Pensamento Mágico e Pensamento Dogmático
Dois comportamentos típicos em administradores de empresas em crise
Neste artigo, descrevemos dois comportamentos evidenciados em administradores e proprietários de empresas em crise, suas características e o quanto prejudicam sua recuperação.
Este artigo nasce de 17 anos de experiência no tratar empresas em dificuldades, e em especial, da relação com os administradores delas.
Pensamento mágico
O que classifico como pensamento mágico é a permanente atitude de empresários passando por graves problemas de caixa em sempre contarem com soluções miraculosas a futuro. Um exemplo seria uma afirmação do tipo: “Neste mês teremos um volume de vendas significativo que resolverá todos os nossos problemas!”
Outro exemplo, mais trivial seria a também ouvida frase: “Breve entra uma grande venda e tudo se resolve!”
Obs.: As exclamações são propositais no meu texto.
Caracteriza-se, mais tecnicamente, por esperar-se um resultado muito acima da média apresentada pelo comportamento de caixa/vendas da empresa. Poderia ser comparado, para indução ao absurdo, a contar-se no caixa com a entrada de um prêmio de loteria por sair.
É associado com o conceito de “wishful thinking” (que eu traduzo como “pensamento esperançoso”). Uma descrição deste comportamento pode ser visto em Wishful thinking – Wikipédia (pt).
Os administradores tomados deste comportamento tendem a não agir pela racionalidade e contingenciamento de suas despesas, ou, correlatamente, a não agirem com busca à geração de caixa, seja pelo incremento de vendas (ou serviços), seja pela própria não ação pelas vendas ou ainda, cobrança de créditos a seu favor.
Pensamento dogmático
(O nome do papa, aqui escolhido como sendo uma
metáfora do que seja dogma, é proposital.)
Já o que seja o pensamento dogmático (o conduzido por “dogmas de fé”, aos moldes das religiões) é a fixação por conceituações obscuras, juízos falsos, raciocínios errôneos, a despeito de esclarecimento de questões, demonstração de falsas avaliações e dos erros dos raciocínios e metodologias empregadas.
É representado por frases do tipo: “Não necessitamos de publicidade, pois detemos grande fatia do mercado!” (paradoxalmente, enfrentam problemas de caixa); ou ainda: “Não vou mudar meu modo de trabalhar, pois tenho 20 anos de experiência neste mercado!"
Uma outra frase que ouvi em meus anos neste ramo é: “Sempre fiz assim meus custos e preços e não vou mudar agora!”
Os tomados por tal tipo de comportamento recusam-se a qualquer apresentação lógica e formal, guiada pela razão, evidências e dados, obstaculizando qualquer modificação em sua marcha para a inoperabilidade de suas atividades, ou seja, a falência.
É peculiar que o pensamento dogmático muitas vezes se apresenta com a recusa em aceitar metodologias mais complexas e/ou rigorosas de tratar-se determinadas questões, como a gestão de custos e preços, ou metas de faturamento, com respostas do tipo: “Nunca precisei de coisas tão complicadas!” ou frases similares. Ainda pode ser considerar que determinados problemas complexos, como custos em logística, podem e devem ter soluções simplistas (diferenciar de soluções simples).
Uma observação matemática sobre pensamento dogmático
Sempre tratei a questão mais profunda sobre pensamento dogmático quando relacionada à questões contábeis com uma análise matemática simples.
Sendo lucro (L), grosseiramente falando, o balanço operativo entre receitas (R) e despesas (D, para alguns autores e com o quais hoje concordo, o termo mais correto é gastos), podemos fazer:
R – D = L
Desta, por simples álgebra, podemos fazer:
R – (D + L) = 0
Podemos chamar a soma de despesas e lucro de “obrigações”, pois é obrigação da empresa pagar suas despesas e gerar seu lucro. Notemos que aqui receitas e estas obrigações tem idêntico valor. Disto, temos que ao dividir estas duas parcelas, por exemplo, por R, não alteramos a igualdade:
(R/R) + [(D + L)/R] = 0 .’. 1 – 1 = 0
Esta equação simplíssima final é uma identidade lógica formal, em que o igual debitado do igual resulta no nulo. Em outras palavras, em termos mais de caixa (que nada mais é que física pura e simples aplicada):
“O que entra menos o que sai é igual ao que acumula.”
Assim, o pensamento dogmático leva seu “portador” a guiar-se por uma lógica que não é a formal, aristotélica, mas um lógica curiosamente difusa, característica por exemplo dos fenômenos quânticos, onde as partículas reproduzem-se dependendo de sua natureza, pelo menos temporariamente, e não apresentam uma “estabilidade em número”. Conduzem seus negócios como se a geração de riqueza não fosse um resto, um resultado de um balanço, mas sim um multiplicar miraculoso. Como gosto de dizer, julgam que seus negócios não reais, e sim mitológicos, como a “cornucópia da riqueza” do chifre da cabra Almatéia, da infância de Júpiter.
Uma publicidade associando a Califórnia com a cornucópia, como o símbolo da fartura.
Para noções de lógica difusa, e o quanto é diversa da formal, recomendo Lógica difusa – Wikipédia (pt).
Fenômeno conhecido como “produção de par” em Física, onde uma partícula produz duas,
fenômeno que os acometidos de pensamento mágico e dogmático parecem querer reproduzir
no macroscópico (Wikipedia).
Devemos por fim observar que muitas vezes o dois comportamentos apresentam-se simultaneamente.