Filmes de guerra, canções de amor

A vida durante o período da Segunda Guerra Mundial não era nada fácil, tanto no Brasil quanto na Alemanha. Mesmo assim, era preciso tentar levar uma vida normal e seguir em frente, vencendo as batalhas cotidianas.

Luiz Caetano de Moura e Max Rothe são destes sujeitos que o destino reserva uma história própria, vivendo um dia após o outro. O primeiro nasceu em Bragança Paulista em 01 de Dezembro de 1921, trabalhando no depósito de lenha do pai quando da convocação. O segundo nasceu em 1903 em Kausche, distrito de Merseburg, na Alemanha, trabalhava nos escritórios de uma indústria de extração de lignita, estratégica para os planos de Hitler, quando da convocação.

A princípio pouca semelhança, a não ser que ambos lutaram na guerra, apesar de estarem lotados em lados opostos...

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Cartas com o timbre do Exército Brasileiro circulavam pela pacata Bragança Paulista desde o dia 16 de Outubro de 1942. O fato marcou para sempre a vida de muitos jovens bragantinos, entre eles Luiz Caetano de Moura. Para uns era um convite a serem protagonistas de um filme de ação, para outros um terrível transtorno ainda desconhecido.

No dia 20 os jovens embarcaram no trem sentido São Paulo, alcançando Caçapava no dia seguinte, onde Moura iniciou a preparação num quartel com condições precárias.

Quase dois anos de preparação e incertezas quanto ao embarque para a região de conflito, até que este ocorreu no dia 02 de Julho de 1944 rumo à Itália, tendo chegado ao destino no dia 16.

“Agosto de 1944, havia chegado meu momento de ir para a Guerra, aos 41 anos de idade. Deixei mulher grávida e duas filhas pequenas, além do emprego, e parti”... Esta foi a descrição de Max Rothe para àquele momento, um misto de tristeza e ausência de alternativas.

Na verdade, a convocação do serviço militar alemão foi o chamado para um longo exílio de sua liberdade, privado de quase tudo, inclusive de seu próprio destino.

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Setembro de 1944 marcou o início da Força Expedicionária Brasileira na frente de batalha, bem como a entrada de Max Rothe como soldado na zona de conflito.

Para Moura, os primeiros dias representaram momentos de tensão, pois o inimigo alemão ainda não tinha rosto, quase uma lenda no campo de batalha. No volante do jipe galgava posições e estradas bastante perigosas.

Max Rothe conhecia bem o rosto dos companheiros alemães, esgotados pelo cansaço, com a moral cada vez mais baixa pelas constantes derrotas e temerosos pela própria vida, já que as notícias da Frente Oriental não eram nada animadoras.

Enquanto a frente brasileira avançava lentamente no campo de luta italiano, os tanques russos destruíam a resistência alemã em Varsóvia, causando uma debandada de soldados recuando diretamente para Posen, de volta à Alemanha, passando por Max Rothe, que também aguardava as ordens para recuar.

Não demorou muito tempo para que a frente alemã se resumisse a apenas alguns grupos de soldados dispersos, sem comunicação e cercados pelos russos, restando apenas a rendição destes grupos.

Em 25 de Janeiro de 1945, o grupo de Max Rothe se entregou às forças russas, considerados então prisioneiros de guerra e marchando rumo ao cativeiro, com promessas de que o mesmo duraria três meses...

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As marchinhas de carnaval entoavam os assobios dos pracinhas brasileiros, fevereiro prometia ser um longo mês nos campos italianos. Moura seguia sua rotina, chegando à cidade após o almoço. Comentários circulavam entre a tropa que uma bomba havia explodido em frente à Companhia de Serviços, matando um soldado.

Com esta notícia, a preocupação se tornou sua indesejável companheira, pois vários de seus conterrâneos trabalhavam no local. Mais indesejável ainda foi reconhecer o corpo do soldado morto, seu jovem amigo Basílio Zecchin Jr., que infelizmente não teria a sorte de retornar ao Brasil. Nunca se está preparado para uma perda, mesmo com a morte tão próxima quanto nos períodos de guerra.

Três dias depois do acontecido, a Força Expedicionária Brasileira viveu um dos seus grandes momentos no conflito, a conquista de Monte Castello.

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Enquanto Max Rothe era levado para os primeiros campos de concentração russos, que seriam sua sina pelos 5 anos seguintes, os brasileiros comemoravam de forma efusiva o final da guerra na Europa no dia 08 de Maio de 1945.

Era o fim de um período de grande tensão, medo, aventura e, finalmente, glória. Iniciava um tempo de ansiedade pelo retorno à terra amada, embarque realizado apenas no dia 06 de Julho.

Todos os dias, a ansiedade pelo retorno aos braços da família acometeu o alemão Max Rothe, a maioria deles sem a esperança de recuperar sua liberdade. O trabalho forçado, as condições precárias e o tratamento desumano dispensado nos campos de concentração russos findaram a vida de vários de seus companheiros. Ele mesmo flertou com a morte por muitas vezes, pensando ser ela a única forma de respirar a liberdade que tanto almejava.

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Moura e os outros pracinhas bragantinos chegaram em Bragança Paulista no dia 10 de Agosto, finalmente sendo abraçados por familiares e amigos. Além do sentimento de dever cumprido, certo alívio de retornarem vivos do terrível período de guerra, experiências que os marcariam para sempre. Uma grande festa marcou o retorno dos heróis bragantinos, enchendo-os de orgulho.

No entanto, o tempo passou e a indiferença passou a ser o tratamento dispensado àqueles homens, muitas vezes taxados de mentirosos e até humilhados. Aliás, indiferença que o prisioneiro de guerra Max Rothe conhecia muito bem nos campos de concentração russos, sendo apenas um número no local, um refém dos longos e tristes dias frios sem liberdade.

Enquanto os bragantinos puderam voltar à dura rotina de antes, Max Rothe viveria mais 4 anos de privações, trabalhos forçados e de luta pela própria vida. O dia tão esperado chegou apenas no ano de 1949, recebendo a notícia do repatriamento em 21 de Julho.

Após longa viagem, chegou à Alemanha Ocidental no dia 31 de Julho, podendo finalmente matar a vontade de coisas tão comuns, como um bom prato de comida e uma caneca de chopp.

Apesar dos longos anos prisioneiro, ainda tinha uma família a abraçar e uma mulher que o aceitava novamente, mesma sorte não tiveram muitos de seus companheiros. No entanto, o tão esperado encontro só aconteceu 10 meses depois em terras brasileiras...

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Visto a situação crítica da Alemanha no período pós-guerra, seu sogro havia pago as passagens para sua família retornar à cidade mineira de Teófilo Otoni. Após regularizar sua documentação e recuperar o “status” de cidadão, Max Rothe também pode viajar para fora do país.

Verdade que não aguentava a vontade de encontrar sua família e finalmente conhecer sua filha mais nova, queria muito “chegar em casa”. Assim, deixo para o próprio Max Rothe as últimas palavras deste texto...

“A pé, fui caminhando devagar no último trecho do caminho, fortemente emocionado, naqueles poucos minutos finais. Eu seguia ao longo da terra que pertencera aos meus pais, o que me despertava muitas recordações.

Finalmente avistei a casa de meu sogro, bastante encoberta por laranjeiras. Na pequena escada de acesso à casa, vi sentada, minha segunda filha, agora com dez anos, que tinha quatro quando a deixei. Ela olhou o caminho por acaso, e, vendo-me, pensou que só podia ser eu mesmo, e entrou correndo para dentro da casa, gritando: ‘Mamãe, papai está chegando!’ E logo voltou para me saudar, já na escada.

Quando entrei, abracei e beijei minha mulher, vi uma menina de cinco anos, um pouco afastada, que não tinha ideia do significado da palavra ‘pai’ e aguardava os acontecimentos.

Quando minha mulher lhe perguntou: ‘Então, como te parece teu pai, queres ficar com ele?’ Achegou-se ela acanhada, e dizendo ‘sim’, colocou seus bracinhos em volta de meu pescoço. Agora sim, eu estava em casa.”

Capa do livro escrito por Max Rothe, publicado em alemão e português

(Fonte: Site http://memoriasdeguerra.com).

Cartão de Imigração de Max Rothe (Fonte: Arquivo Nacional, Rio de Janeiro – Site: https://familysearch.org/ark:/61903/1:1:KXQF-Z7T).

Tropa na região de Francolise. Da esquerda para direita em pé: Vair Duarte, Normando Bonventi, Vicente Bernardi, Ricieri Piniani, Augusto Faustino, Raul Rosa, Caixa e Sylvio Ballestreri. Agachados: Zé Macedo, Antonio La Salvia, Moura e João Duran (Fonte: Faria, 2009).

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Marcio José Celestino Faria. A Casa das Laranjas: crônica dos bragantinos na FEB. 1ª Ed. São Paulo: Edição do Autor, 2009. 263p.

Max Rothe. Memórias de um prisioneiro de guerra. Teófilo Otoni: Edição do Autor, 1979. 159p.