Biocombustíveis – cana versus milho

Questões econômicas ligadas a produção de etanol

Neste artigo, analisaremos diversos aspectos econômicos ligados à questão energética e o etanol, e no seu uso como combustível, detalhes da questão álcool a partir da cana no Brasil, álcool a partir da hidrólise do milho nos EUA, em opiniões do autor Fred Kesinger sobre a futura política energética norteamericana.

O cenário energético futuro para os EUA

Em recente artigo em www.energycentral.com, Fred Kesinger[1] apresenta que a maioria dos analistas do mercado de energia nos E.U.A. concordam que para as próximas décadas o programa de energia deve consistir numa combinação de fontes renováveis variadas, ainda o uso de combustíveis fósseis, a utilização de carvão “limpo” e adoção de práticas de conservação (aqui, devemos destacar o futuramente crescente uso de LEDs na iluminação e de OLEDs na projeção de imagens, que reduzirão tremendamente os gastos domésticos de energia elétrica para a produção de luz e a ineficiência nas perdas de energia na forma de calor).

Neste contexto, apresenta que apesar das paixões por parte dos defensores de cada forma de geração de energia, há lições a serem aprendidas de outras partes do mundo, e destaca a experiência bem sucedida de 30 anos do Brasil com o etanol.

milenaandrade.files.wordpress.com

Brasil e E.U.A. em termos de etanol

O artigo destaca que o Brasil desenvolveu uma alternativa viável ao consumo de gasolina para uso na frota de veículos, passando a ser o segundo maior produtor de etanol do mundo, atrás apenas dos E.U.A., exatamente. Aqui, devemos citar que a produção de etanol brasileira na safra de 2006/2007 estava em 17,05 bilhões de litros, e como comparativo, saiu de um produção de 625 milhões da safra 74/75, num incremento de mais de 27 vezes em volume.[2] Já a produção dos E.U.A. de etanol no ano de 2006 já era estimada em 20,4 bilhões de litros.[3]

Mas nos EUA o processo de podução de etanol se dá por hidrólise dos amidos de milho, em sua maior parte, e da hidrólise da biomassa predominantemente de celulose, e sua posterior fermentação. Seus processos podem ser vistos em inúmeras referências.[4]

O artigo apresenta dados do Banco Mundial de que o custo de produção do etanol brasileiro está na faixa de 0,26 centavos de dólar por litro, enquanto que o etanol produzido no restante do mundo situa-se na faixa dos 0,39 centavos de dólar por litro. Também apresenta que o etanol já representa 40% de todo o consumo de combustíveis das frota de 23 milhões de automóveis do Brasil, enquanto que o etanol nos E.U.A. representa 3% do consumo de uma frota de 200 milhões de automóveis. É apresentado que o Brasil pretende elevar suas exportações de etanol que eram de 600 milhões de dólares em 2005 para 1,3 bilhões em 2010.

Observa o autor que o etanol como combustível libera menos dióxido de carbono para a atmosfera que os combustíveis fósseis, o que coloca o Brasil em rota de assumir suas obrigações com o protocolo de Kyoto.

O histórico

O autor aborda os fatos históricos que levaram o Brasil a tal caminho. Cita que nos anos 70, uma precária situação afligia o Brasil: a de ter um de seus produtos, o açúcar em preço de mercado decrescente e como importador de petróleo (então massivamente, e hoje, situando-se como o 16° maior produtor), em depender de um mercado de preço crescente, o que teria levado o governo brasileiro a medidas drásticas visando a promover estabilidade e crescimento econômico num novo paradigma energético.

Estas medidas redundarão nos anos posteriores, na adoção de um modelo de produção de etanol a partir da cana, com afastamento dos combustíveis fósseis, e com o embargo do petróleo pela OPEC em meados dos anos 70, conduzindo os preços para cima, à execução de um projeto de larga escala. Em 1975, o programa nacional de álcool foi implantado com a oferta dee empréstimos a juros reduzidos para acontrução de destilarias em sua primeira etapa.

O próximo passo na transformação do Brasil de um dependente do petróleo para este novo paradiga foi a produção em massa de veículos consumidores de álcool (e posteriormente, tanto de gasolina quanto álcool) com a mobilização de montadoras como a Volkswagen, GM, e osteriormente a Toyota. Motoristas de táxi e administradores de frotas de veículos foram incentivados à conversão, juntamente com os veículos governamentais. O resultado deste processo é que em 1988, 90% dos carros novos vendidos no Brasil eram movidos a álcool.

Produção de álcool brasileira (novaenergia.net)

Milho dos EUA versus cana do Brasil

Uma série de fatores teria sido, segundo o autor, responsável pelo sucesso do programa brasileiro de opção pelo etanol a partir da cana de açúcar como combustível, e a razão da melhor viabilidade que o programa norteamericano, e estes seriam:

    • A cana produz mais álcool por peso que o milho.

    • Clima tropical com chuvas de um clima equatorial de 1000 a 1500 mm por ano com médias de temperatura de 18 a 21°C (dependendo da região), tornando as condições ideais para o plantio de cana, permitindo o crescimento de cana em produtividades maiores, comparativamente ao milho, e durante o ano inteiro frente as regiões produtoras de milho dos E.U.A., limitadas por um inverno rigoroso.

  • A localização e distribuição das plantas de processamento: as usinas de álcool de cana brasileiras situam-se junto às extensões de terras produtivas, pela própria simplicidade do processo de produção, comparativamente à alta industrialização das plantas norteamericanas, que leva à uma maior escala industrial por planta e a centralização em unidades distantes das plantações, levando por fim a um menor custo dos brasileiros em transporte.

Planta de produção de álcool a partir de milho (www.minnpost.com)

  • O Brasil colocou-se a desenvolver o programa do álcool em outras duas frentes, que foi a de incentivar a produção de carros consumidores de álcool e posteriormente (exatamente o ponto em que o autor trata) de uma frota adaptada tanto a consumir álcool como gasolina (chegando a 7 entre 10 veículos no formato “flex” ), e uma rede de distribuição de combustíveis capaz de abastecer uma frota tanto com etanol como com gasolina.

A política do etanol brasileiro

O autor apresenta que a específica visão de um projeto de longo prazo e liderança do governo brasileiro conduziram à uma relativa independência no setor energético. Tal visão e liderança tiveram como ferramenta um extensiva campanha de marketing focada nos fabricantes de automóveis, produtores de cana, investidores e no público consumidor visando o entendimento e o apoio à uma campanha nacional por tal combustível, e tal campanha levou a resultados além dos esperados, e na opinião do autor, apesar de um início lento, apresentou uma aceleração que excedeu às espectativas.

Pela visão do autor, uma das medidas bem sucedidas da política de produção de etanol brasileira foi a geração de energia para as usinas de álcool a partir da queima do bagaço da cana, com redução dos custos de produção do álcool e o lançamento do excedente da geração de energia elétrica para a rede de distribuição, com estimativas de para cada 600 MW gerados internamente nas usinas, 100 MW são vendidas para a rede de distribuição.

Um panorama da produção de álcool a partir do programa Proálcool, chegando às exportações

(www.biodieselbr.com)

Questões problemáticas

O autor aponta que a produção de etanol não está livre de problemas. A própria escolha da matéria prima, cana ou milho, destacadamente, para o álcool é complexa. Aqui, diversos autores sustentam as afirmações de Kesinger, desde jornalistas especializados[5], como trabalhos científicos[6]. A própria utilização da terra é um ponto a ser muito debatido, e os diversos subsídios por parte do estado em qualquer nível e para qualquer fonte de energia devem ser tratados, e qualquer que seja a forma de energia a ser discutida apresenta seus prós e contras.

Mas apesar destas questões, o autor levanta o que os E.U.A. devem fazer para obter o mesmo sucesso.

Sugestões do autor aos E.U.A.

Kesinger apresenta um trio básico de posições a ser tomadas: liderança governamental, direção e visão. Sugere que o presidente Obama e o secretário de energia Steven Chu devem articular e comunicar os detalhes de uma estratégia da administração da política de energia, dando um prazo dos primeiros seis meses para a apresentação e planos para os combustíveis fósseis, carvão “limpo”, energia nuclear e as formas de energia renovável, como a energia solar, eólica, biomassa e geotérmica. Esta posição exporá para os cidadãos entender e aceitarem os conceitos e partir disso apoiarem este programa. O autor afirma que todos os programas e energia devem ter ações decisivas com marcos de etapas, e que cada contribuinte deverá cobrar de seus representantes políticos esta postura relativa à política energética dos E.U.A..

A captação de recursos para a política de energia de Obama deverá vir de uma combinação de verbas estatais e investidores privados. Kesinger recomenda a prudência de se encorajar e aceitar investimento de companhia estrangeiras. Cita o exemplo de companhias tais como a Vestas[7], Gamesa[8], Iberdrola[9] e Alstom[10] que já tem operações nos E.U.A. ou as estão considerando. Mesmo Wall Street deverá ser convencida que há uma oportunidade para enormes retornos financeiros.

O autor aponta que as universidades e centros de tecnologia deverão se envolver na descoberta de novas tecnologias, e alerta que alguns destes esforços serão bem sucedidos, enquanto outros não. Afirma que dentro da próxima década se assistirá uma nova geração de tecnologias em energia eólica, solar, carvão, biomassa, entre outras, assim como algumas áreas avançarão mais rapidamente que outras.

É destacado o papel da comunicação, exatamente aos moldes do programa brasileiro, através de um maciço plano de informação aos líderes industriais, ao próprio governo, aos pesquisadores acadêmicos, aos contribuintes e aos investidores sobre a política energética, suas metas e resultados obtidos a cada etapa.

Diversidade de matérias primas

O autor recomenda a diversificação de matérias primas para a produção de biocombustíveis, incluindo o milho, as gramíneas do gênero Panicum[11] (conhecidas no E.U.A. como switchgrass[12], entre outras), e a própria cana de açúcar.

Switchgrass (handymanri.net).

Kesinger trata finalmente que o etanol pode não ser a única solução para as crises de energia nortamericanas, mas certamente os E.U.A. podem aproveitar-se de lições aplicadas em outras partes do mundo para construir uma nova estratégia de energia limpa, renovável e prontamente disponível (aqui, lembramos que a energia a partir do hidrogênio como combustível, extensivamente, não é plenamente desenvolvida e a fusão nuclear, tecnologicamente ainda distante). Lembra que os norteamericanos sempre responderam quando uma crise lhes bate à porta. Cita os desafios da Segunda Guerra Mundial, o projeto Manhattan (primeiras armas nucleares), o projeto Apollo (pousos na Lua), etc. Aponta que a nação terá de se direcionar para a superação de uma era de predomínio dos combustíveis fósseis para um programa mais “limpo” e de custo otimizado em energia.

Aqui, destacamos que apesar do sucesso de nosso programa do etanol, apontado pelo autor em seu artigo, os temas referentes a uma extensão para outras formas de energia e outras matérias primas e produtos biocombustíveis nos servem também de conselho.

Nota

Este artigo foi escrito a partir de apresentação do artigo original e por sugestão de Carlos David Franco Barbosa, Mestre em Eng. Elétrica-Energia, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp.[13]

Referências

Ver também

Nossos artigos sobre questões relacionadas:

Biocombustíveis

Sustentabilidade em energia sem acréscimo de dióxido de carbono na atmosfera

Biodiesel e plásticos verdes

Uma questão a ser tratada no futuro

Combustíveis fósseis e os “esconderijos” de carbono

Os problemas de se libertar a massa de carbono do seio terrestre para a atmosfera