Isaias 52,13-53,12
A segunda parte do Livro do Profeta Isaias (Deutero-Isaias, Capítulos 40-55), se dedica ao trabalho da escola de profetas seguidores de Isaias, junto ao povo que havia sido levado para sua segunda temporada de escravidão da Babilônia.
A tarefa do profeta era ajudar o Povo redescobrir a sua identidade, levantar a cabeça, identificar a presença do Deus Criador, Libertador e Salvador no meio da vida arrasada deles, e percorrer o caminho de volta. Os quatro Cânticos tem o papel de identificar o Servo, que ao mesmo tempo é um alguém (Isaias ou Jeremias?) e o próprio povo sofrido, o resto fiel, o anawin, o povo oprimido.
O Deutero-Isaias mostra que este povo não é um povo abandonado e esquecido, mas por causa da sua maneira de viver “Não gritará, não clamará, não fará discursos nas ruas. ... Com toda a dedicação, ele anunciará a minha vontade. Não se cansará, nem desanimará até que todos aceitem a minha vontade”. (1º Cantico) é o escolhido por Deus com a missão de libertar e levar de volta para a casa do Pai não somente o seu grupo mas todas as nações. São preparados, ensinados e acompanhado por Deus (Cânticos 1, 2, e 3).
O 4º Cântico é o Cântico da virada em favor do servo, resultado não da derrota do opressor – aquele que causou a perda de identidade, a fome, o sofrimento, a escravidão -, mas da sua conversão motivado pela fidelidade do Servo, aquele que recusou desviar o rosto até o fim.
Este Cântico é a primeira leitura da Liturgia de Sexta-feira da Paixão, e a leitura do Evangelho é a Paixão e Morte de Jesus. Com isso o servo não é mais um alguém ou um povo, agora é Jesus, a encarnação dessa fidelidade até a morte. Com isso Jesus transforma a Cruz e a morte, que até então eram sinais de derrota e fracasso, em Vida Nova e Vitoria.
No 4o Cântico temos várias personagens – Javé, o profeta e os causadores do sofrimento do povo. Quem abre e fecha o Cântico é Javé. Depois a intervenção do profeta, e diante da resistência calada do Servo os responsáveis pelo sofrimento toma a palavra. O Cântico termina com a palavra do profeta e de Javé.
Costumamos colocar as palavras dos responsáveis pelo sofrimento e não-vida do povo na boca do próprio povo, que apenas serve para aumentar o sofrimento do servo. É a leitura que os grandes sempre fizeram para nós, a leitura que joga a culpe do sofrimento na s costas do sofredor. As cores talvez possam ajudar.
A divisão do Cântico:
52.13 - O Senhor fala.
52.14-15, - O profeta fala.
53.1-9 - As nações falam.
53.10 - 0 profeta fala.
53.11-12 - O Senhor fala.
O Cântico
52, 13 O SENHOR Deus diz: “Tudo o que o meu servo fizer dará certo; ele será louvado e receberá muitas homenagens.
14 Muitos ficaram horrorizados quando o viram, pois ele estava tão desfigurado, que nem parecia um ser humano.
15 Mas agora muitos povos ficarão admirados quando o virem, e muitos reis não saberão o que dizer. Pois verão coisas de que ninguém havia falado, entenderão aquilo
53 1 O povo diz: “Quem poderia crer naquilo que acabamos de ouvir? Quem diria que o SENHOR estava agindo?
2 Pois o SENHOR quis que o seu servo aparecesse como uma plantinha que brota e vai crescendo em terra seca. Ele não era bonito nem simpático, nem tinha nenhuma beleza que chamasse a nossa atenção ou que nos agradasse.
3 Ele foi rejeitado e desprezado por todos; ele suportou dores e sofrimentos sem fim. Era como alguém que não queremos ver; nós nem mesmo olhávamos para ele e o desprezávamos.
4 “No entanto, era o nosso sofrimento que ele estava carregando, era a nossa dor que ele estava suportando. E nós pensávamos que era por causa das suas próprias culpas que Deus o estava castigando, que Deus o estava maltratando e ferindo.
5 Porém ele estava sofrendo por causa dos nossos pecados, estava sendo castigado por causa das nossas maldades. Nós somos curados pelo castigo que ele sofreu, somos sarados pelos ferimentos que ele recebeu.
6 Todos nós éramos como ovelhas que se haviam perdido; cada um de nós seguia o seu próprio caminho. Mas o SENHOR castigou o seu servo; fez com que ele sofresse o castigo que nós merecíamos.
7 “Ele foi maltratado, mas agüentou tudo humildemente e não disse uma só palavra. Ficou calado como um cordeiro que vai ser morto, como uma ovelha quando cortam a sua lã.
8 Foi preso, condenado e levado para ser morto, e ninguém se importou com o que ia acontecer com ele. Ele foi expulso do mundo dos vivos, foi morto por causa dos pecados do nosso povo.
9 Foi enterrado ao lado de criminosos, foi sepultado com os ricos, embora nunca tivesse cometido crime nenhum, nem tivesse dito uma só mentira. ”
10 O SENHOR Deus diz: “Eu quis maltratá-lo, quis fazê-lo sofrer. Ele ofereceu a sua vida como sacrifício para tirar pecados e por isso terá uma vida longa e verá os seus descendentes. Ele fará com que o meu plano dê certo.
11 Depois de tanto sofrimento, ele será feliz; por causa da sua dedicação, ele ficará completamente satisfeito. O meu servo não tem pecado, mas ele sofrerá o castigo que muitos merecem, e assim os pecados deles serão perdoados.
12 Por isso, eu lhe darei um lugar de honra; ele receberá a sua recompensa junto com os grandes e os poderosos. Pois ele deu a sua própria vida e foi tratado como se fosse um criminoso. Ele levou a culpa dos pecados de muitos e orou pedindo que eles fossem perdoados. ”
Conversão do opressor.
A grande virada neste Cântico visionário, profético e escatológico, é a conversão do opressor. O 4o Cântico é uma escada com cinco degraus do processo de conversão daqueles que causavam a opressão:
1. Antes da conversão - Is 53.1-3
2. Início da conversão — Is 53.4-6
3. Aprofundamento da conversão — Is 53.7-9
4. A conversão se expressa — Is 53.10
5. Deus confirma a prece — Is 53.11-12
Quando o povo se separa de Deus e segue seus próprios caminhos, brota a situação onde é necessário voltar a reorientar-se pela palavra do Senhor. Portanto, a intenção dos Quatro Cânticos é levar o Povo de Deus, a Comunidade e cada um de nós, a uma reflexão sobre a vida, o mundo, a guerra, a fome, o desemprego e o abandono de refugiados, crianças e idosos, e a maneira de ser fiel a Javé. A Comunidade de Deus quer ser a Serva de Deus, ou seja, quer atuar e servir ao Reino de Deus.
Este anúncio nos Quatro Cânticos está carregado de coragem e ânimo para o povo sofredor, difamada por aqueles que acham que os cristãos não têm nada a ver com os problemas desta vida: sem-terra, sem-teto, sem-salário, sem-saúde, sem-emprego, sem-dignidade, sem-respeito, sem-direitos. Vítimas de guerras eda ganancia de apenas uns poucos.
O Quarto Cântico é uma profecia. Fala do futuro que ainda não chegou, mas fala como se já tivesse chegado. Nele se descreve o resultado da missão do Servo, que orientou toda a sua luta, desde o primeiro passo.
Por isso, Sexta-Feira Santa é uma celebração de fé e com fé nos acontecimentos do Antigo e do Novo Testamento, e ao mesmo tempo é um desafio para deixar a nosso vida ser guidão pelo Servo de Deus, Jesus, e se ela precisar ser também Servo de Deus neste mundo. Jesus passa a ser o caminho por onde a Comunidade passa. Jesus sofre a ação dos opressores do seu tempo, mas não se deixou ser dominado por eles.
Sexta-Feira Santa chama a nossa atenção não só para a violência e a prepotência dos opressores, mas principalmente para a atitude de Jesus na cruz: ao sentir-se abandonado “meu Deus, meu Deus, porquê me abandonastes” teve a confiança para dizer, “em tuas mãos entrego o meu espirito”. E ao olhar para seus assassinos teve a humanidade-divina de poder dizer: perdoai–lhes ó Pai, eles não sabem o que estão fazendo”. Estas duas atitudes de Jesus na cruz são pistas para a vida cristã hoje. Pois, ser fiel ao Pai até o último respiro, e poder perdoar quem está acabando com a vida em todos os seus níveis é o caminho que fé em Javé exige para a libertação deste nosso mundo marcado pelo pecado.
Confiar em Deus — abandonar-se nas mãos de Deus — foi a exigência feito por Javé em Ur dos Caldeus, durante a escravidão do Egito, no deserto a caminho da Libertação, na Terra Prometida, na Babilônia, nos primeiros tempos da era Cristã. E continua sendo o desafio lançado para nós em tempos da destruição da natureza, guerras entre povos, e desrespeito generalizado para tudo e todos. Ao invés de confiar na força, na violência, na bomba ou na prepotência, fé em Deus significa olhar para a cruz e tudo que morrer crucificado significava, e continua significando. Significa olhar também para quem estava pregado nela e o que estava defendendo aquela sexta-feira de lua cheia 2000 anos atrás.
Os cinco degraus do processo de conversão podem nos ajudar a pensar:
l - Antes da Conversão — Is 53.2-3.
Desprezo pelo fraco e impotente, e fazê-lo sentir culpado pela situação em que se encontra.
2- Início da Conversão — Is 53.4-6.
É quando se começa a perceber que o pobre, na realidade, é um empobrecido. Que tem algo e alguém por detrás. Ao perceber uma relação direta entre o que alguns tem e o que a grande maioria não tem, inicia-se o processo de mudança.
3 -Aprofundamento da Conversão — Is 53.7-9.
Os detentores dos bens e dos recursos do mundo passar a perceber, sentir, e ser incomodado pela paciência, resistência e a não violência do povo sofrido – seguindo o exemplo do Servo e de Jesus. Eles começam a ter consciência, e sentir os abusos sofridos pelos pobres.
4 - A Conversão se expressa — Is 53.10
“Ele ofereceu a sua vida como sacrifício para tirar pecados e por isso terá uma vida longa e verá os seus descendentes”. Quem foi, direta ou indiretamente responsável pelo sofrimento e não-vida do povo sofrido (do Servo), começa a reconhecer que não é o crucificado que é o responsável pela situação. A partir desse momento começa a brotar a nova realidade, a nova sociedade, sem opressor e oprimido, uma sociedade de irmãos e irmãs. Aquela sociedade retratada nos Capítulos 2 e 4 do Livro dos Atos dos Apóstolos; o Novo Céu e a Nova Terra do Livro do Apocalipse. A visão de Isaias no Capitulo 65 do seu livro “As coisas antigas nunca mais serão lembradas, nunca mais voltarão ao pensamento” (v17).
5 - Deus confirma a prece — Is 53.11-12
Deus confirma que o seu Servo deu a sua própria vida e foi tratado como se fosse um criminoso, levando a culpa dos erros de muitos e pediu que eles fossem perdoados. A vitória será do Servo, dos pobres, que apesar de serem esmagados foram fieis até o fim.
E fica a pergunta: quando que isto vai acontecer? Mas que vai acontecer vai, e quem garante isso é o próprio Javé. “Os meus pensamentos e as minhas ações estão muito acima dos seus. A chuva e a neve caem do céu e não voltam até regar a terra, fazendo as plantas brotarem, crescerem e produzirem sementes para darem alimento para as pessoas. Assim também é a minha palavra: ela não volta para mim sem nada, mas realiza tudo o que eu prometo”. (Is 55,9-11).
Aprendemos de Jesus
O que é amar
A vida entregar
O pecado eliminar
Para o mal aniquilar
O obstáculo superar.
A partir da cruz
Aprendemos a compaixão
Não a indiferença
Aprendemos o perdão
Não a vingança
Aprendemos a mansidão.
Os braços abertos
De Jesus na cruz
É o abraço da ternura de Deus
Que nos acolhe
Nos liberta
E nos salva.
Mostra-nos
O caminho para a fraternidade
Que somos chamados a viver
Na família e na sociedade
Na comunidade eclesial
E com toda a criação.
“Temos uma esperança
Na sua cruz
Fomos curados
E abraçados
Para que nada e ninguém
Nos separe do seu amor redentor”.
A partir da sua cruz
Jesus transforma
A dor em amor
Em libertação
Em salvação
Em vida.
A cruz de Jesus
Não permanece
Confinada em si mesma
Ela se insere
Na paixão dolorosa do mundo
Na solidariedade com os crucificados.
Hoje há muitos
Filhos e filhas de Deus
Sendo crucificados
Pela injustiça e a corrupção
Pela pobreza e a violência
Pelo preconceito e a exclusão.
Cristo do alto da cruz
Continua gritando
Por liberdade
Por paz
Por verdade
Por reconciliação.
+ Fontinele
Jesus disse: Tudo está consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o seu espírito.
Iniciemos a celebração da Sexta-feira santa, em clima de recolhimento, com os ministros celebrantes prostrando-se diante do altar, acompanhados por toda a comunidade, de joelhos, em silêncio. Adoremos o mistério da entrega por Jesus de sua própria vida por cada um de nós e por toda a humanidade:
“Ninguém tem maior amor do que aquele que a própria vida por seus amigos” (Jo 15, 13).
Jesus nos assegura que:
“Se o grão caído na terra, não morrer, ficará sozinho. Se morrer, dará muito fruto” (Jo 12, 24).
No domingo de Ramos e da Paixão ouvimos no evangelho de Lucas o relato das últimas horas de Jesus, como foi conservado pelas comunidades sobretudo de pagãos convertidos ao evangelho e que o reconheceram ao pé da cruz, nas palavras do centurião romano:
“Verdadeiramente, este homem era inocente” (Lc 23, 47).
Hoje somos colocados diante da longa e meditada narrativa das comunidades do apóstolo João, o discípulo amado, que estava ao pé da cruz e recebe de Jesus a incumbência de velar por sua mãe Maria. A narrativa está recolhida nos capítulos 18 e 19 do seu evangelho. Ela deixa entrever que, sob a aparente derrota de Jesus açoitado e crucificado, vai prevalecer a luz do ressuscitado, a vitória do amor, da bondade e da vida sobre o ódio, a maldade e a morte.
Vamos seguir esse fio que vai sendo desenrolado por João no seu relato da paixão e morte de Jesus.
Ele omite aquela dolorosa cena no horto das oliveiras, com a angustiada oração de Jesus, em que gotas de suor de sangue correm por sua face e na qual, abandonado pelos discípulos, ele clama a Deus:
“Pai, afasta de mim este cálice” (Lc 22, 42).
Em vez disto, é ele quem dá as ordens aos guardas que o cercam:
“Se é a mim que procurais, deixai então que estes se retirem”, para que se cumprisse a profecia: “Não perdi nenhum daqueles que me confiastes” (18, 8-9).
A Pedro, que avança contra o servo do Sumo Sacerdote e lhe corta a orelha direita, ordena:
“Guarda tua espada na bainha. Não vou beber o cálice que o Pai me deu?” (18, 11).
Na casa de Anás, sogro do sumo sacerdote Caifás, não fica calado e reage ao guarda que lhe dá uma bofetada:
“Se respondi mal, mostra-me em que, mas se falei bem, por que me bates?” (18, 23).
Fica calado diante da pergunta de Pilatos, o todo poderoso procurador romano, que procura humilhá-lo:
“Não me respondes? Não sabes que tenho autoridade para te soltar e autoridade para te crucificar?”
Jesus contesta sua autoridade: “Tu não terias autoridade alguma sobre mim, se ela não te fosse dada pelo alto” (19, 9-11).
Jesus permanece dono de sua vida e de sua morte. Ao ser covardemente entregue por Pilatos, que lava suas mãos, para ser crucificado, João diz que “Jesus tomou a cruz sobre si e saiu resolutamente para o lugar chamado Calvário, em hebraico Gólgota” (19, 17).
Não há um Cirineu que carregue a cruz no seu lugar.
“E ali o crucificaram, um à sua direita e outro à sua esquerda e Jesus no meio” (19, 18).
Em lugar do desesperado grito do humano desamparo de Jesus diante da morte, registrado pelo evangelista Marcos, “Eloi, Eloi, lemá sabachtáni (que significa: Deus meu, por que me abandonaste?” (Mc 15, 34), o evangelista João registra como últimas palavras de Jesus:
“Tudo está consumado. E inclinando a cabeça entregou seu espírito” (Jo 19, 30).
Acompanhemos Jesus nesta sua serena e confiante entrega de sua vida nas mãos do seu Pai, que não o abandona e vai ressuscitar a ele e também a nós resgatados por seu amor consumado no martírio.
Sigamos também com as três Marias que ficam junto a ele ao pé da cruz, por laços de sangue e de amor, Maria, a mãe de Jesus e sua irmã, Maria de Cléofas e ainda Maria Madalena, acompanhadas por João, o discípulo que Jesus amava.
e elas nos representam ao pé da cruz no nosso propósito de seguir Jesus como discípulas e discípulos na sua morte e na sua ressurreição
Pe. José Oscar Beozzo
<jbeozzo@terra.com.br>
“A esperança nasce do amor e funda-se no amor que brota do coração de Jesus trespassado na Cruz” (Papa Francisco, Bula n. 3).
O mistério Pascal constitui o núcleo central da fé cristã, ou seja, a paixão-morte e ressurreição de Jesus de Nazaré e a efusão do Espírito sobre toda a Criação.
Este mistério pascal se estende também a todo o povo crucificado, ou seja, a esta grande maioria da huma-nidade que vive explorada e marginalizada, vítima dos interesses de uma minoria. Por isso, crer no Crucifica-do implica fazer descer da Cruz todos os que estão dependurados nela.
Mas a imagem da crucifixão se aplica também à situação de nossa Terra, explorada, desertificada, contami-nada, com a biodiversidade destruída e os oceanos transformados em cemitérios.
Por sua atitude de arrogância e de autossuficiência, o ser humano explorou exaustivamente a Terra herdada e a destruiu, depredou, aniquilou, tomou posse dela... Assim, não foi respeitoso para com o Criador que a ele reservou a missão de cuidar do seu jardim e de compartilhar os seus frutos.
Há um clamor generalizado que emerge da realidade desafiante enfrentada pela humanidade: o planeta Terra está gravemente enfermo. As consequências trágicas estão presentes por toda parte. O desequilíbrio dos ecossistemas pode comprometer, de forma irreversível, todas as formas de vida sobre a terra. Estamos diante da “Terra crucificada”.
A vida cristã significa encontro e seguimento de Jesus de Nazaré, libertador e fundamento de nossa esperança. Na realidade, a esperança cristã nasce a partir da morte de um homem simples e pobre, assassi-nado numa cruz, desprotegido, abandonado, condenado injustamente como um homem perigoso, porque se rebelou contra as estruturas religiosas e contra os poderosos daquele tempo.
Jesus, o Justo e Santo, foi Aquele que não ficou indiferente diante da fome, da doença, da violência e da morte... Seu modo de ser, suas opções, sua liberdade diante da lei, da religião, do templo, seus encontros escandalosos com os pobres e excluídos..., desestabilizou tudo, pôs em crise as instituições e as pessoas encarregadas da religião. Jesus foi condenado como herege e subversivo, por elevar a voz contra os abusos do templo e do palácio, por colocar-se do lado dos perdedores, por ser amigo dos últimos, de todos os caídos. Tornou-se um perigo a ser eliminado.
“Jesus morreu de vida”: de bondade e de esperança lúcida, de solidariedade alegre, de compaixão ousada, de liberdade arriscada, de proximidade curadora...
Nesse sentido, a cruz de Jesus não é um “peso morto”; ela tem sentido porque é consequência de uma opção radical em favor do Reino. A Cruz não significa passividade e resignação; ela nasce de sua vida plena e transbordante; ela resume, concentra, radicaliza, condensa o significado de uma vida vivida por Jesus na fidelidade ao Pai que quer que todos vivam intensamente.
A vida humana é fecunda, é potencialidade, é explosão de criatividade... Assim como na semente há vida latente esperando a oportunidade de expandir-se, também no ser humano encontram-se ricas possibilida-des, esperando a morte do “eu mesquinho”, para se plenificarem.
Alguém já teve a ousadia de afirmar que a morte é mais universal que a vida; todos morrem, mas nem todos sabem viver, porque incapazes de re-inventar a vida no seu cotidiano e alimentar uma ousada esperança. Por isso, viver é uma arte; é necessário reinventar a vida no dia a dia, carregá-la de sentido.
A maior perda da vida é aquilo que “resseca” dentro de cada um, enquanto vive: sonhos, criatividade, intuição, esperança. “A tragédia não é quando um ser humano morre; a tragédia é aquilo que morre dentro da pessoa enquanto ela ainda está viva” (Albert Schweiter).
Uma vida pensada sem “mortes” perde-se, no final, na total irresponsabilidade. E viver significa esvaziar-se do ego para deixar transparecer o que há de divino em seu interior. O grão de trigo que não morre, apodrece, e não multiplica as mil possibilidades latentes em seu interior.
O “depois da vida” é um grande encontro onde seremos perguntados: “o quanto você viveu sua vida?”
Quando fazemos o percurso em direção ao Gólgota, em comunhão com Aquele que foi fiel até o fim, não estamos fazendo um ato derrotista, nem de tristeza inútil, nem de mergulho na escuridão existencial. Estamos fazendo uma profissão de fé na força da esperança.
Esperança é uma virtude vencedora. Quando tudo parece perdido, irremediável, destruído, ela comparece
para salvar. Ela é capaz de transformar a derrota em vitória, o perigo em alívio, o desespero em alegria. A esperança é tão poderosa que consegue tirar do domínio da morte os que não veem mais razões para viver.
A esperança transforma as cinzas em fênix, a cruz em sinal de vida, as lágrimas em vitória. A esperança é a última que morre, diz o jargão popular. Ela é desprezada pelos pessimistas, ameaçada pelos gananciosos, agredida pelos incrédulos. Da esperança tudo renasce, ainda que pareça impossível recomeçar.
O pecado costuma bloquear a esperança, causar o desânimo e desiludir quem ia bem e de repente cai. A esperança é uma senhora que vem dar a mão àquele que se desiludiu consigo mesmo ou com a situação em que foi precipitar-se.
Embora tudo pareça arruinado, há uma potência interior que não permite ao ser humano desistir de si mesmo nem dos outros. Ela recobra a energia do perdão, o ânimo para não desistir, a confiança nas pessoas, a amizade que ficou ameaçada, a fidelidade a uma causa nobre.
A esperança é filha da fé e ambas se juntam para que aconteça a caridade.
Ao entrar no caminho do Calvário, mergulhamos no mar da esperança e dele saímos transformados, renovados em nosso ânimo e certos de que a morte não tem a última palavra, pois a Cruz já aponta para a Ressurreição, e aquilo que parecia não ter mais remédio encontrou vida nova.
Podem nos roubar a paz, a honra, a dignidade, a saúde, a alegria, a confiança, mas não podem nos roubar a esperança, se cremos na força criativa de nós mesmos, na capacidade de reerguer do chão, mesmo se a queda se repetiu três vezes no caminho do Gólgota.
O Jesus que seguimos até o Calvário nos levará à Páscoa. A esperança não nos será roubada, a alegria voltará a acontecer, pois não estamos sozinhos. Ele vive entre nós!
“Esperamos contra toda a esperança”, como Abraão, Maria e o próprio Jesus.
Textos bíblicos: Mc 14 e 15
Na oração: A dor, como consequência de uma opção de vida, é o subsolo do qual brota a esperança.
O sofrimento não se anula nem se nega, mas está sempre transpassado pela esperança.
A esperança que brota do sofrimento possibilita um “perene nascer do coração”.
Na Paixão, tornamo-nos solidários com a dor de um Homem que espera, apesar de tudo, e que se abre à dor de todos, encontrando na solidariedade e na dor dos outros, razões para relativizar sua própria dor.
Jesus foi realmente o homem solidário com a dor da humanidade para contagiar a todos com sua esperança de vida plena e definitiva. Jesus assume a dor de todos e des-vela o ser humano à luz da esperança.
Esperança de vida: a Cruz – que se completa com a mensagem da ressurreição, com a qual forma um único acontecimento – proclama que a Vida não morre; que, inclusive naquelas circunstâncias nas quais parece que tudo é fracasso, a Vida abre caminho; nenhuma morte é o final.