Os anjos e fogos de artifício haviam anunciado o dia principal da Festa de São João Batista, na cidade iluminada pela lua nova e pelo queimar lento das brasas do fogão à lenha.
Ao longe, um gigante de pedra vigiava mais um ano dedicado ao padroeiro, onde tradição e modernidade viam-se frente a frente, num confronto armado pelo tempo.
Testemunhas de mais uma festa, mais uma noite de batismo da água e do fogo, traçando um caminho sem volta de luz em meio à escuridão do mundo. Os mesmos ciclos de morte e renascimento que se repetem em rituais descritos no mais antigo dos livros ou apenas em mais uma noite de inverno.
O milagre da renovação da alma é refletido no maior dos espelhos, um céu de luzes e sombras, imagens e feições, esperança de tempos melhores. Neste momento, a emoção é a única coisa que resta, esquecendo medos e ansiedades.
Findada mais uma noite de festividades, percorrendo barracas fechadas e uma cidade adormecida, escuta-se o caminhar de águas renitentes, as mesmas águas de tantos anos atrás, tanta história e mudanças.
Sentado na escadaria de pedra da igreja matriz, sentindo o cair do sereno da madrugada fria, olho a Serra do Lopo e vejo sinais daqueles andarilhos, renitentes memoriais de uma velha tradição.
Fragmentos de antigas festas, de tantas lembranças e tanta gente, as lágrimas escorrem pelas ruas de pedra, gravando sinais numa noite de inverno. No próximo ano, os mesmos anjos, crianças, homens, mulheres e velhos voltam pra outro São João do Curralinho, assim esperamos...
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Susumu Yamaguchi. “De água e fogo”. Revista Eletrônica Bragantina On Line, jun/2012, nº 8.