05ª PARTE -

CAPÍTULO 3 DA 3ª PARTE:- PERMANENTES NA ORAÇÃO (El Abiodh Sidi-Cheikh, 16/02/1948)

“Chamados pelo Cristo, escolhemos levar como o Irmão Carlos uma vida total e continuamente presente ao mesmo tempo a Deus, numa oração de adoração e de reparação para o mundo, e aos homens, numa pobreza e numa caridade verdadeiras. A plena realização desse ideal é difícil, não devemos duvidar disso, exigirá de vocês um esforço de fé e de desapego de si mesmos, constantemente renovado e prosseguido sem descanso até à morte.” Espírito de imolação, para sermos com Ele “resgate da multidão”. É a razão de ser do estado de vida escolhido por nós. Vamos falar agora o modo de realizá-lo.

Todas as pessoas estão presentes à realidade em que vivem . “O cristão, particularmente o contemplativo, deve, além disso, estar presente à realidade invisível. O homem de oração deve estar presente nas duas realidades, tanto na visível como na invisível; nesta última, de modo mais intenso, por ser mais real. O cartuxo e o Carmelita separam-se do mundo visível para atingirem melhor o invisível. “Nossa vocação consiste em estarmos simultaneamente presentes tanto num como no outro”. O visível não deve perturbar nossa visão do mundo invisível. É essa dualidade de vida que atormenta o homem de fé, e o torna como que um estrangeiro no meio dos irmãos; tão perto e tão longe deles. Sentimento de solidão, de impossibilidade de lhes comunicar essa visão diferente que temos.

Por melhor que vocês façam, não poderão ser completamente um deles. “O Cristo foi assim no meio das pessoas: ao mesmo tempo inteiramente presente e misteriosamente ausente, num sentimento de solidão infinitamente mais doloroso e profundo do que aquele que vocês poderiam experimentar”. Maria sentiu esse choque na perda de Jesus no templo.”

“No dia em que não formos mais, de certo modo, um ponto de interrogação para as pessoas, podemos dizer a nós mesmos que cessamos de levar entre eles a presença do Grande Invisível. Não seremos mais para eles as testemunhas da vida e da luz”.

É preciso realizar em vocês essa total presença ao mundo invisível. É obra da fé que se apóia na oração. “Um irmãozinho deve ser permanente na oração”

O permanente na oração é uma pessoa disponível para uma tarefa especializada, à qual consagra uma parte de seu tempo em vista do bem comum de todos e estar também num estado interior constante de disponibilidade para a oração.

Deve também assegurar uma permanência, uma continuidade, na presença diante de Deus e ao

Cristo de maneira permanente, estável.

Ele se torna um delegado de seus colegas, amigos e camaradas. Deve conservar o espírito de serviço, “para executar perfeitamente o mandato que lhe foi confiado.” É, literalmente, um delegado de oração de seus irmãos, e deve manter em si o sentimento muito vivo dessa delegação.

Vamos falar dessas três qualidades de um permanente na oração: Disponibilidade, Continuidade, Delegação.

DISPONÍVEIS PARA A ORAÇÃO

Para ser disponível para a oração é preciso crer na importância vital dela. Estar convencido disso, apesar das fadigas do trabalho, das solicitações das coisas e dos seres, e no meio da atração das atividades terrestres.

Há modalidades:

a)- momentos de oração pura, de retiro, de silêncio, de cessação absoluta de qualquer atividade terrena;

b)- a permanência do estado de oração, durante todas as atividades humanas de trabalho ou de relacionamento.

Cuidado! Não se trata de fazer paradas, pausas, no meio das atividades que fazemos como que por escrúpulos! Acabaremos achando que essas pausas são perda de tempo, e que deveríamos nos dedicar exclusivamente às afinidades exteriores, fazendo que elas se tornem uma oração ininterrupta. É errado não tanto essa atitude, mas a de achar que a oração pura possa tornar-se inútil. “Ela é obrigatória!” Ela é indispensável às nossas relações com Deus. Para nós, muito mais, pois a fazemos não só “em nosso nome pessoal, mas em nome de todas as pessoas.”

Jesus, mais do que ninguém, esteve m permanência diante de seu Pai, em estado de adoração e oração, pois “a própria visão de Deus mantinha-se em sua alma no meio de todas as suas atividades humanas”. Momentos de oração pura nada acrescentariam à profundeza e à atualidade de seu estado. Entretanto, Ele aproveitava toas as ocasiões que podia para “mergulhar no silêncio e na solidão de uma oração pura” (Mt 14,22;Mc1,35). Ele a fazia nos dias extenuantes, em que não cessava de atender os discípulos, aos doentes, à multidão, que o procuravam, de modo de pertença. Ele fugia para rezar à tarde, à noite ou de madrugada.

“Jesus, como homem, sentia a necessidade de instantes de oração isentos de qualquer atividade humana”. É nessas horas que melhor se exprime a soberania absoluta de Deus sobre sua criatura. Deus tem o direito de exigir essa dedicação exclusiva, a adoração. Gratuidade. Isso nos dará força e luz, se formos à oração conscientes de tudo isso. Caso contrário, acabamos não estarmos mais disponíveis para a oração.

“É preciso absolutamente convencerem-se de que vão à adoração não para receber, mas para dar, mesmo que às vezes não percebamos que estamos dando, nem mesmo o quê estamos dando. Abandonar todo o seu ser a Deus, mesmo na fé obscura, no sofrimento, pois esse ato sempre devemos fazer numa riqueza de amor. Reconhecer que Deus nos possui . Coragem e abandono de si. Atividade de Cristo em nós, às vezes de modo doloroso.

A oração supõe um desapego radical de todo o criado. Morte a tudo oque não é Deus. Por esse motivo, muitos religiosos e padres “fogem da religião verdadeira e se refugiam numa simples formalidade de orações vocais que os iludem ou na direção de uma reflexão meditativa sobre um assunto moral. São, muitas vezes,(...) escapatórias, quando não se realiza o ato fundamental do dom de si, que se é obrigado a fazer, como condição preliminar da oração.”

“Isso não quer dizer que se devam negligenciar as orações vocais ou as reflexões de fé sobre o Evangelho e as verdades cristãs! Digo apenas que podem, às vezes, servir de desculpa a alguém que se recusa a cumprir” esse requisito.

A nossa disponibilidade para a oração supões, pois, a fé na importância da oração e um verdadeiro trabalho de desapego interior (outra vez o espírito de imolação).

A IMPORTÂNCIA DA ORAÇÃO

Desejar a oração. Esse é um exercício de fé; não nasce sozinho, a não ser que seja uma graça sobrenatural. “ Um ato comandado pela vontade, à luz da fé (...) só a fé nos fará desejar os momentos de oração. Esse desejo se implantará em nós pouco a pouco. “

“O melhor meio de desejar o encontro com Jesus na adoração é ir a ele efetivamente (...)Quanto mais rezarem , mais desejarão a oração (...). Estarem sempre prontos para aproveitar os momentos livres para ir à oração como à mais importante ação de seus dias”. Alguns dias não há, efetivamente, tempo. Cada vez que tivermos tempo para a oração, se isso depender de nós, que a façamos! Que encontremos tempo! “Se você não sentir a necessidade de passar de tempos em tempos um momento para orar gratuitamente, por amor a Jesus que o espera, você não é um verdadeiro Irmãozinho”.

Se você tiver oportunidade e tempo, mas não pensar na oração, ainda não está disponível para a oração. “A adoração deve sempre guardar o primeiro lugar” em nosso dia. “Nossas semanas devem ser marcadas por instantes de oração mais intensa”. Momento de oração noturna, instantes breves nos momentos livres, de improviso, por mais breves que sejam. Seja, pois, interiormente e exteriormente disponível para a oração, não importa a que momento do dia ou da noite”.

ORAÇÃO E VIDA

Cisão frequente entre a oração e a vida. Tender constantemente para a oração contínua, como Cristo nos pede.”Nossa vida inteira deve ser uma oração”.Para tal, um triplo esforço:

-Adaptar a nossa oração à vida concreta;

-Trabalhar para que ela seja um ato verdadeiramente vivo de amor e de dom de si;

-Esforçarmo-nos para fazer de nossas ações uma verdadeira oração.

No primeiro item, evitar a intelectualização da vida interior, pois ela não subsiste se não houver condições necessárias para uma vida intelectual.

O vínculo entre a oração e a ação é o amor. A oração é obra do amor, assim como o trabalho e o serviço ao próximo. Levar uma vida contemplativa não é necessário à perfeição como tal, mas o amor o é sempre. Se a oração for cercada de observâncias e métodos, pode se tornar apenas uma obra muito fraca do amor. Qualquer oração não é, verdadeiramente, necessariamente, uma oração. Lembrar-se de 1 Cor 13,1-2; “Mesmo que eu falasse a língua dos anjos e dos homens.. (etc)”.

Muitas vezes nossas orações são mortas, exercícios sem vida. Apenas aparência. Por isso é que acontece uma cisão entre a vida e a oração. Uma oração é viva quando é um ato vital da fé e do amor.

“É, pois, com a mesma pureza de intenção e no mesmo movimento de amor que iremos à adoração, ao trabalho e ao serviço das pessoas. Haverá, então, uma unidade em toda nossa vida.” Haverá em nós sempre um desejo de amar e de testemunhar esse amor “e isso será ora rezando em silêncio, ora sem rezar, ora trabalhando, ora conversando”. Esforço de purificação e de intenção tanto para ato de oração quanto para toda a nossa atividade = domínio de si mesmo, despojamento real de todo o desejo humano.

As dificuldades do caminho: nosso temperamento, paixões, hábitos, sensibilidade, vencidas com a ascese enérgica e equilibrada, adaptada ao nosso estado de vida atual.

ORAÇÃO CONTÍNUA

Não se formula um ato de fé fora de um ato de amor e vice-versa. Não podemos dizer que “nossas ações e nossos dias sejam uma oração unicamente pelo fato de serem vividos por nós pelo amor”.

“Orar é um ato em que entram sempre mais ou menos a inteligência e a fé que adora e suplica, com ou sem palavras. Orar é pelo menos olhar: é pensar, é falar, é suplicar com lágrimas, seja isso com palavras pronunciadas, com idéias, imagens, ou simplesmente num olhar mais profundo mas obscuro de contemplação.” Sem isso, não houve oração no sentido próprio da palavra.

Nossa vida pode ser uma oração se ela for explicitamente oferecida, sobretudo em união com o sacrifício eucarístico. Nas missas, renovar explicitamente essa disposição de oferenda,num caráter de oblação. Daí a importância do espírito de imolação.

Também se guardarmos a liberdade da alma, que é a primeira condição para a oração = disponibilidade constante em relação à oração. Ascese interior, desapego a toda criatura, a toda a atividade. Aprender a nos dar alegremente e simplesmente a nosso trabalho, a nossos amigos, a nossos camaradas, a nossos irmãos = SILÊNCIO INTERIOR. É o amor da cruz de Jesus que permitirá que o guardemos.

Outra atitude = oração difusa = instantes de oração no nosso dia, próximos uns dos outros. “ Aprender a orar o mais simples possível com palavras, ou com um simples olhar da alma por toda parte, cada vez que Deus nos levar a isso por sua graça”.

>Lembrança de um versículo do evangelho

>num simples olhar a Cristo

>no sentimento da presença da Virgem

>No movimento de oferenda por um colega ou por todas as pessoas, suscitado por um contato amistoso, pela vista do mal ou pelo espetáculo da multidão indiferente.

Oração difusa = “Um olhar de fé sobre a realidade do mundo. Precisamos nos exercitar nisso. Há, com efeito, uma maneira de olhar na fé o homem, o trabalho, o prazer e suas solicitações, que nos põem em plena verdade humana e divina, visível e invisível. É como uma oração em estado nascente.”

DELEGADOS DAS PESSOAS

Nós somos delegados das pessoas diante de Deus, dos que se aproximam de nós, colegas de trabalho, habitantes do nosso povoado ou de nosso bairro. A consciência de sermos delegados dessas pessoas diante de Deus”nos será um auxílio poderoso para adquirir esse espírito de fé.”

Pelo Corpo Místico de Cristo somos solidários uns com os outros, e pelo ato de abandono de nós mesmos a Deus, acrescentados à nossa profissão perpétua, nossa resposta à vocação a que Deus nos chamou é consagrada pela Igreja.

Essa solidariedade espiritual se desenvolverá no noo contato cotidiano com as pessoas no trabalho e em todos os lugares. Refugiem-se com toda a fé no mistério do Cristo sofredor, no contato com o sofrimento e com o mal. Será a única resposta silenciosa de Deus no meio da angústia e do desespero, que lhes fará aceitar na esperança o mistério da dor.

Vocês estarão mais presentes àqueles que os rodeiam, precisamente porque vocês os atingirão pela fé e pelo amor.”

Dois desvios a serem evitados nessa presença ao sofrimento do próximo:

1- O fracionamento entre nossos momentos de oração e nosso atendimento aos outros, não deve corresponder a um fracionamento interior nem causar uma ruptura de equilíbrio na vida de vocês. “O grau de união a Deus não será medido pelo número dos instantes que vocês tenham consagrado à oração e não serão unicamente em função destes que vocês serão homens de oração.”

Vocês serão homens de oração se o olhar que puserem nas pessoas e nas coisas for, poela fé, aquele mesmo olhar de Jesus sobre eles”. Não se deixem contaminar pelo que é temporal

2- O pecado e o malo moral,todos os pecados, entre eles a rejeição explícita de Deus. O sentido do pecado parece ter sido abolido da consciência das pessoas! Parece que o mal moral só se mede pelas consequências econômicas nefastas que ele acarreta!

“Vocês devem guardar o sentido do pecado que está em vocês, como do que está no mundo”, onde ele estiver. Por amor a Jesus e às pessoas, a oração tornar-se-á em vocês suplicante e reparadora”, porque vocês penetraram o mistério do Coração de Jesus e vivem sua intimidade, e por isso sentem sua agonia em face dos pecados da humanidade.

A solidariedade espiritual com a humanidade só será fecunda se estivermos em união com o Cristo Redentor. Vocês só podem ser salvadores com Jesus se primeiro forem salvos por Ele. “Não pensem que levarão mais à almas abandonando-o!” O trabalho na construção temporal da sociedade, da reforma das injustiças, do alívio da humanidade, cabe a outros, não a vocês.

A IMPORTÂNCIA DA FÉ

É insubstituível a importância da fé se quiserem permanecer na oração. Que seja “uma fé simples, confiante, incansavelmente perseverante, corajosa nas obscuridades e bem concretamente ancorada em Jesus” Nenhum método mais ou menos novos e complicados resolverá o problema da fé. “Releiam o Evangelho com o propósito de ouvir o que Jesus lhes diz!” - “Por que me chamais Senhor e não fazeis o que eu vos digo?” (Lc 6,46).

“Não se percam em imaginações, em procuras tortuosas! Jesus está ao alcance de vocês se tiverem fé”. A fé do Pe. De Foucauld era forte porque ele se apoiava no Evangelho! Ali reside todo o segredo de suas adorações silenciosas e da permanência de sua presença diante de Jesus”.

Todas as suas tribulações, “isso tudo é agitação da superfície e não impede nunca que Jesus esteja ali, que Ele os ame, que Ele os queira, através daquilo mesmo que s faz sofrer mais perto dele, em oferenda a Seu Pai e em sacrifício pelos irmãos. É a realidade, a verdadeira realidade; o resto, em comparação,não é senão uma aparência”.

Sei que é mais fácil dizer que fazer. “ A lassidão é a grande tentação da oração. Procurem no Evangelho o que Jesus diz respeito disso: Ele mostra que se opõem a ela, não apenas a perseverança, mas uma inoportunidade quase afrontosa” (Lc 11,8).

A Santa Hóstia e o Evangelho> “isso é verdadeiro”, digam a vocês mesmos. Vivam em consequência disso!

“É assim que vocês se tornarão os permanentes de Jesus para a oração. “O que é impossível para os homens é possível para Deus (...) Tudo é possível para quem crê! “ (Lc 18,27; MDC 9,23)

“Eu lhes comunicareis simplesmente algumas reflexões sobre o quadro de nossa vida de oração, que comporta alguns exercícios e orações litúrgicas”.

Exercícios: todos os meios organizados com o fim de servir de apoio a uma vida de oração comunitária ou individual. Somos muito sóbrios nessa matéria. Alguns exemplos de exercícios: o Angelus, o Veni Creatur, a leitura do Evangelho, as orações antes e depois das refeições, a leitura espiritual, o terço, o exame de consciência diário, a bênção do Santíssimo, as ladainhas do Sagrado Coração.

A Missa e o Ofício Divino não são exercícios: eles são o próprio culto litúrgico. Não considero a hora de adoração um exercício, porque é, em princípio, oração pura.

OS EXERCÍCIOS

“Suscitam problemas em nossa vida”, embora para alguns são um auxílio quase indispensável para sua vida interior, mas para outros, em graus diversos, um peso que os constrange e os esmaga às vezes, e os acabam dispensando com demasiada facilidade, e às vezes erroneamente.

É difícil integrar os exercícios numa vida de contato com as pessoas, conciliando-os com a caridade, ministério e trabalho.

Quais as causas desse problema, que às vezes causa mal-estar para algumas pessoas?

ALGUNS PRINCÍPIOS

“Os exercícios de piedade não são a perfeição e nem mesmo os elementos dela.” Não são a oração, ma meios para a oração. Pode haver uma vida cristã perfeita mesmo sem os exercícios de piedade, mas o mesmo não se pode dizer da oração, que como já dissemos, não é um exercício.

Um método determinado de meditação é um exercício, mas subordinado a ela. As orações vocais não litúrgicas não são exercícios, se brotam espontaneamente de nosso coração, sem nenhuma forma imposta. Para muitas pessoas, a oração vocal faz parte de sua oração propriamente dita, mas para quem goza da contemplação não é indispensável. “Pode existir em certos casos uma profunda vida de oração sem que esta sinta a necessidade de traduzir-se em palavras exteriores”

Nem Cristo nem a Virgem se utilizaram de meios de oração. “ As orações vocais foram para eles a expressão espontânea de sua oração. Ex: a oração de Jesus depois da Ceia e a da agonia e o “Magníficat” de Maria. Eles participaram, é claro, da oração litúrgica judaica.

Nos primeiros séculos do cristianismo não se usavam os exercícios como hoje. “Procurava-se, de um modo mais direto, a oração e a prática das grandes virtudes”, como se vê na espiritualidade dos Padres do deserto, que se desenvolve livre e largamente conforme o ritmo das horas do Ofício, que toma, por si só, o lugar de exercício.

O conjunto de regras de conduta e de direção se tornaram, para os noviciados e demais etapas da vida espiritual, uma ciência da ascese e uma arte da direção espiritual. No começo, entretanto, os processos eram largos, flexíveis, tornando preponderante o papel do mestre ou do abade.

“A noção de exercício, no sentido atual, só aparece nitidamente a partir do século 16”, a “idade 'reflexa' da espiritualidade (...) Um exercício perde o seu valor quando não está mais perfeitamente adaptado ao fim para o qual deve conduzir, que se constata pelo nascimento de necessidades novas, por uma certa transformação da psicologia ou do temperamento, pelo nascimento de uma nova espiritualidade e também pelo abuso que se fez no emprego desses exercícios. “ A importância e a proliferação dos exercícios parece aumentar à medida em que a gente se afasta da origem.”

Eles foram usados por S. Francisco, S. Domingos, Sto Inácio,mas que não abusaram deles. “Há, aliás, em todos os santos, um florescimento de vida e de caridade que prescinde de regras, ou pelo menos, as ultrapassa, utilizando-as”. O século 17 foi a época por excelência dos exercícios. Nessa época a vida espiritual sai dos claustros para espalhar-se pelo mundo, ao mesmo tempo em que os exercícios se desenvolvem.

No século 19 há uma proliferação e abuso deles, mas não se acha essa tendência em santos como o Cura D' Ars, Santa Teresinha de Lisieux, São João Bosco.

Não se pode, pois, confundir a perfeição cristã e religiosa, ou a vida de oração, com os exercícios de piedade, que são apenas um instrumento delas.

OS CRITÉRIOS EM RELAÇÃO AOS EXERCÍCIOS

O valor do exercício está em poder produzir em nós uma vida de oração e facilitar a aquisição ou a prática das virtudes cristãs. Mas devemos “evitar erros em sentido oposto e levar em conta o fato de que certos exercícios são o fruto e como que o termo de uma longa experiência ascética da vida religiosa.” Há erro tanto no suprimir como no se agarrar a este ou àquele exercício, ou por motivo de que não corresponde mais às nossas necessidades, no primeiro caso, ou por se achar que a perfeição esteja ligada a ele, no segundo caso.

Distinguir a import ância relativa dos exercícios: hierarquizar seus valores. Isso não se faz a priori, mas pela sua necessidade e eficácia. “que variarão não somente segundo os casos individuais, mas, por um mesmo religioso, segundo os dias e as circunstâncias.

São como os andaimes e as escoras das construções: se os retirarmos no começo, o trabalho fica inacabado. Se os retirarmos numa determinada altura da construção, esta desaba. “Enfim,completa e solidamente terminado o edifício, esse não poderá adquirir todo o seu valor nem receber certos embelezamentos se não forem tirados todos os andaimes”. O mesmo devemos fazer com os exercícios de piedade: “Cada caso deve ser resolvido concretamente por si mesmo, com muita prudência (...) Não há receita nem solução fácil”. Se os utilizarmos “como uma receita ou um quadro uniforme e invariável de formação (...) chegamos a resultados opostos ao que procurávamos: esmagamos certas almas, provocamos formalismo, barramos o crescimento espiritual”.

Eis alguns princípios que nunca devemos esquecer:

-não apreciem o valor verdadeiro de um de seus dias pela simples fidelidade material aos exercícios;

-nunca se permitam julgar os outros nessa matéria;

-não cedam à tentação e avaliar a perfeição dos outros pela dose de exercícios de que são capazes e que, de fato, praticam.

De modo geral, quanto mais alguém “progride na vida espiritual, menos necessidade tem ela de exercícios. Na medida em que alguém se encontra sob a moção do Espírito santo, nessa mesma medida os exercícios lhe são inúteis. Podem, em certos casos, ser até um estorvo e constituir um verdadeiro obstáculo á oração.” Este último caso é muito raro.

Podemos nos iludir com os exercícios. Eles só nos são úteis se produzirem em nós uma verdadeira oração e um crescimento de amor. Nunca ser ele suportado passivamente, para não acabarmos numa vida interior verdadeiramente pobre.

Muitos religiosos e religiosas ficam completamente desorientados quando saem de seu quadro habitual depois de anos de vida no convento: sem verdadeiro espírito de oração e sem virtudes interiores profundas, num grande vazio interior. São pessoas que se iludiram, pensando terem uma vida interior “ que na verdade só existia muito fracamente.”

Outros se sentem muito incomodados por terem sido interrompidos em algum exercício, para um dever de caridade, e até ficam tristes e mal-humorados! Quando o exercício puder ser adiado, não há perigo algum interrompê-lo!

Entretanto, esse mal-estar pode ter provindo de um “deslocamento” íntimo por essa irregularidade. Não podemos colocar perfeição onde ela não está (no caso, no exercício).

Nesse caso “há uma educação interior que é preciso ser feita e é preciso ensinar a essa pessoa” (que fica nervosa por ter sido interrompida, por dar excessivo valor ao exercício) “a procurar Deus mais diretamente”.

Outra ilusão é achar que se pode facilemnte dispersar-se dos exercícios. A pessoa não se organiza. Às vezes pode ser medo da oração, e por isso se refugia até inconscientemente na atividade. “Cabe a cada um ver claramente e ser leal consigo mesmo. Não deixar o exercício por já achar-se contemplativo. “A pedra de toque será sempre a oração, a fidelidade e a coragem na oração”.

“Se a pessoa falta facilmente demais à oração, se não chega a entregar-se a ela, a situação é grave.” Nesse caso, é preciso ser fiel aos exercícios e a uma leitura espiritual apropriada e bem feita, para haver uma correção de atitude.

Certos exercícios feitos numa Fraternidade têm valor como uma manifestação de fé ou de oração em comum, valor ao qual Deus dá uma real importância (“onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, aí estarei”). A liturgia tem um valor comunitário próprio, mesmo para as pessoas num devido estágio de vida interior.

DIRETIVAS PRÁTICAS

Ser sempre verdadeiros. Que a oração vocal seja expressão de alguma coisa. Nada de formalismos. Verdadeiros no modo de ler o Evangelho ou um autor de espiritualidade. Que o método de leitura seja frutuoso e corresponda às necessidades atuais.

Aproveitar as ocasiões em que não se pôde ir ao exercício comunitário para fazê-lo em particular. No Ângelus, por exemplo, façamo-lo como um ato mais pessoal de união à Santíssima Virgem e ao mistério da Anunciação. Pode-se mesmo substituir as palavras pela contemplação do mistério mencionado nessa oração. O mesmo quando não pudemos participar da bênção do Santíssimo Sacramento: aproveitemos “para provocar em nós uma atitude interior de adoração da Sagrada Eucaristia.

Quando por não termos tempo não pudemos fazer todos os exercícios previstos, se isso não for algo habitual, isso não tem importância em si. O que conta é o resultado. “O que é preciso tomar cuidado, nessa matéria, é de não nos acostumarmos a nos abster de um exercício que nos é necessário.

Podemos fazer “dois minutos de oração, a mais ardente possível, em união com a Santíssima Virgem”, se não tivermos tido tempo de rezar o terço antes de deitar. “O resultado obtido será, às vezes, superior ao terço recitado por rotina”.

Se o mesmo acontecer com uma leitura espiritual, podemos substituí-la pela meditação de alguns versículos do Evangelho ou uma máxima de São João da Cruz feita com mais atenção. É trocar a “quantidade” pela qualidade.

Se a Santa Missa, a hora de adoração e o contato de alguns minutos com o Evangelho forem praticados diariamente, não precisamos nos preocupar se uma parte dos exercícios for sacrificada, desde que consagremos o tempo que dispomos “tendo em conta unicamente o que é mais útil à alma conforme as circunstâncias do momento”. Para isso, estabelecer para si mesmo uma hierarquia de importância entre os exercícios, que pode variar de um dia para o outro: uma leitura espiritual, uma leitura do Evangelho, o terço, ou mesmo um instante de pura oração.

Não se enervar pelo trabalho ou quando monopolizado pelo próximo. “Nossa união com Deus é coisa viva que não poderia depender tão estritamente de simples meios que muitos santos não tiveram à sua disposição. Sejamos sempre muito leais conosco. A verdadeira testemunha de nossa vida com Deus será a oração.” Entretanto, seria ilusão achar que não precisamos dos exercícios “para entreter nossa vida divina”. Nossa alma vai sendo “minada” aos poucos quando frequentemente a sub-alimentamos: acabamos espiritualmente desnutridos.

“Tornar os exercícios uma finalidade em si, sem pô-los ao serviço de nossa vida de caridade, acaba numa caricatura da perfeição(...). Pelo contrário, não saber usar os exercícios porque a gente os subestima, ou então por presunção, traria geralmente como resultado impedir que se atinja a um verdadeiro acabamento da perfeição”.

“Saibamos ver a finalidade, saibamos aproveitar corajosamente os meios de atingi-la e ponhamos tudo a serviço de uma fé profunda e de um grande amor. Devemos nos conhecer suficientemente para estarmos em condições de escolher os instrumentos que nos convêm”, como soube muito bem fazê-lo o Pe. De Foucauld.

O SERVIÇO DA LITURGIA EM NOSSA VIDA

“A liturgia se apresenta para nós como mais particularmente expressiva de nossa vida eucarística de salvador: ela nos faz penetrar na oblação e na oração redentora do Cristo. Reduz-se, para nós, àq Missa e ao Ofício divino”.

Nossa vocação não consiste na solenização da liturgia, como para o Beneditino, nem na liturgia paroquial. “Nossa liturgia deve ser a expressão da oração da Fraternidade, mesmo se alguns fiéis vierem se juntar a ela. Isso lhe dá o caráter especial. Despojamento,simplicidade numa beleza e numa dignidade sempre almejadas, exprimindo verdadeiramente tudo o que é o ato litúrgico. Deve visar unir os Irmãozinhos em torno da Missa e da Eucaristia. É o coração de nossa vida e deverá ser sempre zelosamente salvaguardada”.

“Toda Fraternidade deverá ter um oratório, mesmo as menores e as mais pobres.”

O Ofício Divino não deve ser considerado como um exercício. Ele é o louvor oficial do Corpo Místico de Cristo a Deus. É para Deus, e não para nós, em primeiro lugar. Obra totalmente gratuita, inspirada e dirigida pelo Espírito Santo em sua ordenação.

“Deve-se ir a ele com o pensamento de que se vai tomar parte numa obra de louvor que nos ultrapassa.” Tornamo-nos assim um instrumento da Igreja. A oração litúrgica é o prolongamento do Sacrifício Eucarístico. Não buscar apenas apenas o aproveitamento espiritual: oferecemo-nos, sacrificando-nos, de um modo real.

Os salmos são a expressão da Igreja toda. Oração que vai além do tempo presente. Essa súplicas, apelos à justiça, queixas etc, são sempre verdadeiros na Igreja. Os salmos continuam verdadeiros através de todas as gerações humanas. “Caberá a vocês entrarem nessa imensa oração, com respeito e conscientes de cumprirem uma tarefa.”

Não procuremos o próprio interesse, nem busquemos um motivo utilitário no que diz respeito ao culto de Deus. O ritmo de oração comuns da Fraternidade não deve ser uma sobrecarga, mas uma verdadeira respiração para a alma. “Num quadro de oração importa mais a qualidade do que a quantidade.”

O Ofício foi dividido em horas por causa das necessidades dos religiosos cenobitas ou anacoretas dos primeiros séculos: adaptação à sua finalidade. Era um ritmo de vida simples, muito perto das necessidades de seu trabalho cotidiano.

Os religiosos se reuniam duas vezes por dia: antes da aurora (noturnos+laudes, primeiros clarões da madrugada) e, à tarde, ao pôr do sol (vésperas). Pelo resto do tempo o monge se entregava às suas ocupações cotidianas e à oração = ficar todo o tempo em presença do Senhor = “Vigiai, pois, orando sem cessar” (Lc 21,36), “Orando continuamente em espírito” (Ef. 6,18-19). “Não havia necessidade de outras orações vocais comuns durante o dia”. O trabalho do monge o levava às vezes para longe da igreja e de sua cela.

O agrupamento em mosteiros e o relaxamento da vida religiosa pediram reuniões mais frequentes: surgiram as horas do dia: terça, sexta, nona, de tradição judaica. Um perigo, constatado por Santo Epifânio, era o de que os monges, tendo horário determinado para a oração comum, “ tomassem o hábito de não mais rezarem sem cessar, em seu coração.”

As Primas e as Completas vieram mais tarde: primas no século sexto e completas no séculos oitavo e nono. É por isso que essas horas são ligadas muito menos à liturgia do dia.

“Se quisermos encontrar de novo para nossas Fraternidades um quadro vivo de orações é preciso reconsiderá-lo em função das condições reais da vida atual. É preciso observar que essas condições se encontram muitas vezes próximas, por outras razões, do ritmo de vida primitiva.

Laudes e vésperas enquadram o dia de trabalho, todos os irmãos estão reunidos, depois vem a hora da adoração no momento que melhor convém a cada um.

Matinas = nas vigílias de dias sem trabalho, em certas festas ou conforme permitir a vida de trabalho dos irmãos, mais frequentemente.

Só depois disso é que virão as outras horas menos importantes: completas = antes de deitar, se as vésperas tivessem sido mais cedo. O resto do dia: ritmo largo, sem a sobrecarga do Ofício em comum.

Esforço de cada um = união a Deus e ao exercício de amor para com o próximo da maneira que melhor convenha.

“Os padres deverão adaptar a obrigação da recitação de todo o Ofício a esse ritmo de vida: isso será sempre possível”. Domingos e dias sem trabalho = ritmo do dia diferente. “Não é multiplicando os exercícios em comum no centro de um dia consagrado ao trabalho que tornaremos a união a Deus mais real e mais fácil: outros meios devem ser empregados para atingir essa finalidade. El Abiodh Sidi-Cheikh 20/02/1948