TONY PHILPOT- introdução ao Diretório, feita em 2012 (Extraído do boletim 155, agosto 2017)


01- COMO TUDO COMEÇOU


No início do século passado apareceu um santo, fora do comum, no coração da África. Seu nome era Carlos de Foucauld, francês. Viveu uma vida de muita luta, como militar, como explorador e, finalmente, como missionário isolado na Argélia. Foi um missionário diferente: ele não pregava aos árabes e tuaregues, no meio dos quais vivia. Tentou encarnar o Cristo no meio deles com humildade, amando-o como irmãos.

No mundo do século XX, dominado pelo poder militar e colonial, Irmão Carlos foi diferente. Foi assassinado por um levante tribal em 1916, durante a primeira guerra mundial. Em vida realizou pouca coisa. Após sua morte, seus amigos, refletindo sobre sua vida e juntando seus escritos, entenderam que ali havia um novo jeito autêntico de viver o Evangelho.

Várias congregações religiosas nasceram tomando como alicerce a vida e a espiritualidade dele. As duas congregações mais conhecidas são os Irmãozinhos e as Irmãzinhas de Jesus. Elas são diferentes das outras congregações religiosas porque os membros, além de serem contemplativos e de rezarem muito tempo diante do Santíssimo Sacramento, procuram trabalhar no meio dos mais pobres e mais abandonados; evitam promoções e ganham pouco dinheiro, vivendo com simplicidade, ao lado das pessoas de baixa renda e sem prestígio social. Como Carlos de Foucauld, eles não pregam: vivem segundo suas convicções e partilham o seu amor.

Em 1951 vários padres franceses decidiram dar as costas ao carreirismo e à “prosperidade” e viver no meio do povão, muitas vezes distante da Igreja. Escolheram viver seu ministério paroquial ou de capelão, como verdadeiros irmãos do povo, recusando qualquer atitude de dominação ou manipulação. Foi um apostolado da presença. Fizeram da Eucaristia a oração central d sua vida, tornando-se contemplativos, apesar das numerosas tarefas cansativas que eles assumiam.

Esta associação voluntária de padres diocesanos ficou conhecida como “Fraternidade Jesus Cáritas”; as palavras “Jesus Cáritas” lembram o logotipo escolhido por Carlos de Foucauld no Saara: ele escreveu estas palavras em cima de um desenho do Sagrado Coração de Jesus e colocou o conjunto na parede da casa, onde o desenho podia inspirá-lo. A Fraternidade atraiu numerosos padres em todos os cantos do mundo, a começar pela França e pela Europa. Durante o Concílio Vaticano II, um grupo de bispos de vários países ficou conhecido como “os pequenos bispos de Jesus”.

Carlos de Foucauld, o santo homem do deserto, livre como o ar, continua, hoje, vivo nos seus discípulos. Como ele, os seus discípulos estão procurando imitar o “bem amado Senhor Jesus” e gritar o Evangelho com a vida. Há, porém, uma diferença: Carlos de Foucauld sofreu bastante pela solidão de não ter conseguido sequer um companheiro que se juntasse a ele, embora tivesse planejado a constituição de uma congregação religiosa. A Fraternidade sacerdotal, de certo modo, foi a resposta ao sonho dele, tendo um objetivo claro: favorecer a amizade e ser uma verdadeira fraternidade entre os presbíteros, fortalecendo a doação e a comunicação sadia entre os padres.

Desde 1951, a Fraternidade foi reconhecida pela Igreja Católica e caminhou até hoje, acolhendo padres diocesanos de todos os continentes. Teve a alegria de acolher membros de congregações religiosas que manifestavam o desejo de fazer parte dela, achando que a pertença à Fraternidade “Jesus Cáritas” os ajudaria a ser missionários “de mão cheia”. Recentemente, alguns diáconos se juntaram também a ela.



02- COMO FUNCIONA A FRATERNIDADE

A Fraternidade, muitas vezes, começa assim; um grupo de cinco ou seis padres, que tem afinidades uns com os outros, resolvem encontrar-se uma vez por mês. Isto, para se ajudarem mutuamente e não ficarem isolados. Mas há algo a mais: eles desejam viver o Evangelho com maior intensidade e terem uma fé mais forte, rezarem mais, ou terem uma vida de oração mais regular e desejam ainda manifestar mais o amor de deus no seu ministério, serem humildes e mansos de coração como Jesus, sem desejarem aparecer ou receberem privilégios.

Ficando sozinho é mais difícil realizar um projeto de vida. Sendo membro de um grupo que tem o mesmo ideal é mais fácil, porque dá para contar com o apoio dos outros e cada qual oferece e a sua contribuição. Um membro da Fraternidade “Jesus Cáritas”, do Chile, dizia: “É muito valioso ser autorizado a tomar a vida de um irmão nosso nas mãos”!

Em cada encontro há uma hora de adoração silenciosa. Nossa fé em Jesus ressuscitado, presente na Eucaristia, nos move. Às vezes temos a celebração da missa. Alguns encontros acontecem durante o dia todo, outros são mais breves; às vezes se começa na véspera, com o jantar tomado em comum, e vai até o dia seguinte. Há um momento para o estudo e a partilha da Palavra de Deus , luz para nossas vidas.

Em cada encontro há também um espaço para a “revisão de vida”. Cada um procura olhar o mês que passou, desde a última reunião, com o olhar de Deus e partilhar o que descobriu. Não se trata de uma “confissão pública”. Cada um prepara a sua revisão de vida, na tranquilidade, no dia de deserto (dia de retiro pessoal), para descobrir a ação do Espírito Santo no dia a dia de sua vida. É importante ficar atento àquilo que os outros narram. É um privilégio raro poder colocar inquietações ou perplexidades, sem temer o julgamento de ninguém, e receber conselhos de irmãos que nos querem bem e estão dispostos a dar-nos o suporte de suas orações. O conselho dado num clima de oração e de confiança vivido por um grupo de fraternidade, onde a confiança e a abertura crescem entre os membros, vale como direção espiritual.

Um dos padres convoca as reuniões, sendo chamado “o responsável”. De vez em quando ele participa de uma reunião a nível regional ou nacional, onde encontra outros responsáveis. Pode haver também encontros a nível continental. A cada seis anos uma Assembleia Geral, a nível mundial, é convocada pelo responsável geral e a equipe dele, eleitos para mandato de seis anos, como é também o caso do responsável regional. O responsável geral e os seus auxiliares viajam bastante, visitando as equipes das regiões para encorajar os membros. Isso deve ser visto como um serviço, e nunca como uma dominação.

O encontro mensal das fraternidades locais é discreto e não é divulgado pelas redes sociais e pelos meios de comunicação. Para quem pertence à fraternidade local, o encontro não tem preço... Anos atrás, um bispo latino-americano, tendo que percorrer uns novecentos quilômetros para participar da reunião de sua fraternidade, confidenciava: “ Eu posso faltar a outro tipo de encontro, mas à reunião de minha fraternidade eu não quero faltar nunca”!


03- IRMÃO UNIVERSAL

Como padre, eu ofereço o Cristo Vivo ao Pai. Fui ordenado para isso. É a oferenda de todo o povo, não apenas a minha. Fui ordenado para ficar entre o céu e a terra; quando eu falo em terra, quero abranger todo o gênero humano. Eu falo em nome deles todos.

Por causa disso, o padre tem um laço forte com o irmão ou a irmã que está na loja, no ponto de ônibus, no bar, ou no parque; eles não o sabem, mas o padre foi designado para ser o embaixador deles. Esta solidariedade, o padre deve manifestá-la pelo afeto, pelo carinho, pelo amor fraterno. Já que é fácil sentir-se alheio a alguém porque fala outra língua ou pertence a outra classe social, ou recebeu outro tipo de educação, é mais fácil ainda ter preconceitos em relação a pessoas que têm outra cor de pele ou que, segundo as estatísticas da polícia, cometem delitos.

Houve, nos últimos cinquenta anos, muito movimento populacional, em toda parte do mundo. Houve refugiados por causa de guerras: houve gente buscando trabalho no exterior por não achar trabalho no próprio país. Houve famílias separadas procurando voltarem a conviver. Os governos tentaram limitar as migrações, mas com pouco resultado. Em toda parte, hoje, há movimentos de população: na Somália para o Quênia, do Afeganistão para a Inglaterra, do México para os Estados Unidos, da Líbia para a Sicília e Malta, da Indonésia para a Austrália... Muitos migrantes, nos países que os acolhem são explorados e vivem em condições sub-humanas, sendo desprezados com salários baixos, prestando serviços que nenhum nativo quer prestar. O comportamento do padre deve ser diferente!

Carlos de Foucauld dizia: “Quero ser um irmão universal”. Queria encontrar-se com árabes e tuaregues, não como oficial do exército ou representante do poder colonial, mas como um irmão de igual para igual. Temos algo a aprender dele. Ao encontrar-me com um estrangeiro, eu me encontro com um ser humano semelhante a mim, que precisa de amizade e amparo. O mandamento evangélico de amar ao próximo não admite nenhuma exceção. O dever da caridade ultrapassa os outros deveres.

Na prática isso significa, para o padre, ter capacidade de sorrir e de acolher; pode significar também querer aprender outra língua, com humildade, aceitando a dificuldade do aprendizado. Muitas vezes, para quem procura viver de um jeito simples, é preciso ficar consciente que não dá para ajudar todo mundo e realizar um número ilimitado de atos de caridade, mas uma ajuda ocasional sempre é possível, querendo ser irmão. Lembre-se que, na noite de Natal, Jesus tornou-se o irmão Universal e que o padre não pode deixar de imitá-lo.


04- A PALAVRA DE DEUS

Os filósofos do Iluminismo, no século XVIII, falavam do “relojoeiro celeste”, que teria ajeitado o Universo e, em seguida, teria ficado sentado, de braços cruzados, simplesmente olhando como ele funcionava, sem querer mais se envolver no movimento dele.

Ao contrário deles, nós acreditamos num Deus que se engaja, que se preocupa conosco, que tem um projeto para nós e nos ama. A prova mais forte é a Encarnação. O Filho de Deus, o Verbo de Deus, tomou uma forma humana e desceu até nós. “No início era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus... e o Verbo se fez carne...”. Assim São João inicia o seu Evangelho e São Mateus descreve as mulheres deixando o túmulo, correndo, após a Ressurreição: “Eis que Jesus veio ao encontro delas...”. É a característica mais importante do nosso Deus: Ele vem ao nosso encontro.

Uma das maneiras mais fortes pelas quais Deus vem ao nosso encontro é a Bíblia. Ela é a Palavra de Deus, em plena expansão, exposta em todas as matizes de cores e de sons, compreensível a todos os seres humanos. Inspirando os autores bíblicos, Deus achou assim outra maneira de estar presente, de tornar-se acessível. Os livros da Bíblia são vistos de um jeito tal que nenhum outro livro pode ser igual. Posso ler um versículo do Evangelho hoje e voltar a ele amanhã: encontrarei novas profundezas de sentido. O Espírito Santo não é só ativo através dos escritos dos profetas, salmistas ou evangelistas; está também presente em nós, leitores, à escuta, quando nos confrontamos com a Palavra de Deus.

Carlos de Foucauld era um leitor assíduo das Escrituras. Mergulhava nelas todo dia. Os Evangelhos o animavam e o inspiravam muito. Sua devoção a Jesus na vida escondida de Nazaré é totalmente alicerçada em São Lucas. Seu desejo de martírio surgiu da leitura da Paixão de nosso Senhor.

Os padres da Fraternidade tentam fazer das Escrituras o seu pão de cada dia. Há momentos que seremos tão distraídos que a nossa meditação não poderá “decolar”. Mas, em outros dias, a Palavra de Deus nos conduzirá direto ao coração de Deus e uma única frase pode sustentar uma oração profunda e prolongada. Se nós nos impregnamos da Bíblia, nos tornaremos disponíveis ao Deus vivo.

Quando as fraternidades Jesus Cáritas se reúnem, elas dedicam bastante tempo à leitura das Escrituras e à reflexão em conjunto a partir delas, Podem meditar os textos do domingo seguinte ou caminhar de maneira sistemática, lendo um evangelho só. O importante é não fazer dessa leitura um exercício de exegese, mas buscar o verdadeiro sentido dela: um encontro com Deus que vem a nós. “Fala, Senhor, teu servo escuta”!... dizia Samuel criança.


05- O DESERTO

Jesus tinha o costume de se afastar da multidão e de achar um lugar isolado onde podia encontrar-se a sós com seu Pai. Assim, antes de iniciar a vida pública, Ele passou quarenta dias no deserto. Essa atitude foi imitada pelos Padres do Deserto, no Egito. Há algo forte, ligado ao deserto, que produz apóstolos vigorosos, perseverantes e corajosos. A vida no deserto é muito simples. A diversão é mínima. O sol, alto no céu, derramando seu calor para todos sem distinção, é o símbolo de Deus, de quem ninguém pode escapar, e que é muito poderoso. Não tem como se esconder: nós somos expostos a Deus, à misericórdia e ao poder d’Ele.

Carlos de Foucauld, após sua conversão, procurou um ambiente onde pudesse ficar totalmente unido a Cristo. Fez uma primeira tentativa numa abadia cisterciense, nas montanhas ao sul da França; em seguida, em outra, num lugar muito pobre da Síria; tentou também fixar-se em Nazaré, vivendo num pequeno barraco, no jardim de um convento. Pensou ainda em comprar o Monte das Bem-aventuranças e morar no cume dele. Finalmente, fixou-se no Saara e foi no deserto que ele se encontrou consigo mesmo, com seus desejos mais profundos, e tomou os compromissos mais profundos de sua vida.

Os irmãozinhos de Jesus guardaram essa dimensão de espiritualidade do deserto na formação deles. Um noviço, por exemplo, ficará um mês numa gruta acima de um vale, na Espanha. A Fraternidade Sacerdotal pede a cada membro de ter, todo mês, um dia de deserto. Isso quer dizer encontrar um lugar tranquilo: um bosque, uma praia afastada, um eremitério na montanha. A intenção é deixar, de propósito, o lado ativo e planejado do ministério presbiteral, e de acolher Deus em nossa vida com generosidade, sem querer controlar o tempo. Esse dia mensal calmo permite também rever o desenrolar de nossa vida, olhando com compaixão e com espírito crítico os sucessos e fracassos, agradecendo a Deus pela sua presença contínua ao nosso lado. Ajuda também a preparar o que partilharemos no momento de revisão de vida que ocorrerá no próximo encontro da fraternidade.

O Mês de Nazaré é mais um exercício de vida fraterna do que um retiro. Um grupo de padres escolhe um lugar simples, por exemplo, uma casa religiosa abandonada ou o internato de uma escola livre durante as férias de verão. Vão convivendo durante um mês, cozinhando uns para os outros , rezando juntos, estudando a vida e os escritos de Carlos de Foucauld. Tendo também tempos de solidão, de deserto para meditar e refletir, para colocar-se nas mãos de Deus. Um retiro de uma semana pode ser incluído neste mês. Pode ter também trabalhos manuais, como levantamento de muros que desmoronaram, manutenção de pomares, plantações de árvores... Assim acompanhamos nosso Senhor em sua vida escondida de Nazaré (uma devoção bem própria a Carlos de Foucauld), na sua vida de união ao Pai, na sua vida também de artesão na carpintaria de Nazaré.

Esse conceito de “deserto” merece toda nossa atenção. Uma parte tão importante de nossa vida é gasta em múltiplas atividades, incluindo um número infinito de diversões. É bom ter cuidado com nosso tempo para não ficar preso a este mundo de “folia doida”. Isto é sabedoria! A questão do deserto não é uma questão geográfica. O autor famoso Carlo Carreto, Irmãozinho de Jesus, escreveu um livro como título “O Deserto na Cidade”. Você pode estar no deserto em qualquer lugar. O mais importante é não deixar o mundo técnico-mecânico, o mundo da comunicação instantânea tomar posse de você. Você é maior do que isso.



06- ADORAÇÃO

No momento da ordenação presbiteral, o bispo impõe as mãos sobre o novo padre, pedindo ao Espírito Santo de torná-lo capaz de celebrar o mistério da Eucaristia. A Eucaristia é a verdade de Deus fazendo a sua morada no meio dos homens, é o dom de si de Jesus ao Pai, movido pelo amor para conosco, é nosso Senhor, o Bom Pastor, que nos alimenta com o Pão da Vida. A Eucaristia é o jeito pelo qual Deus nos chama a formar juntos um só corpo: o Corpo de Cristo. A Eucaristia é tudo isso e muito mais ainda. Não é um simples “serviço” prestado, ela é a revelação contínua do Mistério.

Quando padres novos, começamos a celebrar a missa com nossos paroquianos e era-nos impossível guardar conscientemente todas estas considerações em nossa mente. Após muitos anos, o desenrolar da celebração tendo ficado rotineiro, começamos a pensar mais nas implicações daquilo que estávamos celebrando. Apesar de nossa indignidade, estamos trazendo Deus à terra. Após a comunhão, fechamos o sacrário e ficamos com a chave. É como se nós prendêssemos nosso Senhor na vida dos fiéis, colocando-O onde eles podem encontrá-lo a qualquer hora do dia. Aos poucos, tomamos consciência de que Ele deve ser o centro de nossa vida. Precisamos desse dom para nós mesmos, de uma maneira urgente e contínua. Precisamos dele, Jesus, se não quisermos funcionar apenas de maneira superficial.

A adoração ao Santíssimo Sacramento, sendo exposto ou presente no sacrário, dá vida à nossa vida de padres. Significa que nós vivemos o Mistério que celebramos, que não agimos apenas para a edificação dos fiéis. Na hóstia sagrada nós reconhecemos o Senhor como São João o reconheceu após a Ressurreição, à beira do mar.

Charles de Foucauld construiu toda vida dele em redor da Adoração. Em qualquer lugar onde ele morava, organizava o seu espaço e seu tempo para poder ajoelhar-se diante de nosso Senhor e se entregar a Ele com amor e simplicidade. Os membros da Fraternidade Sacerdotal fazem o mesmo. Quando se encontram na reunião mensal, ficam uma hora em silêncio diante do Santíssimo Sacramento. Diariamente também, em qualquer momento do dia, nós introduzimos este elemento vital: estar presente junto d’Ele, para que Ele esteja presente junto de nós. Não é preciso formular uma oração. Trata-se, muitas vezes, do movimento do coração, como acontece quando nós desejamos alguém ou que os damos conta quanto ele fez falta para nós. Às vezes, temos um “feixe” de sentimentos e experiências a Lhe apresentar. Outras vezes, podemos apenas, com toda a simplicidade do coração, estar presente.

Esse momento de adoração sempre dá a cor ao resto do dia, porque nós sabemos para quem nós vivemos e da graça de quem nós dependemos. Jesus é o nosso exemplo. Desejamos, como Ele, viver com misericórdia, com paciência, amando o Pai com coragem, sabedoria e dom de si. Parece uma tarefa difícil mas, vivendo este tempo de contato íntimo com Ele, o impossível torna-se possível e nossas vidas são transformadas.


07- SIMPLICIDADE DE VIDA


“Ele me enviou a anunciar a Boa Notícia aos pobres”. Não posso fazê-lo de um jeito paternalista, Pregar o Evangelho ficando numa situação de dominação, não é pregá-lo. Desastres na vida da Igreja, como a Reforma e a Revolução Francesa, tem a ver com a rejeição de um clero que não dava testemunho de sua fé. Como padre, meu estilo de vida deve ser de alegre simplicidade. A grande maioria dos católicos no mundo atual tem uma vida de simplicidade e tem necessidade de perceber o padre como alguém que partilha a vida deles e assemelha-se a eles, em termos de recursos financeiros. Não necessariamente mais pobre mas, com certeza, não mais rico. Alguém que pode assemelhar-se à situação econômica deles, identificar-se a eles quando a situação se torna difícil.

Carlos de Foucauld veio de uma família rica e aprendeu a viver numa pobreza cristã. Aprendeu-o entrando nos cistercienses e depois como pobre operário na Terra Santa e, enfim, na cabana simples do deserto da Argélia. A vida escondida de Jesus foi sua grande motivação: poderia recorrer aos recursos da família, mas sabia que a missão dele exigia austeridade. Essa austeridade falava aos árabes e tuaregues, significando: “estou disposto a qualquer sacrifício por causa de vocês”. Significa também: “não estou brincando, acredito realmente no Evangelho que eu lhes anuncio”.

Nós, padres do século 21, devemos fazer uma escolha consciente. Talvez seja mais fácil hoje do que antigamente, porque nossa tomada de consciência das questões ligadas ao aquecimento global e ao meio ambiente nos incentiva a não desperdiçar. Nossos paroquianos não vão estranhar de nos verem andar a pé e não de carro, de nos verem utilizar transporte coletivo e frequentar os supermercados mais baratos. Isso deve ser uma constante na nossa maneira de viver: evitar a ostentação. Essa atitude tem a ver com a maneira de me comportar em minha vida pessoal e nem tanto com a compra de alfaias e mobiliário decente para a igreja.

Se eu vivo na simplicidade, posso acolher qualquer um sem preocupação ou angústia. Posso oferecer uma refeição ou uma cama sem constranger ninguém. Não precisarei ser evasivo em relação a minhas férias, aonde eu vou e o que eu vou fazer. Haverá nitidez e clareza evangélica quanto à minha maneira de viver. Os membros da Fraternidade Jesus Cáritas vêm de países bem diferentes. Muitos não têm condições de aspirar a acumular dinheiro ou viver no luxo, usando roupas finas. Na Europa e na América do Norte, porém, a tentação é real. é uma das preocupações de nossa Fraternidade. Quando nos reunimos, cada mês, e fazemos revisão de vida, é uma das coisas que vamos examinando. Todos nós conhecemos padres buscando carreira, aspirando a ser nomeados nas paróquias mais ricas da diocese e almejando o título que possa acompanhar essa nomeação. É tão importante não ser assim!

“Dá-me simplesmente Teu amor e Tua Graça; com isso sou rico e não desejo nada mais...”, pedia Santo Inácio de Loyola. Adquirir bens e dinheiro torna a água enlameada. É preciso que isso seja claro como o cristal, tanto para nós como para nossos paroquianos, ou seja, que nossas riquezas verdadeiras estão no céu.