Alguns nascem com sorte, outros simplesmente aceitam seu destino de luta pela própria vida. Na guerra, qualquer lembrança é algo para se agarrar, buscando sobreviver em meio à loucura de ordens e batalhas.
Era alta madrugada e o jovem soldado recebia as primeiras instruções do comando, posicionando-se estrategicamente em Abetaia, no sopé da encosta do intransponível Monte Castello.
Terceira tentativa de vencer o desconhecido, dominado por tedescos de todo lado com sua pesada artilharia, que tiraram a vida de tantos expedicionários brasileiros.
Escondido pelos escombros e ruínas do local, entre rajadas de tiros e explosões memorava as belezas naturais e a paz da Serra da Mantiqueira, terras de Joanópolis e Bragança Paulista que ficaram para trás. Só o restava a guerra e a tristeza da destruição total.
Observava o caminho a tomar durante o avanço frontal, num silêncio que ecoava por todo local. Procurava não pensar no medo, pois ao topar com os alemães sentiria com toda intensidade esta e outras sensações.
De repente, escutou um temeroso som e uma explosão a poucos metros de distância, daí em diante um profundo sono e muitos pesadelos o acompanharam pelas horas seguintes.
No hospital ficou sabendo da conquista brasileira do cume do terrível monte, ao custo de muitas vidas. Para ele a guerra havia acabado, mas as consequências físicas e psicológicas seriam eternas.
Por semanas, concussões, dores de cabeça e um terrível chiado no ouvido foram claros sinais que ainda perpetuam sua memória. Quantos companheiros não tiveram a mesma sorte e morreram no campo de batalha?
Sorte ou acaso, ele estava vivo, mas seu coração não era mais o mesmo. Tanta coisa havia visto e protagonizado, que pesadelos seriam constantes em suas noites, muitas delas mal dormidas.
Por vezes, caminhando só pelas ruas sentiu a presença de seus velhos companheiros, muitos deles enterrados em solo italiano. Em cada esquina diminuía o passo, imaginando uma patrulha inimiga e a morte, que tantas vezes esteve próxima.
A simplicidade do amanhecer e a beleza de uma calma noite estrelada são a maior herança que Genor Brajon soube cultivar e valorizar em sua vida, agradecendo ao bom Deus a oportunidade de continuar vivo.
Das lições que a guerra trouxe é que o maior bem da humanidade é a paz e que num conflito não se é dono nem da própria vida, nem de seu próprio destino...
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Marcio José Celestino Faria. A Casa das Laranjas: crônica dos bragantinos na FEB. 1ª Ed. São Paulo: Edição do Autor, 2009. 263p.
GENOR BRAJON: Nasceu em Joanópolis no dia 16/08/1922, em 1930 sua família mudou-se para Bragança Paulista. Trabalhava com o pai, puxando lenha no bairro da Vargem Grande, na Mãe dos Homens, e residia no Lavapés quando da convocação. Embarcou com o 2º Escalão, incorporado ao 1º Regimento de Infantaria, o Regimento Sampaio. Participou de duas subidas ao Monte Castello, tendo sido ferido na segunda.