Quem (realmente) somos nós – II

Somos Arranjos de Moléculas

Uma abordagem didática a estruturação dos seres vivos, desde a mais íntima matéria de que são formados, até seu conjunto sobre o planeta Terra.

Prefácio

Tem me acompanhado desde a pré-adolescência o excelente livro de ensino Biologia – “das Moléculas ao Homem”, do Biological Sciences Curriculum Study, com o qual, em paralelo com Química – “Uma Ciência Experimental”, formei minha base de conhecimento, em especial em práticas de laboratório, nestas duas ciências.

Ao longo dos anos, o subtítulo da obra de ensino em Química me mostrou ser mais e mais sólido, e embora, como seguidamente afirme, a Química me pareça ser uma Ciência esgotada em suas bases – o que me levou a estudar Física – concordo que continue sendo a ciência dotestar, mesmo em suas mais sofisticadas pretensões. Já o subtítulo da obra sobre Biologia, ao longo de minhas leituras, diálogos e debates, mais e mais se mostrou falso, primeiro por limitar extremamente o que sejam os processos que embora químicos e bioquímicos, externos à Biologia, pulam determinadas questões (ainda que concorde que tais afirmações possam parecer repulsivas aos que ensinam Biologia, que com grande dificuldade buscam mostrar que a teoria eixo da Biologia, que é chamada até erroneamente de Teoria da Evolução não trata da origem da vida).

Mas estes mesmos profissionais que possam me criticar neste ponto, hão de concordar que colocar o homem como ápice da organização das moléculas é igualmente, e até pior, erro.

Assim sendo, antes de tratar de ponto que será o real objetivo deste humilde e até simplório texto, tratarei de em sua primeira parte, sugerir o que seria um subtítulo mais coerente, e com ele, abrir sua primeira parte:

Das Partículas Subatômicas Aos Mais Complexos Seres Vivos

Após apresentarmos noutro texto que somos, com todos os seres vivos, ao longo da história da vida, fluxo de energia, apresentaremos deste novo texto que somos apenas um arranjo de moléculas, onde se dá o nosso já analisado fluxo de energia.

Quarks (representação artística), modelos de um aminoácido (a glicina), do DNA e uma ovelha,

que é geneticamente mais complexa que um ser humano (54 cromossomos).

Consideraremos primeiro que somos criaturas, conjuntamente com os menores seres vivos conhecidos e até possíveis, assim como os maiores* que podem ser classificadas de maneira grosseira como médias em tamanho em relação aos maiores corpos dos conjuntos astrofísicos que observamos e ao mesmo tempo, que os menores entes da natureza que conhecemos e que talvez possamos vir a conhecer, que são as partículas subatômicas.

*Os maiores seres vivos não são muito maiores do que nós, e nós somos muitíssimas vezes maiores que os menores seres vivos. Apenas como exemplo, uma baleia azul é no máximo umas 3000 vezes mais pesada, e o mesmo em volume, que um ser humano médio. Nós somos trilhões de vezes mais pesados e volumosos que as bactérias.

Após essa colocação autoritária de minha parte, partamos das menores para as maiores, e localizemos em que faixa de fenômenos possíveis se encontram os seres vivos, e daí, concluamos do que realmente dependem em seu íntimo na natureza, ou mais exatamente, como é nosso objetivo, do que, e apenas do que, são constituídos.

Lá no “centro” dos átomos, habitam os bárions, que são conjuntos de quarks (pelo menos até o momento e “estado da arte” da Física de Partículas) que são extremamente densos (no sentido claro de massa pelas suas dimensões) e mantêm-se em intensa agitação. Orbitando em “nuvens” de probabilidades, formando um conjunto maior, aliás, dez mil vezes maior, estão os elétrons, em configuração de orbitais, que são regiões mais específicas onde tais “nuvens” situam-se, e mais que propriamente situam-se, orientam-se. Definido este relativo caos que mais é uma “região de regiões”, de extrema agitação e enormes velocidades, mantido relativamente estável por forças intensas e que atuam a curtíssimas distâncias, em especial nos núcleos, tem-se de entender, e para isto esta chatíssima e primária introdução, que átomos não são esferas, muito menos o que possam ser algo parecido com bolas de bilhar, por exemplo, mas que podem, assim ser tratados muito grosseiramente, como se modela de maneira até muito estética e confiável na química com modelos plásticos e até varetas, simulando suas geometrias em grupos com determinadas ligações entre eles, que chamamos de moléculas.

Maracanã e uma “joaninha”, mesma proporção entre os átomos e seus núcleos.

Entendamos que aquilo que chamamos vida, que já definimos por uma abordagem de fluxo de energia, de forma nenhuma pode se estabelecer nesta escala, muito menos na atômica, onde as turbulências e instabilidades e até mesmo situações que aos nossos mais analíticos olhos seriam absurdas, fugindo por demasiado do nosso “senso comum”. Aqui reinam as mais poderosas, basais e primárias forças e fenômenos da natureza, sobreviventes desde os mais antigos processos que a natureza possui e exatamente por sua “instabilidade estável” e indestrutível, resistentes a qualquer processo que a natureza possua, até porque são destes os causadores.

Agora combinemos átomos mais do que conhecidos, como o hidrogênio e o oxigênio, que com suas geometrias específicas, exatamente da parte que chamamos orbitais dos elétrons, combinam-se com grande facilidade e são em tal combinação estáveis até as mais intensas e enérgicas situações que a natureza apresenta, pelo menos num planetinha vulgar e sem grandes fenômenos como o nosso.

Tal molécula é, como até crianças sabem, formada por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, e tal proporção de reagentes e sua disposição no espaço em tal conjunto são determinadas exatamente pelos orbitais que citamos. Aqui a coisa se complica, e se se complica em molécula tão simples, perceberemos adiante o quão mais pode ser quase inimaginável, porém em mecanismos extremamente simples, complicada para moléculas imensamente maiores, como as básicas da vida.

Os dois átomos de hidrogênio associam-se o átomo de oxigênio formando um V, de ângulo bastante aberto, onde os hidrogênios estão nas pontas das “barras” e o oxigênio está no vértice. Isto deve-se a um equilíbrio de forças eletromagnéticas entre os átomos, que se atraem e se repelem até esta posição de equilíbrio, mas como não há geometria nos orbitais e nem interações que o permitam, não formam um triângulo de interações e permanente troca de orbitais (que em suma, são a grande parte das interações entre átomos que formam moléculas).

O modelo espacial de uma molécula de água.

Daí que por este ângulo, a água é dita polar, pois forma pólos de carga, entre o dois átomos de hidrogênio em assimetria com o átomo de oxigênio, e que lhe permite dissolver inúmeras outras substâncias quando em grandes quantidades, como o são mesmo uma pequena gota de chuva e também o maior dos oceanos**, e já adiantamos nosso objetivo, nestes oceanos, com tal simples molécula, o que seja vida, exatamente pela imensa quantidade de outras moléculas que em meio aquoso são solúveis.

** Mesmo uma gota de água, que possui volume de 1/20 de um mililitro, possui aproximadamente 1,6 x 1021

moléculas.

Ângulos e distâncias na molécula de água e um esquema de seus orbitais.

Agora, até tardiamente, vamos lembrar e alertar que átomos, não sendo “bolas de massa de modelar” que se grudam e só se movimentam de suas posições umas em relação as outras com algum esforço, e sim, vamos tornar as imagens mais claras em suas mentes, “esferas de regiões em tremenda agitação e grandes velocidades”, formando sólidos limites exatamente por suas velocidades, e como num V formamos dois eixos possíveis de rotações do conjunto, que podemos imaginar como minúsculas e exóticas engrenagens e ainda por cima formando um minúsculo “diapasão” no conjunto inteiro, imaginemos as agitações e movimentos possíveis em tal conjunto.

E agora lembremos mais uma vez: estamos tratando de uma molécula de três átomos.

Iguais liberdades serão possíveis em mais amplas geometrias, em moléculas ainda maiores, mas tal instabilidade destes sólidos (porém relativamente instáveis) mecanismos serão possíveis. Mas as forças que os formam e as complexidades que são possíveis já estão definidas desde o que sejam os átomos, mesmo em sua concentrada agitação.

Definidas que moléculas são arranjos de átomos em determinadas geometrias estáveis, nos resta apresentar que igualmente tais geometrias são alteráveis e combináveis de inúmeras maneiras e nas mais variadas combinações, mas dentro de regras rígidas.

Assim, consideremos outra molécula, igualmente simples, que é a do dióxido de carbono, CO2. Tal molécula não é como um V, mas sim como uma “barra”, com o átomo de carbono no meio, e embora possa “vibrar”, não pode de forma alguma formar de maneira fácil, ângulo, e se este se forma, é em determinadas vibrações, mas o estado de equilíbrio será sempre o linear entre os átomos, o que lhe confere o que chamamos de apolaridade, em razão exatamente desta disposição.

Notemos que as posições relativas, ou ordem, dos átomos envolvidos nestas estruturas sempre se darão nas ordems e posições apresentadas e não em outras, pelo menos nas condições que julgamos normais de nosso quimicamente propício planetinha.

Agora daremos um passo gigantesco nesta, concordo, chatíssima apresentação: as moléculas, por mais estáveis que sejam, se combinam, e podem perfeitamente, exatamente pelos mesmos mecanismos que as formam como simples, produzir estruturas e geometrias mais e mais complexas, que manterão as características de “motilidade” das moléculas iniciais, em novas combinações, fenomenologia que por si só, já joga por terra qualquer raciocínio que não aceite que um crescendo de complexidade se manifeste na natureza.

A água combina-se com o dióxido de carbono produzindo ácido carbônico.

H2O + CO2 → H2CO3

E assim se dá com inúmeras outras combinações, e uma escalada de complexidade pode ser estabelecida, desde moléculas básicas como as que aqui vimos, somadas à amônia (NH3), aometano (CH4), até as mais complexas, como as bioquímicas.

Notemos que igualmente, por um misto de agitação dos menores componentes e “rigidez em movimento”, ainda sim tais estruturas, por mais complexas que o sejam, não são de forma alguma rígidas e estáticas, mandendo suas características do que podemos chamar de “estrutura variável em forma”.

Nesta escalada de complexidade possível, é evidente pelo que vemos hoje, que em algum momento da história da Terra determinado arranjo entre os muito obtíveis, em especial pela complexidade e variedade de cadeias que os átomos de carbono propiciam, inclusive pelas suas várias geometrias em suas ligações, alguma molécula poderia não mais reagir, mas sim, em conjunto com outras, num complexo conjunto de reações, produzir uma cópia de si mesmo. Pelo atual estado da arte da Bioquímica, podemos apostar todas as nossas fichas que foi um “proto-RNA” (o PNA é um sério candidato).

Nota: A terminologia é minha, e pedirei perdão desde agora aos amigos Bioquímicos e Biólogos, muito mais preparados e atualizados que este leigo que vos escreve neste campo.

Complexação química: moléculas simples da atmosfera

(de cima para baixo: água, dióxido de carbono, amônia, metano)

ou meio oceânico, aminoácido (a molécula de glicina, um exemplo), proteína, RNA e DNA.

Agora chegamos no ponto, no nosso caminhar em escala, que um sistema de reações químicas, entre um conjunto de moléculas colaborantes, forma um primeiro ser vivo, e deste, pelo processo evolutivo, modificaram-se tais proto-células em novas células e finalmente em seres vivos multicelulares, mas ainda sim, apenas um conjunto de moléculas organizadas.

Célula procariota, eucariota e um coanoflagelado.

Antes, lembremos nosso objetivo, que chegamos a apresentação de que o que sejam serem seres vivos como apenas possíveis quando temos uma quantidades adequada de átomos, não mais nem menos que átomos e como não evidenciamos jamais uma montanha respirar, sabemos que não temos animais ou plantas maiores (ou algo diferente destes dois grandes filos) que as maiores que conhecemos hoje vivas ou mesmo que os que a Paleontologia nos revela.

Encerrando esta parte, apenas alongarei um pouco mais o texto colocando o limite superior para o que possamos chamar de um ser vivo e abortando um peculiar “mito científico”, e no que, por baixo de tal mito, existe de sólidos fatos sobre os quais constrói-se sólida ciência.

Observemos que os maiores seres vivos de todos os tempos jamais passaram, por exemplo, e repetirei e “forçarei” a argumentação, de uma centena de metros e um milhar de toneladas, mesmo no meio aquático**, e mesmo o que sejam “continuidades de tecidos” em determinados fungos, por exemplo, não são igualmente maiores que isso, e ainda sim, sustentados em sua continuidade por estruturas geológicas, aprisionados em seus próprios “fisiologismos e histologismos” (perdão pelos neologismos, mas como já afirmei, as vezes sou vítima de meu estilo) nos limites determinados por tal relacionamento com as “leis da Física” que a todos fenômenos limitam.

**Os maiores animais terrestres de todos os tempos não chegaram a 150 toneladas de peso corporal, e os maiores vegetais, as sequóias – ainda vivas, em torno de 1000 toneladas. Animais aquáticos, em função do empuxo, podem alcançar peso maior, mas também limitando-se a em torno de 200 toneladas, como as baleias azuis. Determinados fungos podem alcançar enormes dimensõesNota 1, permeando o solo, mas tão entrarão dentro do tratamento que aqui damos ao que seja um indivíduo de uma determinada espécie, até porque não possuem mobilidade como os animais nem podem ganhar este volume sem apoio de um substrato.

Temos de entender que questões como peso, pressão, resistência dos materiais, balanços de energia e dissipação de calor, entre outras, serão os fatores limitantes do “teto” de tamanho dos seres vivos, por mais propício e favorável que seja o meio, pois ao que tudo indica, todos os seres vivos da Terra compartilham as características Físico-Químicas daquilo que chamamos célula.

Assim, com plena confiança, podemos afirmar que jamais haverá, dentro da “engenharia” que a Biologia permite, um ser vivo do tamanho de uma montanha, de milhões de toneladas e quilômetros de extensão. Limitamos, pois, finalmente a escala dos seres vivos em relação ao seu meio e seus constituintes.

Mas os seres vivos guardam extremamente complexas relações entre si e até com as características geológicas, desde os óbvios ar e água até o solo e porque não, além deste, o conjunto maior de minerais e rochas que formam o único planetinha no qual se desenvolvem que conseguimos estudar.

Daqui nasce uma hipótese, que a meu ver há muito superou esta etapa, constituindo Teoria que engloba tanto a Ecologia, quanto a geologia, que chamarei, corajosamente, não de Teoria Gaia (em alusão à hipótese Gaia), mas de “Teoria Biogeológica”, que embora não seja desenvolvida formalmente muito além do pouquíssimo que afirmarei, é de todo formal eformalizável e ainda por cima, encontra corroborações que saltam aos olhos, porém vítima de todo tipo de distorção.

E já adianto, iremos além ao tratar de tolices ainda maiores que tem sido afirmadas.

Bactérias Archea, tal como a Ferroglobus, capaz de metabolizar compostos de ferro,

e um depósito de hematita.

Apesar dos seres vivos terem massa total, quando confrontada com as massas geológicas, absolutamente insignificante, eles permitem reações químicas (que é o que são, em suma) constantes e até crescentes no tempo, pois fazem parte de um fluxo de energia do Sol e dos próprios geologismos, aqui direcionados em reações químicas. Assim, como exemplo, podemos colocar uma rocha de basalto sob o mais escaldante Sol, assim como seguidamente molhada pelas mais intensas chuvas, ainda assim, quimicamente e até estruturalmente ela se manterá estável por séculos, quando muito se pulverizando pelos choques, tanto mecânicos quanto térmicos, no máximo tendendo a formar uma outra rocha sedimentar.

Coloquemo-o em contato com a mais vulgar erva daninha e será fragmentado em fração deste tempo, assim como poderá ceder sua sílica e formar a carapaça de milhões de seres vivos, formando rocha sedimentar completamente diferente da anterior, ou mesmo permitindo inumeras catálises e reações que antes seriam impossíveis.

Ação dos vegetais sobre rochas.

Eis, pois, a base de uma, e assim a chamo, hipótese Gaia moderada. O planeta Terra não é um ser vivo, mas sua superfície, desde a crosta*** até a atmosfera, é fortemente influenciada em composição química e variáveis físicas pelos seres vivos em seu conjunto, e aqui afirmo com todas as letras, repetindo-me: não é um ser vivo, mas forma um único sistema químico de reações, por mais complexo que seja, e no macro, quando bem analisado, baseado em poucos ciclos, que até modificaram-se desde a origem da vida e apresentaram novos ciclos dentro de outros ciclos, mas ainda sim, resumidos a poucos principais, e selecionados e equilibrados em seu balanço ao longo do tempo pelo processo evolutivo.

*** Numa profundidade hoje conhecida como em quilômetros.

Percebem-se as provas de tais processos e ciclos nas terras diatomáceas, nos depósitos dos mais diversos tipos de rochas calcárias, nas argilas vermelhas e no oxigênio da atmosfera, e pegarei este último como exemplo simples da seleção natural atuando no macro processo que formou a Terra qual vemos hoje.

Sabemos que a atmosfera primitiva não possuia oxigênio na forma O2. Quem o produziu foram os primeiros fotossintetizantes, aproveitando a imensa disponibilidade de CO2. Em período que geologicamente podemos definir como curto, dada a permanente ação do Sol, e a abundância de tal (agora) nutriente, podemos afirmar que a atmosfera encheu-se ao nível tóxico (como ainda o é, relativamente) de oxigênio “puro”. Não tardaria ao acaso propiciar a um determinado ser vivo aproveitar tamanha abundância. Somos herdeiros de tal acaso, mas dependentes (se não parasitas) dos produtores iniciais e seus descendentes de tal novo nutriente.

Aqui não há teleologia alguma, muito menos falácia da “poça d’água”. O acaso propicia a vantagem ao meio, e a vantagem multiplica-se, modificando o meio, que ficará “a espera” de novo acaso.

Nada mais simples, nada mais claro, porém, tal conceituação levou a raciocínios, quando não muito errôneos, a simplesmente ridículos.

Mas maior tolice está surgindo no horizonte, quando afirma-se, até como forma didática, por pensadores sérios, de que o Universo inteiro, em especial sua mais destacada “organização” (notemos as aspas), que são as estrelas, também formam um único “ser vivo”, comparando os processos crescentes de agregação, nascimento, vida e mortes das estrelas, e a inexorável ação da gravidade são igualmente um processo biológico, gerando a ideia tola que estamos dentro de uma ameba de proporções cósmicas.Nota 2

Algumas similaridades de formas, complexidades, e até analogias possíveis,

mas processos completamente diferentes.

Aqui usarei os nomes de determinadas ciências como sinônimos dos objetos que tratam. Biologia serão os seres vivos e suas estruturas, geologia serão os mecanismos, processos e características dos minerais e da Terra como um todo, astrofísica serão os corpos celestes e seus processos, Cosmologia é o universo e sua evolução e maiores comportamentos.

É claro que a existência de nosso Sol é resultado dos processos cosmológicos, assim como nosso planeta dos processos astrofísicos, como também nosso ambiente em seu quadro mais amplo é resultado dos processos geológicos, como se observa pela simples mudança no clima em cada erupção vulcânica. Mas afirmar que tudo isto seja um processo biológico, nada mais é que outra distorção de algo sério.

Concluída minha argumentação sobre este ponto, e clareados, acredito, alguns pontos, passemos para determinada estrutura em nossos corpos, que julgamos soberbamente a obra prima do Universo.

Mente

Nada mais que moléculas trocando outras moléculas e cargas elétricas

Após apresentarmos o que são os seres vivos, de uma maneira que poderia chamar deanalítica, tratemos de detalhe que a muitos perturba, quando não permite o que considero um conjunto errôneo, e até perigoso, de afirmações, sobre determinada parte de nossos corpos, que exatamente nos permite fazer tal análise (guardem com carinho este “raciocínio circular”).

Tomaremos determinada parte destes (e apenas de alguns) seres vivos, que é seu sistema nervoso, que começa a se desenvolver dentro do processo evolutivo lá nos primeiros animais com algum conjunto de células para este fim, chegando até os mais sofisticados cerebralmente dos seres vivos, que são por exemplo, os grandes primatas (entre os quais estes que escrevem e lêem), os elefantes, os cetáceos, etc. O chamemos de cérebro (óbvio) e lembremos sempre deste termo, pois o usaremos para tratar algo que nele funciona, sua história, e que gera tanta distorção e ideias, quando não confusas, tolas, que serão tratadas osteriormente.

Para apresentar tal quadro complexo, e seu avanço no tempo, farei algumas sutis “semi-desonestidades intelectuais”, e não tratarei do desenvolvimento das reações a estímulos, que podemos chamar como o nível mais primário do que seja mente, nem mesmo em seres unicelulares, como qualquer paramécio, nem mesmo nas exóticas a nós euglenas, que não podemos dizer exatamente que são mais próximas a nossos mais antigos ancestrais unicelulares, nem mesmo a plantas, das quais nem mesmo trataremos, apesar de existirem plantas com sensibilidade e resposta a estímulos, de maneira similar – mas nem tanto – aos nossos sistemas nervovos, como as “sensitivas” ou as plantas carnívoras.

Voltemos no passado.

As esponjas

Uma esponja (porífero) não reage, uma esponja não se mexe, uma esponja simplesmente num lugar fica, e aguarda pacientemente que nutrientes por ela passem, e assim vai vivendo, e por sinal, muito bem, há centenas de milhões de anos.

Esponjas, de um certo modo de ver, e o termo até é grosseiro, são os mais vegetativos dos animais.

Mas num belo dia, as células internas de alguma esponja passaram a ter cílios, que são modificações que surgem facilmente nas células, como vemos nas bactérias (não estamos aqui falando de um flagelo ou apêndice, hábil e sofisticado) e sim de uma simples extensão de sua superfície celular, e esta aumentou a área de contato de seu interior com o meio a ser filtrado, e tornou sua filtração mais eficiente.

Como mais eficiente, tal modificação passou a gerar vantagem e esta estabeleceu-se, pela seleção natural, como dominante em determinada população. Mais uma vez, jamais conseguimos em biologia escapar do que seja o processo evolutivo. Mas continuemos.

Esta “ciliação” interna, uma vez dominante e agora geral entre população de esponjas, passou a poder ser mais uma vez modificada, e um belo dia, tal cílio passou a ter capacidade de resposta a retenção de uma partícula qualquer de nutriente. Nascia aqui, a reação ao estímulo, que é a chave de todo ato de um animal, seja ele qual for. Diferenciamos desde já o que seja um ato, que implica em reação, a um mecanismo de metabolismo propriamente dito, que embora possa ser reação a um estímulo, não será ligado diretamente a coisa alguma que possamos tratar como mente, como veremos adiante, e que mesmo agora, já me parece claro, pois o nascimento da mente se dá exatamente nos primeiros mecanismos, nos primeiros movimentos, apenas desenvolvendo-se sua capacidade de análise/avaliação e reações necessárias, além de outros processos, posteriormente a construir-se.

Tal esponja, agora, passa a ser potencialmente um predador, e estenderemos este conceito para além do animal que mata outro, mas o que aprisiona, ou consome parte doutro, pois ninguém negaria que uma girafa é um animal que “preda” uma acácia, por mais passiva que esta seja.

De aumento em aumento da reação dos cílios, um belo dia uma destas esponjas passou a ter uma parte de seu corpo, que em conjunto de suas células, modificava sua posição no meio, por contração ou expansão de suas partes, e passamos a ter o primeiro animal que apresenta movimento, um cnidário.

Os cnidários

Aqui temos que estes novos animais, ancestrais das modernas anêmonas, ao terem contato de um dos cílios (sejam internos, sejam externos) de suas células, causam não só mais a reação de seu componente celular ao estímulo, mas a reação de um conjunto de suas células, e agora, podem modificar sua configuração geométrica para trazer partículas de alimento (que podem já a muito serem outros animais) para uma parte de seu corpo que não se dedique mais à captura, mas apenas ao que seja uma absorção melhorada das que haviam nas esponjas, e não percam energia e tempo com cílios, iniciando uma crescente especialização de tecidos, gerando mais e mais vantagem na predação (ou absorção, dependendo do ponto de vista da vítima).

Um dia, determinado cnidário, preso há milênios como seus ancestrais a rochas, ou ainda apenas flutuando com seus movimentos apenas de contração, adquiriu a capacidade de, ao invés de mover-se para talvez, por sorte, apreender alimento, reagir a sua presença e mudar totalmente de posição, passando a flutuar, quase aleatoriamente, e aos movimentos quase espasmódicos, atingir ambientes com mais nutrientes.

Chamemos esta primeira “água-viva” muito primária, simplesmente de água-viva, já nos basta.

As águas vivas

De capacidade de nadar em capacidade de nadar, flutuavam tais águas vivas pelos oceanos como ainda flutuam, e desenvolveram filamentos longos, aumentando sua área de contato, seu raio de ação, e ainda hoje tal sistema é tão eficiente que predam peixes muito mais sofisticados que elas, e até machucam descendentes destes peixes, que se aventuram em suas roupas de borracha e máscaras em seu ambiente mostrando o sucesso de tal disposição de componentes e capacidade. Tanto variaram que voltaram a poderem se fixar quando necessário ou conveniente, adquirir novas formas de reprodução e variar suas formas nas mais diversas configurações, até que um dia, uma destas configurações passou a ser de um tubo, um tanto distante da variação que hoje chamamos de pepino-do-mar, mas fundamentalmente, no básico, a mesma disposição de partes (se é que dá para se dizer que têm partes animais tão simples) e com o acréscimo de que os alimentos entravam por uma extremidade, eram suficientemente absorvidos por um lado e saíam pelo outro. Nascia o primeiro verme.

Turritopsis nutricula, um cnidário que é imortal.

Os vermes

Este primeiro verme, movimentando-se em serpenteio ou espasmos por meio ao lodo, areia e a própria água, passou a ter uma característica nova. Ele avançava, recuava, movimentava-se a bombordo, estibordo, abaixo e acima, e passou a adquirir orientação frente a estímulos, como ainda hoje têm todos os vermes do planeta. Diferentemente de seus ancestrais, não fica na espera de cruzar tactilmente por alimento. Ele o podia buscar, seja ele qual seja. Tal vantagem explodiu em inúmeras formas no Cambriano, e de tão eficiente, hoje nos dá, de mais de trinta designs que conhecemos, pelo menos três grandes filos básicos, os insetos, senhores absolutos da diversidade, os cordados, senhores todos poderosos do tamanho e complexidade, e os moluscos, mais tardios de todos, e em alguns momentos, senhores dos mares do mundo.

Mas não nos concentremos em história da vida, e sim em história da mente, e de preferência, nos nossos ancestrais diretos.

Se observarmos estes três filos, e ainda noutros diversos exóticos do Cambriano, veremos uma característica em comum, que não é gritante ao observarmos uma minhoca ou uma lombriga, mas o é quando observamos uma planária, uma lesma, um gafanhoto ou ao nosso espelho: simetria bilateral, dois lados em equilíbrio de estruturas, mesmo que com pequenas modificações.

Acoelomorpha, vermes extremamente simples.

Voltemos um pouco, e pensemos no verme alongado, de simetria radial, sem “lado” definido acima. Lembremo-nos de que se orientava no espaço. Observemos que se tem uma boca, pode passar a ter olhos ao redor desta, em células que reagiam a luz e evoluiram no mais primitivo olho imaginado. Mas é de se pensar, que antes de evoluir inúmeros olhos ao redor de uma boca, deve, por simples economia, desenvolver-se um e apenas um olho.

Notemos que este olho, por simples geometria, ficaria em algum ponto do corpo, e o mais favorável a capturar alimento seria junto a boca.

Pausa: antes que reclamem que coloquei primeiro a evolução dos olhos antes de qualquer outro sentido além do tato, o olfato, do paladar ou da audição, desculpem, vamos ter de acordo que precisamos nos focar em apenas um, e o único que necessitamos é o mais simples do ponto de vista de fonte, pois a luz abunda desde que o Sol existe, e este é mais velho que a vida na Terra, e ao que parece, não conheço nenhuma minhoca com ouvidos, porém conheço verme com estruturas visuais, e olfato e paladar são químicos, portanto, retornemos.

Estabelecido que um novo verme surge na competição entre os inúmeros vermes, chega o momento que um destes vermes, ao invés de ter um único olho, que o orienta somente para a direção no qual “veja” um alimento, este tenha dois, e possa pela primeira vez tomar um decisão, e tenha um a bombordo ou estibordo, para rumar. Está definido um primeiro ancestral de simetria bilateral.

Os vermes de simetria bilateral

Um verme que tenha dois olhos, e estes gerem estímulos para o resto de seu corpo, necessitaria agora – cuidado, as vezes me expresso por conceituações lamarckianas ou de planejamento inteligente, mas isto apenas é para um efeito didático e quase um infeliz vício de estilo – de uma central de processamento de tal informação que tem de gerar um conjunto mais compexo de reações, e tal – agora serei darwiniano – será uma enorme vantagem..

Surge um cérebro, por menor ou mais difuso que o seja, coordenando sua rede de transmissão de estímulos e obtenção de resultados pela predação. Aqui está o primeiro predador legítimo. Ele capta o estímulo, o identifica minimamente, pois pode ser uma pedra, e ruma para ele, mesmo com os riscos de ser um igual com tamanho maior e o caçador passe a ser a presa, mas tal problema será resolvido de maneira maravilhosa pela seleção natural, gerando inclusive os sangue-sugas que agarram-se aos mais fortes leões, da mesma maneira que devem ter se agarrado aos mais gigantescos dinossauros.

Tal predador “buscador”, que avança rumo a seu alimento, necessita agora de uma disposição mais eficiente de sua geometria, uma melhor capacidade de natação, maior velocidade (sempre aparece um verme melhor e maior em engolir que a média de sua população) e qualidade do processamento do estímulo-reação.

Surge agora, o primeiro cordado.

Os cordados

Ser cordado nada mais é que ter uma parte do corpo para captação e processamento do estímulo-reação, uma parte para a transmissão, outra parte para locomoção e isto não interferir nos sistemas de absorção de nutrientes e manutenção dos recursos para este conjunto todo. Ser um cordado primitivo nada mais é que um verme rearranjado em sua distribuição destes componentes mais básicos, como o também é um besouro, ou o é um caracol. Mas com algumas vantagens sutis, e tal se fará crescente no tempo, como a evolução do sistema respiratório ou a possibilidade de construir uma estrutura interna que possibilitaria tamanho e eficiência nos movimentos, economia e disponibilidade de recursos. É de se esperar, que em algum momento, de melhoria em melhoria deste design, surja um cordado melhor que os outros naquele momento, e tal chamaremos de um primeiro peixe.

Pikaia, considerado o ancestral de todos os vertebrados.

Os peixes

Serei sincero. Quando vejo um peixe bruxa, um tubarão, um salmão ou mesmo me olho no espelho, nada vejo mais que que um pikaia modificado, e mais que isso, em termos de cérebro, nada vejo mais que apenas tamanho e detalhes. Logo, capacidade após capacidade, estrutura após estrutura, mas e mais as capacidades que existiam no pikaia foram ampliadas nos peixes, e mesmo quando avançaram pela terra, para disputar com os poderosos artrópodes o mundo, nada mais fizeram que acrescentar detalhes a este design básico, mesmo que posteriormente, tenham pisado na Lua.

Tiktaalik, considerado uma transição entre peixes e anfíbios.

É claro que desenvolveram estrutura cartilaginosa para sustentar seus movimentos de maneira mais eficiente, e esta estrutura adquiriu cálcio para suportar as águas doces. Nem discutirei que desenvolveram dentes, ou mesmo nadadeiras laterais, patas e passaram a respirar ar. Claro que não discutirei que foi vantajoso colocar ovos secos no solo, e dominar mesmo os mais áridos terrenos. Não discutirei que foi vantajoso ou não passar a desenvolver até o último estágio os filhotes dentro do corpo, ou mesmo mantê-los algum tempo com amamentação. Mas ainda sim, nisto tudo, somos um pikaia nadando em meio a correntes, até agora em terra, buscando alimento e reagindo a estímulos, desde o mais assustador predador (com os mesmo mecanismos) até a mais deliciosa e colorida fruta, ou mesmo o mais desatento besouro que alimentou nossos ancestrais insetívoros.

Destre todas estas vantagens, agora com vastas variações, o estar em árvores, assim como diversos insetívoros, carnívoros pequenos e outros, com os quais dividimos instintos apurados e convenhamos, algumas vantagens prevaleceram, como prevaleceram parte destas característica desde que animais muito mais poderosos muscular e em armamentos corporais conosco conviveram.

Começamos a escolher para qual galho pular, e no pular e nos agarrarmos, perceber pelo estímulo de que um graveto em nossas patas era uma extensão de nossos corpos, poderia ser o braço longo que não tínhamos, a unha fina que não tínhamos, o bico que não tínhamos, a garra cortante que não tinhamos, a pata esmagadora que não tínhamos. E tal percepção, simplesmente estímulo-reação, passou a ser enorme vantagem e nos gerar uma capacidade geral a todos os animais em toda a história da vida: a sermos oportunistas do ponto de vista ecológico, que já éramos há muito, aliado a capacidade de modificar se não nossos corpos diretamente, acrescentar caracteríscas sobre e além dele.

Agora, avançando com um pouco de ordem e menos discurso, coloquemos um novo título.

Os primatas

Não somos mais como os leões, que necessitam de imensas garras e dentes, poderosos corpos e mesmo assim, são incapazes de cavar e comer a mais inofensiva e frágil toupeira.

Não somos mais como os elefantes, que são capazes de destruir qualquer vegetal e comê-lo, nem se preocupam com predadores, pois seu tamanho os impossibilita de serem mortos a não ser pelas forças inexoráveis da natureza.

Somos os pikaias dos pikaias, os oportunistas dos oportunistas, pois nossa capacidade cerebral nos permite, se vegetarianos, pular de galho em galho, brigando apenas com cobras que vemos com mais facilidade que outros animas, e alcançar folhas mais verdes.

Se podemos ingerir proteína animal sem problemas, podemos catar as larvas de qualquer tronco, com espinhos que quebramos, saciar nossa fome. Podemos quebrar amêndoas, e mais que tudo, podemos, ao ver outro animal ou um dos nossos fazer algo, repetí-lo, pois o estímulo visual gera a reação da cópia, que é associada ao estímulo do sabor, por exemplo, ou da cor de uma fruta.

Estímulo e reação levam a novos estímulos e reações, vantagem sobre vantagem, oportunidade sobre oportunidade, e nossa especialidade, é um cérebro versátil, aliado a um corpo versátil, embora frágil, será esmagadora como vantagem evolutiva, desde que nenhuma catástrofe nos cruze o caminho, como cruzou e quase nos levou à extinção.

De quebrar amêndoas a quebrar ossos, de copiar outros animais que esmagam coisas, de associar mandíbulas a pedras, avançamos sobre as carcaças abandonadas pelos felinos às hienas e abutres, e na disputa pelos ossos e restos, nossos cérebros, processando estímulos e reações, passaram não mais a esperar o momento, pois antes tínhamos de esperar os leões se fartarem, mas agir no agora, pois o agir provocava o estímulo de que os felinos fugiam aos gritos e predras arremessadas, como ainda afogem os guepardos ao primeiro adversário que coloque em risco sua preciosa integridade física.

Deste novo conceito do que seja tempo e o enfrentar do mundo, de que não mais precisamos esperar, ou talvez nem podermos, pois não estávamos lá, de observar que pegadas com determinado sentido no chão implicam em animal que para determinada direção seguia, passamos a independer apenas de todos nossos sentidos, e sim da associação de lembranças, por mais primitivas que o fossem, em coordenação com os sentidos, estímulos que para outros animas seriam inúteis, pois este dependem, por exemplo, do específico olfato e continuamos melhorando nossa eficiência como oportunistas.

Crescia em nossos cérebros um sistema de operações de estímulos e reações, até de abstrações, como a imagem de qual seja o animal a partir de sua pata, se sangue junto, ferido, se com garras, perigoso, se com cascos pequenos, prestes a ser morto e poder ser sua carcaça disputada com um felino.

Assim foi, por milhões de anos, até que um dia, um primata percebeu que, se podia esmagar fêmures de um javali, após ser este atacado por um leão, e com pedras e gritos espantar as hienas e abutres, podia, assim como o leão, esmagar o javali, e aquilo que se movimentava como um javali, e morria pelas garras do leão, passaria não a ser esperado ser comido em seus restos, e sim morto antes do leão o matá-lo, e com ele não dividido, nem com as hienas. Nascia Órion, nascia Osiris, nascia o primeiro caçador, e o processo que já ocorria, que era o que hoje chamamos conhecimento, ganhou um passo fundamental, e uma fonte de recursos inimaginável para qualquer animal: um oportunista pleno, um carniceiro, um onívoro, um predador, que não depende mais de garras e dentes para ser poderoso, que atinge seus inimigos a distância, que pode se refugiar em árvores, que pode subir em penhascos, que pode nadar, que prevê onde irão suas presas e onde está o alimento.

Tal predador será tão poderoso, que mais cedo ou mais tarde, conhecerão sua fome os maiores predadores da terra, os predáveis inatingíveis, todo o ser que voa, rasteja ou se enterra, todas as plantas comestíveis, e para tal, este animal terá apenas como arma necessária, uma pedra suficientemente pontuda.

Uma pedra pontuda

Passamos um bom milhão de anos nada mais tendo do que uma pedra pontuda como maior recurso, flutuando em uma população mínima, disputando em atos de bravura com felinos e até ungulados bem armados nossa sobrevivência, não fazendo mais que ir para um lado e para o outro, com os mesmos mecanicismo cerebrais de qualquer gorila ou orangotango, catando larvas com espinhos, formigas com varetas e quebrando cascas de qualquer coisa. Mesmo com este conjunto mínimo de recursos, mantivemos uma relativa vantagem, mesmo em meio aos mais inóspitos terrenos, mesmo em meio a escassez e competição feroz. Foi o suficiente para que nossos cérebros, com um tanto mais de proteína e gordura, coisa obtida a custa de muito dispêndio de tamanho por parte de elefantes, cetáceos e outros primatas, nos permitisse uma determinada massa crítica, mas não com ambientes que nos limitassem, não com corpos especializados em comer peixes e plâncton em oceanos nem folhas de árvores tão somente. E ainda por cima, segurando a pedra pontuda. Até que um dia, um destes primatas, não muito melhor nos mecanismos cerebrais de que dispunha, mas com o diferencial há muito desenvolvido de projetar imagens cerebrais e simular conceitos sem ter de fato os objetos como estímulo, e associar lembranças e conjugar outros estímulos e prever resultados, por mínimos fosse, deve ter juntado a pedra pontuda com o galho, a vareta com o espinho, o javali sendo acertado pela pedra, a larva sendo penetrada pelo espinho, a amêndoa sendo esmagada, e sua fome saciada. Nascia a pedra na ponta de um galho, a ferramenta extendendo o braço, o machado mais primitivo e de difícil obtenção possível.

Este deve ter sido quase sagrado no grupo, e devia ser mantido, observado dia e noite, e quando quebrado, buscado em novos componente por todos os cantos (mesmo tendo só duas partes, mas lembremos que os cérebros com que estamos lidando seriam ainda muito piores em funcionamento para a engenharia que qualquer um que conhecemos em vida).

Até que de “machado sagrado” em machado sagrado, chegamos a produzir machados a qualquer hora que desejássemos, a repetir etapas, lado a lado com nossos iguais, e criamos a mais primitiva indústria imaginável. De pedra em pedra, galho em galho, faríamos lanças, agulhas, roupas, recipientes, fogo, instrumentos diversos e especializados e alimentar mais e mais um cérebro, que vantagem após vantagem, excesso após excesso, era selecionado para ser maior, exatamente pelo reagir proveitosamente a inúmeros estímulos. Não tardaria que erguêssemos cabanas e construíssemos canoas, erguêssemos catedrais e cruzássemos oceanos.

Mas pulamos determinados detalhes, e os retomemos.

A mínima lógica

Lembremos dos primatas mais primitivos que tratamos, antes ainda da pedra convenientemente pontuda que apontamos como ferramenta marcante em nosso processo mais que evolutivo, e sim, civilizatório. Observemos que tais animais, assim como qualquer cavalo que coça-se com uma graveto, ou qualquer passarinho que usa um espinho para também tirar uma larva de um buraco num tronco, igualmente usavam e usam rudimentos de lógica. “Se buraco, talvez larva”. Se graveto no buraco, talvez larva na ponta, e assim por diante. E assim, no nosso filo específico, associações de ideias, deduções simplíssimas, exclusões de resultados possíveis, mais e mais foram sendo capazes pelo único substrato para que tais processos, que na verdade são estímulos-reações, se processassem: um cérebro mais e mais capaz. Assim, mesmo os rudimentos de matemática, que até aves têm, poderiam se processar entre o que seja saber que tendo duas mãos, carrego duas laranjas, e tendo uma amêndoa, ao quebrá-la, menos uma amêndoa tenho, e se não tenho mais o estímulo de uma a quebrar, advém a reação de necessitar de outra.

Osso de Ishango, um dos mais antigos registros de contagem pelo ser humano.

E assim, elemento a elemento foram se acrescentando, até a formação de uma rede neural, preparada biologicamente para assimilar inúmeras destas operação básicas, ainda mais numa coletividade social, foram empilhando-se, capacidando-nos, quando chegamos a determinado volume cerebral, já plenamente evoluído em seus mecanicismos internos, a permitir que idêntico cérebro, milhares de anos mais tarde, fosse ocupado por vastidões de equações, números gigantescos e toda a filosofia, lógica, matemática e ciência de nossos dias. Mas faltava, ao contrário de animais que coçam-se com varetas, ou pássaros quie espetam larvas, uma melhor estrutura, com funcionamento aprimorado, a colaborar com estes sistema lógico fundamental.

O uso da memória

Cães guardam aromas muito melhor do que nós. Elefantes até neurologicamente são mais capazes do que nós para processar localizações e mesmo relações associadas a odores, locais e sons, por anos a fio. Golfinhos processam miríades de sons que em poucos segundos identificam e qualificam-nos a outros, com muito mais capacidade do que nós e ainda possuem uma “visão sônica” com a qual, nem podemos contar a não ser com nossas mais poderosas tecnologias. E dois dos cérebros que citei são maiores e até um maior em relação ao peso corporal do que o nosso.

Independente de mãos e dedos, ou mesmo de uma visão melhor, qual mesmo a sutil e definitiva vantagem que possuímos em relação a estes animais, mais aptos ao seu meio (lembrando que as orcas, os maiores dos golfinhos, são as senhoras absolutas dos oceanos) ou mais poderosos fisicamente como nossos parentes de tromba?

A diferença crucial está num cérebro mais apto a guardar e simultaneamente associar informações, mesmo no nível mais limitado dos primatas. Podemos memorizar um animal quebrando um osso e comendo tutano, e associar isto com uma pedra quebrando uma amêndoa. Mais tarde, tal funcionabilidade básica de lógica primária e memória mínima, nos permitiu associar uma pedra a um galho, fazer um machado, e deste machado, lembrando como fazê-lo, repetí-lo, e nunca mais retroceder, ainda mais na coletividade de nossas mais primitivas e antigas sociedades, que nada mais eram que agrupamentos de parentes e alguns intercâmbios (como o fazem até hoje os chimpanzés), na continuidade do tempo das gerações, a reiniciar o penoso caminho das mais básicas descobertas.

Antes de avançar para o resultado desta capacidade nova, resultado de duas simplíssimas, devo alertar para a diferença entre nós e os chimpanzés, neste aspecto. Embora recentemente descobriu-se que chimpanzés tenham uma memória de curto prazo melhor do que a nossa, sofrem de uma limitação grave de aprendizado. Seus cérebros são incapazes, após alguns anos, de aprenderem coisas simples, mesmo quebrar uma amêndoa. O nosso, um tanto apenas mais volumoso, mesmo com dezenas de anos de idade, ainda é capaz de aprender técnicas sofisticadas, atividades artísticas ou mesmo movimentar o corpo de novas maneiras, mas não caiamos na tentação de adiantar passos sobre o que trataremos, e voltemos a marcha que estamos seguindo.

Desta capacidade, de na continuidade de uma vida, na continuidade das gerações no grupo, no intercâmbio entre os grupos, no permanente somatório de ideias, driblamos os fatores que limitavam todos os animais. Driblamos o processo evolutivo, pois deixamos de ser frutos de mutações, modificações e especiações, deixamos de ter de esperar modificações favoráveis a serem aptas para sobreviver pela seleção natural. Tornamo-nos o mais otimista sonho de Lamarck, de um animal, que conforme a necessidade, modifica seus hábitos e mínimos comportamentos, inclusive as extensões de seu corpo, que chamamos de ferramentas. Começamos a ter o que podemos chamar de uma mínima cultura, e com esta, mais que qualquer outro ser vivo, não apenas ser por definição o arranjo de suas moléculas e nada mais, em um meio cruel, mas a ser os cruéis arranjando moléculas contra um meio o qual faremos vítimas, e com tal alimentaremos esta máquina de estímulos e reações que chamamos cérebro, mais e mais, até os seus limites biológicos e além.

A mínima cultura

Da mesma maneira que num grupo de chimpanzés, os mais jovens associam pedras amêndoas, passamos a ser primatas que sentam-se lado a lado, e copiam gestos de outros, e reproduzem machados, e trocam grunidos e associam ideias, e mais velhos descobrem associações que mais novos ainda não aprenderam, e mais novos que nem ainda aprenderam coisa alguma fazem associações que mais velhos nem têm condições de ensinar, e começamos mais e mais a gerar uma rede de troca de mínimas lógicas e mínimas informações, e a empilhar vantagens na modificação no tempo de nossos comportamentos, e a engordar nossos cérebros, que ainda como no passado, realizam as mesmas tarefas básicas, mas que na direção do futuro, mais e mais tarefas básicas são capazes de acumular, e assim neste mecanismo fundamental de acúmulo, desde nossa gestação, até nossos últimos dias de capacidades cerebrais, acumulamos e processamos informações, pois possuimos um nível básico de mente própria para isto em cérebros que são capazes e absorventes a tais coisas. E assim foi, desde o copiar lascar pedras até as esculturas dos mestres, pois os mecanismos cerebrais mais simples da mente de um fabricante de machados de pedra em nada são, no básico, diferentes de um Miguelângelo.

Mas falta-nos apontar uma associação, e esta acelerará o processo a um nível inigualável entre os animais, ainda que alguns se aventurem por tais façanhas.

A mínima linguagem

De associação em associação, os mesmo mecanismos que caraterizam por sons o terror, o alerta, a felicidade, o encontrar de doces frutas, a descoberta de uma carcaça, foram reponsáveis por fazer surgir sons específicos para uma fruta e uma carcaça, embora antes alimentos, e os rudimentos da lógica continuaram a agir, produzindo classificações para tais sons, e em breve, uma banana seria diferente de uma cereja, e um osso seria diferente de um pedaço de carne, e uma pedra seria diferente de um galho, e sons e mais sons seriam ensinados e passados, assim como ainda hoje desde nossos primeiros momentos ouvindo, e mais tarde, produzindo sons, o fazemos em nossas efêmeras vidas, mas com uma diferença: coletivamente.

E coletivamente, quando os sons passaram a se limitar em si, passaram a ser combinados em dois, três, quase cantos, e nasciam as primeiras palavras, e as combinações não necessitavam mais ser proferidas longamente, e sim, de maneira curta e complexa, ainda muito distante da complexidade e capacidade nata dos golfinhos e baleias, mas com uma enorme diferença, pois vinham associadas a objetos, coordenação de esforços, iniciativas e até acordos de interesses mútuos, muito mais complexos e arranjados do que pescar juntos ou copular, e mesmo mais lentos, a reproduzirem-se no tempo e na coletividade em complexidade crescente, e poderem ser associadas a lembranças, a atos de caça, a iniciativas do grupo, a memórias recentes e distantes, e a capacidade de entender os fenômenos no tempo, que já se definiam no ver uma pegada de animal.

No meio deste processo crescente, mais cedo ou mais tarde, deve algum dos nossos ncestrais, segurando um machado e olhando para outros, percebido que aquele era seu machado, e que tinha ideias, por mais simples que fossem, que ocorriam em seu cérebro, e não eram ouvidos por outros, e não eram lembrados por outros, e que havia nele, e somente nele, um complexo mecanismo que funcionava, e que o fazia querer andar, e escolher um parceiro sexual, ou escolher um companheiro para catar piolhos, ou por este se catado, ou comer aquela fruta e não aquela carcaça, e nasceu a “ideia do eu”, do limite do arranjo de moléculas que se definiu como indivíduo, com seus mecanismos estímulo-reação, com seus rudimentos de lógica e seus conhecimentos específicos, seus mais nobres sentimentos pelo coletivo, mesmo sem o saber que isto, e seus mais perversos sentimentos de egoísmo, de aplacar a sua fome, de ter o seu companheiro sexual, de ter o seu grupo de influência, em destronar o macho ou fêmea mais destacado.

Nosso “eu” será perverso, nosso eu será as vezes e muitas, magnânimo e proveitoso, mas nosso eu, apesar de todos seus defeitos em resultados, não muito diferente das cabeçadas dos antílopes ou das brigas e canibalismos dos leões, nos levará, com todo seu ônus, a alimentar nossa mente com impulsos que nenhum animal jamais teve, a exatamente pela satisfação de nossos pessoais desejos, e da associação mais primitiva de que nossos desejos pessoais são melhor satisfeitos pela nossa coletividade, a os gritos, grunidos e primeiras palavras, a nunca mais recuar diante de outros predadores, a nunca recuar por maior que seja a presa que enfrentarmos, a enfrentar os maiores obstáculos do natural, as mais cruéis intempéries, e a natureza saberá que determinado primata, que há muito já tinha matado o javali, agora se recusará a ser morto pelo leão, e se vestirá com suas peles, na primeira oportunidade.

Adorno de cabeça Masai, povo africano que há milênios tem como ritual de passagem

para os homens adultos a caça do leão.

Mas antes de colocar um manto sobre este primeiro rei, observe o que se passa com seu “eu”, que passa a ter, de tão alimentado, tempo livre, e a poder olhar os objetos, a paisagem, os outros animais, seus semelhantes e as estrelas, e os olhará com olhos de cobiça, mais que tudo.

A consciência

Já arranhamos o que seja a consciência, mas tratemos de colocar nela mais elementos. O entendimento do eu, a noção das limitações do corpo, as noções da ação possível sobre o mundo, por associação com a percepção que outros eus habitam o mundo, mais a permanente noção dos fenômenos no tempo, já pode ter iniciado nos primatas – quando o cérebro atingiu mais uma vez volume, nutrição, estímulos e mecanismos para seu processamento – a noção, repetirei, por mais primitiva que o seja, que sua vida e doutros era limitada não só no espaço, mas no tempo, e apresenta uma certa marcha unidirecional, inexorável e irreversível (e inclusive não aceitar isso, passivamente).

Assim, aliada ao conjunto de mecanicismos que conduziam a associação para a caça e a coleta de alimentos, além da proteção aos filhos, as primeiras agregações humanas com mínimas estruturas cerebrais processando consciência passariam a desenvolver os processos que podemos chamar de senso moral, senso social, senso de estrutura familiar, sentido de organização acima do que seja o “macho alfa” ou algo parecido e um determinado sentido a ser seguido eficientemente para a sobrevivência, e inclusive para o progresso.

Nota: Existe uma visão divulgada erroneamente pelas representações artísticas do funcionamento do cérebro e

neste dos neurônios de que os impulsos neurais sejam brilhantes e visíveis, quando na verdade são completamente

indetectáveis pela visão e não emitem radiação significativa alguma.

Assim, embora o que seja consciência no sentido mental possa ser das maneiras mais complexas e até difusas definida, podemos entender que o sentido do eu, e seu conhecimento e procesamento cerebral existe como até hoje em interação com o mundo e nossos semelhantes, até porque não vivemos e sobrevivemos sozinhos, e a tendência para isto se processar assim se mostraria sem possibilidade de ser freada e ampliada, desde a formação de grupos de coordenação, como o fazem os chimpanzés até hoje, até nossas mais sofisticadas e rígidas pela lei sociedades.

Mais que o entender-se como eu no mundo, a consciência mostra-se como um entender-se no mundo, consigo mesmo, e com o mundo para preservar e atender as necessidades deste eu.

Percebamos que tal coisa, tal processo de trocas de noções do eu, de equilíbrios de desejos e vontades, das satisfações de eus pelos grupos humanos, fará o número de olhos de cobiça que observam o mundo se tornarem mais numerosos, e operarem em conjunto.

Mas passemos agora por algo que nos fortalece, mas mais que muitos outros fatores destes individuais eus e destes conjuntos de eus, tem sido muitas vezes, simultameamente nossa maior força coletiva, mas fonte de nossos piores atos, mais desvantajosas decisões e mais perigosos passos rumo ao que trataremos por final.

Uma religiosidade

Entre todos os primatas que conheciam-se como eus, e entendiam o mundo no tempo, reconheciam fenômenos que eram mais poderosos que suas mais pontudas pedras, mais longas lanças e maiores grupos de caçadores possíveis, e reconheciam sua e de outros finitude, existiu certamente um num grupo, ou vários em diversos grupos, que imaginou ou imaginaram que o raio que caia, seria a pedra, a lança e o machado de algum outro eu, muito mais poderoso que o maior elefante eletrocutado, o maior rinoceronte queimado no incêndio ou o maior leão afogado numa enchurrada.

Este outro eu, embora invisível como semelhante seu, se expressava no raio, e poderia ser, e da mesma maneira que um crocodilo ou qualquer outro ser poderoso que existe, o incaçável e imprevisível raio. O fogo que até os primatas que nisto pensavam, poderia ser um eu aprisionável e até controlável, mas em grande escala, implacável e vingativo. A chuva que afogava o leão, poderia ter sua água armazenada, mas as nuvens que a geravam, o vento que a trazia, o fogo que apagava, os raios que geravam, não. Estes componentes da natureza seria outros eus e talvez com conversas se convencessem a trazer os antílopes para se caçar, a água para se beber e até o fogo para o perpetuarmos.

Nascia o politeísmo, em suas mais primitiva forma, que é o entendimento das leis da natureza como deuses, caso a caso, fenômeno a fenômeno, componente a componente do natural. Lá no meio disto, uma ideia ainda mais sofisticada, de um outro primata ainda mais poderoso que o raio, o fogo ou qualquer vento ou chuva, e talvez, exatamente uma ainda mais elaborada, que demoraria milênios para ser percebida.

Representação da “deusa da fertilidade”.

Agora, organizarei um pouco minhas dispersas ideias.

Confissão: tenho tendência de ser dispersivo em minhas análises de fenômenos e fatos, e como toda pessoa assim que se poste a ser minimamente coerente, entendida, e muitas vezes, apenas suportável pelos outros, tenho de ser consciente (pretensiosa ironia a esta altura deste texto) e agora fazer uma recapitulação de determinado conceito que pincelei até mais de uma vez acima, mas em meio a meus quase nervosos tantos pontos a tratar, deixei em segundo plano, pelo menos, explicitamente.

Portanto, Francisco, com sua mente domine sua mente e concentre-se!

A cultura coletiva

Lembremo-nos do primata que observa e copia os gestos de seu semelhante, o primata que mostra como fazer algo para outro mais jovem, o mais jovem que descobre algo novo aos mais velhos e traz para o grupo. Lembremos da troca de sons que transmitem informações. Isto tudo, processado neste conjunto de mecanismos que chamamos mente, que por uma marcha evolutiva até aqui apresentada, até determinado ponto foi individual, e pouquíssimo transferível, e quando tranferível em alguns de seus acúmulos de informações e resultados de processamentos, num nível não maior que qualquer um dos outros grandes primatas com que hoje dividimos o mundo.

Mas a partir do momento que o escolher pedras passou a ser não mais monopólio do indivíduo, e passou a ser coletivizado e perpetuado na coletividade, mesmo de rudimentos como a escolha de pedras, até as técnicas para abater as maiores caças, o quadro mudou completamente.

Este conjunto de conhecimentos, técnicas, informações mesmo mínimas, passando a ser coletivos, como já mostramos, inclusive no acreditar que há um ser que joga raios das nuvens, conjuntamente como entender que quando nuvens se aglomeram no céu serão muito provavelmente sucedidas por chuva, ou quando completamente ausentes, serão continuadas muito provavelmente por seca, formarão uma nova etapa do lamarckismo que nos tomou, da capacidade de em função da necessidade, os estímulos e reações modificarem ao menos externamente nossos corpos em suas continuidades com o mundo, e formarão o que sejam cultura, no conjunto de toda e qualquer informação, desde combinações de sons que significam chuva, como a chuva se forma e até o ser que talvez cause a chuva.

E em como a chuva se forma, formarão a mais poderosa e útil das culturas, a mais universal, e a que independentemente do jogo de sons que pronunciamos para nomear chuva ou de como seja o ser que cause chuva em que acreditamos, entrará em acordo com como e quando a chuva cai, e desenvolverá, lá com os rudimentos de lógica que escolhiam pedras e associavam quebar ossos com alimento, a mover nossas mentes em novos caminhos, que darão ferramentas inimagináveis anteriormente pelos olhos que cobiçavam o mundo.

A Ciência e o entendimento do mundo

Observar uma nuvem e prever como se dará a chuva, ou ainda como escolher a melhor pedra para fazer um machado é uma coisa. E não muito melhor que o chimpanzé que ao primeiro trovão se encolhe junto às melhores folhas, ou entre as varetas escolhe, após quebrar duas ou três, a mais adequada para pegar formigas.

Outra coisa completamente diferente é entender e desenvolver mentalmente, que ao perceber-se uma determinada fruta verde, se for de determinado formato, será deliciosa e deve ser comida. Já outra fruta, se verde, nem deve-se mordê-la, pois sabemos que será desagradável. E assim, os rudimentos de um entendimento prático e prévio do mundo em seus processos desenvolve-se na mente humana, ainda mais coletivamente, traz mais e mais resultados, até o momento que este entendimento, que agora acumulado e com o motor de um cérebro logicamente poderoso, está apto a desenvolver não semelhanças com o natural, mas ideias nunca antes tentadas, distantes de todas as referências da natureza.

E aqui tomarei um tanto desta coragem, e num primeiro momento, tratarei de algo mais formal, muito bem fundamentado por qualquer especialista e conhecedor do assunto mais poderoso do que eu e numa marcha simples, tentarei apresentar um caso que pula a simples associação e semelhança.

A astronomia maia, nos cálculos, superior a correspondente europeia no mesmo período histórico.

Perceber que uma pedra reproduz a ação de um dente, uma garra uma pesada pata é uma coisa. Perceber que um pedaço de galho com a pedra na ponta é um braço mais longo é a mesma coisa. Perceber que o galho, mais reto, com a pedra na ponta mais distante é ainda a mesma coisa. Perceber que o galho com a pedra na ponta pode ser atirado não é ainda nada mais que a mesma coisa. Trocar a pedra pelo chifre afiado de um animal, afiado numa pedra, não soma quase nada em termos de mecanismos cerebrais. Por fim, colocar a lança, agora excelente, na ponta de outro galho, e alongar o braço numa alavanca, é uma gigantesca conquista para aqueles cérebros, não muito diferentes dos nossos, mas com limitações de linguagem, população e recursos.

Igualmente colocar peles sobre o corpo, e simular a pele de animais não o é muita conquista mental. Costurar para mantê-los juntas, até pode ser importante, mas ainda sim não é marcante. Desculpe quem pensar o contrário.

Mas associar a lança, um galho longo, a linha da costura e obter o primeiro arco, industrializar coletivamente as novas pequenas lanças, aliar com as melhores antigas lanças e coletividade, o fogo para assustar os animais e partir para abater presas com distância e velocidade jamais vistas na natureza, aliados a método, é sim uma conquista enorme.

Nesta interface entre entender minimamente o mundo, e produzir realizações inéditas na natureza, em forma e sistema, nasce um aspecto do entender o mundo e enfrentá-lo com o inédito e o inesperado, e a cobiça dos olhos dos primatas enfrentará o mundo com ferramentas novas e potencialmente crescentes.

Representação do incidente que levou ao assassinato de Arquimedes

(Archimedes of Syracuse, campus.udayton.edu).

A Tecnologia e o domínio do mundo

De arco em arco, pele em pele, cabana de ossos e galhos, pele e folhas em outras destas melhores, o entendimento do mundo cresceu, e a mente humana, há milhões de anos observando o mundo, com seus caos característicos, suas curvas típicas, sua irregularidade que só hoje entendemos plenamente e nem tanto, se opôs ao mundo e percebeu que a parede das cabanas não necessitava ser derrubável pelo vento, como o são as pedras, e o barro poderia ser moldado em blocos retos como nos lagos se formavam a primeira seca, e passou a erguer construções, e alinhá-las “a olho” e a direcioná-las e posicioná-las no mundo conforme suas rotas, e entendeu que não necessitava apenas coletar plantas, pois percebeu que determinadas delas poderiam ser plantadas a partir de suas sementes.

Mas nem nos concentremos no nascimento da agricultura, nem no domínio de determinados animais, nem em seu uso, muito anterior a estes passos em alguns casos, como os cães.

Nos concentremos nos tijolos de barro e nos arcos e suas linhas.

Na permanente associação de ideias, nos estímulos e as reações, a mente humana deve ter percebido que os arcos mantinham as linhas retas, como nenhum olho humano consegue, por mais que tente, manter uma firme mão humana traçando linhas na areia. Percebeu também que uma linha, extendida entre dois pontos mais distantes que este arco, que não poderia ser maior que determinado galho, também se manteria reta. E poderia, com tais linhas, manter uma fileira de tijolos reta. Percebeu que tijolos, empilhados em camadas menores a medida que sobem, alcançar alturas inimagináveis a suas cabanas e mais que estas, a muros que a protegessem.

E assim, com linhas e varetas, agora chamáveis de estacas, descobriu o círculo, relacionado a linha reta, que copiava a perfeita forma do Sol e da Lua (pelo menos assim os pobres primatas consideravam). E ao redor do círculo, deve ter traçado outra forma, muito econômica e simples, e sua variedade de tamanhos e muito provavelmente, nas diversas salas rudes e praças que construiu, percebeu que a partir de um ponto numa das retas que traçava, tomados dois outros pontos a mesma distância sobre esta reta, e destes dois pontos duas distâncias um tanto maiores, obtinha um novo ponto, que do primeiro, traçada nova linha, formava um ângulo agradável, harmonioso aos seus olhos, e com o qual remodelaria o mundo na medida do possível, e o trataria de maneira que sua mente facilmente entenderia e novos processos para dominá-lo produziria.

Nasceu aqui, uma certa obsessão pelo homem pelo quadrado e genericamente pelo ângulo reto, sua capacidade de definir a posição das coisas, sua capacidade de conter áreas, em combinação volumes, e erguer paredes de tijolos de barro mais e mais imponentes, mas antes os muros e praças necessitarão um novo elemento, e este nascerá de uma pedra e de uma linha solta num traçado de uma reta.

Mas façamos justiça. Não necessitamos mais chamar estes primatas assim, pois embora primatas continuem sendo, podem ser agora chamados de humanos, pois suas características há muito os tornaram bastante diferentes de seus primos mais distantes, e no futuro, os tornarão parentes a serem canibalizados, inclusive e temos de facilitar as coisas para quem, pelos mesmos olhos de cobiça, possui segredos de vaidade, e não consegue simultaneamente perceber, que embora não sejamos superiores biologicamente as mais simples bactérias que nos matam, nem aos mosquitos que nos sugam, somos imensamente superiores culturalmente a todos os outros animais (até por exclusividade) e uma coisa não é necessariamente associada a outra, a não ser em nossos cérebros, que da mesma maneira que combinam ideias, as vezes as confundem.

Estes homens, que erguem paredes mais e mais altas, percebem que linhas soltas com pesos nas pontas formam com as linhas mais planas no chão o mesmo ângulo obtido no chão, e talvez até que aquele deus estranho que atrai os corpos para baixo fazem ao cair sem impulsos no plano com o chão, e passam, pela até agradabilidade da ideia, mais e mais erguer construções exatas geometricamente (que seria criação de sua mente), e terão de buscar nas mais sólidas rochas formas de erguer mais e mais retas cabanas, e mais adiante templos, túmulos, marcos, monumentos e prédios de todas as utilidades.

De prédio em prédio, canoa em canoa, lança e lança ocuparão o mundo, e sua população, mesmo com tropeços da e na poderosa natureza, multiplicar-se-ão e nada deterá a mente humana arrastando seu corpo pelo mundo, agora ainda que com conflitos de todos os níveis, e muitas vezes, proveitosamente nisto, coletiva.

Um belo dia, de linha em linha, algum dos humanos perceba que círculos em determinadas posições permitem não mais se arrastar penosamente pedras, ou carregar uma quantidade de frutos nas costas, ou ainda, puxado por algum animal, ainda mais pesadas cargas levar, mas voltemos a mente humana, que agora por seu volume e acúmulo de informações na coletividade, pode se dedicar a jogos com números interessantes, e de espetaculares resultados, muito melhores que mentalmente associar dedos à laranjas ou amêndoas, ou mesmo traçar por jogos complexos de linhas e gravetos quadrados no chão.

Algum felizardo deve ter percebido, que ao se tomar um quadrado ou um retângulo, sempre que eram tomadas num lado três passos, e no outro contíguo quatro, entre estes dois novos pontos sempre resultava distância em cinco passos, quando se usavam as velhas linhas para uní-los. E tomou linhas, pois não confiava nos seus passos, e usou linhas de comprimento bem marcado e percebeu que estes três números sempre resultavam uns nos outros, e sempre em qualquer quadrado, e deve ter-se encantado, e brincado com seus vizinhos, e talvez este mesmo ou outro, ainda mais felizardo, feliz em seus quimicismos cerebrais com tal deslumbramento de perfeição, e percebendo que tais proporções se enquadram num quadrado, e no triângulo secundário, poderiam formar um triângulo maior e gerar um quadrado ainda maior, e pôs-se a esquadrar maiores e maiores praças, e pelos anos perceberam que o três poderia se associado a exótica forma, mais simples que o quadrado, mas de propriedades irritantemente estáveis e perfeitas, indeformável, e relacionada de maneira inseparável com o círculo, em qualquer proproção, e as linhas foram substituidas por perfeitas réguas, e por gravetos com pontas para marcar a areia, medindo distâncias fixas, e as marcou como símbolos, todos sagrados, e os registrou em paredes perfeitas e aprumadas em relação ao solo, e desenvolveu formas e formas, todas interligadas, existentes na natureza mais nem tanto.

A agricultura primitiva, idêntica por milênios. Muito da geometria nasce da medição de áreas de terra (de.academic.ru).

E relacionaram-nos com a proximidade de números facilmente contáveis em uma única mão, com o eu, um individual, com o dois da dualidade sexual, ou ainda outras combinaçoes da natureza, e viram nisto uma religiosa harmonia e aparente coerência.

E perceberam que o mundo guardava relações em suas formas e comportamentos com tais relações matemáticas e que estas permitiam canoas maiores, arcos melhores, muros mais altos, campos maiores, caças mais duradouras e a mente humana, embora há muito sem modificações no seu substrato, agora coletivamente, era abastecida destes ensinamentos, mesmo em delírios de um grande touro que tinha criado o mundo, ou que o coordenava, ou o colocara sobre tartarugas, mas ali pelo meio, que mesmo sendo um touro, havia munido o mundo de um sistema, que poderia ser ligado a linhas entre pontos, ou com peso nas pontas, contagem de dedos e até entre alguns números sagrados, desde o primeiro dia de aprendizado até o derradeiro dia de vida, em suas coletividades.

De erro em erro, tolice em tolice, acerto em acerto, os olhos de cobiça, abastecendo a mente humana construiram o mundo que se vê, com estes simples conceitos, ergueram pirâmides, cruzaram os mares e esmagaram mesmo seus mais próximos e até iguais parentes, contruíram relações entre números muito mais numerosos, exatos e fracionários que seus dedos, de forma muito mais complexa que três números interligados, em prumos muito mais exatos que linhas ou mais sofisticadas réguas que gravetos bem retos e polidos, e de pá em pá, chegamos a pás imensas, em metais muito mais tenazes aos esforços que a mais dura pedra ou o mais resistente galho de árvore, e as montanhas que antes eram deuses passaram a ser retiradas da paisagem e mais e mais poderosas pás produzem, e maiores templos, que agora tiram rios de seus trajetos, e florestas inteiras de seu solo.

Mas ainda com tudo isso, a cobiça dos olhos dos homens não será saciada, e talvez aprenda com seu erros, como sempre aprendeu e de maneira mais proveitosa, sua mente, sem grandes diferenças de quem afiou lanças de chifre, busque novas pedras para lascar e até dedos para contar, pois tornamo-nos com nossa até confusa e instável mente, em nosso cérebro inquieto e frágil, coletivamente, hoje, força geológica.

Luca Pacioli, atribuído a Jacopo de Barbari

Mas sobre tal processo mental coletivo, e suas consequências para o mundo, implicações e futuros possíveis, escreverei aqui em breve, pois os arranjos de moléculas que se acham deuses não pararam de proporcionar novos arranjos ao mundo, nem em pensar em modificar a si próprios.

Mas antes uma lembrança: como sofro em meu didatismo de uma certa loquacidade beirando o delirante e um tanto de desonestidade útil para causar impacto, notemos que para explicar o subtítulo “Nada mais que moléculas trocando outras moléculas e cargas elétricas”, nada mais fiz que apontar que em nenhum momento necessitei de mais que isso para explicar não só a conquista do mundo, mas como o cérebro produz o que chamamos mente, consciência e inteligência, por mais que estímulos e reações, satisfação de desejos, em toda a sua história, em qualquer escala.

Portanto, continuamos sendo arranjo de moléculas e seus processos, apenas com a idéia um tanto infeliz de passarmos a ser tão poderosos como o touro que criou o mundo e nos fustiga com raios e chuvas…

…ainda.

Apollo 11, o primeiro de nossos ainda curtíssimos passos pelo universo.

Notas

Nota 1: Armillaria ostoyae.

Nota 2: Analogias sérias dos processos cosmológicos com os processos biológicos, e nestes, os processos de seleção natural existem, e são exatamente as analogias sérias que são distorcidas para estes raciocínios exagerados de natureza mística. Um dos expoentes deste tipo de abordagem comparativa é Lee Smolin (que a chama “seleção natural cosmológica”), e mesmo numa abordagem séria e científica, ainda enfrenta críticas de autores do campo, como Joseph Silk e John Polkinghorne (deve-se observar que este autor produziu obra um tanto criticada com enfoque de questões religiosas versus científicas, mas neste campo, discorda das conjecturas de Smolin).

Abordagens por analogia da seleção natural são usadas para explicar-se a formação de sistemas astronômicos, como os sistemas planetários, por colisões e agregações dos corpos celestes, tendo como “motor” a gravidade.

Leituras Recomendadas

    • Lee Smolin; The Life of the Cosmos. Weidenfeld and Nicholson. 1997.