01ª PARTE -

APANHADO GERAL DO LIVRO “FERMENTO NA MASSA” , “ AU COEUR DES MASSES” , do Pe. René Voillaume (+2003), livraria Agir, 1958,

em forma de resumo. Os subtítulos foram colocados por mim mesmo, não existem no livro.

(Pensei em fazer isto apenas para que os que não tiveram a oportunidade de ler o livro possam ter uma noção dele. Não sou especialista nisso e pode haver trechos que interpretei mal. Se isso ocorreu, peço desculpas e aceito correções. O que estiver entre aspas são palavras próprias do autor do texto.)

PREFÁCIO DE D. HELDER CÂMARA (22/08/58)

(na época, arcebispo auxiliar do Exmo. Cardeal D. Jaime Câmara).

Moças de aparências de ciganas (vestido grosseiro de mescla, pano na cabeça) e moços de ar ingênuo (roupa simples, sandálias, cabelo quase a zero) são vistos em várias cidades do país. São Irmãzinhas e Irmãozinhos do Padre Foucauld e “trazem ao nosso século, cansado de beberagens, o vinho do absoluto”.

Carlos de Foucauld, (em que no ano de lançamento da versão brasileira faria 100 anos de idade se estivesse vivo), “depois de um curso militar medíocre, foi mandado a contragosto para a África. Lá o esperava a graça de Deus. Os mistérios do deserto e do Islamismo despertaram-no para a vida religiosa e levaram-no a encontrar-se com Jesus Cristo”, auxiliado pelo Pe. Huvelin.

Apostolado oculto, como o do Mestre em Nazaré, “viveu apostolado em plenitude e já estava remindo a humanidade”.

“Foucauld se escondeu no deserto e na própria Nazaré”, onde aprofundou sua compreensão do apostolado oculto: onde ele simplesmente estivesse ou morasse, unido a Jesus, este “ali estaria e moraria, agindo ocultamente e santificando o ambiente”.

Nunca conseguiu seguidores em vida, mas agora isso é realidade hoje através dos Irmãozinhos e das Irmãzinhas, que escolhem os lugares menos desejados na terra “onde residem criaturas em situação infra-humana ou em estado de rejeição ou de abandono.”

No Brasil (em 1958) um grupo residia numa das favelas do Rio de Janeiro, “outro entre os índios Carajás” e “uma Irmãzinha já esteve durante três meses como prisioneira voluntária, na Penitenciária de Bangu”.

Eles e elas “levam nos nosso dias à últimas consequências as lições do Evangelho. Fazem, hoje, o que faria S. Francisco de Assis, se entre nós estivesse. Loucos como ele, sublime como ele”.

Este livro nos faz medir nossa mediocridade, mas tem o “selo evangélico e as bênçãos de Deus “ porque a “impressão final não é de desânimo: é de humilhação confiante e é daí que nasce a humildade contra a qual o diabo nada pode e à qual o próprio Deus não sabe resistir”.

Por isso estas páginas servem a todos e a todas, “são úteis e necessárias, indispensáveis a todos “ e a todas. “São mais nossa do que propriamente deles” (dos Irmãozinhos e Irmãzinhas). Rio de Janeiro, 22/08/1958, +Helder Câmara, Arcebispo auxiliar do Exmo. Cardeal D. Jaime Câmara

PREFÁCIO DE D. CARLOS, arcebispo de Aix, Arles e Embrun (original do livro).

Este livro é um apanhado das conferências que o autor, Prior dos Irmãozinhos e das Irmãzinhas de Jesus, lhes fez, “circulares que ele lhes enviou. Guardam um jeito de conversa (...) São mais um testemunho de vida do que um livro”.

“Há uma graça especial para o mundo moderno na mensagem do Irmão Carlos de Jesus”

“Estar presente a Deus, estar presente aos homens” - “Nestas poucas palavras resume-se a espiritualidade do eremita do Saara. Há nele um profundo sentido da oração, uma procura ardente do Cristo; toda a sua vida reduz-se a um olhar demorado sobre o “Bem-amado Irmão e Senhor Jesus”, a um comércio de amizade com Ele”.

Ao mesmo tempo, Irmão Carlos “sente a necessidade de estar presente aos seus irmãos, de assumir a vida laboriosa deles, de carregar os seus sofrimentos”

“Não exclui ninguém, ele é o “Irmãozinho Universal” ; amizade particularmente atenta ao pobre, ao mais abandonado”. Nesse contato, o Irmão Carlos se alimenta em sua vida de união com Deus.

Na vida apostólica deve haver sempre essa espiritualidade: presença a Deus e presença aos homens; “presença de amizade oferecida a todos”, mas “presença fundada sobre uma caridade sobrenatural, sobre uma comunhão no amor mesmo do Coração de Jesus.”

“A espiritualidade do Ir. Carlos é tão simples, de tal maneira se reduz ao essencial, que convém tanto“ ao apóstolo como ao contemplativo: leva-os a engajar-se inteiramente, sem desvios, pelo primado da oração, de uma união com Deus.

Pe. de Foucauld aceita o Evangelho todo, procurando torná-lo vida: “A imitação se mede pelo amor”. Abraçou a pobreza do Mestre. Que este livro possa ser o instrumento de Deus para todos os que o lerem.

PRIMEIRA PARTE – A VOCAÇÃO DO IRMÃOZINHO DE JESUS

CAPÍTULO I – O Pe. Carlos de Foucauld e seus Irmãozinhos.

“Jesus quer que eu trabalhe para estabelecer esta dupla família... suplicando, imolando-me, morrendo, santificando-me, amando-O, enfim...” (14/01/1905)

Na segunda metade dos anos 50, o autor diz que já havia mais de 800 Irmãozinhos e Irmãzinhas.

“Na raiz das fraternidades, como que para inculcar-lhes para sempre o que deverá ser a própria seiva de sua vida, acha-se escondido um tesouro de renúncia, de abjeção silenciosa e de aniquilamento total”.

“O Pe. De Foucauld gerou suas fundações nessa extrema transparência de seu amor, e na imolação -heroica para uma natureza como a sua – de seu mais legítimo sonho, o sonho de ter Irmãozinhos que continuassem a amar Jesus como ele O tinha amado”.

Aos olhos humanos (continua o autor), sua vida pareceu um enorme fracasso. Um jornalista disse ao Pe. Voillaume: “Que fracasso a vida dele... em suma, os Tuaregues não o compreenderam nunca. Não eram dignos dele. Para que, então, serviu sua vida? E que traços deixou ele no deserto? Quantas riquezas morais inutilmente esbanjadas!...”

Isso é verdadeiro se buscarmos uma eficácia imediata. Quase nada realmente sobrou de sua ação no deserto. Seus eremitérios ao abandono; uma escola corânica na capela de Beni-Abbés. Seus familiares íntimos, com problemas sérios.

Quem quiser ser discípulo do Pe. De Foucauld aprenda isso: a renúncia a qualquer resultado constatável, a aparente inutilidade de uma vida, o fracasso amado na imitação do Salvador dos homens, traído e crucificado: suas Fraternidades saíram desse germe e nunca deverão se esquecer de sua origem.

Devem continua sua missão, viver de seu espírito, além de serem fruto de seu sacrifício e de seu sangue.

JESUS EUCARÍSTICO

O Irmão Carlos permanece sempre aquele que ama apaixonadamente o Cristo. Desde sua conversão, ele descobriu a pessoa de Jesus e a ela se deu para sempre, amizade essa ue é a única razão de ser de toda a sua vida, o “Bem-amado Irmão e Senhor Jesus”.

Irmão Carlos leva consigo mesmo a solidão desse amor a Jesus por toda a parte e durante os dias mais invadidos por seus amigos Tuaregues. É uma presença que o entrega e ao mesmo tempo o separa, na secreta solidão que toda criatura unida a seu Deus traz em si, na medida de sua união com o único e transcendente objeto de seu amor.

Longas horas diante de Jesus-Eucarístico. Diálogo de amigo a amigo, noites afora, ou durante as caminhadas pelo deserto. Amizade divina essa enraizada no fundo de sua alma que permitiu que ele ficasse seis anos sem ter a permissão de conservar a Eucaristia.

Logo que pôde novamente, conservava-a apenas separada por uma cortina, do ambiente em que vivia, trabalhava e recebia os amigos. Em sua morte, a Eucaristia não mais estava no Tabernáculo, mas ao seu lado.

APARENTE FRACASSO

A amizade conduz sempre a uma participação de preocupações e de destino. A obra essencial do Ir. Carlos de Jesus consistirá em compartilhar e entrar no “trabalho de Jesus”, imitando-o como o Salvador, o Mediador e o Redentor, sobretudo pelo sacrifício e pela participação no sofrimento, na súplica sem fim, na oração contínua pela salvação de todas as pessoas.

A vida do Ir. Carlos se revestiu das mesmas matizes e escolheu os mesmos meios escandalosos que Jesus usou para nos redimir: a impotência, a fraqueza, o aparente fracasso, a humilhação. A morte do Ir. Carlos teve o mesmo aparente fracasso de Jesus morrendo na cruz.

A Redenção de todos, dos Tuaregues, a Fundação das Fraternidades, as vocações de seus discípulos, tudo isso ele quer obter numa imensa ambição de apóstolo, na medida mesma de seu amor: “suplicando, imolando-se, morrendo, santificando-se”.

Ele quer ser, verdadeiramente, para Jesus, orando e sofrendo, um bom e fiel “companheiro de trabalho”.

Não poderia o Ir. Carlos ter trabalhado, parece mesmo mais eficazmente, para salvar de longe os Tuaregues, pela sua oração e imolação na solidão? Por que teria tido necessidade de abandonar a sua cabana de Nazaré, depois sua Fraternidade de Beni-Abbés, para viver no meio desses seus amigos, dos quais ele iria tornar-se o servidor?

É que o Ir. Carlos recebeu também de Cristo uma outra missão, que compreenderemos observando sua vida em Tamanrasset.

A MISSÃO DO IRMÃO CARLOS

A cabana de barro do Ir. Carlos em Tamanrasset era próxima ao povoado. Ele procura os habitantes, dirige-se a eles, procura contatos, faz visitas, projeta excursões para ver tribos que dele se aproximam bastante. Está sempre à disposição de todos, tanto dos vizinhos como das visitas, a qualquer hora do dia ou da noite.

Os Tuaregues não são tímidos nem acanhados, são poderosos senhores familiares, inoportunos e alegres como crianças, curiosos e indiscretos como primitivos (que eram). Eles notavam admirados admirados como o padre os atendia imediatamente, mesmo no meio da oração: “Sou sempre chamado três a quatro vezes durante a Ação de Graças “ (29/03/1902). Ele era realmente um homem “devorado” em Tamanrasset.

Para ele, mais do que simples hospitalidade, de prestar serviço ou de cuidar de um doente, trata-se de penetrar no segredo de sua língua, de suas tradições e de seus usos e costumes, que são como que o reflexo de sua alma. A gramática e o dicionário “Tamashek”, poesias populares e provérbios nessa língua: passava nisso a maior parte de seu tempo. Muitos diziam que falava a língua até melhor do que eles.

Isso, porém, o esgotava e o impedia de fazer o tão desejado trabalho manual, que para ele concretizava a vida de pobreza, mas se empenhava nesse estudo, visando a preparação de futuros missionários. Quis conhecê-los porque os amava.

Sua amizade com Amenokal Mossa Ag Amastane, por exemplo, que sempre o consultava: o padre o orientava para ser um chefe justo. Outro foi Ouksen, que era para ele como um filho, e até o levou à França.

Ele se inseriu verdadeiramente na região Ahaggar e o fez tanto quanto possível. Ele se achava chamado a “gritar” o evangelho pela sua vida, e queria que suas fraternidades o pregasse em silêncio, na prática das virtudes evangélicas. Quer viver no meio deles, como um deles.

Quer, por isso, fraternidades pequenas, por dois motivos: vida mais pobre e estar mais próximas das populações: tornar-se abordável e pequenino.

Na regra de 1911, abre caminho também para um trabalho apostólico de preparação, mas deveriam, depois, mais tarde, ceder o lugar a missionários encarregados do ministério.

Faz tudo para melhoria das populações, como ensinar as mulheres a fazer tricô, distribui agulhas, concebe um projeto de instalação de religiosos ou de religiosas, escolas, a criação de pistas, automóveis, administração, defendê-los contra os “rezzu” (bando de salteadores). Tornou-se Tuaregue até o fundo da alma. Deu-se totalmente a eles, espiritual e humanamente falando. Fazia tudo para que conhecessem o Evangelho.

O meio novo do Ir. Carlos de pregar o evangelho é o fazendo “por meio de toda a sua vida”. Vê como sua missão em trabalhar na fundação de uma dupla família de Irmãozinhos e Irmãzinhas, mas pressentia que enquanto vivesse seus discípulos não viriam.

Pressentia sua morte próxima. Morreu em 01/12/1916 por um bando de senissistas vindo do sul da Tripolitânia, traído por um de seus vizinhos, sem nenhuma palavra; deixou que lhe amarrassem as mãos, atrás das costas, de joelhos diante da porta de sua casa. Alguns instantes depois, um jovem Tuaregue o matava com uma bala na cabeça. “Se o grão de trigo que cai na terra, não morre, não produz fruto”.

DIRETIVAS DEIXADAS PELO IR. CARLOS

Ele não deixou nenhum documento definitivo sobre o que deveria ser a vida apostólica de seus irmãos. É a falta de viver a regra com outros, por um tempo longo, que tornou inutilizáveis as regras de 1896 (Trapa de Akbés, para os Irmãozinhos de Jesus) e as de 1899 (em Nazaré, para os Irmãozinhos do Sagrado Coração), mas deixou, nos últimos anos, diretivas que auxiliaram o Pe. René Voillaume a precisar seu pensamento definitivo (a numeração não existe no livro):

1- Pequenos grupos para se estar misturado às pessoas;

2- Renuncia à ideia de adoração perpétua para todas as fraternidades, mas conserva a adoração ao Santíssimo como o ato central do dia de cada Irmãozinho.

3- No apostolado, não aceitar o encargo de nenhum ministério (como pároco, vigário, chefe de missão), de nenhuma obra, mas fazer tudo para a evangelização das populações. Permite um “começo de ministério” em certos meios, que deverão depois ser transferidos para outros religiosos missionários.

4- O trabalho apostólico pode, em certos casos, tomar o lugar do trabalho manual.

5- O importante é ficar fiel à vocação de Nazaré, pois é a forma de apostolado que é própria dos Irmãozinhos.

Em 22/07/1905, Tamanrasset, dá um trecho conciso sobre o ideal da vida de seus irmãos:

A vida de Nazaré em tudo, por tudo, na sua simplicidade e largueza. Como Jesus de Nazaré,

-nada de rotina,

-nada de clausura,

-nada de residência longe de qualquer lugar habitado, mas perto de um povoado

-nada menos de oito horas de trabalho por dia (manual ou outro), tanto quanto possível, manual.

-nem grandes casas, nem grandes despesas, nem mesmo largas esmolas, mas extrema pobreza em tudo.

-dar um lugar muito grande para a oração.

-dar um lugar muito grande ao trabalho manual, que não é um tempo roubado, mas dado à oração.

Essa vida de Nazaré pode ser levada em qualquer parte, onde for mais útil ao próximo.

ESTA NOVA FORMA DE APOSTOLADO

Após vinte anos de experiência (diz o Pe. Voillaume), posso dizer que essa nova forma de apostolado pode trazer à Igreja de noso tempo, nos diversos países do mundo:

Em primeiro lugar, isso não é algo novo na Igreja: já os Cartuxos, os Trapistas, os Carmelitas, buscam a clausura e o silêncio, com as melhores condições, como religiosos e pobres, para contribuir para o apostolado invisível na Igreja, participando do trabalho redentor de Jesus, pela oração e sacrifício.

O novo que o Ir. Carlos traz é querer que os seus Irmãozinhos vivam em pequenos grupos, misturados com as pessoas, sem clausura, compartilhando da dura existência dos pobres. Não haverá incompatibilidade nisso? É um estilo de vida pouco propício à oração!

A pobreza seria um motivo suficiente em si mesmo para autorizar tais condições de vida? Entretanto, a maioria das pessoas vive nesse tipo de habitação, barulho, fadiga, não propício à oração.

Pio XII reconheceu como possível ao aprovar a forma de vida dos institutos seculares. Só o amor do apostolado justifica a renúncia às condições tradicionais da vida religiosa. Ele diz que “toda a vida é omo que transformada em apostolado”. A vida das Fraternidades só se justifica, pois, se tiver por finalidade o Apostolado.

AS TÉCNICAS/A EFICÁCIA

É difícil compreender como sacerdotes não tomem a responsabilidade de um ministério pastoral e não se use o progresso das técnicas no serviço de difusão da fé, para se conseguir o máximo de eficácia.

Desapontamos muitos bispos e chefes de missão ao nos recusarmos a tomar o encargo de um ambulatório, de uma escola, de uma paróquia. Para que então nós , as Fraternidades do Pe. De Foucauld servimos? Qual é o nosso lugar no apostolado visível da Igreja?

Lembro que não condenamos nenhuma obra de beneficência e nenhum ministério. Nossa atitude exprime apenas que essas atividades não esgotam todas as maneiras de ser apóstolo. Nós, discípulos do Pe. De Foucauld, usamos os meios pobres. Eles têm tanta eficácia quanto os outros e são absolutamente necessários à vida da Igreja.

A Igreja é talvez maior no sentido de sua dimensão em profundidade do que em extensão. Ela não é apenas um corpo administrativo encarregado de ensinar, propagar a fé e distribuir sacramentos. Não se pode apreciar o valor de um meio de apostolado unicamente pelos seus resultados visíveis e facilmente cifráveis. Seria possível registrar os resultados imediatos da opção pessoal de Jesus Cristo? E o fracasso da Paixão? Não seria motivo de uma perda de fé na missão? Vamos tentar indicar quais são os meios pobres que constituem o apostolado das Fraternidades.

OS MEIOS POBRES

A primeira missão dos Irmãozinhos e Irmãzinhas do Pe. De Foucauld é tornarem-se irmãos e irmãs dos pobres, não somente os amando, mas pertencendo socialmente por meio de toda a sua vida à classe dos obres. Isso é um apostolado e equilibra a Igreja, tendo do outro lado os que vivem numa hierarquia que se situa nas classes mais privilegiadas da sociedade.

Mesmo os Irmãozinhos padres devem ouvir esse apelo para uma nova maneira de viver seu sacerdócio.

A dignidade dos padres e dos religiosos se situa antes de tudo na ordem espiritual, e não na material, visível.

O sacerdócio de Jesus é único e misterioso. Não pertencia à classe sacerdotal, segundo a lei de Israel, e não teve sequer o direito de oferecer o incenso no Templo, muito menos de penetrar no Santo dos Santos.

Pelo contrário, o ato sacerdotal de Jesus, o sacrifício da Cruz, foi rejeitado e condenado pelas autoridades religiosas de seu povo e pelo próprio Sumo Pontífice.

Os sacerdotes da Nova Aliança, instituídos por Jesus na noite da Ceia, devem trazer no exercício de seu sacerdócio sacramental a própria marca do que foi o sacrifício de Jesus.

É legítimo, pois, que alguns sacerdotes sejam chamados a acentuar em sua vida a pobreza, a humildade, a própria abjeção e a rejeição de toda a dignidade humana que marcaram tanto quanto sabemos o ato sacerdotal de Jesus sacerdote!

Por isso é necessário que Irmãozinhos, religiosos, padres ou não, vivam como pobres, renunciando a esta forma de dignidade exterior conferida pela posição numa certa categoria social. Atualmente, é mais oportuno do que nunca manifestar esse aspecto transcendente e espiritual do sacerdócio cristão.

Deve haver um esforço maior, da parte do clero e dos religiosos, para deixarem de ser como que enfeudados a uma classe, apesar de não o desejarem. O clero novo é arrastado para essa separação social perigosa.

Pertencer à classe dos pobres apresenta menos riscos espirituais, já que é mais conforme ao espírito do Evangelho e ao estado religioso!

Uma primeira atitude é ter a alma fraternal para com todos, sem exceção de ninguém. Compreender a mentalidade de cada meio, colocando-se no lugar dos outros. É algo muito difícil de ser atingido.

A nossa atitude de seguidores do Ir. Carlos não implica nenhuma condenação da maneira de viver de outros padres e religiosos, a não ser a atitude de enfeudação a um meio social ou político, seja ele qual for, incompatível com o exercício do sacerdócio e com a vida religiosa.

Viver do próprio trabalho, sem poder receber esmolas. Isso implica também na escolha do bairro, da habitação, hospitalização em caso de doença, uma certa maneira de viver e de alimentar-se. Cria-se, em alguns casos, a questão do hábito. Tudo deve traduzir o amor e permitir o contato amistoso, fácil, verdadeiro, com os pobres.

A roupa deve traduzir nosso estado de consagrados e religiosos, mas ao mesmo tempo não deve ser obstáculo à vida simples e fraternal com os pobres. Deve adapatar0se a cada região, mas sempre com um sinal distintivo.

Os irmãos fazem apostolado pelo fato de viverem entre os pobres; por isso, devem evitar qualquer gênero de atividade que poderia tirá-los dessa situação.

Os irmãos não têm necessidade de dizer nada: basta o fato de ser possível existir uma vida religiosa aprovada e desejada pela Igreja na economia dos pobres, para constituir uma lembrança de certas verdades e um ensinamento pelos fatos , que muitas vezes ultrapassa o círculo restrito dos que vivem em contato imediato com a Fraternidade.

Quanto ao fato de um sacerdote passar o tempo trabalhando manualmente em vez de entregar-se ao seu ministério espiritual, digo que, se isso redundar, indiretamente, num bem espiritual para a Igreja, é legítimo que alguns o façam. O humilde trabalho manual foi santificado pelas mãos de Cristo!

Os trapistas trabalham e alguns sacerdotes são liberados pela Igreja para trabalhos científicos e/ou políticos! Por que não também para o trabalho manual?

INSERIDAS NO CONTEXTO ECONÔMICO DE SEU MEIO

As Fraternidades verificam por experiência própria as influências do meio em que estão inseridas na vida cristã e espiritual das pessoas que ali vivem.

Muitos padres e missionários ignoram as verdadeiras condições de vida de seus fiéis e até não se interessam em saber.

Os verdadeiros problemas da vida não são mais tocados pela pregação dos sacerdotes e os cristãos, os pobres, já não se sentem mais conhecidos, amados e dirigidos. As Fraternidades poderão exercer um papel benfazejo nesse plano!

Pelo próprio fato de participarem das condições de vida dos pobres, elas podem ser, para estes, um exemplo reconfortante de vida cristã e religiosa ao seu alcance.

Os irmãos aprenderão também a amar as pessoas de uma maneira mais compreensiva, mais respeitosa. Sua espiritualidade será mais adaptada às verdadeiras condições de vida dos pobres, e eles poderão talvez ajudá-los melhor a rezar, a esperar no Cristo, e a tornar suas vidas mais humanas, trabalhar também pela melhoria dos métodos de trabalho atrasados demais.

A regra fundamental: Esforçar-se para viverem a perfeição evangélica e religiosa, nas condições de vida em que os outros vivem sua vida cristã.

PAÍSES DE MISSÃO

Recusar qualquer gênero de trabalho ou de serviço que leve a sair de sua condição de pobre, mas aceitar qualquer forma de ação sacerdotal, apostólica ou de serviço compatível com sua condição de pobre e que não o coloque numa situação superior a seu meio.

Um verdadeiro apostolado deve levar em conta o culto eucarístico como fermento de fervor cristão. Como o Ir. Carlos, fazer tudo que puderem para tornar Cristo mais conhecido e amado.

Trabalhos compatíveis em terras de missão: os serviços de enfermeiros, monitores, catequistas, professores nas povoações pobres, desde que na humildade e pobreza.

CAPACITAR PARA O AMOR

No mundo há oposições, ódio e falta de amor de todo tipo, mesmo no plano religioso. O apostolado cristão deve receber um vigoroso abalo interior de amor para opor-se a essas incompreensões, alargando a inteligência e o coração de cada cristão. Devem ser “Irmãozinhos Universais”, dizia o Pe. De Foucauld.

-Humildes, devem aprender a respeitar a todos;

-libertar-se da atitude de superioridade técnica e de orgulho inconsciente, próprio, muitas vezes, à raça branca.

O seu espírito serviçal e a ausência de obras de beneficência organizadas os fazem mais acolhidos e adotados sem preconceitos por certos meios habitualmente suscetíveis e fechados.

Sua integração total em cada meio permite-lhes sentir rapidamente todos os desprezos e oposições, como se fossem a eles dirigidos.

As Fraternidades se tornaram traços de união capazes de ajudar as pessoas dos mais diversos meios a se conhecerem mutuamente e a se estimarem.

Alguns exemplos:

-Irmãozinhos brancos trabalhando com Irmãozinhos negros;

-Irmãos e Irmãs entre índios da América do Sul, no Vietnan e na Índia.

-Meios proletários, mineiros, pescadores de alto mar, na Europa e na América do Sul.

-Nos ritos orientais, melkita, copta, siríaco, caldáico, armênio, para serem um fator de união fraternal entre ele e seus irmãos latinos.

-No Islã, para testemunhar amizade e respeio.

-Com meios protestantes

-Com judeus no Estado de Israel.

IMPORTANTE:

É justamente a simplicidade de vida e ausência de atividades definidas que faz com que as Fraternidades sejam tão facilmente aceitas.

MEIOS ESQUECIDOS OU DESPREZADOS

-As minorias que se deixa de lado, ou por falta de missionários ou porque não há outro remédio senão acudir o que é mais urgente. É o que fez Jesus, quando deu o melhor de sua vida e de sua inteligência a um pequeno grupo de homens sem importância no mundo, e é o que devem fazer seus discípulos.

-As populações nômades, como os boêmios e os ciganos no sul da França, os nômades pastores de carneiros no Saara Argeliano, os “Fulbês, pastores do Norte de Camarões, os Tuaregues,do hoggar, no Camarões e Congo Belga, entre os Pigmeus da floresta equatorial, desprezados pelos negros ou objeto de curiosidade para os europeus.

-Pequenas povoações de leprosos, não só para tratar deles, mas também para levar-lhes amizade e a possibilidade de uma vida religiosa.

-os indígenas do Brasil

-Bochimanos da África do Sul

-Tribos primitiva do norte da Austrália.

-Queremos amá-los com uma amizade respeitosa. Outros lhes levarão um ensino completo, a civilização técnica, os cuidados médicos aperfeiçoados.

A amizade fraternal dos Irmãozinhos restitui-lhes sua dignidade de seres humanos, salvando-os de sua inferioridade. Esse primeiro bem inestimável é a própria condição de sua sobrevivência e de sua elevação humana e cristã, levando-os a viver em igualdade com os demais.

Guardarão o espírito de pobreza, de simplicidade fraternal e de amizade, que nunca deverá ser sacrificado em troca de um rendimento mais vasto que não está em sua vocação.

O SUSTENTO DO FERVOR

O trabalho, a oração e o serviço dos outros têm o seu valor auferidos da cruz que resgatou o mundo.

Dificuldades: o Irmãozinho é um homem como outro qualquer e tem necessidade de uma ajuda forte e eficaz para garantir sua perseverança e manter sua generosidade.

Levam sua vida comum sob a autoridade de um irmão responsável, ao qual estão ligados pela obediência religiosa.

TRÊS COISAS IMPORTANTES PARA SUSTENTAR O FERVOR DOS IRMÃOZINHOS:

1- A EUCARISTIA:- Por mais pobre que seja a habitação, uma sala é transformada em capela. Uma hora por dia em adoração diante do Santíssimo, que deve estar exposto o mais frequentemente possível. De vez em quando, uma adoração noturna.

2- O CONTATO CONSTANTE E ÍNTIMO com pessoas pobres e, á vezes, o fato de participarem de sua luta pela vida, impedem os irmãos de recair num egoísmo individualista. Isto também é um fator de fervor, devido à vida agitada que se leva nos meios pobres, que torna difícil observâncias religiosas mais numerosas que seriam mais sobrecarga do que socorro.

3- PROFUNDA E ÍNTIMA UNIÃO entre eles, vida simples, viverem unidos, esforço de amizade franca e aberta, responsabilidade mútua, cada um se considerando responsável pela generosidade de seu irmão, unidos a um corajoso espírito de fé na oração.

Essa vivência na fé simples e corajosa se difundirá por si mesma entre as pessoas, se os Irmãos viverem como devem. Tudo deverá exprimir esse espírito: sua vida exterior, sua pobreza, seu trabalhos, suas capelas.

Mostrar amor a todas as pessoas, impregnado de respeito, trabalhando-se pela unidade da humanidade.

Os cristãos leigos também podem participar, na “Fraternidade Secular”. Os sacerdotes diocesanos, na “Fraternidade Sacerdotal Iésus-Cáritas”.

COMO DEVEM SER AS FRATERNIDADES

Congregação Religiosa desde março de 1936, os Irmãozinhos de Jesus devem viver deste modo, excetuando-se os noviciados e certas casas de formação (postulantados, fraternidades de aprendizado ou de estudo).

Três pequenos grupos de três a cinco irmãos vivendo numa habitação qualquer, a mais simples possível, alugada ou emprestada.

-Pobre apartamento de bairro, velha casa meio em ruínas de uma ruela popular, simples choça da montanha bérbere.

-Uma cozinha, uma sala comum e dois ou três cômodos. Raramente os irmãos possuem quarto próprio (a gente se arranja como pode), mas um cômodo é sempre consagrado à capela, onde o Santíssimo Sacramento é conservado. Aí se acha o coração da Fraternidade, e não há verdadeira Fraternidade sem essa presença.

-Às vezes, essa capela é muito exígua ou instalada no sótão. Escolher a peça da casa mais silenciosa e retirada. É muito simples, quase nua.

-Inspirar-se na arte local.

A capela deve ser sempre o centro da vida dos Irmãozinhos.

-Bem cedo se reza as Laudes, a meditação do Evangelho, a Missa, antes do trabalho

-Voltam logo que puderem.

-Na volta ao trabalho, vésperas

-Uma hora de adoração ao Santíssimo;

-Oração das Completas.

-Uma noite por semana, talvez de quinta para sexta-feiras, cada irmão passa uma hora diante do Santíssimo.

É, pois, a Missão dos Irmãozinhos:

-A oração,

-A adoração,

-A intercessão em nome de todos, mas mais especialmente daqueles aos quais consagraram sua vida e no meio dos quais vivem.

Toda sua vida deve ser como uma oração e uma oferenda: deve ser como “permanentes em oração”. Diante do Santíssimo colocam-se as orações, queixas, preocupações, as falta de todos com quem conviveram naquele dia.

Trabalho de operário: nem todos, pois cada um em o tempo de estudos (língua e teologia) e outros têm tarefa mais intelectual a cumprir a serviço das fraternidades.

-Viver, tanto quanto possível, do fruto do próprio trabalho.

-Os irmãos se distinguem dos colegas de trabalho só exteriormente, por trazerem uma pequena insígnia (uma cruz com um coração no centro), reprodução daquela que o Pe. De Foucauld trazia sobre a sua “gandura” saárica. ( gandura é uma espécie de túnica leve, de lã ou algodão, com ou sem mangas que cobre o corpo inteiro.)

Os diversos trabalhos

Pedreiros, mineiros, marceneiros, pintores de edifícios, escavadores, ajustadores, mecânicos, motoristas, de caminhão, operários de metalurgia, de fábricas de tecidos, de refinarias de petróleo.

Na África do Norte, entre os mais pobres trabalhadores no porto de Argel, ou empregados na limpeza de ruelas de velhos bairros árabes.

-Entre os bérberes da montanha (agricultura e pecuária)

-Entre os nômades dos Altos Planaltos argelianos, entre pastores de carneiros e camelos.

-Entre os marinheiros, pescadores nas grandes embarcações de pesca das costas da Bretanha.

Isso torna a pobreza evangélica e religiosa compreensível para o povo.

-Simplesmente participar das dificuldades e do labor cotidiano de seus amigos de trabalho. Tornam a Igreja presente ali, naquele local.

-Auxiliar de enfermagem

-Carteiros.

Em outubro de 1953 eram uns 210. A primeira fraternidade nasceu em outubro de 1933, no Saara, Orão do Sul, El-Abiodh-Sidi-Cheikh, agora é Fraternidade do Noviciado. Eram quarenta irmãos os que faziam o noviciado nos anos 50.

-o segundo Noviciado é na Bretanha, onde fazem um trabalho agrícola, e a criação, pesca, colheita de sargaço.

No final do noviciado, votos temporários e um estágio, de um a dois anos, numa Fraternidade operária, ou numa Fraternidade de Missão ou de estudos.

OUTUBRO DE 1955

-Dois noviciados

-Fraternidade de Estudos Teológicos

-Nove na França, Bélgica, Bretanha.

-Seis na África do Norte, Marrocos, Argélia.

-Quatro na África: Camarões e Congo Belga.

-Três no Oriente Próximo

-Três na América do Sul: Chile e Peru

-Quatro na Ásia, no Paquistão, Ceilão, Vietnan.

-Uma no coração do Saara, Tamanrasset, no “Bordy” onde morreu o Pe. De Foucauld. Em sua capela, um Irmãozinho vela diante do Santíssimo Sacramento e vive em contato com os Tuaregues.

Em seguida a este estágio de provação, estudos de Teologia e programa adaptado aos que não vão ser sacerdotes.

“Perguntais-me se estou pronto para ir a outro lugar além de Beni-Abbés para a expansão do Santo Evangelho: para isso estou pronto a ir até o fim do mundo, e a viver até o Juízo Final! (C. Foucauld, carta a D. Guérin, 22/02/1903)