Mistério

Perguntas e Respostas

1) O que é mistério? 

É tudo o que não pode ser compreendido, que é inacessível à razão humana. 

2) Qual o sentido teológico de mistério? 

É uma verdade revelada, que é incompreensível à razão sem a presença da fé. 

3) Como surgiu o mistério da Santíssima Trindade? 

Teófilo de Antiloquia, no fim do século II e Tertuliano, no princípio do século III, já empregavam o Deus único em três pessoas. O mistério surge quando a Igreja propõe a presença, no seio de Deus único, de três pessoas distintas, mas iguais e substanciais. É a partir daí que começam a surgir contradições entre fé e razão, pois a razão poderia levar à negação do mistério. 

4) O que é mistério para as religiões antigas? 

É o conjunto de práticas, dos ritos e das doutrinas secretas, que se davam à margem da legalidade, reservado apenas aos iniciados. 

5) Situe o sentido lato e o estrito do mistério? 

No sentido lato, designa certos ritos e formas de culto, com sentido simbólico. É apanágio de todas as religiões. No sentido estrito, acrescenta a nota particular da iniciação secreta que não é revelada aos profanos. 

6) A criação é um mistério? 

Sim. O ser humano, incapaz de dar uma resposta satisfatória à criação, vale-se dos mitos. O mito significa uma fábula arquitetada pela fantasia humana para personificar entidades do espírito ou da natureza. Muitos deles tentam explicar a origem do mundo. Eis aí o mistério. 

7) Qual a relação entre problema e mistério? 

No âmbito da filosofia, devemos destacar a diferença que há entre um problema e o mistério. O problema só existe realmente para a ciência, que busca a sua solução. Em filosofia, o problema se torna metaproblemático, pois deixamos o mundo do objeto e partimos para o mundo da especulação, que é o mundo do mistério. 

8) Decifrar é revelar o mistério? 

Cifra é a representação do número. O número é uma entidade real, a ideia. Decifrar é tornar visível uma realidade secreta, é “quebrar” a cifra, ou seja, decifrar o símbolo, desvendar o mistério. 

9) Deve o ser humano preocupar-se com o mirandum

São Tomás de Aquino achava que, para a concretização do bem comum, deve haver homens que se entreguem à “inútil” vida de contemplação, que é o apelo ao mirandum (mistério).

10) Viver na intimidade de Deus é um mistério? 

Sim. Mistério este que não pode ser percebido senão pela fé. A razão é, na maioria das vezes, incapaz de explicar as calamidades e as dificuldades pelas quais passamos. Falhando, recorremos à fé. Quer dizer, só a fé é capaz de penetrar no íntimo dessa relação com Deus.

11) Relacione mistério e Espiritismo. 

O Espiritismo, codificado por Allan Kardec, veio para tornar público o que estava velado. Nesse sentido, ele procura esclarecer as verdades que ficaram ocultas ao longo do tempo. Como Consolador Prometido, veio explicar o que o Cristo disse somente por parábolas, pois fala sem figuras e sem alegorias. 

(Reunião de 02/08/2014) (https://sites.google.com/view/aprofundamentodoutrinario/mist%C3%A9rio?authuser=0 )


Texto Curto no Blog

Mistério

Mistério é tudo o que não pode ser compreendido, que é inacessível à razão humana. No sentido teológico, é uma verdade revelada, que é incompreensível à razão sem a presença da fé. Nas religiões antigas, é o conjunto de práticas, dos ritos e das doutrinas secretas, que se davam à margem da legalidade, reservado apenas aos iniciados. No sentido lato, designa certos ritos e formas de culto, com sentido simbólico. É apanágio de todas as religiões. No sentido estrito, acrescenta a nota particular da iniciação secreta que não é revelada aos profanos.

No âmbito da filosofia, devemos destacar a diferença que há entre um problema e o mistério. O problema só existe realmente para a ciência, que busca a sua solução. Em filosofia o problema se torna metaproblemático, pois deixamos o mundo do objeto e partimos para o mundo da especulação, que é o mundo do mistério. 

O mistério da Santíssima Trindade pode ser explicado. Teófilo de Antiloquia, no fim do século II e Tertuliano, no princípio do século III, já empregavam o Deus único em três pessoas. O mistério surge quando a Igreja propõe a presença, no seio de Deus único, de três pessoas distintas, mas iguais e substanciais. É a partir daí que começam a surgir contradições entre fé e razão, pois a razão poderia levar à negação do mistério.

A criação é um mistério que atravessa os séculos. O ser humano, incapaz de lhe dar uma resposta satisfatória, vale-se dos mitos. O mito significa uma fábula arquitetada pela fantasia humana para personificar entidades do espírito ou da natureza. Muitos deles tentam explicar a origem do mundo. Nesse sentido, há os mitos com Criação e os mitos sem Criação. Nos mitos com Criação, parte-se de um marco zero, e elege-se um Criador (Deus, Jeová, Maomé); nos sem Criação, parte-se da hipótese de que o Universo é eterno. 

Viver na intimidade de Deus é um mistério que não pode ser percebido senão pela fé. A razão é, na maioria das vezes, incapaz de explicar as calamidades e as dificuldades pelas quais passamos. Falhando, recorremos à fé. Quer dizer, só a fé é capaz de penetrar no íntimo dessa relação com Deus. E, nesse sentido, aquilo que parece, à primeira vista, impossível, transforma-se numa certeza rotunda. Todo o ser humano tem necessidade dessa relação íntima com Deus, para poder suportar com galhardia as suas provações terrenas. 

O Espiritismo, codificado por Allan Kardec, veio para tornar público o que estava velado. Nesse sentido, ele procura esclarecer as verdades que ficaram ocultas ao longo do tempo. Como Consolador Prometido, veio explicar o que o Cristo disse somente por parábolas, pois fala sem figuras e sem alegorias. (http://sbgespiritismo.blogspot.com/2014/06/misterio.html)


Em Forma de Palestra

Mistério e Espiritismo

1. Introdução  

O que é mistério? Quais são os tipos de mistério? Como eles podem ser aclarados pela revelação e cogitação espírita? Como entender o “mistério” inserido no “Não colocar a candeia debaixo do alqueire”? 

2. Conceito  

Mistério. Tudo o que é incompreensível à razão humana ou de que não temos conhecimentos, adequados ou perfeitos.   

3. Considerações Iniciais   

O ser humano é um ser simbólico por natureza. Quando não consegue resolver uma dificuldade por meios técnicos, busca uma explicação simbólica, mitológica. Daí o mistério, envolto em muitos aspectos da realidade: religião, filosofia e ciência.  

O mistério é uma espécie de número, cifra. Para conhecê-lo, temos que decifrar o número, a cifra.    

A decifração torna-se sinônimo de revelação, pois revelar é tornar público o que estava oculto, escondido. Havia um código e houve necessidade de descodificá-lo.  

O Espiritismo é uma doutrina com uma gama enorme de recursos para desvendarmos os mistérios que se ocultam atrás do ser e das coisas.  

Analisemos, pois, este tema com o auxílio dos pressupostos espíritas.  

4. Mito, Mística e Símbolo 

4.1. Mito  

Desde o início, o ser humano sentiu necessidade de compreender a realidade que o rodeia e a realidade de si mesmo. O desconhecimento deixa-o num estado de perplexidade. Ele quer explicações. O mito apresenta-se como a primeira tentativa da humanidade de interpretar os mistérios do Universo.  

Originariamente, o termo significava uma narrativa fantasiosa da genealogia e dos feitos das divindades do politeísmo registrados nas teogonias. Aos poucos, o termo se foi carregando de novos sentidos. Sociologicamente, é a narrativa imaginária de origem popular: "os mitos cosmogônicos". Historicamente, é a exposição de uma doutrina sob a forma de narrativa alegórica: "os mitos platônicos". Vulgarmente, é a dramatização das grandes aspirações frustradas do grupo: "mito da greve geral". 

4.2. Mística 

A mística – do grego mystica, de myo, eu calo, é o termo utilizado para retratar a atividade que produz o contato da alma individual com o princípio divino. O modelo do pensamento místico é baseado no retiro de mundo, ou no desligamento das coisas do mundo e no da união com Deus para receber suas luzes. 

4.3. Símbolo

Há duas maneiras de representar o mundo. Uma direta, em que objeto se apresenta à nossa frente; outra indireta, quando por qualquer razão o objeto não pode se apresentar em “carne e osso”. A forma indireta representa o símbolo, que pode ser usado indiferentemente como “imagem”, “figura”, “ícone”, “ídolo”, “signo”, “emblema”, “parábola”, “mito” etc.

Símbolo é um sinal particular, que pode ser expresso com figuras, imagens, palavras e gestos. Significa aproximação, ajustamento, encaixamento, cuja origem etimológica é indicada pelo prefixo syn, “com” e bolé, donde vem o nosso termo bola, roda, círculo. Referia-se, deste modo, à moeda usada como sinal. O símbolo é, pois, tudo quanto está em lugar de outro.

5. Tipos de Mistério 

5.1. O Mistério nas Religiões   

Na antiguidade grega, mistério era aquilo de que não se podia falar: a pessoa devia ficar de boca fechada. Depois, no helenismo antigo e usado no plural, designava o culto e os ritos de certas religiões reservados aos iniciados. Citam-se os mistérios órficos, os mistérios de Elêusis, Adônis, Mitra etc.   

De um modo geral, as religiões se fundamentam nos aspectos esotéricos e exotéricos. Esotérico é aquilo que fica restrito a poucas pessoas, os iniciados; exotérico, o que é público, para todas as pessoas. Quer dizer, não é toda a informação que deve ser passada ao público, pois haveria o risco de não ser compreendida, visto os ouvintes não estarem capacitados para tal.

Os mistérios são úteis. Eles evitam que se ofereça uma luz muita intensa ao neófito, àquele que procura uma religião pela primeira vez. Conforme este for se inteirando do corpo doutrinário, muitos desses mistérios vão sendo revelados.

5.2. Mistério na Filosofia   

As analogias entre práticas religiosas e a meditação filosófica levaram Platão a introduzir na sua filosofia concepções e fórmulas mistéricas. Nesse caso, os mistérios não são mais ritos sagrados, mas ideias e doutrinas cuja verdade, escondida embora, pode ser compreendida por aqueles que não pouparam esforços para compreendê-la.  

O filósofo Gabriel Marcel estabelece uma antinomia entre problema e mistério. Para ele, o problema só existe na ciência. Em filosofia, há o metaproblema. O problema é de natureza impessoal e objetiva, que pode ser solucionado, suprimindo-o. O mistério, por outro lado, não tem uma solução. Há sempre uma conjectura, conjectura que leva ao desconhecido, à transcendência.  

5.3. Mistério no Cristianismo 

Uma vez que o conceito grego de mistério se alterou com a teologia de alexandrino e do neoplatonismo, foram entendidas como mistério todas as grandes verdades da religião cristã. Dentre esses mistérios, merece destaque o mistério da Santíssima Trindade, em que o Deus único é dividido em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. 

O mistério da Santíssima Trindade pode ser explicado. Teófilo de Antiloquia, no fim do século II e Tertuliano, no princípio do século III, já empregavam o Deus único em três pessoas. O mistério surge quando a Igreja propõe a presença, no seio de Deus único, de três pessoas distintas, mas iguais e substanciais. É a partir daí que começam a surgir contradições entre fé e razão, pois a razão poderia levar à negação do mistério. 

6. Mistério e Espiritismo  

6.1. O Espiritismo

O Espiritismo é uma filosofia científica de consequências morais. É o delta de todo o processo histórico. O raciocínio espírita engloba, num todo, filosofia, ciência e religião. Para que ele pudesse vingar foi necessário o desenvolvimento da ciência e com ela os progressos do método teórico-experimental. É por esta razão que surgiu somente no século XIX, quando tanto a ciência quanto a filosofia já estavam bem desenvolvidas.  

6.2. Revelação e Cogitação 

A filosofia e a religião abordam muitos mistérios. A filosofia espírita aclara esses mistérios através da revelação e da cogitação. Como? Os Espíritos trouxeram-nos a revelação, mas, em contrapartida, o homem teve de exercitar a cogitação.

Allan Kardec, no livro A Gênese, diz: "Por sua natureza, a revelação espírita tem duplo caráter: participa ao mesmo tempo da revelação divina e da revelação científica". A revelação espírita é de origem divina e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem. Os Espíritos superiores inspiram os homens. Estes, por sua vez, devem se valer das pesquisas científicas, para alicerçar esses conhecimentos.

6.3. A Candeia e o Alqueire  

A passagem evangélica “Não colocar a candeia debaixo do alqueire” elucida-nos muitos pontos sobre o mistério.  Nela há explicações sobre por que Jesus falava por parábolas. Há uma nítida separação entre os aspectos esotéricos e exotéricos da sua explanação. Ao dizer que aqueles que têm ouvidos de ouvir, ouça, e aqueles que têm olhos de ver, veja, estava aludindo ao aspecto exotérico, ou seja, público. Quando falava a sós com os apóstolos, referia-se ao aspecto esotérico. E, mesmo entre os apóstolos, não disse tudo porque havia muitas coisas que estes não tinham condições de entender.  

7. Conclusão   

Tentemos penetrar na decifração do oculto. Não nos esqueçamos, porém, que para conhecer os mistérios de Deus ainda nos falta um sentido.  

8. Bibliografia Consultada  

KARDEC, Allan. A Gênese - Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. 17. ed., Rio de Janeiro: FEB, 1975.

KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed. São Paulo: IDE, 1984.

LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990.

São Paulo, junho de 2014.



Notas do Blog

Trevas

Em termos simbólicos, podemos vê-la de duas maneiras: 1) oposição à luz; 2) fogo negro que é a “luz primordial”. Como símbolo caótico, pode ser retratada da seguinte forma: no início tudo era como um “mar sem luz”. Onde não há luz, não há vida; por isto, imaginava-se o mundo dos mortos, rodeado de trevas. Na escuridão pode-se revelar a profundidade do mistério. (http://sbgespiritismo.blogspot.com/2017/12/trevas.html)

Metafísica e Espiritismo

Deus. No que tange ao conhecimento do Ser Supremo (Deus), a Doutrina Espírita afirma que quando o nosso Espírito não estiver mais obscurecido pela matéria, teremos condições de penetrar no mistério da divindade. Por enquanto devemos nos contentar com o conhecimento de seus atributos, ou seja, Deus é eterno, imutável, imaterial, único, todo poderoso, e soberanamente justo e bom. (http://sbgespiritismo.blogspot.com/2009/12/metafisica-e-espiritismo.html)

Em Busca do Mirandum

A nossa vida deveria estar mais voltada para o mirandum (mistério). Santo Tomás de Aquino disse que, para a concretização do bem comum, deve haver homens que se entreguem à "inútil" vida de contemplação. A razão é boa, mas pode falhar; a fé verdadeira, não. Esta é uma espécie de dom de Deus alojado no âmago de nossa alma. É por intermédio da fé que vislumbramos um futuro promissor para as nossas esperanças. (http://sbgfilosofia.blogspot.com/2008/06/em-busca-do-mirandum.html)


Dicionário

Mistério. a) O que é inexplicado, mas que nos deixa perplexo e incita à investigação ou à fuga. Há, no mistério, sempre um matiz de emotividade, do contrário seria sinônimo de desconhecido, inexplicável, o que não é.

b) Na linguagem popular, indica tudo o que é ocultado, e que só é conhecido de um ou poucos, que guardam segredo.

c) Nas religiões antigas, era o conjunto de práticas, dos ritos e das doutrinas secretas que se davam à parte do culto popular e legal, reservado apenas aos iniciados.

d) Diz-se, ainda, de tudo quanto está oculto por um símbolo, que o aponta, mas também o encobre; aponta-o aos iniciados e encobre-o aos profanos.

e) Também se emprega para significar tudo quanto é de difícil solução.

Diz-se, também, do que está além da mente humana, do conhecimento humano. Os sete mistérios, os sete véus de Ísis, os sete arcanos, as sete fundamentais aporias da filosofia etc. (1)

Mistério. 1. Na religião grega, certas cerimônias rituais que eram mantidas em segredo em relação a toda a gente, menos os devidamente iniciados. 2. A missa, nas igrejas católica e ortodoxa. 3. Na teologia cristã, artigo de fé para além da compreensão humana, como, por exemplo, a Trindade. (2)

Mistério. Em geral, tudo o que é humanamente incompreensível ou de que não temos conhecimento, adequado ou perfeito. Derivado do grego ____ (fechar os olhos e a boca), o termo mistério significava originalmente uma realidade oculta e secreta da qual não era permitido falar. No helenismo antigo, utilizado no plural, designava propriamente o culto e os ritos de certas religiões reservados aos iniciados (____ de iniciar nos mistérios): estão neste caso os mistérios órficos, os mistérios de Dioniso, de Elêusis, de Serapis, de Adônis, de Mitra etc. Em seguida, certamente por virtude das imagens e dos termos próprios das técnicas de iniciação, ____ passou a designar metaforicamente toda a realidade, religiosa ou não, de conhecimento difícil ou mesmo impossível. 

Evidentes analogias frequentemente observadas entre práticas religiosas e a meditação filosófica levaram Platão a introduzir na sua filosofia concepções e fórmulas mistéricas, como p. ex., quando compara a subida para a contemplação do ser real e da resplandecente beleza do ser divino (Fedro, 249-250b) a um autêntico rito de iniciação. Por este e outros lugares vê-se claramente que os mistérios já não são ritos sagrados, mas ideias e doutrinas cuja verdade, escondida embora, pode ser compreendida por aqueles que não se poupam à disciplina e aos esforços por ela exigidos. Aqui a iniciação é o caminho que tem de percorrer a inteligência humana para chegar à plenitude da contemplação. Este entendimento do mistério como sabedoria ou doutrina da união da alma com o divino, iniciado por Platão, irá conhecer uma longa história, através de Fílon de Alexandria e do neoplatonismo, o há-de levar até aos grandes místicos da Idade Média. De natureza ritual e cultural que antes era, o conceito de mistério assume cada vez mais forma e caráter ontológico a indicar não já o que não convém proclamar mas aquilo que por sua mesma natureza é inefável ou indizível. E mais tarde estender-se-ia do domínio religioso e filosófico para o domínio profano, a significar até, por analogia, segredos de ordem pessoal e familiar. 

Desde muito cedo que mistério faz parte do vocabulário cristão, a significar inicialmente os acontecimentos fundamentais da vida de Jesus, particularmente o seu nascimento e morte, bem como as figuras e os acontecimentos do Antigo Testamento que, num sentido alegórico, prefiguram "mistérios do Logos" (São Justino, Apologia, I, 13; Diálogo, 74, 91).

Logo que o conceito grego de mistério se alterou, a partir, sobretudo, da teologia alexandrina e do neoplatonismo, foram entendidas como mistérios todas as grandes verdades da religião cristã. Conduzida por Cristo, na sua função de mistagogo, o gnóstico cristão terá de passar por iniciação nos pequenos mistérios (como por exemplo a doutrina sobre a criação do mundo) antes de chegar à iniciação nos grandes mistérios da comunhão com o Logos celeste e do conhecimento da Trindade (Cl. de Alexandria, Strómata, 4,3,1). Daqui o aproveitamento analógico da terminologia dos mistérios pagãos, p. ex., nas Catequeses mistagógicas de São Cirilo de Jerusalém, a propósito, designadamente, do Batismo e da confirmação, e, mais tarde na Mistagogia de São Máximo, o Confessor, meditação doutrinal sobre a liturgia eucarística. 

Mas a noção de mistério cristão, tal como foi introduzido e descrito pelos Padres da Igreja tem a sua origem não nos mistérios da religiões pagãs, mas em São Paulo, que, por sua vez, a recolheu da Bíblia e, mais propriamente, dos Livros da Sabedoria e do Apocalipse. Com efeito, o mistério paulino é o segredo da sabedoria de Deus, o seu desígnio de salvação universal, inacessível à inteligência humana, e que Ele revela quando e a quem lhe apraz. A epístola dos Efésios aprofunda esta noção, mostrando na Igreja o cumprimento do "mistério da vontade divina", a "economia do mistério oculto em Deus desde toda a eternidade", no qual se revelam todas as dimensões da caridade divina num conhecimento que excede toda a humana capacidade (3, 9-19). Enquanto os mistérios do paganismo não passam de uma simples projeção da fecundidade da vida cósmica que sem cessar morre e renasce, do mesmo modo que os deuses não passam de uma personificação mítica dos poderes da terra e do céu, os mistérios cristãos celebram os desígnios do amor criador e salvífico de um Deus que se fez homem para salvar todos os homens, comunicando-lhes a sua própria vida imortal. O mistério apresenta-se, deste modo, como o além de todos os problemas: o que nele se dá é o absolutamente Insolúvel, a Luz inacessível na qual se encerram e esclarecem todos os problemas. 

Inteligíveis em si mesmos e para a inteligência divina, os mistérios cristãos podem ser-nos comunicados por revelação. E, uma vez revelados, é possível demonstrar que não são absurdos e que o seu sentido pode ser apreendido ainda que por simples analogia e de uma maneira muito imperfeita. Como observa Blondel, existem no mistério, mesmo antes da fé, aspectos que não deixam a razão indiferente ou totalmente cega; e na fé existem aspectos que a meditação e a experiência esclarecem parcialmente. De resto, as verdades reveladas dirigem-se à inteligência a solicitar a sua adesão não de um modo cego ou irracional, mas por um ato de fé razoável, enquanto apoiado em motivos de credibilidade que revelam e garantem extrinsecamente a sua verdade. 

Em termos estritamente filosóficos, G. Marcel estabelece uma antinomia entre problema e mistério: o problema é de natureza impessoal e objetivo, capaz de obter solução que o suprime como total; o mistério, pelo contrário, é pessoal e não objetivável, na medida em que o próprio sujeito nele se encontra necessariamente comprometido de tal modo que só existe a alternativa de o rejeitar ou aceitar (cf. G. Marcel).

O mistério não só não limita a razão, mas constitui, por assim dizer, o seu horizonte último enquanto base de nossa existência espiritual. Sem se deixar reduzir ou absorver pela razão - essencialmente capacidade de abertura e de acolhimento -, o mistério aparece à experiência transcendental que o espírito tem de si mesmo como o termo indizível e jamais atingido do seu próprio dinamismo. (3)

Mistagogia. Do grego ____, iniciação ou interpretação dos mistérios. Pertence ao vocabulário das religiões mistéricas clássicas e, nesse sentido, pode encontrar-se em Plutarco, Jâmblico, Proclo. Passa para os textos do Cristianismo primitivo, que tenta expressar a Revelação cristã em termos de uma cultura pagã, aplicando por vezes terminologias oriundas dos cultos e dos ritos do paganismo, embora com sutis e inevitáveis alterações de sentido. 

No Cristianismo, acentua-se o caráter mistérico das verdades reveladas, já que ultrapassam as capacidades da razão para as estabelecer só por si. Daí a ligação intrínseca de mistagogia, mistério e mística, traçando a ideia da comunicação voluntária e amorosa de Deus ao homem e, paralelamente, a exigência de uma iniciação. A dualidade escondido/revelado aparece como essencial ao mistério e à própria mistagogia. A ele se liga a noção de transcendência divina, que, acentuando a limitação do espírito e do agir humanos, salvaguarda sempre o essencial do mistério - inatingível na sua totalidade, apesar das sucessivas e diversas revelações - e revela a precariedade e a relatividade de todas as mitagogias. 

Tratada abundantemente por São Paulo, a ideia de mistério e a da sua iniciação centra-se em Cristo - mediador e revelador -, cumpre-se na Igreja e nos seus membros, e implica uma mística que origina uma iluminação especial, que envolve e ultrapassa o cristão desencadeando um movimento de aperfeiçoamento e transformação espiritual...

Se a finalidade do mistério para o homem é o de ser revelado, apreendido mediante uma iniciação no plano do conhecimento, do agir e do amor, implica sempre não só a disposição do homem mas a comunicação, como dom do divino, na inacessibilidade. Daí a gradação de toda a mistagogia desde o conhecimento pela fé à experiência mística. a iniciação do crente no mistério de Deus, como o acentuam todos os grandes autores de Justino a Orígenes, Gregório de Nissa, Agostinho, escapa assim a toda e qualquer técnica de ordem psicológica ou ascética. (3)

(1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.

(2) HUXLEY, Sir Julian e outros. O Pensamento: Filosofia, Religião, Moral. Publicações Europa-Americana, 1970 (Glossário).

(3) LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990.


Pensamentos

"Rodeia-nos o mistério, e tudo quanto vemos e fazemos todos os dias é o que mais mistérios encerra." (H. F. Amiel)

"Pensar é um mistério; falar outro; o homem não passa de um abismo." (Jaime Balmes)

"É temeridade querermos fazer da nossa fraquíssima mente juiz das obras de Deus, e chamarmos vão e supérfluo tudo quanto, no universo, não nos serve." (G. Galilei)

"A principal doença do homem é a curiosidade das coisas que ele não pode conhecer." (Blaise Pascal) 

"Odeio aquele que vive com curiosidade das coisas ocultas." (Sófocles)

"Os homens propendem mais facilmente a crer no que não compreendem. E as coisas obscuras e misteriosas exercem sobre eles uma atração mais forte que as que são claras e fáceis de compreender." (Tácito) 

"O mistério do amor é mais profundo que o mistério da morte." (Oscar Wilde)