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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO
1ª Leitura: Jeremias 31, 7-9
Salmo Responsorial 125(126)R- Maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria!
2ª Leitura: Hebreus 5,1-6
Evangelho de Marcos 10,46-52
Chegaram a Jericó. Quando Jesus estava saindo da cidade, acompanhavam-no os discípulos e uma grande multidão. O mendigo cego, Bartimeu, filho de Timeu, estava sentado à beira do caminho. 47 Ouvindo que era Jesus Nazareno, começou a gritar: “Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim”. 48 Muitos o repreendiam para que se calasse. Mas ele gritava ainda mais alto: “Filho de Davi, tem compaixão de mim”. 49 Jesus parou e disse: “Chamai- o!” Eles o chamaram, dizendo: “Coragem, levanta-te! Ele te chama!” 50 O cego jogou o manto fora, deu um pulo e se aproximou de Jesus. 51 Este lhe perguntou: “Que queres que eu te faça?” O cego respondeu: “Rabûni, que eu veja”. 52 Jesus disse: “Vai, tua fé te salvou”. No mesmo instante, ele recuperou a vista e foi seguindo Jesus pelo caminho.
Mc 10,46-52
O relato da cura do cego de Jericó, o filho de Timeu (Bartimeu), tem alguns elementos paradoxais.
Primeiro paradoxo. O cego, está condenado pela doença e é reprimido pelas pessoas que o repreendem e ordenam que ele não grite nem incomode. Mesmo que não possa ver e seja impedido pelas pessoas, o cego vê melhor do que todos. Ele vê o que os outros não veem. Ao ouvir que Jesus estava passando, ele começou a gritar: “Filho de Davi, tem piedade de mim”. Aquele cego, tem uma fé que o faz ver. O seu grito é uma confissão messiânica: Filho de Davi! Sua fé é ainda imperfeita, mas ela tem olhos que penetram no mistério da pessoa de Jesus: ele é o Filho de Davi. Ele não tem olhos, mas vê pela fé.
Outro paradoxo. Depois que Jesus o chama, algumas pessoas o encorajam: “coragem, levanta-te, Jesus ter chama!”. Nesse momento, o cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. Não é ele um cego? Como pode ele reagir dessa maneira (jogar o manto, dar um pulo e ir até Jesus)? Não se espera essa reação de um cego. Mais uma vez, aquele que não vê, demonstra nas suas atitudes que enxerga o que outros não veem.
Mais um paradoxo. É evidente o que o cego precisa: ele não enxerga, está privado da luz deste mundo. E mesmo assim, Jesus lhe pergunta: O que queres que eu te faça? Era preciso perguntar? Não era evidente que ele era cego? Jesus pergunta porque não se trata só de milagre. Jesus deseja dar ao cego mais do que a luz deste mundo. Por isso engaja o cego no processo da cura para dar-lhe a luz mais preciosa da fé.
O cego respondeu: Mestre, que eu veja! Ao que Jesus responde: “Vai, a tua fé te curou”. O cego que já enxergava melhor do que todos, agora tem sua vista recobrada. E uma vez que enxerga, ele começa a seguir Jesus.
A cura do cego Bar-Timeu retrata o nosso itinerário cristão. Somos chamados por Jesus, e Ele nos ilumina. Uma vez que fomos chamados por Jesus, podemos ir a Ele. O chamado nos conduz ao seguimento de Jesus.
Jesus continua perguntando a nós: o que queres que eu te faça?
O cego jogou o manto, deu um salto e foi até Jesus” (Mc. 10,50)
30º DTC, ano B Marcos 10,46-52 – 27-10-24
Bar-Timeu: “bar”, em aramaico, significa “filho de”. Ele é um homem sem nome, conhecido simplesmente como filho de Timeu. Está sentado num ponto estratégico, mendigando às margens da estrada. Todos os peregrinos passam por ali para ir a Jerusalém. Marcos nos fala da “marcha decidida”, encabeçada por Jesus, em direção à Cidade Santa. Esta marcha estremece, dá medo, pois não se realiza nas melhores condições. Em três ocasiões anteriores Jesus já tinha predito sua paixão e morte em Jerusalém, nas mãos das autoridades, civis e religiosas. Os discípulos, também com medo, o seguiam; pouco a pouco muitas pessoas vão se somando à peregrinação: uma “multidão considerável”, nos diz o evangelista.
É o caminho da fidelidade no seguimento de Jesus. Identificar-se com Ele é levar até as últimas consequências o compromisso em favor da vida e dos mais excluídos.
À beira deste caminho, um cego está atento, pois é difícil que alguém passe por este ponto sem perceber a presença dele. Só ele sabe o incômodo que é estar cego, esmolar, vivendo fora da cidade, à margem do caminho.
A hora é agora e não há tempo a perder diante de tamanha oportunidade: a passagem do “Filho de Davi”.
Aquele que não via, vê Alguém muito especial que passa; e Aquele que passa é o Filho de Davi, o Messias aguardado por tantas gerações.
Ao mesmo tempo, o cego reconhece que Ele tem poderes terapêuticos e que pode curá-lo de sua cegueira.
Assim, do meio do barulho dos passos, da balbúrdia e do vozerio das pessoas, brota, da boca do cego, uma invocação incontrolável, cada vez mais persistente; uma oração, um ato de fé:
“Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim”.
Surpreende-nos a variedade de nomes e qualificativos em sua maneira de dirigir-se a Jesus. Certamente já ouvira falar sobre Ele e reconhece que Ele vem da parte de Deus e que age com autoridade.
Soa o primeiro “kyrie eleison”, que depois repetiremos constantemente nas comunidades cristãs.
Os “guardiões da ordem” o repreendem para que se cale esta voz incômoda que vem da margem.
Aqueles que acompanham a Jesus não querem saber nada dos problemas do cego. É como se dissesse: “na situação em que te encontras não tens direito a protestar nem a gritar. Aguenta e cala-te!”. São “muitos” que fazem caminho com Jesus, mas não têm a sensibilidade de descobrir a necessidade dos outros.
Mas a voz suplicante chega aos ouvidos de Jesus; este deixa-se afetar por ela e “se detém” no caminho.
Jesus interrompe bruscamente a sua caminhada apressada para Jerusalém. Ele ouve e pede para chamar justamente aquele cujo grito perturbava e incomodava a “tranquilidade” da multidão que o seguia.
O relato deste domingo tem pouco a ver com outros relatos de cura em Marcos.
É Jesus que chama o cego, pergunta o que ele quer, admite o título de “Filho de Davi”, não o afasta da multidão, a cura não é acompanhada de nenhum gesto, não o manda guardar silêncio a respeito da cura...
Os dois ainda não se conheciam, mas era forte, em ambos, o desejo de se encontrar.
Aquele que vê com os olhos da fé, quer ver com os olhos físicos. O cego levanta-se de um pulo, deixa de lado seu manto, sem hesitar: sua riqueza, sua segurança, seu teto... e entra na luz do olhar de Jesus.
Bartimeu não está mais excluído, às margens da estrada. Agora, ele se encontra no centro da cena: face a face com o “Filho de Davi”. Na verdadeira fé a luz interior envolve todo o seu corpo. Jesus acende os sentidos do cego e este recupera sua visão. Curado, ele se incorpora à marcha e segue alegremente Àquele que vai na frente.
A partir de agora ele poderá ver, não apenas o rosto das pessoas, a cor de uma flor, o sorriso de uma criança, o encanto da aurora ou o pôr-do-sol, mas, sobretudo, poderá ver a própria existência, o sentido das coisas, da história, dos acontecimentos humanos e da vida...
Finalmente, Bartimeu poderá decidir aonde ir, o que fazer da própria vida e como dirigir-se ao próprio Deus. Jesus não o segura; não o convida a segui-lo, mas oferece a capacidade de ver na direção certa; oferece-lhe a liberdade; ajuda-o a descobrir que, o desejo de viver, de caminhar, de gritar, nasce da fé.
E, naquela liberdade total, interior, faz a sua opção decidida: “...e seguia-o pelo caminho”. Esta frase expressa mobilidade e proximidade. Depois da experiência do encontro com Jesus, Bartimeu passou da imobilidade ao movimento, da exclusão à inclusão, do afastamento à proximidade...
Para ele, a obscuridade se tornou luz; a marginalidade se tornou estrada; a estraneidade se tornou familiaridade; a liberdade se tornou gratidão; a solidão se tornou seguimento...
E tudo isso começou de um grito... e de um salto.
A capa, que antes o acompanhava e o protegia, agora é abandonada. Fica lá, na beira da estrada, marcando o lugar da mudança. A imagem que ela representava é coisa do passado. A capa continua lá no mesmo lugar, mas Bartimeu, agora tomado pelo olhar de Jesus, é homem do caminho, discípulo, seguidor...
Ao chamado de Jesus, reage dando um salto. Salta para um novo ver, salta ainda mais para um novo ser.
Salta da vida sem graça, limitada a pedinte da margem do caminho, para a graça da vida de caminheiro solidário rumo à transformação.
O relato evangélico deste domingo também nos ajuda a recuperar o sentido de nossa visão, normalmente possessiva, estreita e interesseira. Nossa maneira de ver, nesta cultura da imagem, está muito condicionada pelos grandes meios de comunicação, que constantemente nos transmitem informações sobre a realidade, segundo a visão e o interesse dos donos. Gerou-se nas sociedades atuais uma maneira “comprada de ver”.
Por isso temos de libertar nossos olhares, tanto para olharmos a nós mesmos como para não entrarmos nas expectativas daqueles que nos olham com olhos que não respeitam nossa própria realidade pessoal.
É preciso olhar de outra maneira para ver e oferecer uma visão alternativa da realidade, para saber o que vivemos e a partir de onde o vivemos. Mas isso supõe um longo processo contemplativo que é inseparavelmente ascético e místico, íntimo e social, pessoal e comunitário.
Todos participamos de algum jeito das diferentes cegueiras deste mundo. Necessitamos de colírios que nos devolvam a vista, como a Igreja de Laodicéia (Apc 3,18).
Todos precisamos libertar o olhar de nossas cegueiras para contemplar a realidade como Deus a olha.
Precisamos voltar a receber, muitas e muitas vezes, esse olhar primeiro e originante de Deus, que pôs seus olhos sobre a criação, sobre cada criatura, fixa-se nela e a vê como boa e preciosa.
Nossa presença consiste em recuperar esse olhar de benção sobre nós e sobre o mundo. Com muito mais motivo sobre aqueles rostos que não encontram razões para serem considerados bons, formosos e atrativos.
São muitos os que, à beira da estrada, clamam para serem escutados e olhados de maneira compassiva, sem a frieza do julgamento, sem intolerância e preconceito.
É preciso “cristificar” nosso olhar para ativar uma sensibilidade solidária e comprometida.
Para meditar na oração:
Orar com os olhos é dar o salto. Do simples “ver” a um sereno e profundo “olhar”. E deste, a um “sentir-nos olhados” muito mais amorosamente...
Ao orar, precisamos “olhar” e “sentir-nos olhados”.
“O olho através do qual eu vejo Deus é o mesmo olho através do qual Deus me vê” (Angelo Silésius).
Para orar, basta aprender a olhar e a sentir-nos olhados.
Se pretendemos aprender a “olhar com amor”, sintamo-nos olhados desse modo.
- Além de olhar tudo com paz, se você quiser converta cada olhar em oração; olhe tudo com carinho.
- Recorde todos os “olhares amorosos” que Deus foi depositando sobre você ao longo da vida.
- Procure sempre que seu olhar seja límpido, sem filtro, isto é, isento de preconceitos.
- Coração e olhos espreitam na mesma direção. São os puros de coração os que verão a Deus (Mt. 5,8).
Leituras
Primeira leitura - Jeremias 31,7-9
Salmo 125 (126) 1- 6 - R/3
Segunda leitura - Hebreus 5, 1-6
Evangelho - Marcos 10, 46 - 52 (Cura do cego de Jericó)
1- Situando-nos
Jesus fez muitos milagres, curou doenças, multiplicou os pães, ressuscitou mortos, em meio a todas suas atividades para anunciar a Boa Nova do reino. Em primeiro lugar é bom que se diga que, esses sinais milagrosos, não eram para Jesus o aspecto principal de sua missão, pois, pode-se dizer que, para o poder que ele tinha, fez poucos milagres. Não era a isto que se dedicava. Para além dos milagres, está a preocupação final de Jesus não somente com o bem estar material das pessoas que curou, e sim o despertar da fé e a promoção da salvação dos pecados pessoais e sociais, a libertação moral e integral das pessoas. Ele manifesta isso nas palavras dirigidas ao cego Bartimeu: a tua fé te curou! O cego recupera a visão pela fé. A visão, pura e simples, não o teria levado, necessariamente, à fé, porque sua cura é fruto de sua fé em Jesus e não consiste apenas em recuperar a vista, mas em sua entrega ao seguimento pelo caminho. Seguir Jesus, na perspectiva do reino, é o horizonte para onde apontam os milagres.
No caminho para Jerusalém, cidade que mata impiedosamente seus profetas, Jesus caminha resolutamente e passa por Jericó, às margens do rio Jordão e a 30 km de Jerusalém. Vai se juntar a Jesus um acompanhante especial: um mendigo cego que estava sentado à beira do caminho, com seu manto estendido para recolher esmolas. Este homem, ao ficar sabendo que pelo seu caminho vinha Jesus, começou a gritar com força para superar o barulho da multidão e todos os obstáculos: Jesus, filho de Davi, tem compaixão de mim!
Jesus mandou chamá-lo, contrariando a vontade de seus discípulos, que queriam silenciá-lo. À pergunta de Jesus, o quê quer que eu lhe faça? a resposta do cego é óbvia: Mestre, que eu enxergue!
Ao afirmar que sua fé o curou, Jesus queria deixar claro que a fé do suplicante desencadeia os favores divinos.
No mesmo instante o cego recobrou a vista e seguia Jesus pelo caminho, abandonando o manto, o único bem que possuía. O manto simboliza sua vida anterior, as falsas seguranças de sua pobre condição humana. Ele não necessita mais da sociedade estabelecida, por que inicia uma vida nova.
Ao abrir os olhos de Bartimeu, Jesus se revela a todo o povo de Israel, pois fazer um cego enxergar era sinal messiânico de destaque e Bartimeu tornou-se o representante do cumprimento dessa profecia. Jesus não lhe proíbe publicar o acontecido. Pelo contrário, ele segue Jesus, pois é chegada a hora de revelar seu messianismo, não somente aos iniciados, mas à multidão reunida em Jerusalém.
Jesus não faz nenhum gesto de cura, porque a fé do cego era de excelente qualidade. Como último milagre de Jesus, este fato tem um sentido catequético, pois na pessoa de Bartimeu, temos a figura do discipulado radical: verdadeiro discípulo é aquele que, pela fé, enxerga e segue a Jesus.
Este seu desejo de enxergar supera a profissão de fé de Simão Pedro que, após confessar Jesus como Messias, queria impedi-lo de sofrer. Supera os doze apóstolos que, disputavam entre si, quem seria maior no reino e também os filhos de Zebedeu que buscavam privilégio. Ele é o modelo de toda pessoa que precisa abrir os olhos, tomar consciência, comprometer-se e seguir Jesus até o fim.
2- Recordando a Palavra
Primeira leitura- Jeremias 31,7-9. A restauração da vida comunitária dos cegos, no tempo messiânico, é uma profecia que alimentou a esperança do povo de Israel e Samaria, deportados em 721 a.C. Foi reinterpretada também para ajudar aos exilados em 586 a.C.
Na profecia de Jeremias 3, 18, Deus mesmo reunirá as tribos dispersas e as consolará. A cura de cegos e coxos é a mais bela imagem da Utopia Messiânica: uma cidade onde não mais houvesse cegos e coxos mendigando e o povo respondendo à comiseração de Deus, cantando, saltando, dançando e pulando de alegria (Sl 118 e Mc 11,9).
Segunda leitura - Hebreus 5, 1-6. Jesus é o único escolhido entre os homens para ser sumo e eterno sacerdote, como mediador e pontífice entre Deus e a humanidade. O sumo sacerdote no Antigo Testamento deveria comiserar-se dos fracos, por ser ele também um ser humano rodeado de fraquezas. Mas esta vocação foi, muitas vezes, deturpada.
A eleição de Jesus dá pleno comprimento a estas exigências. Sua misericórdia mostra-se, sobretudo, na sua agonia, gemidos, gritos, suor e lágrimas. Sua vocação e eleição realizam o sentido messiânico expresso nos Salmos 2 e 110.
Evangelho - Marcos 10, 46–2.O último milagre de Jesus em Marcos está no final de sua caminhada a Jerusalém, na cura do cego de Jericó, o Bartimeu. Há um cumprimento das profecias messiânicas em Jesus, o filho de Davi.
aNa cura do cego, Jesus expressa sua compaixão por aquele que está à margem do caminho. Surge uma contradição: os discípulos continuam cegos e querem afastá-lo de Jesus e abafar seu grito. Aquele que era cego passa a enxergar e se faz discípulo de Jesus. Esta cegueira continuará nos discípulos, até mesmo na hora da cruz, pois foi um pagão que proclamou a profissão de fé em Jesus como o Filho de Deus (Mc 15,39).
3- Atualizando a Palavra
Nos domingos anteriores acompanhamos Jesus e os apóstolos na caminhada rumo a Jerusalém, que foi uma grande instrução sobre como seguir a Jesus e assumir a cruz. Vimos também que essa instrução encontrou cabeças duras impenetráveis.
O cego Bartimeu de Jericó é a expressão dos gritos da fé dos pobres e marginalizados. Essa fé o curou e o libertou de todas as amarras e mazelas, tornando-o modelo para quem assume o discipulado radical. Ao estar sentado à beira do caminho, cego e mendigando, sua situação lembra todos os que vivem à margem da sociedade, cuja sobrevivência depende da compaixão das pessoas. Depois de enxergar, iluminado por Jesus, ele não voltará mais à sociedade que o marginalizou, mas o seguirá no caminho.
A sociedade que manda o cego calar é a mesma que tenta silenciar o Mestre, eliminando-o. Fazem isso por medo, pois Jesus é aquele que aproxima os marginalizados, chama-os pelo nome, toca-os, liberta-os e com eles estabelece comunhão. Fazem de tudo para silenciar quem perturba as consciências adormecidas, agita e desestrutura tudo que está estabelecido, invertendo as regras do jogo e denunciando a cegueira de quem afirma enxergar. Estes são os profetas do agouro que tentam abafar o clamor de um povo, que se sabe criado para ser livre.
A cura de Bartimeu é um sinal, uma luz que se acende nas trevas da cegueira, símbolo da incredulidade. Ele representa o ser humano desamparado, cego e mendicante, mas, ao mesmo tempo, alguém resoluto e tenaz, que não se envergonha de gritar e reconhecer-se limitado e não deixa passar ao largo a oportunidade que lhe surge. Todos, em maior ou menor grau, estamos refletidos em Bartimeu, necessitados de luz, de alegria e de salvação. Resta-nos, clamar, ficar de pé, abandonar nosso manto, aproximar e alcançar a cura interior e exterior que nos capacita para a libertação.
A fé nos dá olhos novos para ver a vida. Necessitamos crer para ver, como no caso de Bartimeu, crer para curar a nossa cegueira. Uma fé que é capaz de curar a cegueira, não é cega, mas, pelo contrário, é luz que ilumina a vida do ser humano. Fé cristã é uma forma de nos colocarmos responsavelmente diante da vida, superando o fatalismo, o fanatismo e o egoísmo.
A história da humanidade está repleta de testemunhas, homens e mulheres, convertidas a Deus e ao serviço dos irmãos, que fizeram uma estremecedora experiência com a pessoa de Jesus e ganharam olhos novos para contemplar o mundo com os olhos de Deus.
Os sinais milagrosos de Jesus não têm por objeto solucionar o problema do mal no mundo. Não era essa a sua missão. Eram sinais de uma libertação mais radical que só pode ser compreendida através da fé. Nosso compromisso com a superação das causas da miséria e a dor, a favor da Justiça é carregada da consciência de que nossa contribuição insubstituível e decisiva é o anúncio da fé e a libertação da raiz das servidões do pecado. Nossa evangelização deve ser fiel àquilo de que é testemunha: o compromisso com a justiça e a graça que alimenta a fé nos salva e nos compromete com a superação de toda exclusão.
A Palavra ilumina, a oração e os sacramentos fortalecem o compromisso com a justiça, assumido pela fé. Mas a fé tem o seu próprio caminho. Este caminho encontra sua descrição na profecia da volta jubilosa dos exilados à pátria, numa grande liturgia messiânica.
Para este caminho da fé, Jesus chama a todos, também aos fracos, os coxos e cegos para a grande volta e os enche de consolação e alegria. Na profecia de Jeremias torna-se fácil ler nas entrelinhas as características da conversão,à qual, também nós, somos continuamente chamados. Trata-se de um refazer, de voltar o caminho percorrido, da libertação de uma escravidão humilhante e a redescobertade uma alegria antes esquecida.
O caminho da fé é nos sentimos, de novo, cercados pelos braços amorosos do Pai que nos acolhe outra vez em seu amor.
A liturgia de hoje nos apresenta um itinerário de conversão e de abertura à gratuidade do amor incondicional de Deus e a participação ativa do ser humano em busca da terra prometida.
Temos aí um verdadeiro ritual catecumenal, cujas etapas sucessivas descreve a iniciação à vida cristã. Tudo começa por uma manifestação de Jesus na vida de quem está à beira do caminho, de forma misteriosa, dialogante, respeitosa e includente. O cego não vê Jesus, mas tem a intuição da presença do Senhor nos acontecimentos de sua vida. Ele já exprime sua fé entregando-se à iniciativa salvífica de Deus e é necessária toda coragem para manter o propósito de abertura aos apelos do Mestre. O candidato à fé se sente assim amado e encorajado para dar o salto na vida.
Converter-se, levantar se, ressuscitar e lançar fora o manto ou despojar-se do homem velho tornam-se sinais do compromisso definitivo no seguimento a uma pessoa que não o abandonará no caminho.
4- Ligando a Palavra com a ação litúrgica
No episódio do cego curado, apresenta-se um itinerário para o discipulado hoje:
1- libertar a consciência dos que estão sentados à beira do caminho, conformados, vivendo de esmolas e migalhas que caem da sociedade opulenta e excludente;
2- Assumir o compromisso transformador, iluminado pela fé, unindo nosso clamor aos de Jesus, dirigidos ao Pai, comprometidos com os cegos e marginalizados da sociedade;
3- Levantar-se, abandonar nossos mantos, caminhar ao encontro de Jesus, apresentando-lhe nossos desejos mais profundos.
Para captar os sinais de Deus na história humana,no caminho pessoal de cada um e, sobretudo, na pessoa de Jesus, o grande sinal do Pai é o sacramento do encontro do ser humano com Deus.
A fé e o amor estão em mútua referência, pois a fé autêntica se mantém ativa pela caridade.
Deus é pai dos sofredores e indefesos,dos marginalizados e oprimidos,que são sua família, seus filhos primogênitos, aos quais está reservada a herança do Senhor.
As comunidades cristãs já tomaram consciência disso? O que tem feito para devolver a vida aos que dela foram privados? O cego Bartimeu representa a todos os que desejam seguir Jesus até o fim. O que significa, dentro da realidade brasileira, não se calar e jogar fora o manto, enxergar e comprometer-se com Jesus? Jesus está a caminho da morte e ressurreição. O sacerdócio de Jesus é feito de sofrimento, morte e ressurreição. Assim, ele nos aproximou, de modo extraordinário, do único Deus. Quais as consequências disso para a caminhada da comunidade?
O cristianismo conheceu durante estes vinte séculos um desenvolvimento doutrinal muito importante e gerou uma liturgia e um culto muito elaborados.
Após vinte séculos, a maior contradição dos cristãos é pretender sê-lo sem seguir a Jesus.
Estamos cegos e não vemos onde está o essencial da fé cristã.
O artigo é de José Antonio Pagola, teólogo espanhol, comentando o Evangelho do 30º Domingo do Tempo Comum – B (Marcos 10,46-52), publicado por Religión Digital, 21-10-2024.
Eis o artigo.
No início, o cristianismo era conhecido como "o Caminho" (Atos dos Apóstolos 18,25-26). Mais do que entrar em uma nova religião, "tornar-se cristão" significava encontrar o caminho certo da vida, caminhando nas pegadas de Jesus. Para eles, ser cristão significava seguir a Cristo. Isso é o fundamental, o decisivo.
Hoje as coisas mudaram. O cristianismo conheceu durante estes vinte séculos um desenvolvimento doutrinal muito importante e gerou uma liturgia e um culto muito elaborados. Já faz muito tempo que o cristianismo é considerado uma religião.
Por isso, não é estranho encontrar pessoas que se consideram cristãs simplesmente porque foram batizadas e cumprem seus deveres religiosos, embora nunca tenham encarado a vida como um seguimento de Jesus Cristo. Este fato, hoje bastante generalizado, seria inimaginável nos primeiros tempos do cristianismo.
Esquecemos que ser cristão é seguir Jesus Cristo: movimentar-se, dar passos, caminhar, construir nossa vida seguindo suas pegadas. Nosso cristianismo, às vezes, fica em uma fé teórica e inoperante ou em uma prática religiosa rotineira. Não transforma nossa vida em seguimento a Jesus.
Após vinte séculos, a maior contradição dos cristãos é pretender sê-lo sem seguir a Jesus. Aceita-se a religião cristã (como se poderia aceitar outra), pois ela dá segurança e tranquilidade diante do "desconhecido", mas não se entra na dinâmica do seguimento fiel a Cristo.
Estamos cegos e não vemos onde está o essencial da fé cristã. O episódio da cura do cego de Jericó é um convite para sair de nossa cegueira. No início do relato, Bartimeu "está sentado à beira do caminho". É um homem cego e desorientado, fora do caminho, sem capacidade de seguir a Jesus. Curado de sua cegueira por Jesus, o cego não só recupera a visão, mas se torna um verdadeiro "seguidor" de seu Mestre, pois, desde aquele dia, "seguia-o pelo caminho". Esta é a cura de que precisamos.
COMENTANDO
Finalmente, após longa travessia, chegam a Jericó, última parada antes da subida para Jerusalém. O cego Bartimeu está sentado à beira da estrada. Não pode participar da procissão que acompanha Jesus. Mas ele grita, invocando a ajuda de Jesus: “Filho de Davi! Tem dó de mim!” O grito do pobre incomoda. Os que vão à procissão tentam abafá-lo. Mas “ele gritava mais ainda!” E Jesus, o que faz? Ele escuta o grito, para e manda chamá-lo! Os que queriam abafar o grito incômodo do pobre, agora, a pedido de Jesus, são obrigados a ajudar o pobre a chegar até Jesus.
Bartimeu larga tudo e vai até Jesus. Não tem muito. Apenas um manto. Mas era o que tinha para cobrir o seu corpo (cf. Ex 22,25-26). Era a sua segurança, o seu chão! Jesus pergunta: “O que você quer que eu faça?” Não basta gritar. Tem que saber por que grita! “Mestre, que eu possa ver novamente!”. Bartimeu tinha invocado Jesus com ideias não inteiramente corretas, pois o título “Filho de Davi” não era muito bom.
O próprio Jesus o tinha criticado (Mc 12,35-37). Mas Bartimeu teve mais fé em Jesus do que nas suas ideias sobre Jesus. Assinou em branco. Não fez exigências como Pedro. Soube entregar sua vida aceitando Jesus sem impor condições. Jesus lhe disse: “‘Tua fé te curou!’ No mesmo instante, o cego recuperou a vista”. Largou tudo e seguiu Jesus no caminho para o Calvário (10,52).
Sua cura é fruto da sua fé em Jesus (Mc 10,46-52). Curado, Bartimeu segue Jesus e sobe com ele para Jerusalém. Tornou-se discípulo modelo para Pedro e para todos os que queremos “seguir Jesus no caminho” em direção a Jerusalém: acreditar mais em Jesus do que nas nossas ideias sobre Jesus! Nesta decisão de caminhar com Jesus estão a fonte da coragem e a semente da vitória sobre a cruz. Pois a cruz não é uma fatalidade, nem uma exigência de Deus. Ela é a consequência do compromisso assumido com Deus de servir aos irmãos e de recusar o privilégio.
ALARGANDO
A fé é uma força que transforma as pessoas
A Boa Nova do Reino anunciada por Jesus era como um fertilizante. Fazia crescer a semente da vida que estava escondida no povo, escondida como fogo em brasa debaixo das cinzas das observâncias sem vida. Jesus soprou nas cinzas e o fogo acendeu, o Reino desabrochou e o povo se alegrou. A condição era sempre a mesma: crer em Jesus.
A cura de Bartimeu (Mc 10,46-52) esclarece um aspecto muito importante da longa instrução de Jesus aos discípulos. Bartimeu tinha invocado Jesus com o título messiânico “Filho de Davi” (Mc 10,47). Jesus não gostava deste título (Mc 12,35-37). Porém, mesmo invocando Jesus com ideias não inteiramente corretas, Bartimeu teve fé e foi curado.
Diferentemente de Pedro (Mc 8,32-33), acreditou mais em Jesus do que nas ideias que tinha sobre Jesus. Converteu-se, largou tudo e seguiu Jesus no caminho para o Calvário (Mc 10,52). A compreensão plena do seguimento de Jesus não se obtém pela instrução teórica, mas sim pelo compromisso prático, caminhando com ele no caminho do serviço, desde a Galileia até Jerusalém.
Quem insiste em manter a ideia de Pedro, isto é, do Messias glorioso sem a cruz, nada vai entender de Jesus e nunca chegará a tomar a atitude do verdadeiro discípulo. Quem souber crer em Jesus e fazer a “entrega de si” (Mc 8,35), aceitar “ser o último” (Mc 9,35), “beber o cálice e carregar sua cruz” (Mc 10,38), este, como Bartimeu, mesmo tendo ideias não inteiramente corretas, conseguirá enxergar e “seguirá Jesus no caminho” (Mc 10,52). Nesta certeza de caminhar com Jesus estão a fonte da coragem e a semente da vitória sobre a cruz.
Texto extraído do livro “Caminhando com Jesus”, Círculos Bíblicos do Evangelho de Marcos. CEBI Publicações.
Estamos no fim da caminhada de Jesus desde Cesareia de Felipe até a sua morte e ressurreição em Jerusalém. Com o texto de hoje, Marcos encerra o bloco da caminhada da cura da cegueira de seus discípulos. A cura do cego Bartimeu é o último milagre de Jesus relatado por Marcos.
O texto começa com um senso de urgência – chegaram a Jericó e logo saíram. Parece que Jesus tem pressa para caminhar até Jerusalém desde Jericó. E lá está o cego Bartimeu. Onde? Sentado à beira do caminho! Enquanto Jesus está “a caminho” com seus discípulos, o cego está à beira do caminho, sentado! Simboliza todos os que não conseguem caminhar no discipulado e estão parados, à beira do caminho do seguimento de Jesus.
Este texto está bem carregado de sentido. Logo que Bartimeu fica sabendo que é Jesus quem passa, ele grita: “Filho de Davi, tem compaixão de mim!” É de novo um dos temas centrais da Bíblia – o grito do pobre e sofrido! Desde o grito do sangue de Abel, passando pelo grito do Êxodo, de Jó, dos pobres nos Salmos, de Bartimeu, de Jesus na Cruz, dos martirizados do Apocalipse, o tema do grito do sofrido perpassa toda a Escritura, com a garantia de que Deus escuta o seu clamor. Mas, a reação dos transeuntes é de que Bartimeu se cale! O poder dominante sempre quer abafar o grito do excluído. Isso não mudou até os dias de hoje. É só verificar o pouco caso que a nossa sociedade faz diante da opressão e massacre dos povos indígenas, diante de sofrimento dos excluídos e marginalizados pela sociedade de consumo. Até nas igrejas existe quem não queira ouvir o grito, e faz de tudo para abafar qualquer iniciativa popular.
Mas Deus escuta!
Com um fino toque de ironia, o texto mostra como, por causa da atitude de Jesus, os mesmos que o mandaram calar, agora têm que convidá-lo para falar com Jesus. Porém, para isso Bartimeu tem que lançar fora o manto, a única coisa que ele possuía, a sua única segurança. É a sua roupa, o seu cobertor à noite, o que ele usa para recolher as esmolas. Ele o joga fora, embora seja cego, sem ter certeza que vai ser curado. Como os primeiros discípulos no lago (Mc 1,18.20), ele aprende que não é possível seguir Jesus sem deixar algo, sem arriscar a segurança humana para experimentar a mão de Deus (cf. Mc 6,8-10).
É bom notar que Jesus não parte imediatamente para a ação. Ele respeita a liberdade do cego e pergunta “o que quer que eu faça por você?” (v. 51). Pois, Jesus não obriga ninguém a se libertar. Há quem prefere ficar sentado à beira do caminho, no seu comodismo, quem não opta pela libertação. Mas, Bartimeu quer ver de novo. Diferente do cego de nascença em João 9, Bartimeu enxergava anteriormente e tinha perdido a visão. Aqui ele simboliza a comunidade marcana por volta do ano 70, que tinha perdido a clareza da fé. Mais uma vez, precisava o toque de Jesus para que voltasse a ver claramente.
Curado, Bartimeu recebe licença para ir, para seguir a sua vida. Mas, ele faz outra opção: “no mesmo instante o cego começou a ver de novo e seguia Jesus pelo caminho” (v. 52).
Ele usava para Jesus um titulo não muito adequado: “filho de Davi”. Em Mc 12,35-37, Jesus fez restrições a este título messiânico. Bartimeu, embora não tivesse clareza na mente, tinha a prática certa: seguir Jesus pelo caminho. Aqui, Marcos faz contraste com a figura de Pedro, que tinha o título certo para Jesus: “Tu és o Messias” (Mc 8,29). Tinha, porém, a prática errada, pois não queria que Jesus caminhasse a Jerusalém para a doação total da sua vida, na Cruz. Aqui, o modelo de discípulo não é Pedro, mas Bartimeu. Pois, mais importante do que os títulos e expressões teológicas, sem negar a sua importância, é a prática do seguimento de Jesus. É um alerta para todos nós, para que a nossa prática seja coerente com a nossa fé, no seguimento de Jesus, em favor do Reino de Deus e seus valores.
(Traduzido pelo Tradutor Google sem nossa correção. Pode haver algumas palavras mal traduzidas)
XXX DOMINGO DO ANO – CICLO “B”
Primeira leitura (Jr 31,7-9):
Neste capítulo 31 de Jeremias o Senhor dirige-se aos sobreviventes de Israel com uma mensagem de esperança: haverá um novo êxodo e uma peregrinação a Sião, inaugurando uma era de alegria e bem-estar. Com efeito, a marcha pelo deserto é pensada como uma peregrinação ao santuário e é convidada a aclamar e exultar pelo resto de Israel que regressa à sua terra natal após o exílio. Descobre-se o esquema do êxodo: no exílio são reunidos, conduzidos pelo deserto e levados para a pátria. Será o tempo de consolação para Israel porque, apesar do pecado, rompendo a aliança, a paternidade de Deus é o que garante a esperança do seu perdão que resgatará e restaurará o povo arrependido, Efraim, seu primogênito.
Evangelho (Mc 10,46-52):
É importante considerar primeiro o contexto deste evangelho porque conclui o troço do caminho para Jerusalém (Mc 8,27-10,52) e inclui a cura do cego de Betsaida (cf. 8,22-26). quem está no início disso. Ao mesmo tempo serve de transição com o episódio que se segue, a entrada em Jerusalém (cf. 11,1-11), com quem tem em comum a expressão “filho de David” para se referir a Jesus (10,47.48). //11, 10).
Nesta seção do evangelho o tema dominante é o caminho (o`do,j aparece em 8,27; 9,33,34; 10,17,32.46,52 ) . Diretamente ligado ao tema do caminho está o de ‘ seguir Jesus ’ (o verbo akolouzein referente a Jesus está presente em 8,34; 9,38; 10,21.28.32.52 ) . Este seguimento de Jesus foi dificultado pela cegueira humana, pela falta de uma visão de fé diante do mistério da cruz. Vemos isso na falta de compreensão dos discípulos manifestada em suas reações “desviadas” ao tríplice anúncio da paixão por Jesus (cf. 8:32ss; 9:32ss; 10:35-41).
Agora vamos continuar com a análise do texto:
O texto situa-nos em Jericó, que fica a 28 km a nordeste de Jerusalém e é a última etapa obrigatória no caminho para a cidade santa. Segundo o evangelho, Jesus estava saindo de Jericó quando encontrou o cego. A multidão o segue e tem um papel ativo na história (vv. 48-49). Este é o mesmo grupo que recebeu instruções sobre monitoramento em 8.34. Todos caminham enquanto o cego está à beira da estrada (cf. a semente que cai “à beira da estrada” em Marcos 4,4.15). A cegueira o marginaliza tanto a nível social - ele tem que mendigar - como a nível religioso, uma vez que não pode entrar no templo por ser considerado um homem impuro. Sabemos que por trás desta avaliação está a concepção comum no AT de que toda doença tinha como raiz o pecado (Cf. Jo 9,2-3).
O evangelho nos diz que Bartimeu “Ouvi dizer que era Jesus” (10:47). A escuta é sempre o primeiro passo na conversão à fé (cf. 5,27). Neste caso, dada a condição cega de Bartimeu, é mais destacada a preeminência do ouvir sobre o ver para conhecer Jesus .
A escuta segue a palavra do cego; e mais que uma palavra é um grito de súplica . A expressão “Jesus, Filho de David, tem misericórdia de mim” (υἱὲ Δαυὶδ Ἰησοῦ, ἐλέησόν με em Mc 10,47), é ao mesmo tempo um grito de súplica angustiada e também uma confissão de fé. Na verdade, o contexto do Evangelho de Marcos prova-nos que o título “filho de David” tem uma conotação messiânica (cf. 11,10; 12,35), pelo que podemos aproximar esta expressão da confissão de
Pedro em Cesaréia de Filipe: “Tu és o Messias” (8:29). Quanto ao conteúdo da súplica, podemos dizer que ela contém as nuances de pedir compaixão, misericórdia ou misericórdia típicas do verbo grego e vlee,w. Mas este termo deve ser entendido no contexto do AT.
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onde costuma traduzir o termo hebraico hesed , que expressa a bondade e o amor fiel de Deus pelo povo da Aliança. Segundo isto, «o grito de socorro “Senhor, tem piedade de mim” torna-se uma profissão de fé no poder divino de Jesus” 1 .
A multidão quer silenciá-lo e assim impedir a sua conversão, mas o cego grita mais alto, indicando a firmeza da sua decisão (v. 48).
Então Jesus manda chamá-lo. Este chamado é comum porque o verbo fwne,w é usado enquanto o chamado dos discípulos é expresso com o verbo kale,w. Agora a multidão colabora, atua como intermediária. Ao se sentir chamado, Bartimeu “joga fora o seu manto”, o que pode ser um sinal de desapego. Jesus lhe pergunta: “O que você quer que eu faça por você?” (10,51 igual a 10,36). A resposta do cego foi imediata: “Mestre, posso ver (ou posso recuperar a visão”: ραββουνι, ἵνα ἀναβλέψω). Não há curas sem diálogo, o que nos revela que para Jesus o fundamental é o encontro pessoal com Ele.
Diante deste pedido do cego Bartimeu, a resposta de Jesus é surpreendente: “Vai, a tua fé te salvou” (ὕπαγε, ἡ πίστις σου σέσωκέν σε. em 10,52). Essa expressão já apareceu em 5.34 (cura de hemorróidas). Agora nos perguntamos: qual foi o ato de fé do cego? A confissão messiânica “Filho de Davi” (8:29; 12:35) e o esforço para superar os obstáculos que o impediam de se aproximar de Jesus.
No nosso texto não há gesto de cura (cf. 8,23.25; Mt 20,33-34), mas apenas a referência à fé que salva. Isto indica que se trata mais do que recuperar a visão física, trata-se de acesso a Jesus e de uma união pessoal com Ele pela fé. O final da história confirma este significado profundo: “Imediatamente ele começou a vê-lo e a segui-lo pela estrada” (εὐθὺς ἀνέβλεψεν καὶ ἠκολούθει αὐτῷ ἐν τῇ ὁδῷ). O cego tornou-se seguidor de Jesus, ou seja, discípulo (há elementos comuns com Marcos 1,16-20, que narra a vocação dos primeiros discípulos); e o caminho que começa acompanhando Jesus é o da paixão 2 . Esta é a preocupação de Marcos: seguir Jesus até ao fim; e nesta fé se manifesta. Portanto, o simbolismo espiritual, eclesial e sacramental já está presente no próprio texto.
ALGUNS PENSAMENTOS:
Para meditar nesta Palavra de Deus podemos partir de uma certeza: todos amamos a luz e tememos as trevas. E isso porque todos nós precisamos de luz para podermos caminhar na vida. Todos nós queremos “ver”; e esta “ver” abrange não apenas a visão física; mas saber para onde ir, saber quais decisões tomar para seguir o caminho correto em nossa vida; e ser capaz de encontrar significado no que fazemos todos os dias.
Andar nas trevas, na cegueira espiritual, é andar na tristeza, na confusão, na solidão. Pelo contrário, caminhar na luz é ter encontrado a salvação, o sentido e a alegria de viver, a comunhão com os outros, a amizade com Deus. É por isso que Jesus responde ao cego Bartimeu dizendo: “Vai, a tua fé te salvou”. E imediatamente ele começou a vê-lo e a segui-lo pelo caminho ” .
Percebemos então a importância do evangelho de hoje na medida em que a cura do cego tem um valor simbólico e mostra a necessidade autêntica que todos temos de que Jesus cure a nossa cegueira, abra os nossos olhos e nos permita segui-lo no caminho do cruzar. Esta é a preocupação de Marcos: apresentar-nos uma saída para o obstáculo que o caminho da cruz representa para cada discípulo de Jesus. É necessário pedir a Jesus com fé: “Mestre, para que eu veja” (10,51). Alguns Padres da Igreja interpretaram o texto neste sentido, por exemplo São Jerônimo: “Cego é quem não conhece Cristo e a cura é dom da fé”.
Nesta linha compartilhamos o que Card diz. Martini 3 : “São Marcos assume que o ponto de partida da vida catecumenal, e da intimidade dos próprios Doze com Jesus, é reconhecer uma situação de ignorância: de não saber e de não compreender, de não ver claramente [...] ] É uma atitude que devemos despertar em nós cada vez que nos colocamos diante do mistério de Deus Porque só com esta atitude podemos colocar-nos na escuta mais atenta e humilde, prontos para perceber o que Deus quer nos comunicar.
Segundo M. Navarro 4 a cura do cego Bartimeu, juntamente com a cura da mulher hemorrágica e da mulher sirofenícia, fornecem-nos um modelo de fé capaz de entrar na fase final da vida de Jesus, na Paixão e na Páscoa . E todos eles já viveram algo do mistério pascal porque as suas vidas foram marcadas pelo sofrimento e pela marginalização; e por isso estão mais preparados para seguir Jesus até ao fim.
Disto também podemos deduzir que o mais preocupante ou grave não é a cegueira, de certa forma inerente à nossa condição humana, mas o orgulho que nos impede de assumir esta condição e pedir a Jesus que nos cure para que possamos compreender e siga-o. Como diz G. Thibon 5 : “ Não é a luz que falta ao nosso olhar, mas o nosso olhar que falta à luz ”.
Jesus oferece-nos a luz da fé, que nos ajuda a olhar a realidade sem a negar nem a mutilar; e que tem a capacidade de iluminar toda a existência do homem (cf. Francisco, LF n. 4). E recebemos esta luz de Jesus quando Ele nos revela o grande amor de Deus que nos transforma interiormente e nos dá novos olhos para ver a realidade (cf. LF n. 26).
É muito interessante o que aponta HU von Balthasar 6 : “Seu desejo de luz é a razão pela qual lhe é concedida a visão e é então capaz de seguir Jesus na estrada”. Portanto, que o nosso desejo de luz, de poder ver, se torne uma oração, uma súplica ao Senhor misericordioso que nos concederá o dom da fé. Hoje somos convidados a desejar esta luz que vem de Deus e a pedi-la humildemente na oração, como fez São John H. Newman: “Guia-me, boa luz, as trevas me cercam, guia-me para frente. A noite está densa e estou longe de casa, guie-me adiante. Proteja-me quando eu andar. Não estou pedindo que você veja o futuro com clareza, apenas um passo aqui e agora: apenas um passo, apenas o pão para hoje .”
E o pedimos com confiança, sabendo que «a luz da fé não dissipa todas as nossas trevas, mas, como uma lâmpada, guia os nossos passos na noite, e isto basta para caminhar. Ao homem que sofre, Deus não dá um raciocínio que explique tudo, mas responde com uma presença que o acompanha, com uma história de bem que une cada história de sofrimento para abrir nela uma fresta de luz. Em Cristo, o próprio Deus quis partilhar connosco este caminho e oferecer-nos o seu olhar para nos iluminar” (LF 57).
E finalmente, estando em ano de oração, é muito interessante o que o Papa Francisco propôs no Angelus de 24 de outubro de 2021: “A fé de Bartimeu reflete-se na sua oração. Não é uma oração tímida e convencional. Em primeiro lugar, chama o Senhor de “Filho de David”, ou seja, reconhece-o como o Messias, Rei que vem ao mundo. Depois chama-o pelo nome, com confiança: “Jesus”. Ele não tem medo Dele, não se distancia. E assim, de coração, ele clama a Deus, seu amigo, em todo o seu drama: “Tem piedade de mim”. Apenas aquela oração “tenha misericórdia de mim!” Ele não pede uma moeda como faz com os pedestres. Não. Daquele que tudo pode, tudo pede . Ele pede alguns centavos às pessoas, pede tudo a Jesus que tem o poder de fazer tudo. “Tenha piedade de mim , tenha piedade de tudo o que sou.” Ele não pede uma graça, mas apresenta-se: pede misericórdia para a sua pessoa, para a sua vida. Não é um pedido insignificante, mas é muito bonito, porque invoca a misericórdia, isto é, a compaixão, a misericórdia de Deus, a sua ternura.
Bartimeu não usa muitas palavras. Diz o essencial e confia-se ao amor de Deus, que pode fazer florescer novamente a sua vida fazendo o que é impossível para o homem. Por isso não pede esmola ao Senhor, mas manifesta tudo, a sua cegueira e o seu sofrimento, que vai além de não poder ver. A cegueira era a ponta do iceberg , mas no coração ele teria outras feridas, humilhações, sonhos desfeitos, erros, arrependimentos. Ele orou com o coração. E nós? Quando pedimos uma graça a Deus, colocamos em oração a nossa própria história, as feridas, as humilhações, os sonhos desfeitos, os erros, os arrependimentos?
“ Filho de Davi, Jesus, tem piedade de mim! ”. Vamos fazer esta oração hoje. E perguntemo-nos: “Como é a minha oração?” Cada um de nós se pergunta: como é a minha oração? Você é corajoso, você tem a insistência bem do de Bartimeu, sabe “agarrar-se” ao Senhor quando passa, ou contenta-se em cumprimentá-lo formalmente de vez em quando, quando me lembro? Essas orações mornas que não servem para nada. E também: a minha oração é “substancial”, revela o coração diante do Senhor? Posso apresentar-lhe a história e os rostos da minha vida? Ou é anêmico, superficial, feito de rituais sem carinho e sem coração? Quando a fé está viva, a oração é sincera: não pede dinheiro, não se reduz às necessidades do momento. Tudo é pedido a Jesus, que tudo pode. Não se esqueça disso. Tudo é pedido a Jesus, que tudo pode, com a minha insistência diante Dele Ele está impaciente para derramar Sua graça e alegria em nossos corações, mas infelizmente somos nós que mantemos distância, talvez por timidez, preguiça ou descrença.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
chame isso
O grito comovente de um cego foi ouvido entre o povo,
Surpreendeu a multidão
Mas em você teve outro eco
O chamado da fé tornou-se irresistível para você,
Ó Senhor! Você conhece aquele grito,
Sempre presente dentro de nós
Tantos querem silenciar, desligar, denunciar para você
E ainda assim esperamos pelo que você ordena:
-Ligue para ele!
Bem, somos todos cegos, você sabe disso bem
Você é a luz neste caminho escuro
Filho de Davi, te pedimos misericórdia, Mestre!
Queremos ver, atravessar a escuridão
Da mão daquele que os dissipa
Atravessar com você para a outra margem
Faça isso hoje, amanhã, todos os dias
E quando chegar o último, aquele do abraço eterno
Diante de você com visão clara: Presença Divina. Amém
[1] H. H. Esser, voz: Misericordia, en L. Coenen – E. Beyreuther – H. Bietenhard, Diccionario Teológico del Nuevo Testamento vol. III (Sígueme; Salamanca 1993) 100.
[2] Cf. J. Gnilka, El evangelio según san Marcos Vol. II (Sígueme; Salamanca 1993) 129.
[3] Evangelio y Comunidad Cristiana, Bogotá 1985, 28.30.-
[4] Marcos, Verbo Divino, Estella 2006, 389-390.
[5] Nuestra mirada ciega ante la luz (Patmos; Madrid 1973) 21.
[6] Luz de la palabra. Comentarios a las lecturas dominicales (Encuentro; Madrid 1998) 201.