O céu estrelado expressava toda sua beleza, quase um reflexo às labaredas de fogo daquela noite fria.
A lua cheia brilhava intensamente com o passar das horas, enquanto nas matas o grito de bugios ecoava em todos os cantos.
De repente os gritos cessaram e a respiração de homens e mulheres se intensificou num momento de sucumbência à luxúria, perdendo o medo dos pecados e do fogo do inferno. Passados alguns dias, parte das mulheres ainda chorava arrependida dos fatos daquela noite, porém outras sorriam coradas e dispostas.
Com a chegada das primeiras águas da primavera tudo se repetiu, nem todas as rezas e o fogo vivo de cada lar puderam impedir... O sangue de duas mulheres puras e fieis não desceu, mas os mais velhos não acreditaram nelas.
Comentários corriam sobre negros aquilombados junto à cachoeira distante seis léguas da capela de São João. A única certeza que tinham é que as duas mulheres foram enfeitiçadas e cederam ao Gigante de pedra encarnado no corpo de escravos negros que por lá andavam... Só restou ao velho expulsar as mulheres da vila.
Sem rumo, as duas subiram o rio Cachoeira e estabeleceram relações de troca de interesses com os homens aquilombados, crescendo o número de crianças de misturadas feições. Com fala enrolada, os negros se referiam às pioneiras daquele local como “as mulheres de alcunha”, sendo que após sucessivas simplificações se tornaram Cu-ñas...
Mesmo estando no vilarejo de São João, parece ser grande o sentimento de culpa disseminado entre todos, jovens e velhos, crianças, homens e mulheres, uma mistura de sangue e fogo aos pés da Serra de Pedra.
Qual seria o futuro daquele lugar, conhecido como Bairro dos Cuñas, tomado por mulheres e crianças jogados à própria sorte?
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Referência: Texto de autoria e título desconhecido, um provável relato de um naturalista que passou por Joanópolis no início do século 19, cedido pelo amigo e cronista joanopolense Susumu Yamaguchi, que recebeu de um amigo, que por sua vez recebeu de outro amigo...