AMAZÔNIA: PERDAS E DANOS


PERDAS E DANOS NA AMAZÔNIA

A HISTÓRIA DA AMAZÔNIA

TEM SIDO UMA TRAJETÓRIA DE PERDAS E DANOS


Introdução

A história da região amazônica, desde a chegada dos primeiros europeus até os dias atuais, tem sido uma trajetória de perdas e danos. A Amazônia é vitima daquilo que ela tem de mais especial: sua magia, sua sócio biodiversidade, sua exuberância e sua riqueza.Podemos dizer sem medo de erro: a Amazônia foi sempre mais rentável e útil economicamente à Metrópole, no passado, e hoje à Federação e, sobretudo, ao capital internacional, do que para os seus próprios habitantes, pois os povos originários e as comunidades tradicionais mantinham e mantém uma forma de convívio integrado com a biodiversidade amazônica.


A Amazônia foi, no passado, “um lugar com um bom estoque de índios” para servirem de escravos, no dizer dos cronistas da época; uma fonte de lucros no período das “drogas do sertão”, enriquecendo a Metrópole; maior produtora e exportadora de borracha, tornando-se uma das regiões mais rentáveis do mundo e continua sendo o mesmo celeiro que armazena riquezas para serem levadas para fora, a ideologia do passado que via nesta grande região “uma terra sem homens, para homens sem terra”, serve para impor o modelo capitalista neo-liberal e a invisibilidade de povos e culturas que conviveram em harmonia com o meio ambiente, “a terra é vida, sem ela não podemos existir” (CizinoKaritiana).


Desde o primeiro colonizador a pisar este território, a ideologia dominante era que os povos que aqui viviam eram bárbaros e selvagens, que não possuíam cultura e que não tinham alma. Ao contrário de tudo o que conheciam como parte do mundo, esta era uma região habitada por inúmeros povos e culturas.


As crônicas dos séculos passados relatam a surpresa do colonizador, em encontrar-se com um mundo habitado, porém não consegue compreender a diversidade que aí existia e muito menos estabelecer uma relação de igual, por isso, o primeiro europeu a pisar as terras amazônicas, o espanhol Vicente Pinzon (janeiro de 1500) percorreu a foz do Amazonas, conheceu a ilha de Marajó e “surpreendeu-se em ver que se tratava de uma das regiões mais intensamente povoadas do mundo então conhecido. Apesar de bem acolhido, a sua viagem marca o primeiro choque cultural e o primeiro ato de violência contra os povos da Amazônia, o mesmo aprisiona índios e os leva consigo para vender como escravos na Europa”.


Desde a chegada, os colonizadores não se conformaram em ver essa terra, que lhes parecia o paraíso terrestre, ocupada por povos que julgavam bárbaros, primitivos, rudes, preguiçosos e possivelmente desprovidos de alma. Esta visão equivocada em relação aos povos que aqui habitavam, gerou uma série de preconceitos que perdura até os dias atuais em relação aos povos amazônidas. Orellana (1549) instaura o momento fundador dos primeiros mitos, como o das Amazonas – índias guerreiras, bravas habitantes de uma aldeia sem homens. Com sua viagem, inaugura o ciclo dos mitos sobre a Amazônia, construídos pelo olhar e a alma do estrangeiro, fundada no imaginário do homem de fora da região.


Ao longo da história até os dias atuais, a história da Amazônia tem sido o penoso registro de um enorme esforço para modificar a realidade original. Trata-se de uma tentativa de domesticar e mercantilizar o homem e a natureza da região, moldando-os à visão, à expectativa de exploração do homem de fora (estrangeiros, no passado, brasileiros e estrangeiros, no presente), ocasionando o ecocídio da natureza, glotocídio de muitas línguas e o genocídio de inúmeros povos, através de uma visão hegemônica e colonizadora. Uma realidade bem menos conhecida e debatida no mundo é a grande e complexa sóciodiversidade amazônica. Os povos, que nela foram se multiplicando aos milhares, constituíram complexas redes linguísticas, intrincadas redes sociais e harmoniosos sistemas econômicos de trocas e fartura.


No século XX, outros mitos juntaram-se àqueles dos primeiros séculos. A Amazônia foi considerada como a terra da superabundância e o celeiro do mundo. “Uma floresta tão exuberante devia estar sustentada por um solo igualmente fértil”. Assim, a Amazônia poderia ser no futuro, o celeiro do mundo, um “lugar bíblico” ao qual, em período de escassez, todos poderiam recorrer.


A "Amazônia", neste início de milênio, é uma das palavras mais bem ou mal ditas no planeta Terra. Sobre ela pesam afirmações como "pulmão do mundo", "floresta tropical de maior biodiversidade do planeta", "região que tem o maior rio da Terra", "inferno verde", "na Amazônia está quase um terço da água doce do mundo" etc. São razões suficientes para que se voltem, para essa região, olhares, radares, cobiças e preocupações de povos, países, organizações mundiais, empresas e cientistas. A Amazônia é tema indispensável desde os espaços mais nacionalistas até os pesquisadores mais preocupados com o futuro do nosso planeta. Diz-se até que o futuro terá que passar necessariamente pela Amazônia. Porém, este grande bioma está ameaçado de morte pelos inúmeros projetos e empreendimentos que exploram irracionalmente os recursos naturais e os povos que nela habitam.

A exploração irracional X o Bem Viver


Desde o início de sua colonização a Amazônia é explorada pela ação de grupos inescrupulosos, que visam o lucro e o aumento do capital, contrariando a lógica do Bem Viver dos povos originários e de populações tradicionais, que mantem uma relação de respeito e de interdependência com o cosmos.


Recentemente, ela tem sido ainda mais explorada como:


Fonte de riquezas minerais: ouro, prata, diamante, cassiterita e outros (Serra Pelada, Terra Yanomami, Cinta Larga, etc) para pagar a dívida externa;


Produtora de ferro e outros minérios, ajudando o Brasil a manter sua balança comercial, embora pouco se beneficie com as exportações;


Geradora de energia elétrica, exportada para outras regiões do Brasil e para grandes projetos que a consomem a preços subsidiados, enquanto os moradores da região pagam pela mesma energia um preço mais elevado;


Última fronteira econômica, pois o Brasil não dispõe mais de terras não trabalhadas. Com isso, nas últimas décadas, o incentivo econômico governamental, como uma promissora fronteira econômica, atraiu milhões de brasileiros em busca de um destino melhor.

Em consequência, a região tornou-se um espaço de disputa territorial, onde se registram graves conflitos no campo, ocasionando o êxodo forçado de muitos camponeses para a cidade, engrossando a miséria urbana, além do desperdício de recursos naturais. Com isso, não conseguimos, infelizmente, reverter o curso da história: a Amazônia tem gerado sempre mais recursos para fora do que tem recebido como retorno; tem sido permanentemente, um lugar de exploração, abuso e extração de riquezas em favor de outras regiões e povos. Mesmo nas últimas quatro décadas, quando grandes investimentos foram feitos em infraestrutura, estes visaram possibilitar a exploração de riquezas em favor da Federação.


O avanço capitalista sobre a Amazônia é como uma fera, quase indomável. Motosserras e tratores fazem parte de programas oficiais de devastação. As grandes serrarias, que já exauriram o potencial madeireiro em outras regiões do mundo, agora seguem resolutas em direção à Amazônia, vestidas em peles de cordeiro, com o discurso da "exploração/devastação sustentável", ostentando diplomas de "certificação verde" e com projetos de "auto sustentabilidade" na Amazônia. Quem vivenciou a devastação em décadas passadas tem razões de sobra para prever novas catástrofes ambientais, atingindo particularmente os territórios indígenas, reservas extrativistas e áreas de conservação ambiental. As mineradoras e companhias de petróleo estão afiando suas unhas para cavar cada vez mais fundo e mais rápido, para acumular ao máximo seu capital globalizado. No Brasil fazem pressão sobre o Congresso Nacional para que seja regulamentada a exploração mineral em terras indígenas. Há pedidos de pesquisa e exploração mineral sobre terras indígenas de toda a Amazônia.


Ao mesmo tempo em que a Amazônia é palco de exploração, é também palco de inúmeras lutas de resistência e afirmação, como aquela pela defesa dos lagos contra os peixeiros predadores; do extrativista que, na reserva, gesta um novo pensamento coletivo de viver em meio à abundante natureza; dos cientistas que, pacientemente, aprofundam conhecimentos sobre a realidade amazônica e os devolvem à população. E há a teimosia diária dos povos indígenas em continuarem, dinamicamente, a viver do seu jeito, apontando o Bem Viver, como uma possibilidade de continuidade da vida no planeta.


Equívocos sobre a natureza da Amazônia


No entanto, o raciocínio lógico acima exposto não corresponde à realidade. A natureza amazônica não é resistente, superabundante, auto recuperável e inesgotável. Trata-se de um complexo macro sistema homogêneo de floresta, rios e igarapés em toda a sua extensão. Sua maior riqueza, justamente a sua biodiversidade, tem sido ignorada, questionada e combatida sistemática e implacavelmente pelas políticas públicas.


De fato, coloca-se um falso dilema entre desenvolvimento e conservação ambiental, já que o conceito de desenvolvimento reduz-se ao modelo econômico capitalista energicamente denunciado pelo papa Paulo VI com a carta encíclica Populorum Progressio(1967).


Nessa linha, atividades econômicas tão diversas como a pecuária, a exploração madeireira, a mineração, a garimpagem e outras vêm sendo desenvolvidas indiferentemente sobre áreas de florestas densas, nascentes e margens de rios, regiões de manguezais, nas planícies em encostas, em solos frágeis ou nos raros solos bem estruturados. Tudo isso com enorme e injustificável desperdício de recursos naturais, sem mencionar o desaparecimento de culturas milenares que durante séculos conviveram de forma harmoniosa e respeitosa com o meio ambiente amazônico.


Preconceitos quanto à cultura da região amazônica


A lógica mercantilista dos colonizadores propaga a ideologia e o preconceito de que os povos originários e a comunidades tradicionais são empecilhos para o desenvolvimento da região. Vamos destacar dois preconceitos presentes nos planos e nas políticas públicas federais para a região.


Indígenas e caboclos (ribeirinhos) vivem em terras excessivamente vastas e as ocupam em atividades pouco rentáveis para o Estado e de forma incompatível com a economia e a sociedade moderna;


Indígenas, quilombolas e caboclos são considerados portadores de uma cultura pobre, primitiva, tribal e, portanto, inferior.


A guerra contra os povos indígenas no Brasil continua abertamente, cadenciada pelo próprio Estado, que tem por obrigação constitucional proteger os povos indígenas e outras populações tradicionais. Desgraçadamente, conjugam suas forças com grupos econômicos, os que se fazem donos do Brasil, ou seja, a força do agronegócio, do grande capital internacional. Sem deixar de mencionar que o Estado entra com o seu triplo braço, “legitimamente constituído”, a saber: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, contrariando o bem estar e os direitos garantidos constitucionalmente.


Os massacres contra os povos indígenas do século passado voltariam a se repetir, nas décadas de 1960 e 1970, com as políticas de desenvolvimento e integração da Amazônia que começaram a rasgar a floresta com a abertura de estradas como a Transamazônica, a Belém-Brasília, a BR 364, a BR 174 e a Perimetral Norte. Povos como os Waimiri-Atroari, Yanomami, Arara, Parakanã, Cinta Larga e Nambikwara, entre muitos outros, foram duramente atingidos, inclusive por expedições de extermínio com participação do poder público. Recentemente com o avanço das fronteiras agrícolas sobre as terras indígenas e especificamente do agro negocio no Mato Grosso do Sul, gerando uma situação de violência sistêmica contra o povo Guarani Kaiowá, até os ataques paramilitares que provocam o genocídio do povo, conforme declarou a relatora da ONU, Vitoria Tauli, “está em curso o genocídio dos povos indígenas”.


As terras que os povos indígenas ocupam no Brasil não são sua propriedade, não só porque os territórios indígenas oficialmente são ‘terras da União’. Na cosmovisão indígena são eles que pertencem a terra e não o contrário, porque a terra é mãe, é vida. Não é possível na compreensão indígena a terra ser possuída, ela é parte intrínseca da pessoa. Pertencer à terra, em lugar de ser proprietário dela, é o que define o indígena. No entanto, à primeira vista, isso parece incompreensível aos nossos olhos.


Os indígenas não se reconhecem no Estado, não se sentem representados por um Estado dominado por uma casta de poderosos. Realmente, não podem reconhecer um Estado que os perseguiu durante cinco séculos, seja pelas “guerras justas” do tempo da Colônia, pelas leis do Império, pelas administrações indigenistas republicanas que os exploraram e maltrataram. O Estado Brasileiro sempre apoiou indiretamente as tentativas de ‘desindianizar’ o território, varrer a terra de seus ocupantes originários para implantar um modelo de civilização que não serviu a ninguém, senão aos poderosos.


“O Estado brasileiro e seus ideólogos sempre apostaram que os índios iriam desaparecer, e quanto mais rapidamente melhor; fizeram o possível e o impossível, o inominável e o abominável para tanto. Não que fosse preciso sempre exterminá-los fisicamente para isso – como sabemos, porém, o recurso ao genocídio continua amplamente em vigor no Brasil – mas era sim preciso de qualquer jeito desindianizá-los, transformá-los em ‘trabalhadores nacionais’. Cristianizá-los, ‘vesti-los’, proibir-lhes as línguas que falam ou falavam, os costumes que os definiam para sim mesmos, submetê-los a um regime de trabalho, polícia e administração. Mas, acima de tudo cortar a relação deles com a terra“ (Viveiros 2016).


O estado brasileiro sempre apostou que os indígenas desapareceriam do território nacional, pois o projeto governamental de “integrar os índios na comunhão nacional”, sempre foi uma forma de usurpar seus territórios ancestrais, para fins econômicos. Mas a Constituição Federal de 1988, no artigo 231 “reconhece aos índios sua organização social, tradições, crenças e línguas...”, marcando uma nova perspectiva para os povos indígenas. Muitos povos indígenas considerados extintos, reivindicam ao estado brasileiro o direito ao reconhecimento étnico e ao território tradicional.


Amazônia: Disputada e Cobiçada

Com uma extensão superior a 7 milhões de km², a Amazônia é a maior floresta tropical do planeta, concentra 1/3 da sua biodiversidade e estende-se por nove países sul-americanos. Mais de 5 milhões de km², 64% desta floresta, encontram-se no território brasileiro. De cada três espécies conhecidas, uma está na Amazônia. Esta região também concentra 20% de toda a água doce do planeta (não congelada) e é uma das maiores províncias minerais do mundo. Por toda essa riqueza natural, a Amazônia é uma região estratégica, bastante cobiçada e disputada. No entanto, hoje, 25% da Pan-Amazônia já foi desmatada.


Em relação à sua sociodiversidade, a Pan-Amazônia abriga cerca de 400 povos indígenas. Esses somam uma população de 3 milhões de pessoas, falantes de mais de 250 línguas diferentes, pertencentes a 50 famílias linguísticas principais. Além desses povos contatados, há referência de mais de 140 povos isolados, que não têm contato com a sociedade envolvente. Somente no Brasil a Funai já tem, documentada, a existência de 105 povos isolados. Infelizmente, estes povos isolados continuam fugindo dos grandes projetos e das frentes colonizadoras, e que estão seriamente ameaçados de extinção, principalmente no estado de Rondônia e no sul do Amazonas.


Os povos indígenas, com suas cosmovisões holísticas e culturas de reciprocidade, têm sido, há milênios, os guardiões da floresta, o Bem Viver (SumakKawsay) é um projeto de vida pautado na reciprocidade, complementariedade e no profundo respeito à mãe terra. Apesar de não serem reconhecidas e valorizadas nesse sentido, as imagens de satélite comprovam que as áreas mais preservadas na Amazônia são as terras indígenas.


Contudo, os povos indígenas não são levados em consideração quando se trata da disputa pelo controle dos bens naturais da Amazônia. Embora sejam eles que mantêm a região amazônica como um verdadeiro “órgão vital” do planeta e sejam fontes fundamentais de sabedoria milenar, de cuidado, de justiça socioambiental para com a humanidade, a Terra e o cosmos.


O Grito dos Povos Indígenas


Apesar da exploração da Amazônia, da perseguição implacável, da escravidão, das guerras, das doenças criminosamente introduzidas e da imposição de um sistema que se orienta por parâmetros completamente diversos dos praticados pelos povos indígenas, eles não foram vencidos.


Marcando a resistência e a luta pela defesa da vida e dos direitos, no ano 2000, durante a Marcha e Conferência Indígena 2000, os indígenas da Amazônia chamavam a atenção da sociedade para esse fato: "Reduzidos sim, vencidos nunca". A resistência indígena assumiu diversas formas e estratégias, que iam desde o confronto direto ou da guerra aberta até uma aceitação tácita da dominação, quando o contexto assim o exigia, as alianças interétnicas e com os setores marginalizados da sociedade brasileira, a exemplo da Cabanagem no século XIX, foram e são construídas para combater o poder opressor.


Atualmente estão em curso na Amazônia, inúmeros projetos e empreendimentos, que comprometem a biodiversidade e a sobrevivência das futuras gerações, em consequência da escassez de recursos vital a manutenção da vida na terra. “Já cortaram o Rio Madeira, também o Rio Xingu, e agora querem cortar o nosso Rio Tapajós”, denunciaram os indígenas Munduruku do Médio Tapajós durante a assembleia na Aldeia Watupu, em setembro de 2015.


Prevê-se a construção de 43 grandes barragens com potência superior a 30 MW na bacia do Tapajós, sendo dez delas consideradas prioritárias pelo Ministério de Minas e Energia, com conclusão prevista para até 2222. Entre outros impactos, várias represas inundarão terras indígenas e unidades de conservação ambiental. É preciso denunciar também que este ‘monstro hidrelétrico’ destruirá o habitat de vários povos indígenas isolados espalhados ao longo da bacia hidrográfica, empurrando-os para o extermínio.


O cacique Juarez Munduruku, da aldeia SawréMuybu, está ameaçado de morte por defender sua terra. Na referida assembleia, ele denunciou que o governo não quer reconhecer e demarcar sua terra ancestral “DajeKapapEipi” para impor a construção das hidrelétricas. Com voz firme gritam “Nós não estamos pedindo esta terra ao governo... A terra é nossa! Foi Karosakaybuque deixou esta terra para nós, para que nós cuidemos dela e ela cuide e alimente nosso povo. Não deu a terra para que o governo a destrua com os grandes projetos e hidrelétricas, hidrovias e estradas, agronegócio e mineração, madeireiras e fazendas... Nós só exigimos que o governo assuma e reconheça o que é nosso, que esta terra é nossa”.


Os povos indígenas resistem com todas as forças à implantação dos gigantescos e impactantes projetos de infraestrutura, que atingem e ameaçam seus modos de vida ancestrais e até mesmo suas sobrevivências. Os severos impactos ao meio ambiente, aos povos e às suas comunidades tradicionais, a toda a humanidade, causados por um modelo que prioriza os interesses econômicos, ferem mortalmente a Mãe Terra, todos os seus filhos e todas as formas de vida.


Davi KopenawaYanomami afirma sabiamente: “Nós não somos contra o desenvolvimento: nós somos contra apenas o desenvolvimento que vocês, brancos, querem empurrar para cima de nós. Nós temos outras riquezas deixadas pelos nossos antigos que vocês, brancos, não conseguem enxergar: a terra que nos dá vida, a água limpa que tomamos, nossas crianças satisfeitas”.


Sabiamente Davi Kopenawa conclama a todas as pessoas a observar: “Na floresta, a ecologia somos nós, os humanos. Mas também, tanto quanto nós, os xapiri, os animais, as árvores, os rios, os peixes, o céu, a chuva, o vento e o sol! É tudo o que veio à existência na floresta, longe dos brancos; tudo o que ainda não tem cerca... alguns brancos estão começando a entender porque nós lutamos para manter viva a floresta e nunca a devastamos”.


Os povos indígenas têm o direito de serem consultados e definirem livremente o caminho que querem seguir. O Estado, por sua vez, têm o dever legal e moral de consultar os povos indígenas sobre quaisquer empreendimentos ou iniciativas legislativas que os afetem, e, em decorrência, respeitar as suas decisões, conforme preconiza convenção 169 da OIT, que garante o direito a consulta prévia, livre e informada.


Em defesa da Mãe terra...


Várias são as iniciativas da Igreja em defender a vida em suas múltiplas formas e, sobretudo o direito dos pobres, que neste sistema capitalista são considerados empecilhos para o desenvolvimento.


Ainda em 1952 a Igreja no Brasil, já mantinha esta preocupação com relação aos problemas na Amazônia e sua ação evangelizadora. O primeiro encontro dos bispos, revelou a necessidade que os Bispos da Amazônia sentiam de organizarem-se e expressarem a responsabilidade além dos limites das próprias Prelazias e Dioceses. Deram-se conta de que, separados uns dos outros, não teriam condições de acompanhar os novos tempos. Como conhecedores da região, os Bispos sentiram-se chamados a acompanhar e avaliar os projetos do governo, especialmente o plano da integração e valorização da Amazônia, que levaria à criação da Superintendência para o Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) e ampliaria a área da sua execução para a chamada Amazônia Legal.


Em 1972 foi lançado o “Documento de Santarém”, considerado o mais importante documento da Amazônia. Em 1972 se acentuaram os problemas na Amazônia envolvendo a questão indígena, conflitos sociais, entre outros assuntos e a resposta da igreja aos desafios presente na Amazônia. Durante o encontro, foram definidas ações internas de evangelização da Igreja na Amazônia, como: a formação pastoral para os leigos, a atenção aos povos indígenas, além de acompanhamento das questões sociais: conflitos de terra, estradas, entre outros. A partir das orientações do Concílio Vaticano II, da Conferência do Episcopado Latino-Americano, em Medellin (1968), e os anseios das bases, a Igreja da Amazônia escolheu duas diretrizes básicas: a encarnação na realidade, pelo conhecimento e pela convivência com o povo, na simplicidade, e a evangelização libertadora. Quarenta anos depois do Documento de Santarém, em 2012, os bispos reunidos reafirmam sua opção pelos pobres e compromisso evangelizador em defesa da vida em suas múltiplas expressões na Amazônia, sobretudo o cuidado com a causa comum e os povos que nela vivem.


Desde a década de 1970 é grande a luta e a resistência indígena. Os povos indígenas, apoiados pela Igreja, por meio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), começaram a encontrar-se e a discutir seus problemas em grandes assembleias indígenas. Ocupando espaços nos meios de comunicação, denunciaram o projeto oficial de extermínio de uma Ditadura Militar que propunha o fim dos índios até o ano de 1998. Os povos indígenas conseguiram que a Constituição Federal de 1988 assegurasse seus direitos históricos a terra e o reconhecimento de suas organizações sociais. Constituíram variadas formas de articulação e organização para fazer avançar concretamente as conquistas legais. Tudo isso para defender a integridade física e cultural das gerações presentes e futuras.


Em decorrência da ação profética da Igreja junto aos povos indígenas, o Cimi vem sendo criminalizado através da Comissão Parlamentar de Inquérito. A CPI do Cimi, instalada e posta em prática pela Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, como instrumentos de ataque usado contra a ação missionária da Igreja Católica junto aos povos indígenas. O Cimi tem a missão de animar e articular a pastoral da Igreja Católica junto aos povos indígenas. A estratégia da criminalização do Cimi também é implementada por meio da CPI da FUNAI/INCRA. Recentemente a bancada ruralista aprovou requerimento determinando a instauração de mais um inquérito policial, agora para investigar a atuação de nossos missionários junto a comunidades indígenas no estado do Rio Grande do Sul. O Cimi é acusado pelos mesmos deputados flagrados em discursos de explícita incitação ao ódio e à violência contra os povos naquele estado. As perseguições, as ameaças, os ataques que o Cimi sofre cotidianamente mostram que estamos trilhando o caminho certo, pois o próprio Senhor Jesus chamou de bem-aventurados “os que são perseguidos por causa da justiça” prometendo-lhes o “Reino dos Céus”.


Na década de 70 (1975), nasce a Comissão Pastoral da Terra (CPT), durante o Encontro de Bispos e Prelados da Amazônia, convocado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Fundada em plena ditadura militar, como resposta à grave situação vivida pelos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia, explorados em seu trabalho, submetidos a condições análogas ao trabalho escravo e expulsos das terras que ocupavam.


Com os inúmeros problemas na Pan Amazônia e a situação de vulnerabilidade nas fronteiras entre os países, facilitando o trafico humano (crianças e mulheres) e de órgãos, a partir de 2006, a Igreja e a Vida Religiosa assumem a defesa da vida, com a criação e articulação da rede “Um Grito pela Vida”, que agrupa a Vida Religiosa Consagrada, as organizações eclesiais e civis, fomentando, promovendo e/ou participando de atividades e processos de prevenção e assistência e intervenção política no combate ao crime organizado, bem como, possibilitar a sociedade os meios para coibir o crescimento da inserção de vítimas neste mercado do crime.


A Rede Eclesial Panamazônica (REPAM), é um mecanismo de ação da Igreja, que nasceu com a missão de ser uma “plataforma de intercâmbio e enriquecimento mútuo e uma confluência de esforços das Igrejas Locais, Congregações Religiosas e movimentos eclesiais, com voz profética e a serviço da vida e do bem comum”, a fim de “potenciar de maneira articulada, a ação que realiza a Igreja no território Panamazônico, atualizando e concretizando opções apostólicas conjuntas, integrais e multiescalares, no quadro da doutrina e das orientações da Igreja”.


O Papa Francisco, na Encíclica “Laudato Si”, sobre o Cuidado da Casa Comum, faz questionamentos profundos para todos nós, para a humanidade, e convida-nos a ter coragem. “O que está acontecendo na nossa casa”?“Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?”E ainda:“Com que finalidade passamos por este mundo? Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade tem de nós esta terra?”


O Papa insiste e menciona a relação intima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de poder que deriva da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura do descarte e a proposta de um novo estilo de vida.


Considerações Finais


Os povos indígenas vêm questionando há 500 anos toda a depredação e violência contra a Mãe Terra, imposta pelo Ocidente com seu modelo econômico e desenvolvimento severamente destruidor.


Na luta pelo Cuidado da Casa Comum, todos os povos filhos da Mãe Terra são chamados a somar. Os povos indígenas são mestres e sábios nesta reciprocidade e solidariedade cuidadosa com a Casa Comum, Mãe Terra, e com todos os seres que nela habitam. Os povos indígenas são sementes de solução e fontes de esperança para a humanidade e o planeta.


A decisão é nossa: acolher os gritos da criação e de seus filhos e filhas ou destruirmos a Casa Comum em nome do lucro e do bem estar de alguns poucos.


“Todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo. O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo”.

Dom Roque Paloschi

Presidente do Conselho Indigenista Missionário