02ª PARTE -

CAPÍTULO 2 – MENSAGEM DE BENI-ABBÉS (23/02/1950)

“Faz já cinco dias que estamos em Beni-Abbés. Ocupado com os irmãos, as irmãs e a capela do Pe. De Foucauld, em que o Santíssimo Sacramento está exposto dia e noite desde domingo, o tempo correu para mim velozmente. Vivemos na oração e no recolhimento que emanam desa primeira Fraternidade.”

“Tudo aqui é muito simples e muito evocador do Sacrifício Eucarístico, que é adorado o dia todo pelos Irmãozinhos e Irmãzinhas”. Às refeições (meio-dia e à tarde), lemos os “Escritos Espirituais” do Pe. De Foucauld, ou passagens de sua vida, de René Bazin. Aqui suas palavras tomam “um sentido completamente novo, e procuramos saber melhor o que o Pe. De Foucauld espera de nós”. Nada podemos sem o Espírito Santo, que só o coração de um Santo pode obter de Deus.

Sua humildade é “cheia de confiança, coragem, abandono a tudo quanto quiser nosso Bem-Amado Irmão e Sr. Jesus: A fraqueza dos meios humanos é uma causa de força. Jesus é o Mestre do impossível. Uma das coisas que devemos absolutamente a N. Senhor é não termos nunca medo de nada”.

A CAPELA

Foi aqui que o Pe. De Foucauld passou horas e noites com Jesus e compreendeu o que seria sua vocação de completa disponibilidade; foi aqui que se efetuou a transformação progressiva de um ideal de vida religiosa, até então definida de modo muito estreito por um regulamento, dependente demais de um determinado quadro.

A vocação de imitar Jesus de modo mais fiel às exigências do amor ao próximo e de contao com os irmãos, se processou nesta capela. “ Irmãozinho Carlos deixa-se levar sem se apegar a nenhuma idéia preconcebida, a nenhuma fórmula de vida. Uma só coisa é importante para ele: imitar Jesus, imitar Jesus de Nazaré, entregar-se inteiramente ao amor de Jesus, da Eucaristia, dos pobres, de todas as pessoas. Sua alma é cada vez mais livre, e sua atividade exterior totalmente disponível”.

Ao mesmo tempo em que ele está pronto para tudo, até ir ao fim do mundo e a viver até o julgamento final para seguir Jesus, ele continua sempre a ser o Irmãozinho profundamente pobre de Jesus de Nazaré.

OS APELOS DE JESUS

Mas também não devemos ter medo do apelos de Jesus, de quebrar fórmulas de vida por demais estreitas ou as definições por demais rígidas.

Seguir Jesus em sua pobreza concreta. Realizar as bem-aventuranças. Amá-lo, olhá-lo, contemplá-lo numa oração que se faz contínua. Amar todos os seres humanos, especialmente os mais pobres, com amizade, por eles mesmos (gratuitamente), como se só aquela pessoa vivesse no mundo, sem procurar resultados, nem rendimento apostólico, sem medir em conta-gotas nossas atividades, sem questionar se isto ou aquilo está ou não conforme a vocação de irmãozinho.

A única pergunta que devemos fazer é esta: “Que faria Jesus em meu lugar?” Seremos julgados sobre o amor, sobre a fidelidade à correspondência às exigências de Jesus, que está vivo, seu Evangelho está vivo, Ele é nossa regra suprema de vida.

Não devemos definir nosso ideal de maneira abstrata, em referência a fórmulas incompletas. A vida de um irmãozinho = presença> vida escondida> não buscar a eficiência > misturada com os outros.

Nunca perguntar se isto ou aquilo é ou não contemplativo, se é fazer ministério, se não é atitude de um “ativo”. Devemos, como o Pe. De Foucauld, julgar nossos atos em referência à pessoa de Jesus, e à luz do amor.

As pessoas buscam Jesus em nós como uma pessoa divina, que é o Amor Encarnado. Não buscam em nós um “ideal de vida”.

Silêncio, vida escondida, vida no meio da massa, simples presença, testemunho, não – eficiência: característica de nossa vida exterior, mas não são noções que possam definir nossa Fraternidade.

Devemos, isto sim, afirmar: “Não devo fazer tal coisa pois seria contrário ao que o amor de Jesus exige de mim, não é assim que Jesus agiria se estivesse em meu lugar”.Nem o Irmão Carlos foi fiel à sua regra de 1899, pois deixou o seu eremitério de Beni-Abbés e sua clausura.

As Fraternidades devem viver o Evangelho e testemunhar Jesus até o fim do mundo, principalmente onde houver pessoas que sofrem e penam, em que Jesus não é suficientemente conhecido. Jesus irradia seu mistério de Nazaré em todos os meios, sejam quais forem. Os Irmãozinhos devem levar por toda a parte sua mensagem de pobreza, de oração, de amor, sob as mais diversas e imprevisíveis formas, desde que sejam aptas para exprimir os valores evangélicos.

Isto não significa que possam entregar-se a qualquer gênero de atividade! O critério de decisão é o amor, a união perfeita a Jesus.

Não definam nada, mas vivam! Olhem para Jesus como o Irmão Carlos olhava aqui em Beni-Abbés! Não raciocinem a partir da definição de um ideal. Jesus os levará mais longe do que vocês pensam!

A NOSSA POBREZA

Jesus quer de nós que sejamos “pobrezinhos”, verdadeiros pobres. Não se trata somente de um espírito de pobreza ou da virtude da pobreza compatível com qualquer obra: trata-se de ser pobre entre os pobres, operário entre operários, pequenino entre os pequeninos deste mundo e essa é uma opção que tem terríveis exigências!

É um apelo de Jesus para o Pe. De Foucauld e para nós: é uma participação de vida mais real com o mundo dos pobres. É uma passagem do Senhor entre nós.

As pessoas desejam encontrar uma Igreja pobre, religiosos pobres, o Cristo com sua face pobre presente no meio deles. Qualquer atividade que nos obrigasse a sair desse estado de pobreza, não seria conforme à vontade de Jesus sobre nós: seria um zelo e uma caridade mal compreendidos. Essa pobreza deve ser pura; uma pobreza de Nazaré. Pobreza que é vida. Imagem da pobreza de Deus, e não de uma concepção estreita de um só tipo de pobreza.

A pobreza de Jesus não dá para ser expressa por uma só pessoa: cada Irmãozinho exprime um aspecto da pobreza de Jesus. Exemplo: a pobreza do operário, a dos que se entregam à Providência (que não moram em um lugar fixo), a dos que estão doentes e precisam receber tudo etc.

Vivendo a pobreza dessas maneiras diferentes, ela não será deformada. O que trabalha não pode se esquecer da Providência divina, e o que não trabalha não pode se esquecer do valor do trabalho como lei do Senhor.

AMOR PELAS PESSOAS

Jesus quer que tenhamos um coração repleto de amor por todos, mas sem ficarmos obcecados em termos consciência de que um grande número de pessoas não conhecem Jesus nem o Reino de Deus.

É Jesus que deseja que a nossa lâmpada seja posta no candelabro, para que seja vista. Ele é que a acendeu para esclarecer, iluminar e aquecer o coração das pessoas. Mas nós devemos deixar Jesus agir. É Ele que vai colocá-la no candelabro e não nós. Nenhum vento conseguirá apagá-la.

Não podemos impedir, sob o pretexto de vivermos uma vida escondida ou afastada voluntariamente, que as pessoas busquem se aquecer em nossas lâmpadas, no amor de Jesus que existe em nós. Não depende de nós.

Jesus quer que sejamos a luz do mundo, o sal da terra, o fermento na massa. Trata-se de SERMOS e não de AGIRMOS. Nosso trabalho é estarmos tão unidos a Jesus, que nos tornemos luz, sal, fermento com ele. O resto não depende de nós. Jesus nos quer presentes no meio do mundo, mesmo que sejamos devorados pelos que têm fome e sede da justiça divina.

O Reino de Deus se estenderá através de nós e por nós. É Jesus que deve ser o artífice disso; nós apenas vamos viver o Evangelho, ser uma luz, uma fonte de vida e de calor, como Jesus o foi. Descartemos os métodos definidos e as atividades definidas.

Se formos desconhecidos, desprezados, incompreendidos, que não o sejamos por não termos sabido transmitir a mensagem de Jesus com bastante pureza!

Não depende de nós sermos ou não desconhecidos, nem podemos dizer que nossa vocação não é a de iluminar e aquecer o mundo.

O amor vivido deve irradiar-se e nós precisamos desejar que Jesus seja mais conhecido e amado.

As Fraternidades devem, segundo Pe. De Foucauld, ser focos de onde se irradia bem longe ao redor, o amor de Jesus! Se Jesus, pois, não ficou conhecido, não foi aceito, devemos chorar, e não ficarmos alegres em termos sido desprezados!

Aceitemos que as pessoas venham avidamente iluminar-se à nossa luz e beber em nossa fonte de água viva! Isso não deve ser evitado a pretexto de se “estar fazendo apostolado” (segundo as regras dos Irmãozinhos, que desaconselham para eles certas atividades dentro da Igreja).

Mas... cuidemos de não estarmos empregando meios humanos para atrair essas pessoas!

Que o fracasso, caso haja, não tenha sido causado por nossa falta de jeito, por estreiteza de espírito ou por falta de generosidade no amor! Que não sejamos desconhecidos por não terem encontrado em nós a verdadeira fisionomia de Cristo, tal como esperam as pessoas encontrá-la.

DOARMO-NOS

O dom de nós mesmos: isso é o que Jesus exige de nós, aos mais pobres, amizade gratuita, amar terna e fraternalmente.

A perfeição técnica racionaliza a satisfação das necessidades humanas, que foram etiquetadas e repartidas em serviços diversos. Cada vez mais se chama o outro pelo nome: será tratado cada vez menos como pessoa. Serão conhecidas suas enfermidades, sua falta de dinheiro, sua necessidade de uma casa, de repouso e distrações. Para cuidar disso, criam-se pesadas máquinas administrativas que desconhecerão o coração do homem.

É inegável a necessidade da técnica, mas ela escraviza o homem e nos parece que cristãos, religiosos e padres, são constrangidos a se submeterem a suas leis, para pô-la a serviço do amor, e, por isso, correm eles mesmos o risco de se deixarem escravizar por ela.

Exemplo: a religiosa que, no hospital, só pode cuidar de seus doentes como “casos”, de modo científico, não podendo amá-los como pessoas humanas, a cada um deles.

Jesus não pede aos Irmãozinhos a organizara a assistência corporal ou espiritual, a fim de obterem um máximo de eficiência. Ele apenas lhes pede de amar algumas pessoas infelizes, alguns pobres, alguns doentes, aqueles que Jesus desejar, de amá-los com amizade, ternamente, como pessoas e não como casos a socorrer.

É claro que vocês devem fazer o que lhes for possível, de acordo com os meios pobres de que vocês dispõem. “Jesus curou alguns doentes em seu caminho, amou um pequeno número de amigos e o fez num ritmo tranquilo e humano, sem procurar quantidade nem rendimento.”

Cada ser humano é, à imagem de Deus, um absoluto. Não é perda de tempo amar o mais pequenino ser humano como um irmão, como se estivesse sozinho no mundo. Qualquer que seja sua miséria (desempregado, ex-prisioneiro, família em dificuldade), ele é tão digno de amor quanto o próprio Deus.

Cuidem de não se encarregarem de uma obra organizada, qualquer que seja ela, embora vocês trabalhem em hospitais, ambulatórios, leprosários...

Entendo a obstinação dos que preferem morrer em casa, com a afeição dos seus, ou talvez até numa pobre tenda, que ser internado num “frio” hospital, mesmo que haja a esperança de cura.

Os Irmãozinhos são chamados a viver simplesmente como amigos, no meio daqueles que a sociedade não sabe mais tratar como pessoa, e entre eles, os prisioneiros, as “pessoas deslocadas”, e os condenados.

UNIDOS A JESUS

“Se não estiverem unidos a Jesus, vocês não poderão ser pobres como Ele deseja, não poderão er a coragem de tomar sobre si mesmos os sofrimentos dos trabalhadores e dos doentes, não saberão amar com um coração suficientemente humilde e fraternal. “

Perpétua contemplação do “Bem-amado Irmão e Senhor Jesus”, a força do Pe. De Foucauld.

Cuidado! O que os atrai é Jesus, que deve ser amado acima de tudo, por Ele mesmo, gratuitamente, e não como meio de realizar a vida em conformidade com o Evangelho.

Os outros são como que um transbordamento do amor que temos a Jesus.

É unicamente por Jesus que vocês começaram a deixar tudo. Essa opção deve ser constantemente renovada. Esse amor imperfeito, ainda em germe, deverá crescer. “Meus filhos, o que eu quero de vocês na oração é o amor, o amor, o amor! (Escritos Espirituais pág. 161).

É esse testemunho que o mundo atual espera, porque talvez ele tenha complicado demais as relações do homem com Deus. Raciocina-se demasiadamente! Deseja-se métodos demais! Usam-se técnicas, mesmo na vida espiritual e no Apostolado.

“Que a intimidade de vocês com Jesus, simples e ardente, seja a luz e a força de cada um. Não se envergonhem jamais de sua amizade com Jesus. Ele não pode ser alguém distante e abstrato. Toda nossa vida depende da intimidade com Ele. Ele deve nos seguir de guia. Devemos abrir a Jesus o caminho. “Rezar é pensar em Deus amando-o”, diz o Ir. Carlos”.

Na maneira de orar do Pe. De Foucauld, há um engajamento cheio de fervor, corajoso, preciso, onde ele coloca toda sua vontade, toda sua pessoa.

Estar unido a Jesus em todas as situações, por mais difíceis que pareçam.

Método simples mas preciso no serviço da oração e na presença diante de Jesus, para colocar corajosamente o melhor de nós mesmos, da nossa inteligência, de nosso coração, a fim de que Jesus possa agir:

1- Olhar silenciosamente posto em Jesus, presença amorosa a seus pés;

2- Meditar as próprias palavras de Jesus no Evangelho, para conformar a elas sua vida.

3- Tornar o Evangelho uma regra viva de vida;

4- Quanto mais no conformarmos a Ele, tanto mais o compreenderemos.

5- Transformar as luzes, por mais fracas que sejam, em atos em nossa vida. Não deixá-las apenas na inteligência, nem apenas meditá-las em círculo fechado, se forem verdades ou valores morais.

“Eu não posso conceber o amor sem uma necessidade imperiosa de conformidade e de semelhança” (E. E. Pág. 106)

A MENSAGEM DE AMOR

A mensagem de amor da qual C. De Foucauld foi o portador para o mundo moderno é vida, imitação de Jesus, simplicidade conforme o Evangelho.

Somos ou não contemplativos?

Os Irmãozinhos receberam o chamado de Jesus no sentido de imitarem por amor sua vida e Nazaré, de viverem o Evangelho entre os pobres, trazendo no coração um amor fraternal por toda criatura e e numa constante oração Eucarística; e, exteriormente, suas vidas poderão se revestir das formas mais diversas, com a condição de permanecerem fiéis à sua vocação interior, tal como acaba de ser definida, e à sua condição de “pequeninos”.

ETAPAS DE NOSSA VOCAÇÃO

O Pe. De Foucauld passou por etapas sucessivas até a plena possessão de sua vocação. Partir de uma semente e crescer, pouco a pouco, até a maturidade.

Não será, pois, desde o primeiro dia, que um Irmãozinho será capaz de dar testemunho de Jesus e de seu evangelho, numa vida de oração vivida no meio das pessoas, por maiores que sejam seus desejos e sua generosidade.

É preciso que ele cresça, atravesse fases sucessivas, duração e ordem de sucessão diferentes para cada pessoa.

Solidão> vida oculta> fadiga do trabalho> o dom de si mesmo às exigências dos pobres, > o recolhimento> o estudo: são etapas necessárias a todos; alguns terão necessidade de um tempo bastante longo de vida oculta antes de serem capazes de viver unidos a Jesus no meio das pessoas.

Outros, só poderão levar uma vida retirada, generosa, e sem ilusões, depois de se terem dado aos outros.

Colocar-se cada um na situação mais apta para facilitar o trabalho do Espírito Santo em si.

Alguns terão necessidade de longos anos de preparação antes de conseguirem viver o ideal de Irmãozinhos em plenitude.

A vida exterior não precisa ser muito diferente de um para outro, mesmo com esses diferentes aspectos da formação. A diferença está na atitude de alma a guardar, mesmo que eles estejam no trabalho externo ou em missão.

São etapas psicológicas, de um conhecimento leal de si mesmos, da compreensão que o Espírito Santo pede a cada momento.

Lembro a formação progressiva e o fato de que essas etapas não serão iguais para todos.

Maturação interior lenta, mas feita em Fraternidades normais de trabalho ou de missão.

Necessidade de intercalar períodos de retirada, em intervalos mais ou menos longos.

É por isso que as Fraternidades se agruparam pouco a pouco em torno de Fraternidades de adoração.

Uma da principais é a de Beni-Abbés, por dois motivos:

1- número de irmãos que comporta

2- o lugar mesmo onde o Pe. De Foucauld viveu, na oração, o ideal evangélico que eles vivem agora.


CAPÍTULO 3 – MENSAGEM DE MAR-ELIAS

(Eremitério de Mar-Elias, perto de Damasco na Síria, 19/06/1950)

“Sai, e conserva-te sobre o monte diante do Senhor, porque eis que o Senhor vai passar” (1 Rs 19,11).

O Pe. René Voillaume começa descrevendo a capela de onde está escrevendo, diante de um ícone de 2 m. De altura do profeta Elias. É uma das gurtas num lugar de absoluto silêncio. Na capela, cotos de velas e objetos frutos de promessas cumpridas.

Fala sobre Elias, “verdadeiramente um homem cingido pela força divina e que deu testemunho à majestade única e transcendente do Deus de Israel, no meio de um povo cativado pelo materialismo dos ídolos, através das peripécias de uma existência devorada pelas exigências de uma missão imperativa e na lassidão de um coração consciente de sua miséria e, entretanto, consumido pela nostalgia da face de Deus, de cujo mistério ele tinha um dia entrevisto a sombra, numa gruta da montanha”.

Contraste violento: força divina X fraqueza humana. Esperança. Coragem incansável.

“É esse espírito de Elias que eu gostaria de ver descer em suas almas de Irmãozinhos. Esse fogo devorador deixou os mesmos traços fortes na alma do Pe. De Foucauld.”

Meditem as páginas do Pe. De Foucauld que são o eco desse espírito, para que se grave em suas vidas! Releiam-nas quando, acossados pelo materialismo do povo no lugar em que vocês vivem a Fraternidade, vocês forem tentados a esmorecerem.

Aqui mesmo, nesta gruta, alguns Irmãozinhos pedem por vocês, de tempos em tempos, para que tenham esse espírito de força no amor.

É nesse espírito de Jesus que eu lhes falo agora sobre o verdadeiro sentido e as consequências de nosso estado de trabalhadores pobres, na perspectiva de nossa vida religiosa e de oração.

NOSSO ESTILO DE VIDA

Um gesto tão simples: exercer um ofício, viver de salário, a fim de se tornar pobre, verdadeiramente pobre como um proletário, gesto esse realizado com amor por tantos santos, desde que Jesus viveu como trabalhador manual. Como pode um gesto como esse suscitar, atualmente, tais problemas a ponto de que a gente não possa mais tentar integrar no estado religioso uma vida de trabalhador, sem ter que formular a questão da legitimidade de uma tal vida?

Será impossível viver no século XX (XXI) uma vida no meio do povo pobre, simples, conforme o Evangelho de Jesus e baseada no trabalho diário do assalariado, sem colocar-se fora das condições exigidas pela Igreja para uma autêntica vida religiosa?

O primeiros ascetas do deserto viviam assim! S. Francisco de Assis e os primeiros discípulos viviam assim! Misturados com os pequeninos, pobres, entregues a um trabalho qualquer.

Só estamos pedindo isso! Com amor, viver pobres entre os pobres, santificando essa vida com os votos, sem usarmos hábitos!

A vida operária moderna não pode mais servir de base à elaboração de uma vida religiosa autêntica? O operariado cresce dia a dia!

Há duas objeções ao estabelecimento de uma vida religiosa no proletariado.

PRIMEIRA OBJEÇÃO

É impossível a um religioso trabalhar entre operários como um deles, sem ser integrado na classe operária e, por esse fato, levado a participar de um estado de luta de classe que a Igreja não poderia consagrar por sua presença; seria também levado a abraçar uma mentalidade mesclada de marxismo, incompatível com a fé cristã, ou pelo menos, a comportar-se como se praticamente se aceitasse os princípios comunistas.

As condições materiais do trabalho industrial impediriam uma vida religiosa autêntica.

Isso equivale a dizer que os operários não podem pertencer totalmente à Igreja de Cristo? Ou, pelo menos, não atingiriam a perfeição do amor! Acabar-se-ia com a esperança cristã no operário, pois se um religioso, bem preparado espiritualmente, não conseguisse viver a perfeição cristã no trabalho operário, que se dirá destes, que não têm quase nenhuma preparação?

É Deus quem nos chama! Não podemos separar Jesus trabalhador em Nazaré, dos demais operários esmagados pela rudeza das condições de trabalho.

Desejamos, com todo nosso amor, partilhar de sua sorte, para mostrar-lhes que Jesus pode ainda aproximar-se deles, que podem oferecer ao Redentor sua vida dolorosa. Eles podem se aproximar da Igreja através da nossa Fraternidade.

Isso é possível se permanecermos totalmente da Igreja e, ao mesmo tempo, seus irmãos de destino e coração.

A Igreja perdeu a alma operária. Devemos estar presentes ao seu trabalho e aso seus corações.

Dificuldade: existe uma classe operária. Isso é um fato. Sensibilidade própria. Mentalidade particular. Problemas específicos. Será que o marxismo absorveu totalmente o mundo do trabalho? Pode-se ainda ser operário sem ser obrigado a professar princípios opostos ao Cristianismo?

A unidade da classe operária é um fato. “A posição de vocês deverá ser a de “acreditar com toda a fé na necessidade de salvaguardar a possibilidade de uma orientação cristã na classe operária, mesmo que fosse ao preço de uma ruptura de unidade, se essa tivesse que ser baseada no materialismo. É possível viver integralmente como cristão e como religioso na classe operária?”

Os que pensarão cristãmente serão um pequeno número. “Devemos manter, com toda nossa fé, a continuidade viva da ação, lenta ou rápida, escondida ou triunfante, pouco nos importa, da Igreja, através dos séculos.”

CLASSE OPERÁRIA E SUAS LUTAS

É preciso manter, não só entre os trabalhadores, mas mesmo na luta operária legítima, uma presença da Igreja.

Os Irmãozinhos devem ser os testemunhos de uma vida operária penetrada de amor e de redenção, inviolavelmente fiéis ao papa e à Igreja. Vocês sentiram, com os operários, a injustiça da condição proletária. Ao mesmo tempo, experimentaram a força da solidariedade operária e a inteira abnegação de muitos. Há uma complexidade de problemas e a necessidade de um esclarecimento sobre eles.

Vocês são apenas Irmãozinhos de Jesus e continuarão sempre a sê-lo mesmo que tiverem que adquirir um mais alto grau de conhecimentos filosóficos e teológicos. Vou, pois, resumir-lhes, em algumas diretivas simples, qual deve ser a atitude de vocês.

DIRETIVAS DE ATITUDES

1- Jesus nos pede para representá-lo entre os mais pobres de seus irmãos. Faremos tudo para sermos autorizados a viver no meio dos trabalhadores e a compartilhar o seu sofrimento, trabalho e condições de via, sempre numa obediência total à Igreja.

2- Sempre na amizade, presentes às suas preocupações, não os julgaremos, nem os condenaremos jamais: só Jesus tem esse direito.

3- Nós nos amaremos mesmo no meio da luta, mas não participaremos do menor sentimento de ódio que existir em seus íntimos nem o aprovaremos. Nosso amor não poderá cessar de ser universal, mesmo quando vai de preferência aos que são os mais infelizes.

4- Nunca desobedeceremos ao amor de Cristo, mesmo no sofrimento de impotência aparente que esse amor nos imporá, às vezes, em face da injustiça.

5- Diante das injustiças revidadas com luta que se faz o único meio de extingui-las, vocês não devem participar de modo verdadeiramente ativo, pois nossa presença é antes de tudo espiritual e de amor no meio das pessoas.

Entretanto, devemos nos solidarizar com eles, pois a Igreja não poderia estar longe dos que sustentam uma luta justa em seu princípio.

Partilharemos com eles e os ajudaremos a suportar todas as misérias que resultam desse esforço : a inscrição nos sindicatos, a participação nas obras de auxílio mútuo e nas coletas operárias, com finalidades evidentemente não políticas, essas serão a expressão mais habitual dessa solidariedade.

6- Nos casos de injustiça pessoal atingindo os colegas de trabalho, devemos agir até que a injustiça cesse, mesmo com o perigo de se perder o emprego. Ficar em silêncio, nesse caso, seria covardia culpável e poderia ser como uma traição da Igreja, que será julgada através de nossa atitude.

7- Suportar sem ódio nem revolta o dilaceramento produzido em nós pela opressão injusta dos pobres, participação mais ativa na agonia do Salvador, assim dilacerado em sua humanidade, e num dom mais generoso aos que sofrem.

8- Entre obedecermos a uma diretiva formal da Igreja e o que nos parece ser uma exigência de solidariedade com o proletariado, precisamos ficar com a Igreja, sofrendo com nossa impotência em não poder modificar esse estado de coisas, a não ser por um esforço de solidariedade mais insistente e uma participação pessoal mais generosa à Paixão de Jesus.

9- Explicar claramente e em termos concretos o porquê de nossa atitude aparente de afastamento ou de recusa: saibamos fazer sentir ao mesmo tempo nossa solidariedade operária e a impossibilidade em que estamos de colaborar no sentido de uma evolução materialista do mundo. Devem saber que nós também cremos em qualquer coisa e que somos capazes de devotar-nos a ela até à morte. Somos, às vezes, nesse terreno, mais tímidos que muitos comunistas ou socialistas.

10- Perigo de nos contaminarmos inconscientemente em nossas concepções e em nossa fé, como que por uma infiltração progressiva do pensamento marxista que nos rodeia. Esse risco é maior para eles, e por isso não podemos desistir de nos estabelecer em plena massa operária.

11- Controlaremos constantemente a influência da imprensa operária, cuja leitura nos é necessária, e a do meio do trabalho, por uma informação mais objetiva dos acontecimentos, e, sobretudo, pelo contato que gostaremos de guardar com a palavra do Papa e o ensinamento da Igreja.

Ao materialismo latente do mundo do trabalho e à perspectivas unicamente terrestre de sua mística, opormos uma oração generosa que manterá nossa vida sob a influência benfazeja da presença de Jesus.

SEGUNDA OBJEÇÃO

Outros alegam a impossibilidade de transformar a vida de um trabalhador, consagrando-a a Deus pela vida religiosa, em primeiro lugar, pelo cansaço do tipo de trabalho, que não predispõe o espírito à oração e, em segundo lugar, pelo pouco tempo deixado pelo horário de trabalho para a oração.

Essa e outras objeções são feias até por religiosos contemplativos, que se utilizam da solidão, separação, silêncio, que predispõem à oração contemplativa: contemplação, calma, da beleza e da verdade divina, na claridade do amor.

Essa forma de oração não é exclusiva e não é à que Jesus nos chama habitualmente os Irmãozinhos. Estes são chamados a uma oração redentora, verdadeira e autêntica oração, mas que não se desenvolverá no mesmo quadro de vida que a do religioso enclausurado, e até parece que se desenrolam em posições opostas: é na fadiga, no sofrimento, nas dificuldades de uma vida de pobreza às vezes aos encontrões, que deve subir aos céus frequentemente a oração dos Irmãozinhos.

“Os Irmãozinhos de Jesus são chamados, quanto a eles, a viver um esforço de oração e de fé que brotará, às vezes, do sofrimento e sua própria vida, mas, ainda mais frequentemente talvez, da plena comunhão à miséria física e moral dos que os rodeiam”.

Não é uma oração em que vocês vão parar e repousar. Sua sorte está ligada aos que estão numa penosa marcha para a luz. A oração de vocês obterá, para eles, um mínimo de fé, indispensável para orientar suas vidas para Deus.

Aliviará os que se desesperam. É uma forma de amor mais para o desejo da posse do que pela posse verdadeiramente dita desse amor. Eles sentirão um desejo, mesmo confuso, daquele que é Todo o Amor. O Espírito Santo os orientará nessa direção. Jesus deve ser o nosso modelo: comprimido pela multidão dos doentes e pobres, alquebrado pela fadiga das caminhadas no pó das estradas, acotovelado e solicitado por todos, a ponto de não encontrar tempo nem para comer.

É essa a oração à qual Jesus quer associá-los. “Tenho compaixão desse povo que há três dias me segue e não tem o que comer” ( Mc6,34)

“Eram como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34).

“Pai, livra-me desta hora” (Jo 12,27).

À pesada e sangrenta oração da agonia no Getsêmani, oferenda dele mesmo, ele junta uma visão aguda da miséria humana , essa mesma com que vocês se acotovelam e que nada deveria fazê-los esquecer.

O ato pelo qual Jesus salvou o mundo não se realizou no repouso e na oração tranquila, “mas no doloroso esforço de uma oração que não encontrava mais um caminho fácil através dos cansaços de um corpo quebrado de sofrimento.

“A oração de vocês não é separada da vida de caridade, de disponibilidade, de participação nos cuidados e no trabalho dos pobres. Vocês todos sentiram isso”, e que não poderiam separar a lembrança disso da de Jesus, e sua oração se reveste de impotência . Ela deve transformar-se numa espera de Jesus na fé, na inatividade humana, que é o gesto da oração atirando-nos sozinhos e sem palavras para diante de Deus.

“A pobreza e o sofrimento, os nossos e os dos outros são, com a realidade da Presença Eucarística, os meios que nos servem para fazer subir uma oração de fé do fundo de nossa alma” A constante procura de Jesus em nossa vida se apoia, antes de tudo, nas Bem-Aventuranças, e estas devem ser para nós realidades familiares e concretas.

Não podemos instalar em nossa vida uma oração de Cartuxo ou de solitário! Nós renunciamos à tranquilidade de uma contemplação solitária. O que Jesus pediu foi a perseverança. Confiemos na ação do Espírito Santo, para que cheguemos à oração contínua, ao “orai sem cessar” de Jesus.

Se Jesus exige uma coisa de nós, quer dizer que isso é possível com a sua ajuda. “Conduzir à perfeição do amor a oração do Publicano e da pecadora, a de todos os doentes e cegos que assediam Jesus noite e dia: é a essa graça que precisamos abrir nosso coração. Então, nossa oração estará em nossa vida e não a seu lado, e nela encontrará seu alimento, porque teremos aprendido a olhar todas as coisas na fé, com os mesmos olhos do Senhor.

Gandhi disse que se não realizarmos nas condições austeras de vida do trabalho e da pobreza “a mesma vida religiosa como se estivéssemos em oração num mosteiro, o mundo nunca será salvo”

INSTANTES DE SOLIDÃO

“Devemos, neste ponto, seguir o exemplo do Salvador, não somente para salvaguardar em nós a possibilidade de uma oração viva, contínua, mas também porque devemos nos manter fiéis a nosso dever de adoradores do Pai que nos incita a cada momento, pois, se a participação no sofrimento do mundo e a seu labor é, para nós, o ponto de partida de uma vida oferecida na oração, não podemos esquecer que, em nome de todos, nossa oração deve ser, também, uma adoração.”

O contato contínuo com as pessoas pode nos fazer esquecer esse aspecto da adoração:

-a exposição do Santíssimo Sacramento,

-o levantar à noite,

-os dias mensais de retiro silencioso.

-as Fraternidades de adoração.

Tudo isso nos lembra esse outro aspecto de nossa vocação e de nossa oração: viver só para Ele, e isso nos é lembrado no silêncio das horas passadas aos pés dele, para olhá-lo.

Não nos deixemos arrastar pelo peso dos sofrimentos da humanidade, nem cedermos à tentação dos Apóstolos ao censurar o “desperdício” de perfume da pecadora arrependida.

Essa inserção em nossa vida de instantes de solidão preserva-nos dessa mentalidade. Jesus merece que se “perca tempo” por Ele, na adoração, apesar dos que choram e sofrem. Essa “perda de tempo” nos mostra o calor de nossa fé na transcendência divina e purifica nosso relacionamento humano.

Esse “não servir para nada e não ser útil para ninguém” poucas vezes será compreendido. Essa incompreensão constante pode nos levar à tentação de deixar esses momentos de adoração, enfraquecendo assim a nossa fé no mistério de deus, sem que o percebamos.

Jesus é um mistério. Pertencer a ele tornará também misteriosa a nossa vida. “Não nos esquivemos desse mistério: seria falta de fé, fraqueza, respeito humano ou ilusão sobre a natureza de nossas relações com Deus”.

Será que nossa oração noturna e retiros em solidão nos assemelharão aos religiosos enclausurados?

Jesus pode, se quiser, derramar sobre nós torrentes de contemplação. Ele faz o que quer. Mas nossa oração não contemplará o mistério de Deus da mesma maneira: cansaço do corpo, falta de hábito desse tipo de oração.

Abandonemo-nos a Jesus pela Eucaristia! Oração silenciosa de Jesus a seu Pai. Juntemos o peso das almas e suas misérias que pesam sobre nós. Jesus também rezava morto de cansaço. Ele decerto levava consigo todos os sofrimentos morais e físicos que vira durante o dia nas pessoas.

Desse modo, nossa adoração será mais pura. “A adoração é a admiração do mistério supremo e oculto da divindade”, mistério esse de amor e de misericórdia, expressos pela Encarnação e Redenção Adorar com um coração todo disponível para o próximo! Essa é a verdadeira e pura adoração.

O religioso enclausurado pode perder esse envolvimento em sua adoração.

Quando se sentirem vazios, ofereçam ao Senhor esse vazio, para que ele preencha com sua própria oração. Mas... nós aceitaremos estar vazios? Esse é o problema... Sempre queremos ter algo para dar. “Mesmo na oração, a perfeição consiste em saber tudo receber em seu despojamento”.

Esse é o motivo da fundação das Fraternidades de Adoração: ser o coração das outras Fraternidades agrupadas em volta de cada uma delas.

A gruta de Santo Elias é um começo: de tempos em tempos virá um irmãozinho operário para unir sua oração à de Jesus, salvando os homens em seu coração, à força do amor.

Um verdadeiro Irmãozinho deve ser capaz de fazer as duas coisas: viver no meio de seus irmãos no trabalho e na fadiga e passar dias inteiros em união com a oração solitária de Jesus na montanha.

(seguem páginas do Irmão Carlos que você pode ler na postagem “Meditações do Ir. Carlos” neste mesmo site).