Os pensamentos noturnos interrompiam seu sono, no lento cair dos pingos de chuva em sua janela. No mais real dos sonhos, dali a algumas horas colocaria os pés na estrada para outra longa caminhada.
Irradiante como a luz emanada pelo sol transpondo o Gigante Adormecido, as primeiras horas do dia confirmaram o que reza a tradição: que nesta terra nunca chove por dois dias seguidos – porque há sempre uma noite a separá-los.
As trilhas refletiam o brilho de mais um dia, no orvalho que cobre as samambaias e lírios, seja para o Gigante ou para a Cachoeira. Particularidades de um lado, percepções de outro, atravessando encostas e vales tão próximos das Minas Gerais, tentações de passar divisas geográficas e trincheiras históricas.
Muitas horas e léguas, a cidade já remota segue sua rotina, enquanto a natureza de uma manhã de verão azul abandona seu palco principal, abrindo as cortinas para uma tarde de nuvens brancas que, de repente, escurecem, com seus ventos e raios, num dilúvio celestial tão típico da estação.
Murmúrios da enxurrada cor de barro, passos largos e firmes mantendo o equilíbrio vertical, uns calmos, outros rezando a cada trovoada. Após a tempestade vem a calmaria, reza o velho ditado.
O ressurgimento do sol penetra no silêncio de um mundo novo, no interior de um espírito agitado e que aos poucos se acalma como o tempo. Intermináveis tardes coloridas por um dourado tão precioso quanto das minas dos Gerais.
Enfim, já noite, as primeiras luzes da cidade recebem os caminhantes do dia todo de “direção norte”, grandes altitudes e inúmeros vales, ou de medos latentes de intempéries e caminhos tão incertos.
Na pizzaria, finalmente outra lenda é reafirmada: que nesta terra nunca se come pizza por duas noites seguidas – porque lá fora existe, em qualquer estação, sempre um dia inteiro de caminhadas a separá-los.
Referências:
Susumu Yamaguchi. Chuvas de verão. Revista Eletrônica Bragantina On Line, jan/2013, nº 15.