Salmo Responsorial 24(25)-R- Senhor meu Deus, a vós elevo a minha alma
(ou: Não se envergonha quem em vós põe a esperança.
ou: É assim a geração dos que procuram o Senhor!)
2ª Leitura: 2ª Leitura: Romanos 8, 14-23
(ou Filipenses 3,20-21 ou: 1Jo 3,1-3)
Evangelho: Lucas 7, 11-17
(ou Lucas 23,44-46.50.52-53; ou 24,1-6; ou João 6,37-40; Mateus 5,1-12a; João 14,1-6).
DOM JÚLIO ENDI AKAMINE
Meu irmão, minha irmã!
Hoje é um dia para confessar: creio na ressurreição! Creio que a última palavra sobre nós e o mundo não é a morte, mas a ressurreição.
Somos seres destinados à morte. Nisto está nosso drama, pois por mais que amemos a vida, ela termina. Experimentamos a sede insaciável de vida, mas somos constantemente confrontados com a dura realidade da morte que não está fora de nós, mas inscrita em nossa condição humana. Ela não sobrevém a nós; nós é que somos mortais! Desde o nascimento estamos marcados por ela de tal forma que um recém-nascido já é bastante velho para morrer. Nascemos para morrer, e toda nossa existência corre em direção desse desenlace inevitável. Nossa impotência em mudar este constitutivo de nossa natureza é radical. Não há para nós nenhuma possibilidade de autossalvação! A morte acaba com nossas ilusões de um auto-aperfeiçoamento ilimitado.
A morte é um evento que me diz respeito. Não são os outros que morrem; sou eu que morro, ou meu pai, minha mãe, meu irmão que morre! A morte sempre será experimentada como um drama.
O nosso drama, porém, foi assumido por Jesus. Ele assumiu nosso morrer para evitar que o drama acabasse na tragédia. Quanto maior é a experiência de nossa impotência, com a qual afrontamos a morte, maior e mais radical aparece a esperança da ressurreição. A ressurreição não dissolve o drama, supera-o.
A ressurreição é uma outra palavra para definir a atitude de Deus em relação a nós. Deus nos criou do nada, mas ele não quer que retornemos ao nada porque Ele é fiel. É difícil acostumar nosso olhar e ver as coisas como Deus vê. Assumir o olhar de Deus significa abrir-se para uma grande esperança, começar a viver uma grande promessa. Deus nos revelou em Jesus Cristo que seu desejo mais ardente e sua vontade mais firme é a nossa vida e a do mundo. Por isso, em vez de falar de fim da vida, deveríamos falar de futuro da vida. A nós é dado assistir ao milagre do ser; somos convidados a acompanhar como Deus cria, mantém e faz desenvolver as coisas e as pessoas. Por isso, ressurreição significa professar nossa confiança inabalável em Deus. Sua fidelidade é tal que deseja- nos recriar. Este é um traço absolutamente singular do amor de Deus: Ele não rejeita a sua primeira obra, para começar uma totalmente nova.
Creio na ressurreição da carne! Deus ressuscita não somente uma parte de nós, mas nosso ser integral. Ele ama integralmente, por isso tudo ressuscita. Que diferença! Para nós as pessoas queridas continuam a viver em nossa memória, nos objetos que guardamos. Por mais que amemos, muita coisa se perde da pessoa que partiu. Mas para Deus nada é perdido.
Deus Pai não ama somente as moléculas que estão no corpo no momento da morte. Ele ama um corpo marcado pelos sofrimentos da vida. Ama um corpo marcado também pela nostalgia sem tréguas de uma peregrinação (longa ou breve não importa), e que no curso dessa peregrinação deixou muitas pegadas em um mundo que, justamente em virtude dessas pegadas, se tornou humano; ele ama um corpo que se nutriu continuamente com a abundância deste mundo a fim de que o homem não ficasse sem forças e sem caminho; um corpo que se chocou e se feriu com a dureza deste mundo, e traz ainda muitas cicatrizes, e ainda sempre carente de carinho continuou a expor-se. Ressurreição da carne significa que de tudo isso nada se perdeu para Deus, porque Ele ama o ser humano. Todas as lágrimas, Ele as recolheu, e nenhum sorriso lhe escapou. Tudo é acolhido pelo Pai e transfigurado de eternidade. Ressurreição da carne significa que em Deus iremos achar novamente não somente o nosso último suspiro, mas toda a nossa história.
Creio na vida eterna. Amém!
FINADOS: todos vivem n’Aquele que vive
Pe Adroaldo
“...que eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas os ressuscite no último dia” (Jo 6,39)
Ao celebrar o “Dia dos mortos”, todas as culturas e religiões, cada uma à sua maneira, intuíram o que não se pode dizer, ou o que só pode ser dito com muito recato: que a morte é passagem, eclosão, nascimento; que nela entramos nesse processo definitivo de libertação, de transformação, de acesso à Plenitude da Vida, à Comunhão dos santos, à Santidade de Deus...
Este dia, em que fazemos “memória daqueles(as) que já vivem a Páscoa definitiva”, é uma ocasião privilegiada para considerar a morte como evento humano e cristão; sabemos do seu aspecto doloroso, mas, a experiência cristã insiste que ela deve ser entendida também como um gesto de generosidade: “morrer é deixar um lugar para os outros”.
Participando da morte de Jesus, podemos também fazer de nossa morte um ato de decisão, de entrega, de oblação. A certeza de nossa fé em Cristo, morto e ressuscitado, nos ajuda a tirar do coração os medos, os impulsos egoístas de busca de segurança, a ilusão de sermos imortais, e encontrar uma paz profunda que nos permita fazer de nossa vida uma oferenda gratuita para a vida de outros.
O Evangelho nos ajuda a descobrir que o cuidado doentio da própria vida atenta contra a qualidade humana e cristã dessa mesma vida. Aqui descobrimos outra lei profunda da realidade: alcança-se a maturidade da vida à medida em que ela é entregue para dar vida a outros.
O ser humano não deve admitir sua morte como uma derrota humilhante, mas, do mesmo modo que pode dar direção à sua própria vida, deve também incluir o ato de morrer, o último ato de sua vida, o ápice de sua existência temporal.
A morte somente pode ter um sentido e significação se a vida também os tiver; quando alguém sabe “para quê e para quem vive”, realizando sua original missão, pode morrer em paz.
Aqueles que vivem intensamente enfrentam com grande serenidade seu envelhecimento e a proximidade da morte, vendo nela mais uma etapa no processo normal de seu amadurecimento e de sua realização.
Conscientes de ter vivido por alguma causa, de ter levado uma vida plena, podem dar sentido e significa-do espontâneos ao último ato de sua existência, a morte. É o modo como alguém vive que qualifica a morte. Há mortes que, para além da inevitável dor que causam aos familiares e amigos, provocam paz, agradecimento, vontade de viver seriamente, despertam impulsos para se levantar e sair da superficialidade e da mediocridade.
Sabemos que toda expressão de vida flui para a morte. No entanto, porque sabemos que somos mortais e dotados de liberdade, nós, seres humanos, nos interrogamos sobre o sentido da vida; somos capazes de vivê-la como um projeto, fruto de nossa decisão e podemos transformar a morte no último e supremo ato de nosso viver.
A consciência de que se morre por alguma grande e nobre causa despoja a morte de seu caráter de catástrofe absurda, não somente aos olhos de quem vai morrer, mas também aos olhos dos que o amam.
A morte se transforma em “fator de criação de vida”, em “boa notícia” para aqueles que se atreveram a viver como Jesus viveu. Viveram para dar vida e morreram para defendê-la. Viveram a vida como entrega e sua morte foi uma consequência lógica de seu modo de vida. Levaram a existência até os limites de suas possibilidades e fizeram dela uma semente permanente de vida. A lembrança da vida e da morte dessas pessoas continua semeando vontade de viver com autenticidade. Elas derrotaram a morte.
De fato, o modo de viver de Jesus recebe o sim definitivo de Deus e nos mostra que a vida entregue para dar vida é o caminho para derrotar a morte e continuar vivendo. No acontecimento infinitamente doloroso da morte de Jesus se revela e se promete o sentido último do viver e do morrer humano. “Jesus morreu de tanto viver”.
Fazer “memória” desta morte é abrir-nos para a vida, não somente para aquela vida plena do mundo futuro, mas também à mais profunda qualidade desta vida presente: bondade e esperança lúcidas, solidariedade alegre, compaixão ousada, liberdade arriscada, proximidade santificadora...
Como seguidores(as) de Jesus, não nos limitamos a assistir passivamente o fato da morte. Confiando n’Aquele que é Fonte de Vida, acompanhamos nossos entes queridos com amor e com nossa oração, nesse misterioso encontro com Deus. Na liturgia cristã pelos mortos não há desolação, rebelião ou desesperança. Em seu centro, só uma oração de confiança: “Em vossas mãos, Pai de bondade, confiamos a vida do nosso ser querido”.
E afirmar a ressurreição não é consolo ilusório, nem evasão do compromisso com a história e com a vida. É decisão firme de continuar o projeto de Jesus, de defender a vida onde quer que esteja ameaçada, de arriscar-se pelos mais fracos e excluídos para que tenham vida, curando feridas, levantando corações, semeando esperanças, tirando da Cruz aqueles que nela estão dependurados...
A ressurreição nos faz experimentar que esta vida peregrina revela-se como tempo da gestação concedido a cada um de nós para que, dentro desse imenso ventre cósmico, quer na vida ou quer na morte, nos sintamos sempre envolvidos pelo Amor criativo d’Aquele que é sempre Vida. Nesse sentido, “ninguém morre”, pois todos “vivem n’Aquele que vive”.
Portanto, “recordar” (visitar de novo com o coração) os entes queridos que já fizeram a “grande travessia”, nos capacita a uma nova visão da morte e a assumi-la como acontecimento que faz parte de nossa vida. Afinal, todos morrem, mas nem todos sabem viver.
- A primeira consequência positiva do “fazer memória” é que a morte nos faz viver agradecidos: quando tomamos consciência da morte, nós nos damos conta de que a vida é um verdadeiro milagre, que cada instante aqui deve ser vivido como um presente e devemos saboreá-lo o máximo possível, porque não sabemos quando se acabará.
- A segunda, é que a morte põe as coisas em seu devido lugar: a morte desloca, sim, mas também realoca, porque nos faz tomar consciência daquilo que é o mais importante em nossa vida e o que de verdade merece a pena. Ela nos faz repensar como nos relacionamos, como usamos as coisas, o dinheiro, onde investimos a vida, quais são os verdadeiros valores, etc...
- E por último, a morte nos ajuda a tomar decisões em favor da vida e a nos comprometer. S. Inácio de Loyola, nos Exercícios Espirituais, aconselha, como critério para decidir, imaginar-nos à hora da morte e pensar qual decisão gostaríamos de ter tomado. Essa decisão leva irremediavelmente a um compromisso por toda a vida, pois ela nos torna conscientes de que esta vida passa, e passa rápido, e não queremos ficar preso às afeições desordenadas, mas desejamos investir toda nossa vida em um projeto que nos dê sentido e nos implique totalmente.
A fé cristã não é masoquista ou sádica quando nos ensina a bem morrer. Assim nos dá maior responsabilidade diante da nossa própria vida.
Texto bíblico: Jo 6,37-40
Na oração: “Fazer memória agradecida” de tantos familiares, amigos ou pessoas mais próximas que viveram intensamente e que, generosamente, partiram e “deixaram um cantinho deste mundo” mais iluminado.