Na mais longa das noites, tradições resistiam aos tempos modernos e suas imposições. Estrelas de gelo enfeitavam o céu escuro, ferindo olhos contempladores pelo frio da solidão.
Mesmo sabendo que em algum momento o sol retornaria, fogueiras eram acesas no alto do Gigante de pedra adormecido para a eternidade.
O calor no entorno do fogo criava um mundo desconhecido no interior de cada ser, sussurrando e reconhecendo a imensidão dos caminhos e vidas que se cruzam pelo mundo, como as muitas fogueiras ardendo em distantes pontos do planeta.
Certo que era noite de São João e o batismo de fogo reunia pessoas em busca de mais luz... Nesta noite, desde tempos imemoriais, não há fogo e nem batismo sem testemunhas.
Do alto daquela serra observava a festa na terra de São João, a mesma celebração de tantos tempos atrás e em volta do mesmo fogo que arde há séculos.
Ciclos de morte e renascimento sucedem as escrituras de dias e noites, destruição e recriação, fielmente transitando pelas estações. No céu de cada alma e espírito, luzes e sombras se enfrentam, dialogam, amam e desaparecem como se nunca tivessem existido.
Os últimos pinhões da estação demonstravam com clareza toda mudança e transformação do nosso tempo, sendo que lá embaixo a palavra se cumpria mais um ano. No limiar da madrugada, no centro do velho vilarejo outra fogueira resistia bravamente ao sereno.
Renitentes que a rodeavam contaram dias depois que pegadas atravessaram as brasas, deixando rastros de cinzas e desapareceram na escadaria da Igreja de São João Batista. Ano após ano, ainda um tanto assustados, sempre contam esta história na noite do dia 24, seguido do sinal da cruz.
Reza a história que aqueles sinais reaparecem gravados por um breve momento nas pedras do Largo, todos os anos na noite de São João. Uns dizem que são pés de homens, outros de crianças e mulheres... Eu acredito que são de anjos!
_______
Susumu Yamaguchi. “De água e fogo”. Revista Eletrônica Bragantina On Line, jun/2012, nº 8.