PE. MÁRIO FILIPPI

DESPEDIDA DO MÁRIO FILIPPI

Veja nesta página, no final, a despedida feita pelo próprio Pe. Mário Fillipi.

Veja também o relato de seu ano sabático na Diocese de São Gabriel da Cachoeira, postado na POM, neste link: http://www.pom.org.br/o-meu-ano-sabatico-na-amazonia/


RECADO DE de Dom Edson

Querido irmão, Querida Irmã!


Partilho com você o testemunho-despedida do querido Pe Mário Filippi, Fidei Donum enviado pela arquidiocese de Trento. Veio juntamente como Pe Cláudio Dalbon e Pe Maurizio Gotardi.


Trabalhou 42 anos no Brasil. Iniciou a missão em Santa Maria, RS. Foi pároco, e a seguir, durante sete anos, morou na Vila Matadouro e trabalhou padre operário.


Depois, juntamente com o Pe Cláudio Dalbon, foi trabalhar no Recife. Quando D.Helder foi para o céu, o arcebispo sucessor expulsou os dois. Transferiram-se para a periferia de Manaus.


Pe Mário acompanhava as invasões. Construía seu barraco no meio das famílias. Reservava um terreno para construir uma capela com a ajuda do Pe Luis Giuliani e do Pe Cláudio.


Retornou à Itália para acompanhar os últimos anos de sua mãe. Quando soube da minha nomeação, em 2009, prontificou-se para ser missionário entre os índios, durante seis anos, em São Gabriel da Cachoeira.


Por onde passou sempre testemunhou a alegria de ser presbítero, o amor apaixonado pelo Bem Amado Irmão e Senhor Jesus, o serviço aos pobres, a fidelidade à Palavra de Deus que sabia transmitir com entusiasmo e encanto.


Pe Mário partiu de São Gabriel da Cachoeira no dia 28 de dezembro. Obrigado, Pe Mário, Marietto, como te chamava tua mãe Amabile! Farás muita falta entre nós. Sentiremos imensa saudade de ti, da tua amizade, do teu testemunho, da tua alegria. Deus te pague e te dê ainda muitos anos perto dos teus familiares e no ministério pastoral que Dom Lauro, arcebispo de Trento, vai te confiar. E se um dia quiseres voltar, estaremos te esperando de corações e braços abertos.


DO ALEX


Grande Mário. Lembro bem da mãe dele, na região de Trento, que visitamos em 1992.


Mário foi um verdadeiro missionário, que soube armar a tenda onde estavam acampados os pobres: sul, nordeste, norte e Amazônia.


Obrigado, Marietto, pela tua presença e solidariedade entre nós. No teu "descanso missionário", continues missionando desde a Bella Italia. Com tuas orações, pregações, escritos e entusiasmo. Quem sabe outras e outros se entusiasmem a armar as suas tendas no meio do povo.


Bom Natal para todos (as) e um Melhor 2017, onde a não-violência seja o caminho e o estilo de vida, como nos pede Francisco em sua mensagem.


Abraços. Pe. Alex


DO CARLOS


Muito obrigado, Dom Edson, pelo envio do testemunho-despedida do Padre Mário Filippi. Foi muito bom ler o texto, que é valioso e enriquecedor pela escrita elegante, e principalmente pela mensagem de humildade no relatar com autenticidade e transparência aspectos de sua vida espiritual. A sensação de insuficiência no exercício espiritual, que o Padre Filipi deixa ver no texto, parece sugerir fracasso, mas, ao contrário, revela um esforço enorme e exemplar de busca espiritual.


À imitação de Charles de Foucauld, que nos confins da Argélia, em Tamanrasset, não converteu ninguém, não fundou nenhuma ordem religiosa, e acabou assassinado por malfeitores em 1º de dezembro de 1916, um aparente fracasso. Nem por isso, ou por isso mesmo, não deixou de ser o "irmão universal", como falou Paulo VI, um exemplo de espiritualidade para quem é ansioso pelo Absoluto.

Fraterno abraço.

Carlos Alberto Alves Marques, aliás, Pila


DO HUMBERTO


Prezadíssimos, a começar pelo "pobre bispo do mato", Dom Edson!

A despedida do padre Mario Fillippi, que se vai à Itália de tantas glórias e generosidades, traz à cena das emoções, espetáculo de profundo cunho humanístico. Acho que meu último encontro com padre Mário deu-se na esquina da Avenida Rio Branco, com a Valle Machado, defronte a, então existente, Casa Farroupilha, em Santa Maria, pelo início da década de 1980. Ele já vivia seu apostolado engajado na comunidade da Vila Matadouro, zona Norte da cidade, ainda hoje das mais carentes.


De uma maneira ou outra, desde 1967, acompanhei, como outros da minha geração, a trajetória de doação daquele grupo de jovens padres italianos, que de Trento vieram ao Brasil e mais especificamente à Diocese de Santa Maria, onde deram muito de sua juventude e carisma sacerdotal.


Eram Mauricio, Cláudio e Mario, que no novo Zequinha, conviviam com os seminaristas e com os quais exercitavam seu português. A diocese, ao que lembro, já tinha a experiência de outros padres italianos - Padre Ettore, em Poço Redondo e padre Ezio, em Jaguari, este com destacada e profética atuação, tanto na Diocese de Santa Maria, quanto na de Bagé, onde veio a falecer, em Livramento, tendo atuado, também, em Lavras do Sul.


Mas, não só o Natal e Ano que está-indo-vindo e as notícias sabáticas do padre Mário em retorno, trazem alegrias e reencontros. O "pobre bispo do mato", com seu carisma, põe em sintonia queridos amigos que o tempo afasta, mas que as lutas da juventude guardam imorredouros na memória afetiva da amizade e do coração.


Anos atrás, logo do início do episcopado de Dom Edson, foi o reencontro com o querido e, agora, já catarinense, amigo, Jorge Zacarias. Agora, neste final de 2017, a ressurreição do "Guri do Hélio", o querido Pila e que galgou à glória da magistratura com o aristocrático e caçapavano nome de Carlos Alberto Alves Marques. Que alegria! Talvez precisemos de um "ano sabático" para reencontros e vivências, antes que a Outra Itália, a Sempiterna, nos leve a todos, inexoravelmente.


A sinceridade do padre Mário, mostrando a dignidade do sacerdote no coração do homem, faz lembrar-me uma autor, recomendado e badalado no Seminário, Guy de Larigaudie - que com seu "Estrela de Alto Mar", exercia certo fascínio pelo talento e pela vida que levava, sempre à procura de algo maior e superior. Claro que poderia lembrar muitos outros escritores-guias dos quais éramos livremente coagidos a gostar e a ler ou ouvir. Destacavam-se Tihamer Toth e Fulton Shen. Mas havia também, na antevéspera do Vaticano II e das grandes mudanças dos anos 1960, alguns autores que podíamos conhecer e ler: Saint-Exupéry, Emilio Salgari, Carlo Callodi, Edmondo de Amicis, Teilhard de Chardin, Michel Quoist , T. Merton e outros, incluindo brasileiros e portugueses não censurados.


Guy de Larigaudie, talvez inspirado em Charles de Foucauld, teve uma vida inquieta e inquietante, não conformado e sempre com o pé na estrada, quer literalmente ou quer como metáfora de uma existência desassossegada e provocativa para as mesmices que o rodeavam.


Somos gratos ao carinho e à dedicação do padre Mário. É positivo e gratificante que alguém, depois de tantos anos servindo ao povo de um outro país, tenha esta possibilidade do retorno ao seu torrão natal. Imagino que isto pudesse acontecer com tantos missionários e missionárias estrangeiros que, longe de suas terras, querências e famílias, possam um dia retornar. E por que não, acontecer também com os que são missionários na sua própria pátria? Imaginem Dom Edson retornando um dia à sua querida Fontana Fredda!


Falando em retorno, retorno às minhas insignificâncias, mas dando um grande e sincero significado ao Ano Novo que está batendo à porta e desejando que seja de muitas alegrias, bênçãos, realizações, angústias, indagações, sonhos, perguntas e respostas para cada um e os seus, bem como a todos que fazem parte de nossos afetos e lembranças.


Abraços

Humberto Gabbi Zanatta

(quem ainda não conhece o pensamento do Pe. Mário, acesse seu retiro aqui:


DESPEDIDA DO PE. MÁRIO FILIPPI

(Postado no boletim 111, julho de 2002).

Irmãos e Irmãs das Comunidades da Área Missionária São Francisco e de todo este imenso e querido Brasil!

Na impossibilidade de despedir-me pessoalmente de todos (as) e de cada um, desejo, através destas palavras, agradecer a todos, especialmente aqueles(as) que estiveram mais próximos ao longo da caminhada, oferecendo seu tempo, suas mãos, seu entusiasmo e seu carinho para construirmos juntos o Reino de Deus, tornando-se, por isso mesmo, mais companheiros e mais amigos.

Estou retornando à Itália, à Diocese de Trento, que me formou, me ordenou padre, me enviou como missionário, e a qual pertenço como presbítero diocesano. Estou no Brasil a quase trina e seis anos e tenho muito que agradecer a Deus por isso: foi um dom extraordinário e precioso que o Senhor me fez, enviando-me a esta terra.

Cheguei ao Brasil quando o Concílio Vaticano II concluía seus trabalhos. As Conferências Episcopais de Medellin e de Puebla, a atuação profética da CNBB, especialmente no tempo da ditadura militar, o testemunho de tantos leigos, padres, religiosas, bispos, fiéis ao Projeto de Deus até o martírio, a

Teologia da libertação, a profética opção pelos pobres, a fé simples e verdadeira do povo, foi marcando fortemente e positivamente a minha vida.

Devo muito a esta Igreja e sou-lhe muito grato. Como o Salmista posso cantar: “O cordel mediu para mim um lugar delicioso; sim, e minha herança é a mais bela” (Sl 16,6).

A Palavra de Deus, anunciada e testemunhada por Jesus, nascido na estrebaria e morto na cruz, a situação dolorida de tantos pobres e excluídos, a posição firme e corajosa da Igreja questionaram fortemente a minha vida, exigindo uma resposta.

Achei que a presença que Deus estava pedindo de mim, era a de uma encarnação no meio dos pobres, vivendo, morando, trabalhando, sofrendo e lutando com eles. Foi por isso que, durante 21 anos, morei em favelas e invasões, no meio dos pobres; foi também por isso que, durante sete anos, trabalhei como operário na fábrica, desistindo dessa opção de vida só por causa de Dom Cardoso, Bispo do Recife, que não aceitou que eu trabalhasse na sua Diocese como padre operário.

Tinha consciência de que, por quanto me esforçasse, nunca conseguiria ser de fato um pobre como o são os pobres. Mas assim mesmo assumi o desafio, porque esta opção foi assumida pelo próprio Jesus, Filho de Deus, que se fez em tudo igual a nós, menos o pecado (Fil. 2,5-8).

Creio que estes anos de vida e partilha no meio dos pobres, foram um grande dom de Deus, um dom maravilhoso e gratuito de sua ternura. Reconheço que o dom foi muito maior do que a minha capacidade de acolhida e resposta. Por isso, ao mesmo tempo em que agradeço ao Pai, me penitencio pelas covardias, incoerências e ambiguidades.

Agradeço e abençoo a Igreja do Brasil pelo crescimento humano e espiritual que me proporcionou, e agradeço e abençoo igualmente a todos os que me acolheram, me ensinaram, me amaram, me desculparam e me perdoaram.

Envio um abraço saudoso aos primeiros irmãos e irmãs que me acolheram na paróquia de Ajuricaba, RS, quando ainda falava mal o português, e com os quais estreitei forte amizade, apesar de ter permanecido com eles somente três anos. Um abraço sincero aos irmãos e irmãs de Restinga Seca, RS. Aqueles nove anos que passei no meio deles foram fecundos e deixaram uma grande marca na minha vida.

Saúdo carinhosamente os amigos e amigas de “Vila Matadouro”, no bairro Nossa Senhora do Trabalho, Santa Maria, RS. Durante sete anos compartilhamos alegrias e tristezas, dificuldades, lutas e esperanças. Anos cansativos, mas inesquecíveis. Deus abençoe esse povo sofrido, que fazia ponto no “Salão da Irmã Léa”. A todos os irmãos que encontrei por lá, meu abraço fraterno, amigo e agradecido. Quanta saudade!

Abraço fraternalmente o povo bom e amigo da Guabiraba e da Paróquia de Macaxeira, no Recife. Trabalhando com o Pe. Cláudio Dalbon, apesar das dificuldades com o Bispo, o trabalho foi abençoado pelo Senhor, e alegro-me pela bela amizade construída com muitos, e que permanece firme no tempo.

Enfim, agradeço os amigos e as amigas da Área Missionária São Francisco, aqui, na periferia de Manaus. Quase doze anos se passaram, e vimos comunidades nascerem, crescerem e se tornarem adultas. Trabalhando com o incansável Pe. Luiz Guigliani e com o querido Pe. Cláudio, que se foi cedo demais, deixando uma imensa saudade em todos nós: anos de belas realizações e de amizades profundas, especialmente com os pobres, os pequenos, os mais afastados das Comunidades doa Bom Pastor e Santíssima Trindade.

Meus agradecimento é, enfim, para os Bispos: Dom Luís Victor Sartore, que me acolheu no Brasil, em Santa Maria, RS, Dom Ivo Lorcheiter, que me ajudou no discernimento e opção pelos pobres, Dom Clóvis Frainer, que me trouxe para Manaus, Dom Luiz Soares e Dom Mário Pasqualotto, atuais bispos de Manaus, e a todos os padres com os quais trabalhei: Pe. Galindo Cuel, Pe. Maurício Gottardi, Pe. Ézio Berteotti, Pe. Cláudio e Pe. Luiz. Agradecimento especial aos padres da Fraternidade Jesus Cáritas, aos demais presbíteros e Irmãos com quem levamos adiante o projeto de Deus.

Não falo propriamente em despedida, pois é somente o corpo que se afasta: permanece a proximidade dos afetos e, especialmente, a fé no mesmo Senhor Jesus Cristo, o amor ao mesmo povo, a luta pelo mesmo ideal, a construção do mesmo projeto de Deus.

Como num grande mutirão, uns trabalham numa ponta e outros, na outra ponta, mas com o mesmo objetivo. Assim, estaremos todos trabalhando, embora distantes, pelo mesmo Reino de Deus. E, como acontece nos mutirões, na hora da merenda nos encontraremos todos em torno da mesma mesa, uns numa ponta e outros na outra, uma mesa tão comprida, que os que estão numa ponta, não conseguem enxergar os que estão sentados na outra ponta da mesa, mas todos nos alimentando da mesa da Palavra, do mesmo Pão, e cantando o mesmo canto.

Gostaria de poder afirmar que me esforçarei para ser um bom pastor, que dá a vida pelo rebanho, Sem obscurecer a figura do único e verdadeiro Pastor Jesus Cristo” (Mensagem do 9 ENP, 13). Mas como estive longe deste ideal! Peço que me perdoem. Assim mesmo, nestes anos todos, muitos me ensinaram a ser gente e a ser padre. Não aprendi tudo: mas o que assimilei é bastante para que possa voltar à Itália fortalecido e continuar por lá a missão do Reino.

Nunca quebraremos os laços da amizade e da fé que nos unem. Permaneçamos firmes nos compromissos que assumimos, pois os abraçamos não por motivações humanas, e sim, por causa do nosso povo e de Jesus Cristo, que a todos nos abençoa: a Ele seja glória e louvor, com o Pai e o Espírito Santo. Pe. Mário Fillippi.