O Motivo do Design Inteligente Implicar em Evolução

Mais uma demonstração simples a respeito do "Design Inteligente"

Neste artigo, demonstraremos que o que seja a teologia disfarçada de ciência do chamado “Design Inteligente” implica em processo evolutivo, a despeito de criacionistas que querem distorcer mesmo esta tentativa infrutífera de colocar uma divindade como atuante na história dos seres vivos.

Primeiro, o que é o “Design Inteligente”

Os defensores desta vertente de afirmações de cunho religioso que pretende-se como científica afirmam que os seres vivos passam por um processo evolutivo, mas determinados passos, como as estruturas dos olhos e determinadas estruturas bioquímicas, de escala molecular ou polimolecular, como os flagelos bacterianos, pela sua funcionalidade, são igualmente fruto de um planejamento inteligente, logo, em última instância, de uma divindade.

Infelizmente, a contragosto talvez dos próprios defensores desta corrente teológica aplicada ao campo da Biologia nas terras brasileiras, primam por tentar com tal abordagem afirmar que o processo evolutivo não ocorra, e como tal, caem num criacionismo de origem miraculosa para os seres vivos, e como tal, demonstraremos.

Deus como um geômetra, de William Blake (1757-1827).

Hipóteses iniciais

Em nosso artigo Evolução dos Seres Vivos- Argumentação Básica, consideramos duas hipóteses, as quais reanalisaremos:

2) Nenhum ser vivo pode ter surgido de qualquer outra coisa (Fixismo). Ou surgiram por milagre - no sentido de acontecimento sobrenatural (Criacionismo, seja qual for sua descrição plena).

3) Todo ser vivo proveio de uma outra espécie ligeiramente diferente (num determinado sentido, o que podemos chamar de evolucionismo).

Mas analisemos a própria argumentação dos defensores do “Design Inteligente”, “D.I.”, e faremos nossa demonstração por um método similar ao chamado “decréscimo ao infinito” (ou descenso infinito, como é chamado em espanhol), muito utilizado pelos matemáticos ao tempo de Fermat, e com tradições que remontam ao tempo de Euclides.

A demonstração

Consideremos que exista um designer e sua atuação é evidente, clara, inequívoca e neste ponto atual,presente. Esta atuação se dá sobre um ser vivo qualquer, e se provoca modificação, e esperamos que se aceite que se é uma modificação nos seres vivos, perpetuar-se-á na sua descendência. Logo há evolução, e nosso ponto está provado.

Consideremos por outro lado, que a a ação do designer não se dá na atualidade de modo evidente, claro, inequívoco (o que por si já seria um problema para os defensores do D.I.), mas apenas se deu no passado.

Logo, e tal é cristalino, os seres vivos atuais são fruto da modificação de anteriores, e como tal, demonstramos novamente nosso ponto.

Mas digamos que estas modificações sejam extremamente limitadas, e portanto, só realizadas pelodesigner até um determinado nível e a partir de uma determinada “plataforma”.

Se realiza-se até um determinado nível, apenas pode ser a modificação de uma determinada espécie pré-existente, e como tal, caímos num criacionismo (seja como este for tratado) desta forma, e tal já tratamos e demonstramos especificamente em nosso artigo “Porque o Design Inteligente é um Criacionismo?“.

Assim, já que agora estamos obrigados a ter uma forma ancestral, que é modificada pelo designer, podemos retroceder por passos exatamente como a evolução aos moldes formais da Teoria da Evolução, na paleontologia, trata especial e precisamente, exatamente pelo caráter recente e limitado num passado próximo em termos geológicos, a evolução dos grandes mamíferos, como por exemplo, o cavalo (mais precisamente, os equinos):

Agora, se os proponentes do D.I. discordarem da ordem e passos de modificações acima, recomendo encontrarem outros antepassados para cada um dos animais acima, a começar pelo cavalo, preferivelmente, pois se não, cairão no criacionismo.

Mas chegando ao Eohippus, não alongando nossa análise, os proponentes do D.I. terão de concordar que tal animal adveio de outra forma, ou novamente cairão no criacionismo (a partir daqui, esta frase será resumida com a sigla O.N.C.N.C.). Minha sugestão é que revisem os achados dos paleontólogos referentes aos perissodáctilos (Perissodactyla), onde perceberam já pela anatomia de maneira indiscutível que o Eohippus, guarda clara semelhança com o tapir, por exemplo:

Tapir (Wikipedia)

Mas poderão também tentar encontrar de onde surgiu o Eohippus, e agora, também os tapires,O.N.C.N.C.. Uma sugestão também seria encontrar, pela própria semelhança com os tapires, os fantásticos e imensos titanotérios, e toda sua variedade:

geology.cwru.edu

Não encontrando, e note que agora serão obrigados a ter de encontrar um ancestral para cada um destes animais, O.N.C.N.C.. Mas acredito que a semelhança do exemplar A já nos dá uma pista de por onde devem começar a aceitar a fragilidade de sua argumentação em se recusarem a entender o processo evolutivo como um fato inequívoco.

O próximo passo seria, por sugestão minha, procurar, já que acredito que agora se aceite a obviedade de que um animal anterior ao Eohippus, e parece que a sugestão anterior terá de ser aceita, um Zoomata, O.N.C.N.C..

Depois, um Pegasoferae , O.N.C.N.C.. Posteriormente, um Ferungulata, um Laurasiatheria, umEutheria. Todos estes ancestrais (que poderão perfeitamente pelos defensores do D.I. ser substituídos por outros, O.N.C.N.C.) levarão a explicar as modificações proporcionadas pelo designer que produziram isto aqui, que é a árvore genealógica de todos os mamíferos placentários:

www.palaeos.com

Notemos que só aqui, ao se recusar aceitar que os mamíferos placentários possuem antepassados que foram modificados pelo designer, os defensores do D.I. teriam de explicar quais espécies foram modificadas para produzir as mais de 5100 espécies de mamíferos placentários atuais, sem contar as extintas.

Assim, me parece que seria recomendável que os defensores do D.I. que se recusam a aceitar o processo evolutivo aceitem como primeiro mamífero placentário aquele que é dado como o mais antigo conhecido, que é o Eomaia scansoria[1]:

Eomaia scansoria (www.bertsgeschiedenissite.nl).

Mas notemos que este animal, assim tão complexo, não pode ter surgido por milagre, O.N.C.N.C.. Logo, deve ter ancestral sobre o qual o designer atuou, e logo, o problema da ancestralidade dos defensores do D.I. que se recusam a aceitar o processo evolutivo ou cairão num miraculoso criacionismo chegará ao número de milhões de casos, logo, por este decréscimo que obrigatoriamente ocorre como finito, EVOLUÇÃO É FATO, e não pode ser negado.

Resta-nos somente, uma limitação momentânea em nossa argumentação.

Macro e Microevolução, Baramins, algumas observações

Acrescentamos que estas formas, agora podendo ser tratadas por um defensor do D.I. que já aceitando o fato evolutivo, afirme que estão dispostas em árvores evolutivas estanques, limitadas às classificações atuais (mamíferos, aves, répoteis, anfíbios, peixes, etc) em que todas partiram de formas iniciais extremamente primitivas (mesmo que infimamente complexas, ou extremamente simples, em outras palavras) e não possuem, nestas árvores evolutivas, junções.

Este é um tipo de argumentação típica dos criacionistas, em que os “filos” são estanques, e que a “árvore da vida” não é única, e sim, como até afirmam, uma “floresta”. Esta argumentação errônea, partindo de premissas falsas é carregada de equívocos sobre o que seja “microevolução” e “macroevolução”, que em termos de Biologia nada mais são que uma classificação para tratar os fenômenos evolutivos, que são contínuos, ainda mais no tempo e nas populações, mais claramente. Os criacionistas mais assumidos em sua luta inglória afirmam que estas formas originais, criadas pela divindade, são os chamados “baramins” (estudados em uma ciência obscura chamada “baraminologia”), e a origem do termo relaciona-se com a percepção clara de que o mito de Noé e sua arca não se sustentaria para todas as formas de vida terrestre, apesar do tamanho da arca descrito no Gênesis (o qual em seu exagero em termos de engenharia naval em madeira pode ser fruto inclusive da percepção pelos próprios judeus da diversidade da vida terrestre).

As árvores da vida pelos criacionistas, pelos baramins, e a da teoria da evolução

(traduzido e editado de www.answersingenesis.org).

Pois bem, tendo concluído que o processo evolutivo é fato, concordemos que o designer modificou formas de vida extremamente simples (pois se complexas, teriam de ser explicadas por um surgimento miraculoso), estas teriam de ter surgido por processo natural, ou mesmo conduzido pelo designer, a partir do mineral, na geologia, em biopoeises (do grego bio, vida, mais poiéo, produzir, fazer, criar) múltiplas.

Então, em épocas do passado, encontraríamos mais e mais os descendentes destas formas, ainda separados estanques por características jamais em comum. Retornando ao nosso conjunto de passos anteriores, teríamos de ter mamíferos mais e mais primitivos, mas ainda sim, mamíferos placentários. Mas num determinado momento da história da vida não encontramos mais mamíferos placentários, e tal como hoje, só encontraremos mamíferos que colocavam ovos (estamos aqui desprezando os marsupiais, como os cangurus, por simples economia em nosso texto).

Assim, passaremos por Therias, formas ainda mais primitivas de mamíferos, de onde descendem os ornitorrincos, os marsupiais e os placentários, depois por Mamíferos ainda mais primitivos, de onde descendem os anteriores e os mamíferos colocadores de ovos, como ainda hoje existem. E lembremos que o problema de ter-se de apresentar ancestrais para não se cair no criacionismo continua aumentando.

Assim, finalmente, chegar-se-á a mamíferos cada vez mais próximos dos répteis em anatomia, como o Repenomamus:

Repenomamus (g1.globo.com).

E ainda mais no passado a mamíferos com mais e mais proximidade com os répteis, configurando umfilo maior chamado de amniota, como os cinodontes (Cynodontia):

(www.bertsgeschiedenissite.nl)

Logo chegaremos aos Therapsidas, e uma morfologia extremamente próxima dos répteis será notável:

Sauroctonus progressus[2] (Wikipedia).

É interessante se destacar que o animal acima não é o ancestral de todos os mamíferos, exatamente, mas um exemplar situado numa, chamaremos ”região de diferenciação” do cladograma ou árvore filogenética, região a qual inclui uma enorme variedade de animais[3], como se pode ver por esta amostra abaixo:

(www.computerra.ru)

Ou ainda:

(mojcaj66.googlepages.com)

O que manterá a questão de que ou se aceita as modificações de uma espécie em outra, logo evolução, ou O.N.C.N.C., mais uma vez.

Esta região do cladograma que inclui os mamíferos mostra a enorme capacidade que as formas de vida possuem em produzir formas variadas a partir de uma forma básica inicial, exatamente contrariando o fixismo e portanto implicando em evolução. Uma amostra disto é a enorme variedade de “batedores de cabeça”, fauna não mais existente em nenhum exemplar, que dominou grande parte de seu período histórico, o Permiano, como o Estemmenosuchus mirabilis[4][5]:

(www.johnsibbick.com)

E a “fusão” da árvore dos mamíferos com a árvore dos répteis se tornará clara, que mostraram, por exemplo a clara modificação no tempo:

(scienceblogs.com)

E finalmente, chegaremos a construir esta nova árvore, e o quadro ficará claro de que o que pareciam ser duas ou mais árvore árvores, na verdade, são uma única:

O mesmo se poderá, como vemos ao pé deste gráfico, repetir para os anfíbios, e mais adiante para os peixes, e assim por diante, ou necessariamente, O.N.C.N.C..

Logo, para se sustentar que o designer (independente deste existir ou não) atue, é necessário não só aceitar o processo evolutivo como fato, mas também provar que este atue nas formas de vida desde formas microscópicas até as mais complexas, ao longo de toda a história, sem jamais ter gerado divergência de um filo estanque até então para dois ou mais.

Aqui, entra mais que tudo a genética, mostrando que todos os seres vivos da Terra, até prova em contrário, são e foram descendentes modificados de um primeiro ser vivo extremamente simples, exatamente porque dividimos uma genética em comum, em permanente modificação.

A questão tempo

O que seja o tempo necessário para estas agora inequívocas modificações é claro na geocronologia, ciência extremamente desenvolvida em seus métodos, que aponta uma idade para a vida na Terra de 3,7 a 3,8 bilhões de anos, e mais que isto como importante, e aqui fechamos nossa argumentação por “decréscimo infinito”, sendo a Terra não eterna, e sim limitada no tempo em 4,5 a 4,6 bilhões de anos de idade*, é necessário que em algum tempo passado, mesmo se fechados em filos estanques, as formas de vida tenham surgido, ainda que cada uma por seu processo, e se não simples e microscópicas, então por milagre em organização de um primeiro organismo complexo, logo, ao não aceitar isto o próprio Design Inteligente se vê obrigado a aceitar o processo evolutivo, ainda que segundo seus defensores, não por processos naturais e sim pela ação de um designer sobrenatural. Assim, finalmente, evolução é fato e não pode ser negado.

*Diminuir este tempo, mesmo que em argumentação não sustentada pela geocronologia, como debatem-se os criacionistas[6], não modificará haver um limite temporal, evidentemente, para a existência da vida, nem tampouco aumentá-lo

Finalizando

Citaremos Francis Collins, geneticista estadunidense, teísta e defensor da teoria da evolução:

Objeções teológicas ao D.I.

Cientificamente falando, o D.I. não consegue apresentar uma sustentação, pois não fornece nem uma oportunidade para validação experimental nem uma base forte para sua alegação primária da complexidade irredutível. Mais do que isso, porém, o D.I. também falha no sentido de que deveria ser mais uma preocupação ao que acredita em Deus do que ao cientista determinado.

O D.I. é a teoria do “Deus das lacunas”, ao introduzir uma suposição da necessidade de uma intervenção sobrenatural em fatos que seus defensores alegam que a ciência não pode explicar. Tradicionalmente, várias culturas tentaram atribuir a Deus diversos fenômenos naturais que a ciência está despreparada para solucionar — seja um eclipse solar, seja a beleza de uma flor. No entanto, essas teorias apresentam uma história melancólica.

Os avanços da ciência, em última análise, preencheram essas lacunas, para a decepção dos que anexaram a fé a elas. Ao final, uma religião do “Deus das lacunas” corre o risco imenso de desacreditar a fé de maneira muito simples. Não devemos repetir os erros da era atual. O Design Inteligente encaixa-se nessa tradição desanimadora e encara a mesma morte definitiva.

Além do mais, o D.I. retrata o Todo-Poderoso como um Criador atrapalhado, que precisa intervir de tempos em tempos para consertar as insuficiências do próprio plano original, dele que gerou a complexidade da vida. Para quem crê em Deus e fica admirado diante de Sua inteligência e de Seu gênio criativo quase inimagináveis, eis aí uma imagem bastante insatisfatória.

Em minhas palavras, o D.I. conduz a uma noção de uma divindade incapaz de já num primeiro instante do universo, não pode nem mesmo prever (e determinar) as modificações dos seres vivos no tempo, e ao contrário do “relojoeiro de Paley“, supremo artífice de máquinas perfeitas, passa a ser o trabalhador eterno de consertos em sua obra.

“Assombra-me o universo e eu crer procuro em vão, que haja um relógio e um relojoeiro não.”

VOLTAIRE

Anexos

1

Uma amostra do quanto são frágeis as argumentações dos defensores do “D.I.”, ainda mais quando se apegam a distorcê-lo para o criacionismo, pode ser vista por exemplo neste artigo Leitores criticam falhas em argumentações criacionistasJC e-mail 2766, de 12 de Maio de 2005.

2

Com contribuições de Hermínio Neto

Alguns criacionistas e defensores do D.I. partem de sua própria noção de que o que seja a “árvore da vida”, seja, limitada hoje, ao que era ao tempo de Darwin, ou que mesmo com os avanços, restem lacunas significativas de ancestralidade a serem conhecidas. Apenas para uma exposição gráfica do tema, colocamos aqui miniaturas de árvores da vida, de diferentes naturezas e estruturas. Algumas, embora amparadas em sólida ciência, só possuem um caráter didático e ilustrativo:

Exemplo de árvore da vida que, mesmo referente apenas ao reino Animalia, é muito mais completa e complexa que o esboço de árvore da ancestralidade feito por Darwin em “A Origem das Espécies”:

Árvore filogenética mostrando os três domínios de seres vivos e seus principais taxa:

Outro exemplo de árvore muito mais complexa e completa que o esboço de Darwin, que apresenta didaticamente os animais ao longo da história e suas relações, com mostras da proximidade de suas morfologias:

Uma árvore filogenética elaborada a partir da análise dos genes HOX:

Uma árvore da vida a partir do supergene da miosina[7]:

Uma árvore da vida bastante completa, gerada automaticamente, baseada em genomas completamente sequenciados[8][9]:

Referências

Obs: Ao ser realizada a transferência dos artigos do Google Knol para o Anottum, houve a perda das referências deste artigo. Assim que possível, sua referenciação será recuperada e aprimorada. Contando com sua compreensão, grato.

Ver também

Artigo onde trato o fato da evolução por uma argumentação lógica e simples, independente de toda uma argumentação por genética.