontos problemáticos, principalmente na adoração perpétua do Santíssimo Sacramento, que necessita muitos monges.

Mais tarde, em Tamanrasset, volta à idéia de pequenas Fraternidades. “À luz da experiência, e talvez ainda mais, por uma razão de inserção no meio , do que numa finalidade da pobrezas.”

Entretanto, esse desejo de tal vida religiosa inserida num estado de vida que é a da maioria das pessoas, não trará confusão entre o estado religioso e a situação normal do cristão? Os meios não serão igualmente confusos?

A perfeição é uma realidade que todo cristão deve ter, por vocação batismal. ”O mistério de Nazaré é, por excelência, o modelo da vida cristã do leigo no mundo”, e entre as três, a que Jesus viveu mais (as outras duas: vida do deserto e a vida pública), e é à que ele chama o maior número de servidores, nas pessoas dos leigos. “Ora, essa é a vida que Ir. Carlos se sente levado a escolher entre todas.

2º- O segundo elemento essencial e original do ideal do Pe. De Foucauld é justamente a insistência de se viver a vida religiosa num estreito contato entre as pessoas, embora no início ele havia planejado a clausura, silêncio, retiro.

Contato esse marcado pela caridade crescente, familiaridade de uma amizade gratuita, fraterna. “Conseguiu viver mais misturado com as pessoas do que nenhum outro missionário”, generoso esforço de adaptação da inteligência e do coração. “Esse dom e essa constante disponibilidade são o fruto do amor e a consequência de um grande desejo de levar às pessoas uma viva presença de Cristo”.

O apostolado tem estes parâmetros: simples presença, amizade fraterna,o dom de si mesmo, conversas íntimas, o testemunho dado por toda a vida, enfim, tudo quanto o amor pode sugerir a um pobre que quer manter-se pobre, para fazer conhecer e amar o Senhor Jesus pelos seus irmãos que o rodeiam”. Esse é também o apostolado que estão ao alcance de todos os leigos!

Resumindo, estas são, pois, as duas características que fazem a originalidade da forma de vida inaugurada pelo Pe. De Foucauld:

-Ausência de organização comunitária tipo monástica

-Supressão de toda separação visível e exterior em relação às pessoas aos quais nos entregamos em disponibilidade total.

VIDA RELIGIOSA NA VIDA OPERÁRIA

A dificuldade de aclimatar as observâncias religiosas nessa vida operária no meio do povo: Que fazer? Conservar o ritmo de vida religiosa adaptando-se as observâncias? Mas isso provocará uma tensão interior prejudicial à paz das almas: os exercícios muitas vezes interrompidos, as observâncias que não podem ser mantidas, que perdem o verdadeiro valor que possuíam numa outra forma de vida religiosa. Certas regras de separação do mundo são impossíveis para nós.

Outra objeção seria o fato de que o desaparecimento de um mínimo de separação exterior implica em dizer que não há uma verdadeira vida religiosa, mas somente uma vida leiga cristã no mundo.

Será que um mínimo de separação e de observância é verdadeiramente um elemento essencial da vida religiosa como tal? Os movimentos leigos, como a Ação Católica produziram homens e mulheres cujo valor de vida interior é, às vezes, maior do que o de certos padres e religiosos.

O autor começa a falar, neste ponto, da problemática de atuação e testemunho da vida religiosa tradicional, com muitas crises, muitas vezes por falta de adaptação à realidade atual.

Lembra ele que muitos padres e religiosos aprenderam mais na guerra e nos campos de concentração e em outras ocasiões drásticas do que nos noviciados, mosteiros e conventos.

Pergunta o autor se não seria preferível encontrar uma expressão exterior de vida religiosa que fosse mais conforme à cultura da sociedade atual, baseando-se nas observâncias mais profundamente ligadas a autênticos valores espirituais.

Faz então um pequeno histórico da vida religiosa, altos e baixos, e a coragem exigida deles, a preocupação da Igreja em reconquistar as massa populares descristianizadas, e aí surgiu a Ação Católica, a falta de observância dos valores evangélicos, por parte de muitos religiosos, que confundem um pouco os leigos , as críticas feitas contra eles, e o fato de que não há santidade sem heroísmo e aí comenta esta frase:

“A proclamação da heroicidade das virtudes é a etapa preliminar obrigatória de toda canonização. Esse heroísmo deve suscitar particularmente o amor que é o elo de toda perfeição cristã.” Ora, o religioso, mais do que ninguém deveria praticar heroicamente as virtudes, diz ele. Esse autêntico espírito religioso inspirou todos os fundadores das grandes ordens.

Coloca, então, alguns pontos controvertidos de orientações que causaram problemas opostos, como por exemplo, para reconquistar par o Cristo um mundo paganizado até à medula, cristalizou-se as preocupações e os cuidados da cristandade nas atividades sociais de rendimento visível e no esforço de uma caridade eficiente, de tal modo que houve a diminuição do sentido do sagrado. Aí há a contestação de uma separação para Deus e, às vezes, até a legitimidade de uma existência simplesmente consagrada a Deus.

O julgamento do valor espiritual de um ato, nesse esquema, é feito pelo rendimento de atividade social e do serviço ao próximo. É claro que há nisso um erro, pois há um valor religioso profundo no voto que consagra a Deus. De fato, o viver em estado de castidade, pobreza e obediência, apesar de acarretr separações, pode ser realizado nos mais diversos estados de vida.

O Padre de Foucauld abriu-nos exatamente esse caminho novo, percorrendo-o primeiro: “participar até às últimas consequências do destino dos pobres trabalhadores, e manter-se bem perto das pessoas, a fim de ser para todos uma viva presença do Cristo.” É um novo tipo de vida religiosa!

A vida é orientada”num mesmo movimento de caridade para com o Cristo e para com as pessoas, ensinando-as a se servirem das dificuldades desta vida como de um meio de despojamento e de realização muito concreta da profissão dos três votos.

Houve um tempo em que a profissão monástica era considerado um dos únicos caminhos para a santidade, Muitos a buscaram nos primeiros séculos da cristandade, repetindo-se nos séculos antes e depois do século 17.

Hoje redescobriu-se a possibilidade de uma autêntica santidade no mundo, e os institutos seculares ilustram bem esse quadro, trazendo em suas constituições muitos elementos do nosso ideal de vida de Nazaré.

OS INSTITUTOS SECULARES

“Os institutos seculares diferem das congregações religiosas em dois pontos essenciais:

1- Apesar dos membros dos Institutos seculares se empenharem por votos ou promessas a observar a pobreza, a castidade e a obediência, esse compromisso não é considerado pela Igreja como um profissão pública;

2- Seus membros não levam, também, uma vida em comum.

“Postos de lado estes dois pontos, tudo o que o Papa expõe sobre o caminho da perfeição, próprio a estes Institutos, aplica-se perfeitamente às Fraternidades.”

Diz o documento motu próprio “Primo Feliciter, do Papa Pio XII;

“Esse apostolado dos Institutos Seculares deve ser fielmente exercido não somente no mundo, mas também, por assim dizer, por meio do mundo e, por conseguinte, por meio das profissões, das atividades, sob as formas, nos lugares e nas circunstâncias correspondentes a essa condição secular”.

Antes disso, lemos:

“ Não se deve cortar nada à perfeita profissão da perfeição cristã, baseada solidamente nos conselhos evangélicos e verdadeiramente religiosa quanto à sua substância, mas essa perfeição deve ser realizada e professada no mundo. Em consequência, é preciso adaptá-laà vida secular em todas as coisas lícitas e compatíveis com as obrigações e obras dessa mesma perfeição”.

O Pe. René Voillaume comenta, nesse ponto, que, com leves transposições, essas páginas dos dois documentos definem a espiritualidade do Pe. De Foucauld em seus traços essenciais:

1- A vontade de procurar numa vida comum nos mais diversos trabalhos, a prática efetiva dos três votos.

2- A preocupação de ser salvador através de toda a sua vida. “A vida inteira consagrada a Deus pela prática da perfeição deve ser convertida em apostolado”.

Carlos de Foucauld foi como que “torturado” pelo desejo da salvação das pessoas e por isso procurou as tribos abandonadas, passou horas de adoraçaõ diante da Hóstia do Salvador do mundo, no estudo das línguas, das conversas aparentemente inúteis, e muitas vezes sem resultados. Podemos dizer, pois, que toda a sua vida foi convertida em Apostolado! Ser Salvador, com Jesus. É a própria razão de ser do gênero de vida das Fraternidades.

Assim, os Imãozinhos consagrarão verdadeiramente a vida a Deus sabendo tirar o maior partido possível de todas as condições de abnegação, de todas as exigências de caridade que se lhes oferecerão quase a casa instante de nossos dias.

Encontrem a alegria do despojamento material na precariedade de suas vidas! Encontrem a renúncia aos egoísmos e caprichos na instabilidade do trabalho proletário, no cansaço das viagnes e nas estradas!

Há mitos que fazem isso, mas sem a fé no Cristo e sem a esperança que vocês têm!

A experiência da própria fraqueza e dos desfalecimentos não os deterão! Transpondo-os, vocês encontrarão a única misericórdia do Senhor, fonte de toda vida divina. Continuem, entretanto, a sempre aspirar à fuga de Jesus para a solidão para rezar, aproveitem todas as ocasiões para realizá-la, mesmo que haja impossibilidade de se reservarem instantes para si mesmos, por causa do trabalho e do apostolado.

“O regulamento de vida lhes deve ser um guia e um meio para realizar essa disponibilidade efetiva à oração. Se um tal caminho de perfeição foi solenemente reconhecido como sendo possível para os Institutos Seculares que não têm vida em comum, como não o seria com mais razão para nós,” que temos vida em Fraternidade, que nos dá uma força incomparável?

“ Se a Igreja reconhece a possibilidade de uma vida pobre, casta e obediente em todas as profissões e em todos os estados, reconhece-lo-á, com mais razão, na vida especialmente humilde e pobre, voluntariamente escolhida pelas Fraternidades.”

Nossa vida se situa à meia distância entre a concepção clássica da vida religiosa e à dos Institutos seculares. (Genebra, 15/10/1950)