Lei de Borel

, mais uma falácia criacionista

A distorção de uma conceituação matemática e seu uso pela defesa de um credo.

Neste artigo analisaremos uma constante falácia criacionista e determinadas implicações sobre o tipo de afirmação que faz à luz da moderna Filosofia da Ciência.

A afirmação

Seguidamente quando lê-se textos de criacionistas, sem apelar-se diretamente para a Falácia de Hoyle, seja a original, que trata da formação de proteínas, seja modificada para tratar da carga genética de qualquer ser vivo, depara-se com afirmações do tipo da abaixo:

"...a probabilidade de surgir casualmente uma proteína de apenas cinqüenta aminoácidos é de uma chance entre 1065 chances, portanto, segundo a Lei de Borel, este evento não tem chance de ocorrer (a Lei de Borel afirma que qualquer evento que tenha uma chance entre mais que 1050 chances simplesmente não ocorre), mas mesmo que se despreze esta lei matemática..."[1]

Esta argumentação pode ser vista em inúmeras fontes criacionistas, e deve-se observar repetidas vezes, a cópia de um erro de notação em potências de dez (1050 no lugar de 1050, 1065 no lugar de 1065).[2][3]

A citação de uma "Lei de Borel" nos leva a questionar qual seria o conteúdo completo de suas afirmações, e em se tratando de uma "lei" matemática, trata-se pois de algo que seria facilmente encontrável nos dois principais sites especializados em Matemática do mundo, no caso: Wolfram MathWorld e Planet Math, ou mesmo na poderosa Wikipédia em inglês, que em vários aspectos e em muitos pontos já ultrapassa estes sites, e trata inúmeros temas por sinonímias impossíveis de serem tratadas por outros sites.

O que poderia ser tal "Lei"

Mas quando se pesquisa por "Borel Law", ou mesmo "Borel Theorem" ou ainda simplesmente Borel, nenhuma resposta nos vem de proveitosa, nem mesmo relacionada com uma afirmação destas. Apenas na Wikipédia em inglês encontra-se a citação a lei de Borel dos grandes números (Borel's law of large numbers).

Esta "lei" estabelece que, nas palavras da Wikipédia, grosseiramente falando, se um experimento é repetido um grande número de vezes independentemente sob idênticas condições, então a proporção de vezes que qualquer evento específico ocorre é aproximadamente igual a probabilidade da ocorrência do evento em alguma experimentação particular; ao maior número de repetições, melhor a aproximação tenderá a ser. Mais precisamente, se E denota o evento na questão, p a probabilidade de ocorrência, e Nn(E) o número de vezes que E ocorre nas primeiras n tentativas, então com probabilidade

Nn(E)/n → p assim como n

\infty

A Wikipédia ainda completa afirmando que este teorema faz rigorosa a noção intuitiva de probabilidade como a frequência de ocorrência relativa de longa série de um evento. Termina citando que é um caso especial de diversas leis de grandes números em teoria da probabilidade.

Émile Borel (1871-1956)

Ou seja: nada se afirma nesta "lei" sobre no mundo físico, ao haver um determinado valor de propabilidade menor que determinado número, chega-se a impossibilidade de tal acontecer, independentemente das questões da Falácia de Hoyle e seus erros sobre o que seja a polimerização de proteínas ou mesmo para a sua distorção para o que seja genética, em confundir que a modificação da genética no tempo seja sempre o arranjo aleatório de novas bases, a partir de um "caldo" as contendo, aleatoriamente.

A revelação

Mas quando se procura em fonte especializada em tratar os erros criacionistas e o que realmente são as afirmações da Biologia e da Bioquímica relacionadas com o processo evolutivo dos seres vivos, encontramos o artigo de John Stockwell, Borel’s Law and the origin of many creationist probability assertions (Lei de Borel e a origem de muitas afirmações criacionistas em probabilidades).

Aqui se percebe que Borel apresenta em sua obra "Probabilidade e Vida" (Le Probabilites et la Vie, edição francesa de 1943, Probability and Life ,edição inglesa de 1962), uma "lei única de chance" como o princípio que "fenômenos com probabilidades muito pequenas não ocorrem". No início do terceiro capítulo deste livro, ele afirma:

"Quando nós estabelecemos a lei única de possibilidade, "eventos cujas probabilidades são suficientemente pequenas nunca ocorrem," nós não escondemos a falta da precisão do estabelecido. Há os casos onde nenhuma dúvida é possível; tal é aquele dos trabalhos completos de Goethe que estão sendo reproduzidos por um datilógrafo que não saiba o alemão e está datilografando aleatoriamente*. Entre este caso um tanto extremo e aqueles nos quais as probabilidades são muito pequenas mas não obstante que a ocorrência do evento correspondente não é incrível, existem muitos casos intermediários. Entre este caso um tanto extremo e aqueles em que as probabilidades são muito pequenas mas não obstante que a ocorrência do evento correspondente não é incrível, existem muitos casos intermediários. Tentaremos determinar tão precisamente quanto possível que os valores da probabilidade devem ser considerados como insignificantes sob determinadas circunstâncias.

É evidente que as exigências no que diz respeito ao grau de certeza impõe na lei única de possibilidade variarão dependendo de se nós tratamos com a certeza científica ou a certeza que basta em uma circunstância dada da vida quotidiana."[4]

*Nota: Conceito similar aos dos "macacos datilografando Shakespeare", clássico sobre aleatoriedade, e idéia que dá origem inclusive ao nome do "teorema do macaco infinito". Na década de 80, Richard Hardison, do Glendale College, escreveu um programa de computador que gerava frases aleatoriamente, ao passo que preservava a posição individual das letras que aparecessem na posição correta, selecionando as frases mais próxima a de Hamlet. Em tentativas, o programa recriou o texto em apenas 336 interações em média, em tempo menor que 90 segundos, com o destaque que reproduziu a tragédia inteira de Shakespeare em apenas quatro dias e meio. (de interessante análise de um texto criacionista por "C.A.A.", suportado na literatura sobre o tema.[5]

O autor do artigo aponta que, curiosamente, apesar do título desta obra, Borel não trata da questão do processo evolutivo e da abiogênese nesta obra.

Já em "Probabilidade e Certeza" (Probabilite et Certitude, edição francesa de 1950, Probability and Certainty,edição inglesa de 1963), Borel trata da questão:

"O Problema da Vida

Concluindo, eu sinto que é necessário dizer algumas palavras a respeito de uma pergunta que não esteve realmente dentro do escopo deste livro, mas que certos leitores podem não obstante repreender-me por ter negligenciado inteiramente. Eu penso o problema da aparência da vida em nosso planeta (e eventualmente em outros planetas no universo) e na probabilidade que esta aparência pode ter sido devida à probabilidade. Se este problema me parece se encontrar fora de nosso assunto, isto é porque a probabilidade na questão é demais complexa para nós sermos aptos a calcular sua ordem de magnitude. É neste ponto que eu desejo fazer diversos comentários explicativos. Quando nós calculamos a probabilidade de reproduzir pela mera possibilidade um trabalho de literatura, em um ou mais volumes, nós observamos certamente que, se este trabalho foi impresso, deve ter emanado de um cérebro humano. Agora a complexidade desse cérebro deve consequentemente ter sido mesmo mais rica do que o trabalho particular a que deu o nascimento. Não é possível pressupor que a probabilidade que este cérebro pode ter sido produzido pelas forças cegas da possibilidade é mesmo mais ligeiro do que a probabilidade do milagre de dactilografia?

É obviamente o mesmo quando nos perguntamos se nós poderíamos saber se era possível realmente criar um ser humano combinando aleatoriamente um determinado número de corpos simples. Mas esta não é a maneira que o problema da origem da vida apresenta-se: geralmente entende-se que os seres vivos são o resultado de um processo lento de evolução, começando com organismos elementares, e que este processo de evolução envolve determinadas propriedades da matéria da vida que impedem que nós afirmemos que o processo é realizado de acordo com as leis de probabilidade. Além disso, certas dentre estas propriedades da matéria da vida igualmente pertencem à matéria inanimada, quando tomam determinados formas, tais como aquela dos cristais. Não parece possível aplicar as leis do cálculo da probabilidades ao fenômeno da formação de um cristal em solução mais ou menos supersaturada. Pelo menos, não seria possível tratar isto como um problema da probabilidade sem tomar em consideração determinadas propriedades da matéria, as propriedades que facilitam a formação de cristais e que nós somos obrigados certamente a verificar. Nós devemos, e parece-me, considerar provavelmente que a formação de organismos vivos elementares, e a evolução daqueles organismos, estão governadas igualmente pelas propriedades elementares da matéria que nós não compreendemos perfeitamente mas cuja existência nós devemos não obstante admitir.

As observações similares podiam ser feitas a respeito das tentativas possíveis de aplicar o cálculo da probabilidade aos problemas cosmogônicos**. Neste campo, também, não parece que as conclusões que nós temos poderiam realmente ser de grande auxílio."[6]

**Origem primária do universo, um problema fundamental da Cosmologia, assim como historicamente, da Filosofia.

Stockwell aponta também que estes dois livros de Borel são de divulgação científica e não obras acadêmicas sobre teoria de probabilidades.

Assim, Borel não trata em seus textos que o surgimento da vida seja um processo de combinação completamente aleatória de componentes, mas sim com parcial direcionamento de propriedades físicas e químicas (adicionados na evolução da seleção natural, que é determinante) que são negligenciadas nos argumentos criacionistas, e o que seja sua lei dos grandes números em coisa alguma implica na impossibilidade do surgimento da vida por processos químicos e geológicos e nem no impedimento do processo evolutivo, que como tratamos em outros artigos, não se dá aleatoriamente por combinações de componentes moleculares mínimos, e sim por sobrevivência de modificações da genética dos seres vivos.

Se quiseres que as pessoas acreditem em alguma coisa realmente muito, muito absurda, basta acrescentar um número a ela.

Charles Seife, em Proofiness: The Dark Arts of Mathematical Deception

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Referências

    1. Enézio E. de Almeida Filho; Desnudando Darwin: ciência ou ideologia?

    2. s.silva777.sites.uol.com.br ou www.reieterno.com.br

    3. Ministério CACP; Dificuldades que cercam a origem da vida na versão evolucionista

    4. www.cacp.org.br

    5. Alessandro Lima; TEORIA DA EVOLUÇÃO: RELIGIÃO OU CIÊNCIA?

    6. www.veritatis.com.br

    7. Borel, Emil (1962), Probability and Life, Dover, traduzido do original, Les Probabilite et la Vie, 1943, Presses Universitaire de France.

    8. Lecture: Basics of Evolution

    9. www.csulb.edu

    10. Borel, Emil (1963), Probability and Certainty, Dover, translated from the original, Probabilite et Certitude, 1950, Presses Universitaire de France.