Como mágica, o visual havia mudado por inteiro. O mato estava mais verde, os passarinhos assobiavam de alegria e o ar soprava fresco. A chuva havia voltado, depois de tempos a seco.
No cair dos pingos e filetes de água, eu apenas observava atônito, pasmo como um simples fenômeno natural podia ser tão belo e alterar o humor de tanta gente. As horas passavam e permaneci ali, todo tempo, olhando alegre e imobilizado a paisagem pela porta.
Mais que o sol, àquelas águas iluminavam minha mente, buscando o frescor dos pensamentos. O vento frio, de sul, levou a braveza embora, sobrou uma calmaria na alma, dava até pra ouvir os ponteiros do relógio.
A terra pesada, depois de muito tempo seca, experimentava muita água, poças d’água e banhos de bem-te-vis. Sapos e pererecas subiram o morro, saindo da mata e festejando as águas de verão, numa orquestra sem igual. Meus olhos e ouvidos vibravam com aquilo, harmonia perfeita da mãe natureza.
Não tinha um pedaço de terra, por isso considerava o mundo meu quintal, espaços a serem explorados com a botina e o chapéu. Acho que àquele dia marcou o fim da longa invernada, mas não podia afirmar... O tempo andava louco e a seca ainda não tinha nos deixado. Pelo menos por um momento, trovoadas faziam o som do sertão, junto a corredeiras de água correndo dos telhados.
Saí pra rua protegido pelo guarda-chuva, com água no meio-fio e esquivando das ondas lançadas por carros em alta velocidade: Uai! Calma minha gente!
À frente, o pé de acerola todo florido saudava o pedestre. Na esquina da saudade, lugar de muitas despedidas, o mandacaru abria sua bela flor branca, cactácea arteira. No chão, tradescantias-roxas e amarílis alimentavam abelhas com o doce néctar, perfumando as esburacadas calçadas. Do outro lado, magnólias e alfeneiros em fruto serviam bichos de asas em revoadas. Nos postes e fios fofocavam maritacas bagunceiras.
Vamos passear, andar e ressurgir no horizonte de pedras, diferente do restante de sua gente, despretensiosos com o tempo e sem pressa, caminhando lentamente, com olhos que tudo vê. Vamos andar...
Felicidade é estar vivo, andando lado a lado, sem dor nem cansaço. Nas estradas de terra, a poeira é como ouro em pó. No asfalto, chuva é como a cifra do violão, um tom a cada esquina... Obrigado São Pedro!
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Meu amor, meu amor, meu amor. A eletricidade desta cidade me dá vontade de gritar que apaixonado eu sou.
Nesse cimento, meu pensamento e meu sentimento só tem o momento de fugir no disco voador. Meu amor, meu amor, meu amor!
BELCHIOR. Passeio (Música).