O hino das 9 horas da Liturgia das Horas diz o que o canto tão bonito veio sugerindo, pedindo para que o Espírito Santo tome conta de todos nós. O hino da noite diz assim: “Vinde, Espírito de Deus, com o Filho e com o Pai, inundai a nossa mente, nossa vida iluminai. Boca, olhos, mãos, sentidos, tudo possa irradiar o amor que em nós pusestes para aos outros inflamar. A Deus Pai e ao seu Filho por vós dai-nos conhecer. Que de ambos procedeis dai-nos sempre firmes crer”.
Vendo e partilhando a beleza desse encontro de águas - não são águas amazônicas, que entram no mar, não - águas da vida que vêm surgindo de todos os lados para buscar em Deus a força de transformar nosso mundo. Eu me lembrei dos Atos dos Apóstolos, no capitulo 2º, quando o Espírito Santo desceu. Diz assim:
“Entre nós há partos, medos, elamitas, gente da Mesopotâmia, da Judéia, da Capadócia, do Ponto, da Frigia”... - Olha que beleza! De onde cada um vem.- Região da Líbia, vizinha de Sirene, alguns vieram de Roma, outros são judeus, pagãos e, cada um de nós, entende anunciar as maravilhas de Deus. E ainda embalado por esta oração da manhã, tão bonita, talvez mais rica pelo que rezou a natureza do que aquilo que foi rezado por nós. Aquela rosácea de trás da capela, Maria Santíssima e os Apóstolos recebendo o Espírito Santo; o sol, que vinha de trás, tira a rosácea de lá, ultrapassa o vitral do término onde está a beleza do Cristo; e lá atrás, o vitral de Cristo, a rosácea, o sol leva para lá e as plantas entram na rosácea; então, um mundo rezando, e lá no meio do mundo, esses que vieram: Medos, Mesopotâmia, Capadócia, Síria, sei lá de onde... somos nós.
Essa mesma realidade é sugerida com minúcias de profundidade na Carta aos Hebreus, capitulo 12, 22, que diz assim:
“Vocês se aproximaram do monte Sião e da Jerusalém celeste, a cidade do Deus vivo. Vocês se aproximaram de milhares de anjos reunidos em festa, e da assembléia dos primogênitos, que têm o nome inscrito no céu. (Estão vendo que beleza!). Vocês se aproximaram de Deus, que é juiz de todos. Vocês se aproximaram dos espíritos justos que chegaram à meta final e de Jesus, o mediador de uma nova aliança. Vocês se aproximaram do sangue da aspersão, que fala muito mais alto que o sangue de Abel”.
Como iniciar participando deste mistério de aprofundamento de cada um de nós, para descobrir, no interior da nossa história, a presença de Jesus, sem examinar, sem aprofundar estas palavras da santa Bíblia, convocados para descobrir novo campo hermenêutico da fé, para pensar a fé?... Estamos aqui, com toda esta grandeza de dentro, para descobrir um campo hermenêutico para pensar a nossa fé, para falar de um Deus que signifique para o nosso povo alguma coisa. Como falar de Deus para aquele povo que está sendo destruído: “Deus te ama” (acabou de ser estilhaçado o filho, e a filha, e tal) e a sociedade injusta e a tal bolha dos ricos; um campo novo de interpretação da fé, de falar a palavra Deus, de vivenciar a história de Jesus em nossa vida.
Eles levaram 40 anos. Quarenta anos não para sair do Egito e chegar a Jerusalém. Diz um autor que se eles fossem de joelhos não levariam 40 anos. Levaram 40 anos para descobrir Deus, esvaziando-se de todas as referenciais de conforto, de prazer, sei eu de que, esvaziando-se dos seus conteúdos. Terra e céu, nada mais! Têm que se esvaziar de tudo, todas as seguranças.
Quarenta anos para se despir, se desvestir das seguranças, para pôr toda sua esperança no Deus que conduz. E nós procuramos assim na meditação, assim no silêncio, encontrar este Jesus salvador, não de fora, mas no interior de cada um de nós. O nosso rebanho tem necessidade da renovação interior do seu pastor, mas se o seu pastor não tem tempo de descobrir que a mensagem dele é o próprio Cristo dentro dele,... pastor que não tem tempo para Deus. Ele vai falar de Deus, ele vai levar Deus, ele transmite Deus, mas ele não tem tempo para Deus. O Padre Antonio Vieira, - um dos nossos amigos aqui presentes, estava lendo um livro no qual ele dizia: “O que vale se a palavra diz uma coisa, se o ouvido ouve uma coisa e os olhos vêem outra?”
Essa Igreja, que se veste de certa beleza em sua aparência, mas não consegue transmitir aquilo que os antigos chamavam de vida interior. O que é vida interior? Toda vida nasce de dentro. Vida interior é Jesus, o Cristo dentro de ti. Então, o fazer não é importante. O nosso mestre Foucauld, irmãozinho Foucauld, o que é que diz? - Eu vim compreender os Tuaregues, eu vim tentar compreender os Tuaregues. Evangelizá los, não parece oportuno nem para mim, nem para outro qualquer, diz ele, sem que descubram que a nossa mensagem é de um Deus de amor. Uma nova hermenêutica de pensar a fé.
O povo simples se salva com as velas, se salva com as fitas, se salva com Santa Efigênia, Santo Antônio, os Santos - e toma santinho! - Nossa Igreja está cheia de santinho: R$ 32,00 o milheiro. É baratinho. Você põe, você está salvo. Então o povo se salva com as suas velas e com as almas sábias, prudentes. Os Bispos precisam salvar também a situação, então forçam as missas. O padre celebra cinco missas dia de domingo.
Missa, missa... E a missa então é para salvar meu filho que está no purgatório, a missa se esvazia. Eu vou à missa quando é sétimo dia, porque aí o meu parente que estaria lá no fogo danado se queimando... Então, segunda-feira, a igreja tem gente: são as almas, as almas; o veleiro está cheio. E nós somos convocados para, dentro deste silêncio, evitar, porque, por fora, corre carismático, por fora corre pentecostal, todo mundo procurando a salvação, e a salvação é Cristo. A
té o sínodo africano – beleza - sendo convocado para ser realizado em Roma. Então vejam: aí vem os medos, elamitas e vamos todos indo, uns mais cansados, atropelados pelas experiências tão frustrantes da vida, e da vida religiosa nem se fala, perdemos contato com o mundo, o mundo está para cá e nós estamos para lá, e então a gente olha o mundo assim... Vem uma Madona e faz sucesso, chove no Rio de Janeiro durante todo o espetáculo, durante duas horas, oitenta mil pessoas ficam lá na chuva vendo aquela coisa e ela escorrega e cai e o espetáculo não pára, continua, e nós estamos por fora da vida. E Jesus, o Deus da vida, tem ritual, uma religião bonita - nada mais bonito do que a nossa religião! - Religião culto, religião cumprimento de obrigações: batiza, faz um curso, acabou o curso, está terminado já batizou, já fez o curso. Então não, tem a crisma, faz o curso, terminou a crisma o Bispo faz a crisma está terminado; religião cultual.
O Irmão Carlos, pelo Espírito Santo, depois do seu martírio, tocou na nossa história e nós estamos aí, meio encontrados e meio perdidos. Como é bonito quando ele diz que nas suas horas de contemplação, com certa freqüência, ele não sabe rezar, ele fica frio, sem graça - acabei de ler isso aqui - fica tudo sem graça na vida dele, e o pior, ele começa a dormir, na reconquista desta imanência de Deus; fazendo um outro Cristo e fazendo um Salvador, e fazendo-se capaz de interpretar os debates do mundo e também da Igreja.
Céus e terra; nós estamos na terra, mas nós somos relação, nós somos relativos, estou na terra, eu quero relação com a árvore, com o fruto - eu sou relativo -; com o vento e com a chuva; não tem nada não, tem areia e céu; a relação e o relativo e o absoluto. Esvazio-me das minhas seguranças, sou esvaziado, por isso eu não preciso nem falar, eu fico lá, uma hora, Ele e eu. Não sou eu que falo para Ele, é Ele que fala para mim; a transformação é feita do “ens a se” no ente relativo do ser para a morte: eu e Deus, ele fala a mim. E, quando eu saio daquela conversa, que não é nem conversa, é convivência, é coexistência...
São Paulo chama isso - naquela loucura de procurar palavras para dizer coisas que não podem ser ditas, porque são mais profundas do que as palavras concebem - São Paulo diz que nós somos enxertados. A palavra latina é complantati, complantati estis. E nós, na morte dele, somos com-plantados na morte. Pode-se enxertar alguma coisa na morte? Você enxerta uma coisa viva numa coisa viva. Não, nós somos enxertados na morte de Cristo, porque a morte de Cristo é Ressurreição.
Então, a nossa presença tem uma força de transformação, porque a nossa presença é a promessa que está lá. “Abraão, sai daí, vai...” Vai pra onde?... Eu estou andando para o não sei onde. Olha o Abraão andando para o não sei onde, Deus... Deus me conduz. Então, vem a oração do irmão Carlos, que a gente reza aqui - tão bonita -: a entrega; eu caminho para o não sei onde. Deus me leva para a transformação do mundo... E que luta para esvaziar, para não ficar se agarrando aos restos de minhas obrigações de missa: tenho que celebrar missa, tem que falar, tenho que pregar. Pregar o quê? Pregar é falar. Num destes domingo, ouve um desentendimento entre a missa que eu ia celebrar e a missa que eu não podia celebrar, e eu fui assistir missa. Quando eu saí da igreja a missa os cantos, os desacertos fônicos, e mais a pregação que eram palavras em cima de palavras, entusiasmo em cima de entusiasmo, eu saí pensando: Quem, depois desta missa conservar a fé, é herói. Obrigações, dúvidas, nossos pecados, dinheiro... sem outro referencial. Nosso referencial, o irmão nos diz: é Cristo.
Se alguém encontrar e tiver este Boletim 132 - tem coisas lindas - é preciso reler; reler o Edson Damian. Esses boletins trazem a marca de uma história, que é história de uma promessa, e que nos transforma em profetas. Tem que transformar o mundo! Chama essa Madona pra levar esperança a um povo que fica - seja juventude ou não - duas horas na chuva, assistindo coisas, coisas, coisas, não sei o quê, e sai alegre. Nós estamos por fora disso, nós somos perseguidores do bem-estar da humanidade e Cristo, meu Deus, meu Pai, meu tudo, o Espírito Santo me entrega Jesus, Ele está aqui. Cantamos muitas vezes, vem Espírito Santo e ele vem, vem fazer o quê? Vem nos dar Jesus. Jesus nos leva ao Pai, e o Pai é o Criador, o Pai é o “ens a se”, é “tota simul et perfecta beatio”, a felicidade está é nele. O que essa mulher, ou quem quer que seja, tem para transmitir de felicidade é dele; mas não, nós temos, esse é intocável, está fechado no sacrário, só eu que mexo...
Há, se conhecesses o dom de Deus (João 4, 10)! Se encontrei graça na vossa presença, mostrai-me o vosso rosto. Estamos aqui para dizer isto a Jesus; isso foi dito por Moises (Êx 33, 13). E o Salmo diz: não me escondais a vossa face. Quem sabe (eu também não sei mais coisa nenhuma de Deus, e de Jesus, menos ainda). Eu leio o Evangelho para os outros, talvez até para mim, mas a estrela vem em cima de mim, e está me chamando para eu encontrar a salvação na falta de mentira, na falta de dinheiro, na falta de poder, na falta de saber. A salvação está nisto, na falta de poder, na falta de saber, na simplicidade, está lá... Descobrir que eu existo, que esse cosmos existe, que essa alegria existe, que essa vida existe no seio da Santíssima Trindade. Essa casa é uma casa com uma concepção perfeita.
A Eucaristia cósmica entra em todos os recintos. Onde você passa, tem verde; então, a construção de pedra, Eucaristia cósmica, Eucaristia da minha fé, eu com um mundo, esse é Deus. Descobrir essa Eucaristia cósmica, esse Deus da minha vida, no seio da Santíssima Trindade, isto é transmissão total, do Pai para o Filho, do Filho para o Espírito Santo, dos Três no amor. Deus não é todo poderoso, Deus é amor. Se a gente pudesse dizer bem baixinho: Se ele fosse todo poderoso, não tinha criado este mundo velho, todo atrapalhado... Deus é amor, vem partilhar do atrapalhado deste mundo que o tempo é de si, passado, presente, futuro, retranca, estraçalhado. Eu estou no seio da Santíssima Trindade. Bendito seja Deus o Pai do nosso Senhor Jesus Cristo que nos abençoou nos céus, em Jesus Cristo, antes de o mundo ser criado com toda bênção. São Paulo aos Efésios, capítulo 1º.
Já falando em São Paulo aos Efésios: “Que o Deus de nosso senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória, lhes dê o Espírito de sabedoria, que lhes revele Deus e faça com que vocês o conheçam profundamente. Que lhes ilumine os olhos da mente - olha que metáfora - para que compreendam a esperança para a qual ele os chamou” (Ef 1,17-18).
Não estão aqui à-toa, porque Brasília é bonita, porque vale a pena ver Brasília... Sacrifício doido para vir aqui, lá do norte, do sul, para chegar aqui. Estão aqui para que compreendam a esperança para a qual Ele os chamou, para que entendam como é rica e gloriosa a herança destinada ao seu povo, compreendam o grandioso poder com que ele age em favor de vós. Olha lá, não estão sozinhos. Efésios 1, 17. Se quisesse fazer citação ia uma atrás da outra. Uma mais bonita que a outra. É que nós lemos, falamos, pregamos, mas é para fora. Deus, que por meio do seu poder, age em nós, “grava-me como selo em seu coração” diz o Cântico dos Cânticos 8, 6. Então, irmãos, irmãs, “o Senhor não faz coisa alguma sem revelar os seus segredos aos profetas, seus servos”, diz Amós 3,7. E, não precisa ter medo porque “uma força saía dele” (Lucas 6,19); e o Papa acabou de fazer um discurso dizendo: a nossa Igreja é um corpo, não é uma organização. Eu bati palmas, fui procurar o artigo e já tinham levado, não consegui ler. Basta o título, está lindo: “A nossa igreja é um corpo, não é uma organização” é do Papa Ratzinger, num dos últimos discursos dele. “Verão a face do Senhor, e o seu nome estará sobre suas frontes... pois o Senhor Deus vai fazer brilhar sobre eles, e eles reinarão por toda eternidade” (Ap 22,4 e 5b).
A convocação que o Espírito Santo, através do irmão Carlos, faz para cada um de nós, neste retiro, é para que cada um descubra que a última palavra é de quem tem fé, a última palavra é de quem tem esperança, a última palavra é de quem tem amor, a última palavra é de quem tem Jesus.
2ª. Meditação: DEUS e EU
O Espírito Santo realmente nos ilumina. Hoje de manhã, na nossa oração, na capela - tão bonita - a gente sentia o Espírito Santo, traduzindo para a gente tudo aquilo que era dito e que a gente não ouvia, mas o Espírito Santo está aqui, e eu tenho certeza que é auxiliados, guiados pela luz do Espírito Santo, que nós estamos reunidos. Ontem - depois de lembrar que os primeiros cristãos eram chamados grupo do caminho - tentamos meditar sobre o caminho do Eu para com Deus, o nosso caminho para com Deus, nosso esvaziamento para sermos enriquecidos por Deus. Hoje faremos o reverso: Deus e cada um de nós. Ontem, nós procurando Deus; hoje, Deus em nossa vida. Ontem, nós nos esvaziando, para chegar a Deus, dos nossos pecados, dos nossos ruídos interiores, dos nossos barulhos. Nós somos grudativos, a gente gruda em tudo, senta, fica com vontade de continuar sentado, quer dormir, anda, cansa... Liberar nos, esvaziar-nos, para alcançar Deus. Hoje, é Deus se esvaziando para alcançar cada um de nós. Mas, ontem ainda, São Paulo aos Filipenses - esqueci-me de fazer a citação e eu não queria deixar que ela ficasse em branco - com aquela força de vida e de fé que Paulo tinha, ele diz assim, em Filipenses 1,20-21: “O que desejo e espero é não fracassar, mas, agora como sempre, manifestar com toda a coragem a glória de Cristo em meu corpo, tanto na vida, como na morte. Pois para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro”. A glória de Deus no meu corpo, vivo ou morto. Só São Paulo! Não queremos deixar fugir de nós a missão de dar a Deus, quase inimaginável, glorificar a Deus, com meu corpo, de tal maneira - isso é forte - vivo ou morto.
Hoje, nós queremos então pensar Deus em nós. Ontem o nosso esvaziamento para chegar a Deus, hoje o esvaziamento de Deus para chegar a nós. Deus infinito, Deus comunidade de amor, Deus ente em si mesmo, soma de todos os entes, não precisando de nada porque, tendo tudo, projeta Deus Trindade, na sua eternidade, projeta partilhar da sua vida de amor, de riqueza, de felicidade, do que quiserem - tem aí a montanha dos sete patamares - partilhar com seres do tempo, a sua grandeza. Nós, inseridos na realidade de Deus antes de todos os tempos. O Pai projeta, na eternidade; o Filho executa no tempo; e o Espírito ratifica, renova na historia. O grande projeto de Deus: realizar o absurdo do infinito se misturar no finito, conceitos contraditórios - se é finito não é infinito -. Deus faz um projeto.
A palavra projeto - vocês estão vendo - é infeliz, é nossa; não temos em nossa linguagem como falar, em profundidades, em clareza, coisas de Deus, projeto é daquele que hoje deseja uma coisa que vai fazer. E, em Deus, não é isso; em Deus a vontade é ação. Deus é ato puro. Pois bem, então há um projeto desde toda a eternidade, nós vimos ontem, São Paulo aos Efésios 1,3-4, dizendo: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo: Ele nos abençoou no céu em Cristo antes de o mundo ser criado”. Nós estamos aqui, desde toda a eternidade, no seio do Pai. Então, este projeto da Santíssima Trindade vai ser realizado, não esquecendo que tudo o que é ação, é do Pai, é do Filho, é do Espírito Santo, actiones sunt supositorum. As ações são dos Três - é de Tomás de Aquino -; tudo que é feito por Deus, é feito pelo Pai é também feito pelo Filho e pelo Espírito Santo, actiones sunt supositorun. Mas acontece que há uma diferença.
Qual é a diferença do Pai e do Filho? A diferença única na Santíssima Trindade é diferença de origem. O Pai não é o Filho, o Pai gera o Filho; o Filho não é o Espírito Santo; o Pai e o Filho inspiram o Espírito Santo; eles são distintos na sua origem e na ação; toda ação de cada um é ação do outro, pois a salvação, o projeto, que é ação, é feito pelo Pai e é partilhado pelo Filho e pelo Espírito Santo. A execução, quem nos salvou foi Jesus Cristo, mas, na ação, com a presença do Pai e do Espírito Santo, quem nos mantém iluminados, quem acompanha, na história, a salvação do Filho, o projeto do Pai, é o Espírito. Nele, juntamente o Pai e o Filho. Então esse projeto se realiza como? A eternidade abre um buraco, uma janelinha e aí vai acontecer o êxodo de Deus.
Deus sai de si mesmo, Deus sai da eternidade e entra no tempo e quando entra no tempo a historia do Gênesis acontece: o Êxodo de Deus. Isso é um mistério mais profundo, tão profundo quanto o da Eucaristia, Deus sair de si mesmo. Mas, isso é palavra? Não, isso é realidade. A janelinha, o Êxodo de Deus. Sai, se faz tempo, o esvaziamento de Deus, a kenosis, Ele sai, o Deus, que é eterno, e entra no tempo, o Deus se separa. A palavra é essa, a realidade é outra. Então, Deus entra no tempo e há a kenosis. Ele se esvazia.
Nós conhecemos bem o texto - não conviria deixar de ler - Filipenses 2, 6: “Ele tinha a condição divina - eternidade de Deus -, mas, não se apegou a sua igualdade com Deus - quem é o executor é o Filho, que tinha condição divina é igual ao pai, a única diferença é de origem, ele não é o Pai, ele é o Filho – “não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo - misterium fídei, mistério de fé -. Deus vazio, Deus se esvaziando, tornando se semelhante aos homens...
O eterno fica com jeito de tempo, de tal maneira que humilha se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz. Êxodo de Deus: Ele abre a possibilidade - a janelinha - de esvaziamento de Deus, Deus se faz criança, Deus vai aprender, Deus vai chorar, Deus vai morrer numa cruz. A onipotência de Deus padecente é cruz. Olha o que é a historia! Antes da existência do homem, cada um de nós marchando, esvaziando, não desejando nada: só o absoluto e nós. Até chegar a isso, quarenta anos. Agora, nós - eu já tenho 87 e não cheguei lá - e a gente também caminhando... Agora, o projeto, a caminhada de Deus, onipotência de Deus padecente... Êxodo, Kenosis, onipotência de Deus padecente, cruz, teopatia de Deus... Teopatia de Deus: o grande sofrimento de Deus – “Theos” Deus, “Patos” Patologia, doença, sofrimento de Deus por querer que a humanidade, que o cosmos, a eucaristia cósmica, um mundo criado, um dia faça parte disso que São Paulo quer: que meu corpo expresse a glória de Deus, faça parte da glória de Deus.
Teopatia de Deus. Interessante ver também o vocábulo simpatia: “Sim” quer dizer “com” “Patos” sofrimento. Eu sofro contigo quando nós somos uns para os outros companheiros. E, quando nós não gostamos: a antipatia. Por que deu na cabeça de Deus essa idéia de criar o tempo, de partilhar a eternidade no tempo, de nos criar, por quê? Deus é amor. Ontem, na nossa pregação, trabalhamos a idéia de amor, depois, do medo, porque o medo é exatamente a falta de amor. Deus é amor, e o amor passa. Como você esconder? Você vai se ordenar padre, você vai se ordenar bispo, você ganha e você engole; ninguém vai saber.
Convite: Minha ordenação no dia tal, serei presbítero e aí, vai presente, e tem o amor? Passa de si... O aforismo diz assim “bonum diffusivum sui”. O bem é difusivo, ele existe, só existe porque é difusivo; então, porque Deus fez isso? Ele não é obrigado, mas Deus é amor, e o amor dilata, e o amor passa e o bem é difusivo. Então a história: desde toda a eternidade, nós, no seio da Santíssima Trindade - que meditação! - antes que o mundo existisse. Depois, se houver tempo, a gente pega citações que falam sobre isso, para não perder o fio desta meditação, que é exigente. Por que criar? Porque Deus é amor, e o amor passa. Como criar?... O tempo é retalho, o tempo é recorte, o tempo é dissociação, o tempo é complicação.
No seio de Maria, o Verbo se fez carne... Daqueles que creram em Jesus, isto: “Eu te batizo”. Você vai fazer parte, agora, da presença de Deus, a Santíssima Trindade vai inabitar a sua vida, é uma vida transformada, novos céus e nova terra, você é você, mas Deus é em você, você nega Deus, mas Deus está dentro de você, e para que você não se estraçalhe com seus pecados. Jesus Cristo, em São João, 12,47 diz assim: “Eu não condeno quem ouve as minhas palavras e não obedece a elas, porque eu não vim para condenar o mundo, mas para salvá-lo”. Para que ninguém tenha medo. Eu te batizo em nome do Pai... Você tem a Santíssima Trindade com você; estado de graça é válido, mas a Santíssima Trindade não larga, você é filho de Deus, Deus não te criou pro inferno e nem para a condenação e nem para a apatia - porque nós falamos de simpatia e de antipatia, mas há também a apatia, a percussão negativa, o não interesse - .
Deus não te criou pra apatia, mas pra você ter coragem de sair sacudindo, sacudindo perna, corpo, físico, alma, dando glória a Deus, no seu corpo, na vida e na morte. Está arrebentado, está dando glória a Deus. No seio da Virgem Maria, carne; naqueles que creram, corpo; dos que comem, isto é o meu corpo; dos que se amam e se reúnem, Ele está presente: há uma Eucaristia de presença de Deus em dois, três, quatro que leram um trecho do evangelho, da Bíblia, e, mesmo não entendendo - entender não é muito importante, se entender salvasse alguém, as guerras não estavam aí -...
É preciso que se diga “eu não entendo você”, está entendendo? Não. Olha, eu entendo que eu não te entendo, está entendendo? Entendimento não salva ninguém. Dos que se amam e se reúnem na igreja, as portas do mal não vão prevalecer contra ela; a essa revirada do mundo, a gente fica por ali, meio perdido. Fiquei feliz quando vi o retratinho, ali, do dom Helder, o profeta; a gente fica infeliz quando sabe que a civilização ocidental cristã está toda ela imbelocada; não há fé, não há sacerdócio, nem em Roma, nem na Europa; Essa tristeza é porta do mal. Há os processos históricos e, dentro desses processos, a crucificação, a Kenosis, o esvaziamento de um Deus, que nos ama, é matéria, é tempo que se arrebenta.
Mas, eu estou com vocês todos os dias e vim para quê? A salvação é Deus potencializando o tempo. Tu és o tempo; Ele nasceu no seio da Virgem, faz parte do teu corpo. Este é o corpo de Cristo, e o céu se abre e diz: Olha, isso aí, que não parece coisa nenhuma - nem João Batista queria batizar- é meu Filho amado. Está na cruz, chorando, reclamando. Este é meu Filho amado. Então, todo esse processo para que os filhos, as criaturas de Deus, no tempo, através do Verbo eterno, que é Filho unigênito de Deus, as criaturas se tornassem também filhos adotivos de Deus e dessa maneira com o corpo de Cristo, com a presença da Santíssima Trindade, tivessem capacidade, potencialidade para estourar do tempo para a eternidade. E isto é ressurreição.
Toda a história do projeto de Deus se faz sinteticamente na Eucaristia. A Eucaristia é a oração da ressurreição de Cristo, em nossa vida “isto é meu corpo”. Explode, você cai, vai levantar. Há um perdão em cima de ti. “Eu não vim...” Se você ouve a minha palavra e não segue, se é padre e não reza mais, se você busca dinheiro, esqueceu da pobreza, se a igreja procura coisas grandiosas, se a igreja ainda não descobriu a mulher na sua vida, na sua participação intensa no Corpo de Deus... Isto é o Corpo de Deus. Vai estourar. Ressurreição existe.
Santo Anselmo tentou pensar esse mistério da morte, do pecado, e do Filho de Deus que veio. Então, Santo Anselmo gerou uma teoria que teve curso, e ainda tem por aí, na Doutrina da Igreja. Disse ele: Deus é tão importante que uma ofensa feita a Ele não tem como ser perdoada, porque um pedido de perdão não chega. Você é do tempo, Ele é da eternidade. Olha como era sábio o santo Anselmo. Fazendo um silogismo errado ou imperfeito “não chega”. Então foi preciso que Deus mandasse o seu Filho, que sendo eterno viesse. Então, Jesus veio pra morrer. Então que o Filho de Deus morra para que nós não sejamos mortos, a vida inteira. Esse é o pensamento de santo Anselmo. De fato, Deus é amor, nos criou por amor, enviou seu Filho por amor, mantém o Espírito Santo estourando em cima dos apóstolos - nós sempre fazemos, e aqui tem, na nossa rosácia da igreja, que eu fico sempre entusiasmado por ver em toda parte, ela está atrás, eu vejo lá na frente - e, hoje, eu passava os olhos, pra poder meditar nas coisas que eu não ouvia, mas que eram de Deus, e lá embaixo, lá estava o Jesus Cristo. Está lá embaixo. É o mistério...
Santo Anselmo, então, dizia que o pecado não pode ser perdoado e Deus é um ser consciente de si mesmo, que quando alguém não obedece, o inferno; se alguém vai bem, como é que vai, meu filho? Alguém necessitando de nossa anuência...
Deus é amor e veio para esvaziar-se de si mesmo, de suas qualidades de toda a teologia bonita, para que, um dia, a gente possa fazer esta festa de hoje, tão bonita... Daqui a mais uns anos, essa reunião, lá em cima, todo mundo cantando... - lá em cima a gente diz coroação da Santíssima Virgem, glória aos anjos e santos -, festa do céu, farra no céu, todo mundo reunido e Jesus Cristo, os santos todos e Nossa Senhora! Um dia... O Pai, desde toda a eternidade, fez um projeto para que nós estivéssemos com Ele nesta vida eterna.
3ª. Meditação: EU e a IGREJA
Nós tentamos meditar no primeiro dia Eu e Deus, as minhas andanças para descobrir Deus. Os outros levaram quarenta anos. Depois pensamos na segunda meditação Deus e Eu. O que é que Deus fez para me encontrar nesta selva... me encontrar neste mundo. Hoje, Eu e a Igreja. Eu e Deus, Deus e eu, eu e a Igreja. E, então, mais uma vez, tomo a dimensão, aquele amor do Pai, que sendo difuso de si mesmo, que todo amor passa, (que enviou o seu Filho) se derrama, enviando a unidade do Pai com o Filho, que é o Espírito Santo. - É interessante ou engraçado: o Pai não é santo, o Filho não é santo é só o Espírito que é santo. - O Pai é santo, o Filho é santo e o Espírito é Santo, é que o Espírito andou meio confuso. Qual é a função do Espírito? O Espírito é a unidade, a relação de unidade do Pai com o Filho, por isso tudo que ocorre, na obra da salvação, é função imediata do Espírito, porque ele é unidade do Pai e do Filho, quando ele chega, aqueles apóstolos, que tinham recebido tudo de Cristo, durante tanto tempo e não tinham entendido coisa alguma, o fato do Evangelho que já foi aqui comentado na primeira noite: Eles estavam com medo, não reconheciam que era Jesus e estavam com medo, aí o evangelista acrescenta: eles não haviam entendido ainda a história da multiplicação dos pães. Esses apóstolos não têm o que entender, é a prodigalidade do amor de Deus que se derrama multiplicando o pão, dando para todo mundo. Eles não haviam entendido ainda aquela história da multiplicação dos pães. Jesus, em vez de cuidar deles, está cuidando da massa, se é essa a interpretação...
Então, o Espírito é a unidade. Onde ele chega, o Pai e o Filho chegam, para Maria Santíssima, para a Hóstia consagrada, para a ressurreição de Cristo. É o Espírito. Hoje, então, a Igreja é caracterizada pelo amor que se derrama, o amor de Deus, através da unidade, que é o Espírito Santo. O Pai, o amor do Pai na eternidade; o amor do Pai e o Filho no tempo; o amor do Pai e do Filho e a unidade, a relação de unidade do Espírito Santo, na história. É muito importante e sobre nós essa ruptura de Deus consigo mesmo, Deus na Santíssima Trindade, esse Êxodo de Deus. Deus sai de si para procurar os seres humanos. E, então, quando Deus sai de si e procura os seres humanos e os encontra, chama-se esse encontro de Eclésia, igreja.
Eclésia vem do grego ek kaléo aqueles que foram chamados; eclesiásticos, somos chamados, kaléo chamado ek..., Eclésia. Então, quando o amor do Pai, mais uma vez, cem vezes e sem medida, chega, gera a Eclésia a igreja, então cria esta mistura de céu e terra, porque quando nós estávamos no deserto, era terra aqui e céu lá; desce o Espírito Santo, unidade do Pai e do Filho, no amor; então, céu e terra começam a se misturar, graça e pecado, história e eternidade, este paradoxo da nossa fé. Lutero não aceitou esse negócio. Ele foi muito prático e teológico: sola fide, sola gratia, sola scriptura. Só existe a fé, só existe a graça de Deus e só existe a escritura. Pega a Bíblia, põe embaixo do braço e pode sair por ai que você está salvo. E é por isso que há uma confiança naquele convertidozinho, naquela mulher que saiu da igreja católica e se fez crente... Eu estava no ponto do ônibus e os dois conversavam. Era domingo. Dia do Senhor não é esse, não. Eles fazem isso porque não leram à bíblia. Está tudo na Bíblia, é o sábado.
Nós e a Igreja; o Espírito Santo fundando a Igreja; nós e o Espírito Santo. Esta, não é Isabel da Trindade não, é Edith Stein; ela tem um poema do Espírito Santo; está todo em francês, tem um trecho do inicio dele já traduzido. Eu recebi, com grande alegria, do Cônego Celso Pedro, que tirou na internet. “Quem és tu, doce luz que me imundas e aclaras a noite do meu coração? Tu me guias com tua mão maternal. Se me desamparas, não avanço mais, nem sequer um passo. Tu és o espaço que cerca meu ser e no qual tu te ocupas. Se me abandonas, caio no abismo do nada, do qual me chamaste para o ser. Estás mais próximo de mim do que eu mesma; és mais íntimo de mim do que meu intimo e, com tudo, ninguém te atinge, ninguém te compreende, nenhum homem pode aprisionar-te, Espírito Santo, eterno amor...”
O poema é longo, e em francês, na internet se pode pegá-lo. Então, a Igreja. Temos para rever: Atos dos Apóstolos 2,4: “Quando chegou o dia de Pentecoste todos eles estavam reunidos no mesmo lugar” e, depois, versículo 3: “serão batizados no Espírito Santo”. No 1,15: “Nesses dias, estava aí reunido, um grupo de mais ou menos 120 pessoas: Pedro, Tiago... Algumas mulheres, entre as quais Maria mãe de Jesus, com os irmãos de Jesus, ao todo os 120 pessoas”. Aqui já há uma observação a ser feita: Nós temos retábulos, nós temos quadros da descida do Espírito Santo, até aqui na nossa igreja e o que é que se encontra lá? Aqui até não é tanto, mas, por exemplo, os Palotinos tem, nessa descida do Espírito Santo, e nesse quadro de Maria e dos Apóstolos, têm assim como uma força da espiritualidade deles. Então aquele quadro bonito, Nossa Senhora bem grande e bem bonita, bem no centro e aqueles coitadinhos magricelas pelos lados, e o Espírito Santo descendo forte e grande sobre Maria e um pouquinho, um pinguinho, em cada um dos Apóstolos.
É só para verem: em primeiro lugar, não são doze mais uma mulher, são 120. Em segundo lugar, Maria já era plena do Espírito Santo: Eu te saúdo cheia de graça! O Espírito Santo quando veio, no Pentecostes, veio fundar a Eclésia, aqueles que eram chamados, ela já tinha sido chamada, ela era inclusive a mãe de Jesus, não quer dizer que não tenha recebido; quer dizer que nós continuamos fazendo uma hermenêutica ao contrário, isto é, uma interpretação nossa do peso para colocar aquele que nos agrada, aquele que nos parece uma coisa emocionante: Nossa Senhora bem no centro e o Espírito se derrama todo sobre ela.
A Igreja é Ecclesia “ek kaleo” aqueles que foram chamados. Kaleo quer dizer chamar. A Ecclesia é, neste momento, agarrada, segurada pelo Espírito Santo. Essa igreja, esses chamados são os depositários dessa mistura, desse prato que só pode ser temperado, lá de cima, de mistura de céu e terra. O que é que é a Igreja? A Igreja é um prato composto de uma maneira perfeita, entre o céu e a terra. Não é para nós corrigirmos, mas é para vermos que, quando Moisés subiu ao monte e o monte tremia, e a voz de Deus, o trovão, o povo ficava com medo e chamava Moisés e dizia: olha, não precisa Deus, não, nós já sabemos que ele existe, não queremos mais Ele não, vem você. E quando vem Moises, ele ainda tinha a luminosidade no seu rosto. Fecha o seu rosto, não queremos ver isso não.
E você, tem aqui, em Atos 19,16: Apolo estava em Corinto, Paulo atravessou as regiões mais altas e chegou a Éfeso, encontrou alguns discípulos e perguntou-lhes: Quando vocês abraçaram a fé, receberam o Espírito Santo? Encontrou alguns discípulos.
Receberam o Espírito Santo? Nós? Nem sequer ouvimos falar que existe Espírito Santo. O que é então que vocês receberam? - O batismo de João. Eram discípulos de João Batista. Então Paulo explicou que João batizava pelo arrependimento. Ao ouvir isso eles se fizeram batizar em nome do Senhor e logo que Paulo lhes impôs as mãos o Espírito Santo desceu sobre eles. Céu e terra entendem. Eclésia: a Igreja, os chamados, a mistura em que o céu deixa de ser grande e a terra deixa de ser pequena, e o céu e a terra... Você recebeu o Espírito Santo? Ah! Veja, eu fiz o Crisma, eu fui crismado... Eu fui batizado. Quase não sei se existe Espírito Santo.
Você, sacerdote vive a vida interior da Santíssima Trindade? Aquele Pai, Filho e Espírito Santo, que alteraram toda a história da sua vida configurando-a para uma dimensão de novos céus e novas terras? Eu celebro minhas missas, eu rezo meu Breviário. Entendem? Há dentro de nós uma tendência de quando falar de igreja, quando não vemos apenas o templo, a catedral, a Basílica de São Pedro... A igreja. Então, Eu e a Igreja; a Igreja é a descida do Espírito Santo, me entregando a Jesus. O Espírito Santo me move para a fé, me entrega a Jesus. E Jesus o que é que faz? Jesus se faz meu irmão, de uma Fraternidade Universal.
E como tu és irmão de uma família universalmente irmã, fraterna, você tem acesso à ressurreição para o Pai, à volta para o Pai. Então, a missa é a oração da redenção do tempo, a missa, também, a missa é..., mas precisa no fim da missa rezar uma Ave Maria para a Nossa Senhora salvar a Pátria. E está errado? Não, não está errado nem certo, estamos apenas desvestindo o mistério. Nós estamos colocando só o Espírito Santo sobre Maria; o papa lá, os cardeais, com aquele negócio grande, e alguns arcebispos pomposos também, entre Nossa Senhora, a cruz, o seu anel... Então, ali está o quadro e o Pio X, que é santo, chegou a dizer: Leigo existe para obedecer ao padre. E o Padre? Padre existe para obedecer ao Bispo. E o Bispo? Bispo existe para obedecer a Roma. Não precisa Moises que ele fale pra nós, não precisa de Deus. Precisa sim; eu vou lá e ponho a mão no sacrário, eu recebo a hóstia, e quando acabei de receber a hóstia, eu já recebi a hóstia. Espírito Santo, nós nem sabemos... Recebi o Crisma, também batizei, é claro; eu fiz o cursinho. Aí, o sola fidei, sola gracia e sola scriptura, Se você acredita em Jesus, sola fidei, e se você vive essa graça, na fé, e tem aí a salvação na mão, não tem mas nada.
Igreja, comunidade do Espírito Santo, que nos dá a fé, em Cristo. Igreja, Fraternidade Universal dos Irmãos de Jesus. Igreja é vivência interior do Espírito Santo. Não sabeis que sois Templo do Espírito Santo? É bonito; figura histórica: igreja corpo de Cristo. 1Cor 12,12: Todos (igreja) chamados Eclesiásticos, chamados a serem uma Fraternidade Universal, se tiverem tudo, mas não forem irmãos de Cristo e, em Cristo, irmãos uns dos outros, não encontraram a Ecclesia, a igreja. Igreja, corpo de Cristo. São Paulo é que dá força a isso.
Se nós nos perguntarmos se alguma vez nós fizemos uma pregação ou um sermão sobre nós, fazendo parte de uma estrutura correspondente a um corpo, cuja cabeça é Cristo e lá, 1º Coríntios 12,12 talvez a gente se pergunte se vale a pena falar disso porque é dura essa palavra. Quando Jesus começou lá (João 6) a falar sobre Eucaristia, não foi sobre Eucaristia era sobre o pão; Ele havia multiplicado os pães, e todo mundo estava entusiasmado. E quando todo mundo foi procurar de novo Jesus, Ele disse: vocês vieram me procurar porque eu multipliquei os pães, mas eu tenho um pão que quem o comer... Ah! Esse pão é que nós queremos, não precisa mais trabalhar. Quem o comer não tem, mas fome. Eu sou o Pão da Vida e Ele começou a colocar a posição dele como cabeça de um corpo. O homem está ficando maluco, não está não? É realmente estranho, mandou comer o corpo dele, a gente vem depois... E foi todo mundo embora.
Não sei se a gente poderia fazer essa reflexão de repensar o porquê de certa perda de estrutura, de substância, que a nossa religião vai tendo; nós vamos lutando contra a maré. Então, como nós já vimos, há uma espécie assim de Espírito Santo salvando a Pátria, o pessoal tradicional, aquela fé segura, que não tem..., acredita na benzedeira, acredita na fita, acredita na vela, acredita na missa de 7º dia. A missa é para salvar a minha filha que morreu faz sete dias e acabou. E aí o Padre também fala, missa de 7º dia, e a igreja fica cheia; a missa não tem nada a ver com oração de redenção do tempo, de colocação de Deus na história, de Deus transformando o poder da ação interior, não precisa mentir, nós somos todos danados, escorregando ficaremos condenados.
A gente não escorrega, fica só danado. Então, aí está: a nossa missa é cumprimento de obrigação dominical. Graças a Deus, o Documento de Aparecida insiste: o dia do Senhor, todo e todo mundo vai à missa. Uns tem o tercinho, outros tem aquele folheto que nem sempre acompanha direito. Em São Paulo, o folheto traz assim: agora, peçamos perdão a Deus; agora rezemos: eu pecador; todo mundo reza bonito, bate no peito. Acabou de rezar o padre fala “Deus todo poderoso te perdoe”. Acabou de ser perdoado, o que é que vai dizer? Está lá no folheto: “Senhor tende piedade de nós”. Você acabou de dizer que está perdoado.
Então, a nossa missa ou a nossa estrutura eclesiástica de convocados, de chamados por Deus para misturar a nossa fragilidade, a nossa tentação, nossa vontade de não rezar todos os dias... Uma vez ou outra está bom, porque Deus quer que eu reze todos os dias?... Nós queremos substituir isso por comprimento de obrigação ou corre por fora a tradição e, nesse correr por fora, colateralmente, vem um pan-religiosismo, uma religião mistura de maçonaria, mistura de espiritismo, mistura de...
Lá vai o santinho. Tem santinho para todo lado. Nossa Senhora, Graças a Deus, Nossa Senhora intercede por nós, Nossa Senhora salva a Pátria. Deus existe, mas Nossa Senhora existe mais... Nossa Senhora está ficando cansada. Então salvaram Nossa Senhora. Fizeram Nossa Senhora do Nó, Desatadora do Nó, tudo que tem um nó, só ela sabe desatar. E ainda tem... Desculpem, isso tudo é nossa religião. É boa. Nós estamos nos salvando através de... Mas é isso que é Ecclesia. Assunto para meditação do retiro. E tem uma outra que é Três Vezes Admirável. Aí, toca a entrar na missa dela, 50 ou 100 devotas com quadros...
E o altar fica todo cheio. E vem o padre para benzer, se não tiver tanta Nossa Senhora, você não se salva. Entende? E a nossa religiosidade está sendo salva. Por dentro, isso aí enche a igreja, isso aí dá dinheiro pra igreja. E mais por fora, tem esse pentecostalismo... Numa ocasião eu fui convidado, eu Pároco, numa tarde de oração, a coisa pegava lá, e eu estava rezando meu breviário. Dali a pouco a encarregada de tudo, uma moça piedosa, casada, que estava com os filhos, veio e disse: Padre, o Senhor não vem dançar comigo? Ela foi me tirar para dançar com ela lá dentro da igreja. Corre por fora, todo um universo.
Eu já vi um padre que, depois da elevação (ele era encarregado dos doentes, Pastoral da Saúde) ele acabou de fazer a elevação, saiu, eu estava assistindo a missa, ele não sabia, ele foi para lá e disse: “Olha meus irmãos porque esta erva, casca não sei do quê, colocada num tanto de água, cura; aqui está Jesus Cristo dizendo. Então, use a erva, cabeça de macaco e cada um... Olha a Ecclesia, vocês foram convocados, ele quer salvar a Pátria e todo mundo está salvando. Não estou condenando ninguém, não. Agora o liturgista: não podem mudar absolutamente nada. É só o Padre, que é representante de Jesus, que diz: “Por Cristo, com Cristo, em Cristo”. Ora, o Espírito Santo nos fez ter fé, nos entregou Jesus, Jesus nos fez irmão dele, criou a Fraternidade Universal e agora Jesus diz, com todo esse povo, “Por Cristo”... Todo mundo, não pode.
Quer dizer, está tentando guardar a pureza, a integridade, a quadratura do ciclo... O gesto, “o Senhor esteja convosco”, não pode passar disso. Então, é isso a liturgia? Não. A liturgia é muito mais bonita, a liturgia é a presença, é a presença da redenção, é a presença da comunidade, comunhão, é a presença da cruz. Não beberei mais do fruto da videira até o dia em que voltarei para beber, com vocês, o vinho novo, no Reino do Pai. Isso é tão bonito que eu nem entendo! Então, a ressurreição ali está, o Corpo de Cristo que explode, dentro de ti, uma vida mais forte do que teu sexo, mas forte do que tua ganância de dinheiro, mas forte do que tua fraqueza.
Explode pra vida eterna aí o projeto do Pai que quis que todos esses filhos partilhassem a vida inteira, eternamente, da Gloria de Deus, com o Pai dizendo: amém, amém, aleluia, assim como antes, estava na teopatia, estava sofrendo, com seu Filho, que não aguentava e tinha que dizer “por que me abandonastes”, mas quando “Pai, entrego o meu Espírito”, está lá imperfeito. A missa, está ai. É preciso celebrar a missa? É. Mas, celebrar a missa por obrigação, sem o que você deixa de ser padre, sem o que você não recebe os trinta reais... E aí, os senhores bispos preocupados com toda essa historia:
Não queremos ganhar dinheiro, a igreja tem que estar aberta. É muito bom, porque os mendigos, que não tem onde ficar, no tempo do frio, não tem onde dormir, então ficam lá, a igreja fica aberta. Eu ajudava em São Paulo numa igreja que fica depois de uma escadaria muito alta, então, é claro, a pessoa sai do metrô e não entra lá. Só entra se estiver muito cansado para poder esperar alguém; e os mendigos. Só tinha missa três vezes por semana. Não senhor, Pároco é Pároco, tem que ter missa todo dia. Aquelas cinco ou seis velhas, que não agüentam mais ficar em casa, então, claro, vão a missa e o padre vai também e o mundo está salvo e a juventude está... E nós, padres, aí dentro, procurando um caminho. Não está ninguém errado, ninguém certo; procurando um caminho. João, a partir do capítulo 16, 17 está nos avisando: “Eu pedi ao Pai, que vai mandar outro Paráclito, outro advogado e Ele vos ensinará toda a verdade”. Mas Cristo já não tinha ensinado toda a verdade? Tinha.
Mas ele não tinha ainda liberado, universalizado o seu corpo, o corpo de Cristo era amarrado, era preso na nossa humanidade pela carne, então só quando a ressurreição se fez, que o corpo de Cristo foi universalizado e Ele pode estar presente em todos, em cada um, e em toda parte, sem diminuição de nada. Então sim, vem o Espírito Santo e compreenderão toda a verdade, abre a janela, Pedro fala, todo mundo entende... Como todo mundo entende, eles estão é bêbados. Mas como estão entendendo? Quem está bêbado deveria ser eles que não estão entendendo. Pois bem, todo mundo se entende porque é a voz do amor.
Reconduzir cada um de nós à convivência do Espírito Santo é o caminho mais luminoso para a esperança fazer nascer, no coração das pessoas, um Deus de amor. Isaías 43, 1-4 diz assim: “Eu chamei pelo nome, você é meu filho, quando atravessar a água eu estarei com você e os rios não o afogarão; quando você passar pelo fogo não se queimará, as chamas não alcançarão você, pois eu sou Javé, seu Deus, você é precioso para mim”.
Uma mulher tuberculosa fica grávida, o filho dela ou nasce morto ou nasce incapaz de ser alguém, você pode ler para ela Isaías 43, 1-4: “Você é precioso para mim”... Vocês que os carregam desde que nasceram (Isaías 46): Desde que nasceram eu os carrego no colo, desde o ventre materno. Olha Jesus, olha Deus dizendo para nós. Isso é Igreja. Até a velhice de vocês, eu serei o mesmo; até que se cubram de cabelos brancos, eu continuarei a carregá-los. Já fiz isso e continuarei a fazê-lo. Eu os carregarei, eu os salvarei, eu tenho o nome de vocês gravado na palma da minha mão. “E mesmo que a mulher esqueça o filho que dela nasceu, eu não esquecerei de vocês”.
4ª. Meditação: Eucaristia
Meditar sobre o amor de Deus para com a criatura humana ou meditar sobre a história, sobre alguns aspectos da história desse amor, tem sido a preocupação e a diretriz dessas nossas meditações. Nós vimos, na primeira parte, o esforço e o trabalho de cada um, procurando a sua salvação, o sentido de sua vida, procurando Deus e, no deserto, buscando se desvencilhar de todos os apegos, para poder abraçar esse novo sentido, esse novo amor. E mesmo ontem à noite, numa das manifestações, foi dito o quanto, às vezes, é difícil esse esvaziar-se; tanto mais difícil quanto a gente se esvazia e depois os bichinhos estão de volta; se esvazia e a tendência volta porque são hábitos, não é uma torneira que você tira, acaba e fecha, são hábitos dos quais você se liberta, mas que eles não se libertam de você.
Então, este deserto que para os outros levou 40 anos, para nós a vida inteira e, pra eles, quando chegaram a primeira coisa que marcou a chegada deles: estamos cansado de Deus, 40 anos já chega, tem Deus já para toda vida. Vamos cuidar de nós, e vem a história de Israel, traindo Deus. Foi o nosso primeiro pensamento, o como cada um trabalha essa descoberta: que ele está no meio, ele está dentro, mais próximo de nós do que nós mesmos. Mas, não é alcançado pela nossa inteligência. Deus trabalha nessa sabedoria do coração; Deus entra pela sapientia cordis, a sabedoria do coração, uma espécie de segunda forma de apreensão, que é a vida interior.
Depois nós tentamos meditar sobre como é que dentro da ontologia de Deus, da essência de Deus, como é que se operou o fato de o eterno se entusiasmar pelo não eterno, pelo tempo. Andamos meditando um pouco o que é Deus... E alguém até me perguntou sobre alguma dúvida que ficou, sobre o que eu disse que a comunidade de Deus é amor porque um passa o amor para o outro, vive do amor continuamente, é a partir desse “eu te gerei” e na geração encontra o Espírito.
Quando eu disse: a única diferença que entre eles existe é relação de origem, a palavra origem não traduziu direito, para alguns ou para alguém, o meu pensamento, como se essa origem fosse o principio, quando Deus nasceu. Não é bem isso, não; a relação de origem todos entenderam. A única diferença é que o Pai dá origem ao Filho, e o Pai e o Filho dão origem ao Espírito, então, nessa relação de origem, eles são diferentes de modo que o Pai não é o Filho, nem o Filho é o Espírito Santo, mas todos eles são iguais e em todas as ações os três tomam parte. Como foi dito: “actiones sunt suppositorum”.
Tudo o que é ação, é trabalho da Santíssima Trindade; naturalmente ao Espírito Santo é que se concebe todo o início da ação de Deus. Criado o mundo “o Espírito pairava sobre as águas”. Vai nascer um menino “o Espírito Santo descerá sobre ti”. Vai consagrar o pão “Vinde, Espírito Santo”. O sacerdote chama, o povo também conclama: Vinde Espírito Santo! Este pão, então, é tido como sendo do Espírito Santo. De fato, toda ação extra é supositorun, é dos três. A ressurreição do corpo de Cristo, trabalho do Espírito Santo.
Andamos tentando meditar essa coisa para nós inadmissível ou excessivamente contraditória: Deus abrindo uma ruptura entre si, Deus saindo de si mesmo, Deus, sendo Deus, deixando de ser Deus; eternidade começando a nascer. Tudo isso um mistério de uma grande manifestação de bem querer, de amor; Deus querendo que o criado, o cosmos e, a partir do cosmos, a criatura do cosmos fizessem parte com Ele da sua glória.
Hoje, a nossa deificação pela carne pleumatizada de Cristo, como é que se faz a nossa santificação pela carne pleumatizada de Cristo? Então, a Santíssima Trindade escolhe, entre os seres humanos, alguém que represente os seres humanos, e dê condições dessa encarnação se fazer, deste Deus rompido consigo mesmo se tornar tempo, eternidade, se tornar tempo. Paradoxo! Grande absurdo da minha fé! Eu não entendo, mas é por isso que creio. Deus escolhe um representante para cobrir esse ato entre a eternidade e o tempo; o homem afundando no seu tempo sem ter acesso à humanidade, escolhe, na humanidade, alguém.
Da plenitude desse alguém, da plenitude dele - todos nós recebemos - escolhe Maria. Deus escolhe, para a salvação da humanidade, um representante, Maria, é a encarnação. Da plenitude dessa descida dele, através de uma escolhida, Maria, todos nós recebemos a salvação, Salvação global. Fica nisso? Não. A história desse amor é tão maravilhosa que nenhuma novela daquelas que nós assistimos traz tanta nuance. Deus escolhe, do cosmos... Escolheu da humanidade um representante: Maria. Deus escolhe, do cosmos, algo que represente o cosmos e que traga para cada um essa salvação global que foi feita em Maria.
Deus escolhe uma mulher, Deus escolhe no cosmos, representante do cosmos: o pão e o vinho. E a mulher traz a salvação global. E o cosmos - representante do cosmos: o pão e o vinho - individualiza essa salvação para cada um. Olha que beleza de mistério! Daí em diante nós temos, em Maria, a nossa condição pneumatizada de Deus em nós.
Nós temos no pão e no vinho - somos irmãos - no pão e no vinho nós somos parte, irmãos no cosmos. Há uma Eucaristia cósmica, há um Deus que, assim como você para existir depende totalmente do cosmos, da alimentação, do vento, da chuva, do sol, de tudo, para ser parte desse cosmos, para a tua vida deificada ser mantida, o pão e o vinho. E então você descobre a riqueza de ser pobre, a riqueza, a pobreza da riqueza, a riqueza da pobreza, o pão e o vinho, essa natureza é rica e eu não posso abusar dela.
Há um Deus... O pão, o cosmos se abre para que, através dessa abertura, esvaziando-se de si mesmo, um Deus te alcance: o corpo de Cristo. Quem comer deste pão e beber deste vinho tem a vida eterna. Olhem, mistério da fé! A Igreja depois de, em nome de Cristo, o sacerdote em nome de Cristo, ele não se identifica com Cristo, naquele momento, ele é ícone - é em nome de Cristo. Depois que, em nome de Cristo, céus e terra se encontram e o mistério de Maria e mais, a escolha de pão e vinho acontecem e aquele pão, aquele cosmos deixou de ser natureza e passou a ser transubstanciado, como diz Tomás de Aquino. O corpo e o sangue de Cristo...
A igreja quer explicar, para os fiéis, e não tem palavras senão aquelas: “Eis o mistério da fé”! É na sabedoria do coração de vocês, é na profundidade da descoberta de um Deus, no silêncio sentido, que se pode viver esse momento: Eis o mistério da fé! Encarnação leva necessariamente à Eucaristia. O Deus em Maria, o Deus no cosmos. Humanidade representada em Maria, Deus no cosmos representado pelo pão e pelo vinho. Cuida de teu corpo, cuida de tua vida, é parte do cosmos. Precisa ter vigor, é parte do cosmos transformado em Deus, precisa jogar fora a tristeza, a insegurança, o pessimismo. Este vinho é o vinho da alegria, o sangue de Deus...
Refazendo o teu presente, profeticamente, que avança na história. Eucaristia, pão da comunidade amassada, alimentando o amor fraterno universal. Eucaristia, crucificação da vida de cada um com Deus. Há coisas, que fazem parte da vida, que são verdadeiras crucificações, crucificação da vida com Deus. Eucaristia: morte e ressurreição antecipadas. Maria, o pão e o vinho, a cruz - caminho da ressurreição e do retorno glorioso. Eucaristia, retorno glorioso de Cristo, escatologia, escaton. “Não beberei mais do vinho da videira, até o dia em que com vocês eu volte a beber o vinho novo, no Reino do meu Pai”. Retorno glorioso, isso é Eucaristia.
Dizemos, e vamos repetir, no cosmos, no pão e no vinho, o cosmos se abre: esse mundão de Deus, para a transubstanciação no corpo e sangue de Cristo. “Os céus anunciam a glória de Deus”... E o canto de Daniel, a gente só canta nas Laudes de domingo, primeiro domingo. E é interessante, no tomo que estamos usando (página 620) tem festa de um santo mais importante, chega nas Laudes, é o canto: “Obras do Senhor, bendizei ao Senhor; céus e terras, bendizei ao Senhor; mares e rios, bendizei ao Senhor”. Canto de Daniel, 3.
O canto é muito mais bonito. Vale a pena, num momento assim de reflexão e silêncio, porque a Igreja tomou dele um trechinho, aqui: Anjos do Senhor, bendigam ao Senhor; céu e terra bendigam; água ... Mas o canto é bem maior, ocupa o capítulo 3, do versículo 26 até o 90. É a Eucaristia cósmica, a sabedoria do coração, nós fazemos parte de um Deus que vem a nós pela nossa humanidade, com tudo aquilo que ela tem de humanidade, de humano, pela representação de Maria que dá o seu sangue, o seu corpo para surgir este humano divino: Deus.
Deus chama do cosmos o pão e o vinho e, para entrar nessa historia, neste mistério de um grande amor, - já havia sido para o Batista - dado à água o poder de nos fazer participantes disso. Então nós temos, no Cosmos, a água secundaria, mas tão importante; o pão e o vinho. Depois a Igreja, então, caminha nessa direção dos símbolos e vem o óleo para o Crisma e vem os grandes símbolos da Igreja: O amor de Deus chegando a cada um de nós por processos comuns a nossa vida: uma mulher, um pedaço de pão, um copo de vinho: Deus. Consumo desenfreado é falta de respeito à Eucaristia; riqueza é desrespeito ao cosmos que se abre ao sentido de Deus; tristeza, desilusão, falta de alegria, - Este é o cálice do meu sangue - é falta da canção do amor no teu coração.
Eucaristia, pobreza rica, pão dividido pelo amor “Quem comer deste pão”... Eucaristia, utopia do eterno, transformando a vida em ressurreições contínuas. E pra não ficar em palavras, nós temos João 15,1: “Eu sou a videira, vós sois os ramos”. João 17,23: “Pai, eu quero que eu esteja neles assim como Tu estás em mim”. Encarnação e Eucaristia. João 17,24: “Que estejam comigo onde eu estiver para contemplarem a minha glória”.
Eu estou vendo a desorganização da minha paróquia, toalha rasgada, corporal que não dobra mais direito de tanto errado que foi feito, não passaram a ferro direito. Eu estou vendo hóstias, pão envelhecido, eu estou vendo a minha pobreza, a pobreza da paróquia, a pobreza, quem sabe, da Igreja. “Estejam comigo, onde eu estiver, para contemplar a minha glória”. 2 Timóteo 1,9: “Ele nos chamou para uma vocação santa”. É por isso a Eucaristia, é por isso a Encarnação. É por isso que antes da consagração, a Igreja bate o sino, bate a festa e canta pra todo lado, Santo pra cá, Santo pra lá, Santo... Todo mundo é santo. Põe incenso aí e sobe tudo.
Deuteronômio 32,10: “Foi no deserto que o Senhor achou seu povo”, num lugar solitário. Como a águia esvoaçando sobre o ninho incita seus filhos a voar, Ele também estende as suas asas e o toma na mão. Eucaristia, estrutura axiológica do presente - pra falar bonito. Eucaristia, tempo teológico; Eucaristia, tempo escatológico; Eucaristia, coisa de Deus.
5ª. Meditação: Eucaristia
Aqueles homens, filhos do vento e do mar, que nem sabiam falar - porque pescador e peixe não falam, pesca e peixe entendem do silêncio - de uma hora para a outra, serem procurados pelo Filho de Deus. Eles, e depois os companheiros deles. O grande mistério do amor de Deus, naquelas praias de Genesaré, na Galiléia. E aqueles homens, debaixo de um impacto interior, deixaram tudo, o vento, o mar, a barca, o peixe e a história, e vão seguindo Jesus. Na mente deles, havia histórias sobre o Messias, quem sabe o Elias poderoso, Elias arrebatado, essas histórias eram contadas, era típico do povo judeu... Quem sabe - Herodes até pensava isso - era o próprio João Batista ressuscitado.
Acompanhavam Jesus e as contradições da mente deles, da fala de Jesus, criavam um alo de confusão e beleza. Havia até a hipótese de que Jesus fosse descendente daquele cruzamento de homens gigantes, que eram filhos de Deus misturados com as filhas dos homens, narrado no Gênesis (capítulo 6) a história dos filhos de Deus, os Anjos terem decido e terem encontrado as mulheres, as filhas dos homens. “Quando os homens se multiplicaram sobre a terra e geraram filhas; os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram belas. Escolheram aquelas de que se agradaram. Quando os filhos de Deus se uniram com as filhas dos homens e geraram filhos, os gigantes habitavam a terra”. Na cabeça deles, quem sabe, esse Messias era desse cruzamento de céu com terra.
Um grande redator da Bíblia, que também é autor de dois belos livros sobre os Salmos, Schökel, um grande teólogo, ele chega a aventar a hipótese de que São João, no capítulo primeiro, quando afirma que Jesus, o Verbo que nascia, não nasceu do sangue, nem do impulso da carne, nem do desejo dos homens. Esse teólogo chega a achar que esse trecho de São João é para dizer que Ele também não é filho daqueles homens grandes, daquela mistura de Anjos e filhas dos homens. É um comentário apenas de um grande teólogo, que publicou a Bíblia do Peregrino. Ele também tem dois grandes livros sobre os Salmos. Vale a pena tê-los! São dois tomos grandes e trazem tudo sobre os Salmos. Ele põe, numa das observações sobre esse trecho do evangelho de São João (1, 1-12) “não nasceram do sangue nem do impulso da carne” como sendo um aviso: Não se trata da história daqueles anjos que se misturaram com as filhas dos homens. É para dizer desse amor de Deus, concretizado em passos históricos, firmes, que são marcas do ser humano, como ele é, aqueles filhos do vento e cada um de nós.
Lá vem o Verbo de Deus feito homem, pneumatizado pelo Espírito Santo, e nas pequenas cidades ou nas grandes cidades em que cada um de nós existiu, vem nos consagrar, e o comando é ressuscitar a confiança da vida, não importa se o teu peixe era pequeno ou grande, se a tua barca era importante, assobiava com os ventos ou tinha medo deles. Ressuscitar dentro de ti, pescador, a confiança da vida. O que andaste fazendo, o que andaste pescando, como andaste vivendo, não importa. A confiança da vida e a capacidade de amar, consagrados ao mundo de Deus. O que é que na cabeça de cada um, sobre essa história de acompanhar Jesus pelo tempo, dentro de uma associação, comunidade. Um mistério de beleza, que é tão bonito que até a palavra Eucaristia... Eucaristia quer dizer graça, quer dizer canto, quer dizer beleza física. Eucaristia quer dizer aparência bonita. Consagrados para a confiança da vida, para a capacidade de amar, para ensinarem o que crêem e praticarem o que ensinam. Mãos ungidas, mãos consagradas, mãos que carregam as bênçãos dos patriarcas e os gestos de Jesus.
Pela unção do Espírito Santo, são assinalados com um caráter especial de dimensão divina, seus passos marcam na areia uma história maior do que os vestígios dos pés. Configurados com Cristo sacerdote, de modo a poder agir, até mesmo na pessoa de Cristo (Presbiterorum ordinis). A imposição das mãos do Bispo é o vento de Deus na história de cada um. “Nós vos pedimos, Pai todo poderoso constituir esses vossos servos na dignidade de presbíteros, renovai em seus corações o Espírito de santidade. Obtenham, ó Deus, o segundo grau da ordem sacerdotal que de vós procede, e a sua vida seja exemplo para todos”.
História do Verbo encarnado, no mar da Galiléia, procurando os filhos dos homens. Vem! Múnus de presidir a Eucaristia e de seguir o Cristo crucificado. Dentro da cabeça de cada um, como na cabeça daqueles apóstolos, quem sabe trabalham histórias... mais filho da Igreja Católica, mais representante da Igreja Católica do que de Cristo... Desiludidos, quem sabe, com a história do catolicismo - já nem se fala mais que é cristianismo - procurando salvar, às vezes, cada um, em grupos, ou em parte, a história de Cristo. Não viram os apóstolos, nem conheceram Jesus, ou melhor, conheceram, ele vinha nas águas, conheceram, tendo medo.
Mas Jesus era companheiro deles, tinham medo porque não estavam entendendo, até então, que história era aquela da multiplicação dos pães. Estamos, nós, entendendo a história da multiplicação das outras religiões, da diminuição dos nossos pães? E, na melhor da boa vontade, esses apóstolos acompanham o Cristo, Ele vai... Contemplamos Jesus, caminhando para Jerusalém. Ele vai contando: o filho do Homem vai ser preso, vai ser morto, e eles estão brigando, lutando: quem de nós vai ser o maior? E o homem está suando, e o suor do homem é pingo de sangue, não é mais gota de água, é relato do evangelista.
E ele, então, na história da fé, apresenta as suas soluções... Aqui tem um livrinho: Oração da Fé. É de uma beleza ímpar, nesse sentido. Terço da misericórdia divina, a misericórdia divina vem por esse terço. Oração de tudo quanto é anjo. Até de Nossa Senhora. E só celebra a missa se tiver 60 mil pessoas. Há um grande bem que é feito dentro desse contexto? Há, claro que há. Não parece a história dos apóstolos? Pensando, quem sabe, esse homem gigante que era proveniente daquela história de mito de céu e terra, e nós vamos ser os primeiros, os presidentes.
Cinco perguntas:
1. Você aceita apascentar o rebanho de Deus sob a direção do Espírito santo? Na sacristia não tem mais nem genuflexório. Houve um tempo que havia uma oração de Tomás de Aquino, muito bonita. Não, sacristia é um lugar de barulho, entra menino, entra mulher, entra flor, entra vaso pra cá e pra acolá, e estola. É aquele barulho... Não tem silêncio. “Aceitas apascentar o rebanho do Senhor sob a direção do Espírito Santo?” Espírito Santo existe? Segunda promessa: proclamar o evangelho ensinando a fé. Que fé? Fé na Santa Edwiges? Olha, hoje, padre, é dia do dízimo! Então, em vez do sermão vai ser lido isso assim, assim, porque é dia do dízimo, e todos os dizimistas recebem uma florzinha, e vai o padre dando florzinha pra aqui e pra acolá... “Proclamar o evangelho, ensinando a fé”. “Prometo celebrar os mistérios de Cristo”; os sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação. Aquela história toda é mais do que saber se a toalha tem que ter a cor do dia. A toalha tem que ser roxa. Não, mas tem que ter branco por cima do roxo... Aí, o problema do mistério, não é o mistério do Cristo, mas o mistério da toalha. E se o vaso de flor fica em cima ou fica em baixo... E se o candelabro fica em cima ou fica do lado...
É tão bonito celebrar os mistérios de Cristo! “Implorar a misericórdia de Deus na oração”. - O senhor benze isso aqui? Benzo! -... Implorar a misericórdia de Deus, na oração. A oração que transforma, que chama Deus, que ultrapassa a fórmula da oração ou, se não tem fórmula, aquele teu gesto... Unir-vos a Cristo, consagrados à humanidade. A emoção é muito grande! Prometo.
E ele chega desfigurado, desnorteado no Horto das Oliveiras: “Ficai comigo e rezai um pouco...” E deu um sono muito grande. Então, o povo reza o terço, o padre não vai rezar o terço, está com sono. Deu um sono em todos eles e, depois do sono, uma vontade de dormir num lugar melhor, porque dormir no chão não é coisa boa. Todo mundo foi embora. E depois vem: “Quero, com a graça de Deus”. Depois vem: “Prometes respeito e obediência a mim e meus sucessores?” Obediência!... Pode não ser verdadeira a explicação, mas a palavra viria de ob, partícula que quer dizer por causa de; audiência, audire, que quer dizer ouvir. Eu ouço por causa de Cristo. Vou seguir o que tu dizes, ob. “Prometo! Você vai me dar uma boa paróquia?” Periferia, padre novo começa dizendo: periferia, eu não quero. Tem que fazer uma experiência com o povo...
“Fazei isto em memória de mim”. E você é consagrado sacerdote. E é o mistério de um grande amor, de um Deus que vai à praia, procurar a simplicidade da vida, para transformar essa simplicidade em expressão do ideal de Deus. “Quem quiser ser o maior, seja o menor”. E ninguém de vocês é mestre. Passar oito anos naquele seminário... Tomara que seja aprovado. Ainda vai ter a reunião pra saber se o meu nome é ou não aprovado. Foi aprovado; agora eu sou padre; agora eu posso mandar... Se eu benzer, fica bento... Agora eu sou padre! Quanto mais imbecil, melhor! Não é imbecil, não, eu sou padre, sou dono de tudo, sei tudo. Aprendi teologia e também filosofia.
6ª. Meditação: “A Oração”
Conclusão do Retiro
Ao encerrar a linha de sequência destes nossos encontros - nós pensamos Eu e Deus, Deus e Eu, Eu e a Igreja. Depois, toda essa relação Eu e Deus, Deus e Eu na Eucaristia, a Eucaristia se entregando no sacerdócio. E, é claro, que agora tinha que ser a Oração, que é o ambiente dentro do qual essa realidade se alimenta, se mantém.
A nossa existência se decide diante de Jesus. Oração é a nossa existência diante de Jesus. Ontem, à tarde, eu fiquei ouvindo a tentativa de fazerem uma espécie de síntese do que é que caracteriza a Fraternidade, a nossa Fraternidade. Então, várias idéias pulularam e todas elas se complementaram. A mim, me parece que a característica maior da Fraternidade é esse espírito de oração silenciosa diante de Jesus. Alguém que dá seu tempo a Deus. Quem dá seu tempo a Deus, deixando que Deus transforme o seu interior como Ele bem quer, isso então é a oração silenciosa, não precisa de livro, não precisa de referencial: eu e Deus.
Quem dá o seu tempo a Deus, claro que Deus se fará presente no seu tempo, por isso alguém diz: fui reconhecido, sou padre. Claro! Claro! O rosto de Deus de certa forma, de certa maneira, a luz de Deus. Você se entregou a Deus, deu o seu tempo a Deus, Deus dá ao seu tempo a presença dele e isto é oração, é o alento. Ele deu o seu último alento, se dizia de primeiro.
Hoje, quase não se fala mais em alento, mas quando eu era menino sim; ele deu seu último alento. O alento o que é? É esse espírito, essa vida espiritual, é esse interior de nós mesmos, que de dentro vem e em nossa boca encontra uma formulação de concretude porque,quando ele vem, ele é vida, ele é pura expressão vital, encontra uma tradução de concretude, então sai a palavra. E este alento é Jesus, que diz: eu te amo. A oração é a coisa mais simples e mais correspondente à nossa história pessoal. O casal se encontra e diz: eu te amo. Você sabe que eu te amo; diz: eu te amo. E o Jesus e o Pedro. É o alento: eu te amo. Isso é tão bonito! Uma oração da simplicidade... E a Bíblia resolveu colocar toda a história do romance, do amor, do amor carnal. Não precisa sofisticar não, o Cântico dos Cânticos é uma história de erotismo, mas é tão bonita, é tão profunda, é tão cheia de alento, essa história erótica do amor nascido na carne; na carne expressando o espírito, que se chamou o Cântico dos Cânticos; é um cântico espiritual. Só a Bíblia!... Que beleza! E ainda chamando de “Cântico dos Cânticos”.
A minha oração: Deus na minha vida. Ele sabe o que fazer de mim, mas eu não sei o que fazer dele. Eu te amo. Então, oração é essencialmente vida interior, alento, sai de dentro. Estamos muito acostumados à oração da boca pra fora, à fórmula, à repetição da fórmula, de tal maneira que até a recitação do terço - que parece que hoje está meio fora de moda entre os padres - até a recitação do terço de Nossa Senhora, que é uma concepção, psicologicamente falando, avançada, porque eu rezo uma coisa e penso outra. Olha que beleza!
O terço é uma oração em que eu sou ensinado a dizer uma coisa e a pensar outra. Olha ai! Terceira dimensão! “Ave Maria...” E eu estou pensando “Jesus foi preso”! “Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós...”. Mas até nisso parece que houve uma adulteração, e eu fico só: Ave Maria, cheia de graça... Ave Maria, cheia de graça... Parece, assim, um bando de imbecis, que não têm imaginação de dizer outra coisa e ficam repetindo, doentiamente, a mesma coisa. Não é! O terço é para me trazer - daí a beleza dele - a história do meu amor a Deus, colocando, naquela que foi escolhida para que essa história começasse, colocando a minha relação de filho: Ave Maria, cheia de graça!
Não estou pensando nem na Ave Maria, nem na cheia de graça, mas estou pensando no primeiro mistério “A anunciação do Anjo”... Como terá sido o encontro, apareceu mesmo um anjo, ela ouviu uma voz ou ela sentiu dentro de si?... Santa Maria, Mãe de Deus... E eu vou elaborando o mistério de Cristo. Mas já quase ninguém pensa nos mistérios. E parece que até não se tem mais tempo também de fazer aquelas cinqüenta Ave Marias. A oração é uma relação de interioridade, isto é, sai de dentro de mim. A realidade atual é toda pra ser fora de você, é toda pra você receber. Você não precisa mais engatar marcha não, o carro engata a marcha sozinho. Agora tem um instrumento que você não precisa mais saber pra onde você vai. Você coloca lá pra onde você quer ir e o carro vai sozinho. Tem ou não tem? Tem, e é útil. Está aparecendo por ai. Na vida moderna, a tecnologia faz você ser você. Você precisar ser perfeitamente imbecil para ser controlado. Pra entregar a sua liberdade.
Então, primeiro dado de um aprofundamento que Carlos de Foucauld - o nosso Carlos de Foucauld é perfeito nisso - nos coloca é a interioridade, a vida interior. Não é muito fácil. Hoje, mais difícil do que antes, porque silêncio e vida interior trabalham juntos. E silêncio é coisa de doido.
Precisa barulho, precisa percussão... Fazem com uma perfeição, porque é preciso arrebentar os ouvidos das montanhas. As montanhas são silenciosas... Acabem com o silêncio das montanhas. Toquem barulho, é avião que passa... Quero saber como é que um professor ensina aqui, porque quando ele vai dizendo: porque o Filósofo (Rommm)... Depois você vai rezar, trabalhado pelos ruídos externos e os teus ruídos internos, os teus ruídos interiores, as tuas dúvidas.
Será que dá pra eu pregar pra Fraternidade do irmão Carlos? Eu não sou da Fraternidade! Então olha o meu ruído interior. Sabe o que aconteceu quando eu fui convidado? Eu ia preparar e tinha que parar porque a minha pressão ia pra dezenove, aí eu não podia preparar. Ruído interior, os medos, as confusões. Então, você aprendeu que tem que ter interioridade e vai e quando chega lá... Mas, e se o telefone tocar?... Aí o ruído interior começa a trabalhar dentro de você e você então começa a falar com Deus, você precisa pedir, precisa pedir coisas concretas, porque o ruído interior... Mas não é nada disso, é exatamente pra você deixar o seu nada penetrar por Ele que é o seu tudo e nessa penetração vai sendo criado um clima de coisa bonita.
Segundo passo: vida interior. Não sei como é que nós padres conseguimos fazer nas nossas pregações: Meus prezados irmãos, precisamos cultivar a vida interior. Num vaso pequeno ou num vaso grande? Cultivar vida interior não diz absolutamente nada, A gente aprende a cultivar as coisinhas, a ensinar as crianças a botar o milho com água que daquilo nasce a folhinha, cultivar é isso. Cultivar vida interior. Uma vez esse trabalho em curso vem a intimidade com Jesus. No cultivo da vida interior se tem a oração orante da Bíblia. Deixa a luz do céu entrar; não fala nada, não pede nada, Ele é que sabe. Deixa que Ele entre. Uma vez tentado isso, acerta-se uma vez, não se acerta dez vezes...
Há ocasião em que eu, pura e simplesmente, tenho a reação de ficar mais alguns minutos. Eu quero dar o meu tempo a Deus. Oh, Deus, eu estou aqui para dar o meu tempo pra você, não sei mais nada, toma conta de mim. Uma vez esse exercício feito, vem a oração orante da Bíblia. É o salmo que você gosta. O salmo é rico, do cosmos, dessa eucaristia cósmica. Deus, Deus, Deus voando por aí nas abelhas, nos passarinhos, nos insetos e até nos pernilongos... Deus.
Um trechinho da Bíblia não é pra entender. Hermenêutica não faz parte da oração. Leia o trecho da Bíblia, é o Espírito Santo que fala. Fecha a tua Bíblia e agora tenta deixar se envolver por aquelas palavras que eu compreendo ou que eu não compreendo: deixa a luz do céu entrar. Então, você está também se programando para a vida interior e para a intimidade, a minha intimidade com o Senhor Jesus. Nessa intimidade, ninguém que eu conheça, chega perto do nosso irmão Carlos. Ele tem 125 meditações sobra a oração. Se vocês perguntarem: O senhor tem essas 125 meditações? Não, eu não as tenho. Mas é fácil, uma vez que elas existem. “A vós eu me abandono”, oração do abandono. Será que eu me abandono mesmo? E se der na telha de Deus de me escolher pra eu ser crucificado? “A vós eu me abandono”...
Mesmo que chova canivete, eu me abandono. Oração da oferta. “Pai eu me entrego em vossas mãos”. Ele, antes, havia dito: “isto é o meu Corpo entregue por vós”. Ele entregou-se a mim. Pai eu me entrego em vossas mãos. Oração da confiança: “Pai eu confio em vós”. Depois de ter dito “eu me entrego” você tem que dizer “eu confio em vós”. Já pesaram, se você se propõe, como será a minha morte? Eu acompanhei a morte de um padre; ele morreu como um passarinho, mas ele dizia: padre eu tenho tantos anos de idade, eu fui isso, fui aquilo... Ele tinha sido até deputado federal...
A minha vida está feita, eu estou feliz, só tenho medo de uma coisa... De que é que você tem medo? Do estertor da morte. Ele tinha medo de como ia morrer. Morreu como um passarinho. Mas quem é que me diz... Eu já corri num hospital, logo quando era padre novo, me mandaram pra Beneficência Portuguesa e um cidadão estava passando mal, tinha que dar a unção. Eu fui. Estava lá o homem, pequeno e tal, ele olhou, mas não me conheceu... Então, eu confio, eu me entreguei e como é que vai ser?... Eu tenho de noite umas tosses, que não são tosses, será que eu vou me afogar... Pai, eu confio em vós. A oração da confiança. Fazei de mim o que quiserdes.
Querem mais? Oração de ação de graças: “o que fizerdes por mim, eu vos agradeço”. E ai é tão bonito se a gente conseguir, depois de passado o tempo, perceber a mão de Deus me conduzindo, nas circunstâncias anteriores da minha vida.
É tão bonito quando eu consigo ter a certeza, visualizar com a certeza absoluta, Deus me tirando dos meus enroscos, circunstâncias familiares, criadas outras por mim, antes de padre, depois de padre. É tão forte essa mão de Deus, a gente lê na Bíblia e é fácil pregar sobre isso... Mas você sentir que é a mão de Deus, nas coisas mínimas... Você vai, às vezes, preparar um sermão: é um dia de domingo, o tema é meio difícil, você está árido, o Espírito Santo fica lá em cima espreitando e você não consegue... De uma hora pra outra você olha a sua frente e tem uma série de livros espalhados, e um certo livro lhe chama atenção, sem quê nem por quê. Está lá o que você quer. Não é muito incomum você sentir a mão de Deus, que o carregou até aqui e, como diz o Isaias, vai continuar carregando você até a sua velhice, conduzindo-o pra preparar o sermão. “O que de mim fizerdes eu vos agradeço”. Este retiro é uma marca da mão de Deus... “porque eu vos amo e porque sois meu Pai”. E tudo isso “porque eu te amo porque tu és o meu pai”.
Eu sou padre dentro de condições que se propõem a me ajudar a não me desviar. Então a igreja me configura, houve um tempo que tinha de andar de batina. Houve um tempo que só era padre pra valer se usasse aquele colarinho... Os padres só se sentem padre quando estão com o tal “clergyman”. Direito canônico, artigo 276, parágrafo 3: “é obrigado a rezar a liturgia das horas...” O quê? Breviário é coisa antiga. A maioria não tem breviário, mas, já um grande número não vai gastar dinheiro, é caro, quatro volumes daqueles?... Então, a igreja tenta nos dizer: para você se alimentar de Deus, do Deus de Abraão, do Deus de Jacó...
Esses homens poetas, que escreveram os salmos, quem eram eles? Eles eram vocês: Zés ninguém. Olha a beleza! Ali tem de tudo, e tem mais Santo Agostinho lá dentro, tem os padres. É meio complicado... O breviário não conseguiu se tornar simples, vai pra cá, vai para acolá, vira ali... É chamado breviário, porque antigamente era um tijolão. Nesse diminuir, a coisa ficou um pouco complicada. É bom que seja complicado, porque mais complicado do que eu não é possível, então a gente se entende na complicação. “Obrigado a participar dos retiros espirituais”... Este não é obrigado, este eu venho, porque um vento de Deus bateu dentro de mim e eu me senti bem com aquele vento e embalado por ele lá estou eu, naquele ônibus, no avião, não sei aonde, fazendo retiro.
A oração mental, isso é o item 277. O direito canônico é um negócio horroroso, não é não? Falar em Direito Canônico é o mesmo que falar em um bicho-papão. Uma tentativa de o pai e a mãe dizer: olha, dez horas eu quero todo mundo aqui, ninguém na rua depois de dez horas. “Oração mental, penitência, devoção à Virgem Mãe de Deus”... Ainda bem que o direito canônico se lembrou da Mãe de Deus, não é? “é obrigado também ao celibato”. Interioridade, e também se poderia dizer relaxamento. Hoje, foi tudo modificado para entrar no contexto.
Então, está cheio de instituições que ensinam o relaxamento. Vem a filosofia ou a teologia hindu e você senta assim, e tal... e relaxa mesmo, não é? Então, a meditação transcendental... Tudo isto foi para modificar essa interioridade que a gente andou chamando e chama ainda de vida espiritual. Em uma ocasião, visitei um seminário, e as coisas iam bem, conversamos bem, estávamos sentindo um interesse pela Igreja, quando alguém chegou perto de mim e disse: Olha, padre, só tem uma coisa: Não tolero mais ouvir falar de vida espiritual aqui dentro.
O prato vinha com vida espiritual, a panela tinha vida espiritual e daí ele não tolerava mais. Interioridade, intimidade e, na medida em que eu entro nessa intimidade com Deus, eu tenho alto, eu tenho baixo, eu tenho mais alto do que baixo... O Foucauld também tinha... “Depois que eu saí de Beni Abbes eu quase sempre transferia o meu breviário, mudando para a reza do rosário. Olha, é o Carlos que está dizendo. E, algumas vezes, o rosário começava tarde e não era terminado de manhã. Andando, eu pensava o mais que eu podia em Jesus, entretanto, miseravelmente eu conseguia isso”. Nós vamos ter, nessas andanças, nesse trabalho, nessa relação com Deus, vamos ter os nossos altos e baixos. A oração abre a visão de profundidade do momento que eu estou vivendo. Liberta do isolamento do eu, conduz à comunhão trinitária, e à comunhão humana, interfere no rumo da minha vida – eu não sei o que vou fazer - há caminhos que estão sendo abertos e eu não tenho escolha. Estou em dúvida... Nasci pra ser intelectual? Vou ser pastor de paróquia? O que eu vou ser?... Interfere no rumo da minha vida. Faz sentir Deus à minha espera. Essa relação minha com a Trindade me conduz ao mais profundo de mim mesmo, pela oração. Coisas futuras se derramam no meu presente e o meu presente se torna uma espécie de profecia do amanhã. E a Eucaristia é a oração síntese, síntese de tudo que Jesus fez em nosso favor. Oração é o exercício de alguém que sai de si para chegar a si. Você não se entende a si mesmo. Carrega as suas contradições escondendo as. Precisa sair de si, tirar essas coisas... A oração é o caminho para sair de si a fim de chegar a sim mesmo. Eu deixo Deus tomar conta de mim. E esse silêncio integra o homem na compreensão do próprio mistério.
O Divino Espírito Santo, que acompanhou a rota do Irmão Carlos, e através dele abriu os caminhos para nós, nessa saída, nesse êxodo, que agora cada um de nós vai ter que cumprir nessa saída, nos acompanhe, nos ensinando que a maior marca, a marca mais profunda que nos caracteriza como seguidores do irmão Carlos é a nossa oração.