Primeira Leitura: Atos 2,1-11
Salmo Responsorial 103(104)R- Enviai o vosso Espírito, Senhor, / e da terra toda a face renovai.
Segunda Leitura: 1 Coríntios 12,3b-7.12-13
Evangelho: João 20,19-23 ou João 14,15-16.23b-26
Proclamação do evangelho de Jesus Cristo segundo João (20,19-23) – 19Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”. 20Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor. 21Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. 22E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. 23A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos”. – Palavra da salvação.
Jo 20,19-23
O Antigo Testamento revela de uma forma muito bela e real o mistério do ser humano. “O Senhor Deus modelou do barro da terra o homem. Depois soprou-lhe nas narinas o sopro da vida. E assim o homem se tornou um ser vivente” (Gn 2,7).
A experiência nos mostra que nós somos barro. Podemos nos quebrar a qualquer momento. Temos os pés de barro, como podemos vamos caminhar? Temos os olhos de barro: como vamos enxergar? Temos o coração de barro: como vamos amar?
E mesmo assim esse barro, que somos nós, vive! O que faz com que isso seja possível: o sopro divino!
No final do Evangelho de João temos a descrição grandiosa do momento que Cristo ressuscitado envia os discípulos em missão. Faz esse envio soprando sobre eles e dizendo: “Recebei o Espírito Santo!”
Esse é o momento da nova criação: no Gênesis o homem é criado pelo sopro divino; na nova criação, Jesus sopra sobre os discípulos.
Sem o Espírito de Jesus, a Igreja é barro frágil sem vida; é uma comunidade incapaz de introduzir esperança e vida no mundo. Ela pode pronunciar palavras bonitas, mas sem comunicar o sopro do Espírito no coração das pessoas. Pode falar com firmeza e segurança, mas sem confirmar a fé das pessoas. A Igreja tira a sua esperança do Sopro do Senhor! Com o Espírito que Jesus soprou no cenáculo, a Igreja enfrenta a morte.
Pentecostes – Jo 20,19-23 - Ano C – 08-06-2025
“...mostrou-lhes as mãos e o lado; ...soprou sobre eles” (Jo 20,20.22)
Chegamos à Páscoa do Espírito, o grande protagonista discreto que costuma passar desapercebido; chegamos ao recomeço de uma nova história, de um presente criativo e de um futuro diferente. Chegamos, depois de cinquenta dias de encontros ressuscitadores, à possibilidade de “fazer novas todas as coisas”; recebemos Aquele que nos faz estremecer de esperança, que desperta grandes desejos e se revela como Alento vital.
Esta festa se enraíza na tradição judaica da Celebração das colheitas, quando eram oferecidos os primeiros frutos da terra, cinquenta dias depois da Páscoa; uma festa de agradecimento e fecundidade.
O Pentecostes cristão, no entanto, vem nos recordar que a humanidade não está abandonada por Deus, mas que o Espírito do Vivente está presente em nosso mundo e nas profundezas do coração humano; é Ele que sempre nos acode, com seu alento e consolo; é Ele que vem em auxílio de nossa fragilidade (Rom 8,26).
Na realidade, este dia festivo desperta a consciência de que somos “seres habitados” pelo Espírito, o Espírito do Senhor em nós. Às vezes, nem conseguimos percebê-lo, porque estamos envolvidos pela superficialidade da vida. Mas, em outras ocasiões, sentimos de verdade que Ele está aí, no mais profundo de nosso ser. Ele sacode nossas entranhas diante da dor dos inocentes, e nos enternece com as coisas mais simples. Ele é presença e proximidade; se deixarmos guiar por Ele, não nos sentiremos sozinhos. Quando o esquecemos, Ele continua aí, sempre, paciente, esperando. Está dentro de nós sem nos anular, sem violentar. É companhia e refúgio, fortaleza e mistério, brisa e vento impetuoso.
Podemos, então, afirmar que o Espírito Santo faz parte de nós mesmos e não tem de vir de nenhuma parte. Está em nós, constitui nossa essência, antes mesmo que nós começássemos a existir. Ele é o fundamento de nosso ser e a causa de todas as nossas possibilidades de ser, enquanto humanos habitados. Nada podemos ser nem fazer sem Ele, mas tampouco podemos estar privados de sua presença em nenhum momento.
No início da Bíblia encontramos uma imagem muito bela e real do mistério da vida. Assim é descrita a criação do ser humano: O Senhor Deus modelou o homem do barro da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida, e ele tornou-se um ser vivente (Gen 2,7).
O ser humano é barro; em qualquer momento pode desmoronar-se. Como caminhar com pés de barro? Como olhar a vida com olhos de barro? Como amar com coração de barro? No entanto, este barro vive! Em seu interior há um “sopro” que o faz viver; é o “sopro” de Deus, seu Espírito vivificador.
No relato do evangelho deste domingo, o Ressuscitado também “sopra” sobre sua comunidade, prolongando o Sopro original do Criador.
A imagem de “soprar sobre eles” contém uma riqueza profunda: significa compartilhar o que é mais “vital” de uma pessoa, sua própria “respiração”, seu mesmo espírito, todo seu dinamismo; trata-se de uma imagem que faz sentir a respiração comum que se compartilha com Ele e com todos os seres vivos.
As angústias mais radicais do ser humano são reunidas e transformadas pelo sopro do Espírito: um sopro vital que possibilita a vitória da esperança contra o desespero, da comunhão contra a solidão, da vida contra a morte. A voz sopra onde quer, a Palavra vem do alto, o Espírito chega impetuoso rompendo o silêncio da morte. O Vento traz a vida, mas não se sabe de onde vem e nem para onde vai.
O Espírito é sopro, hálito, vento que gera vida, que move, impulsiona e sopra onde quer. De onde vem e para onde vai não é fácil dizer. É um Vento leve, refrescante, novo, penetrante, inovador; um sopro sutil, interior, profundo; um sopro que não pode ser detido, sufocado.
Homens e mulheres do Vento somos todos nós, quando nos deixamos mover de acordo com os movimentos do coração de Deus e da paixão pela humanidade. Movidos pelo Vento, pelo Espírito de Deus, acreditamos e construímos mediações libertadoras que promovem, incentivam e enobrecem o espírito humano. Preferimos a proximidade à distância, o dinamismo à inércia, a criatividade à normose.
O Espírito é o sopro que vivifica, anima, restaura e congrega. Pela linguagem do amor, acende a luz da paixão e permite desenvolver os dons da alegria, do entusiasmo, da compaixão, do cuidado, da esperança e da fé inabalável.
Tais atitudes construtivas não são obra nossa, mas dom e fruto, isto é, algo de agradável, de fascinante, de belo, de alegre, de espontâneo, de saboroso como um fruto. Elas nascem da árvore do Espírito. Nós as vivemos, mas é o Espírito que as desperta em nós, pois elas estão presentes como “reservas de humanidade” em cada um de nós.
Como “filhos e filhas do Vento”, basta deixar-nos envolver, escutar o Sopro daquela voz que habita a dimensão mais profunda da vida e que se aninha nas cavidades mais secretas de nossa existência.
Assim, com a Revelação aprendemos que o ser humano é um “todo” e que o corpo humano está unido à terra e ao céu; é argila que vive do sopro vital de Deus. Tanto o sopro vital como a terra são do Senhor; entre si estão indissoluvelmente unidos e numa constante tensão. Somos “argila” habitada pela “Ruah” de Deus; somos corpo “animado” (com ânima), atravessado pelo Alento divino.
O Espírito necessita do corpo para expressar-se e o corpo sem o Sopro não poderia transcender-se. O passo mais decisivo nesta integração o encontramos na Encarnação de Jesus Cristo. Numa religião da Encarnação, como o cristianismo, é natural dar toda a sua importância ao corpo e às suas atitudes.
O corpo não é o túmulo da alma, mas o templo do Espírito, o lugar onde o “Verbo se fez carne”. Por meio da Encarnação e por meio da Ressurreição de Jesus, a carne se converteu em espelho da divindade, atravessada pelo Sopro vital. Assim, o corpo humano começou a ocupar um lugar central.
Por isso, o Evangelho deste domingo também nos recorda algo sumamente importante: o Espírito brota do lado aberto e das mãos feridas do Ressuscitado; portanto, não é alheia à violência, à injustiça e ao sofrimento.
É a partir das marcas das feridas que o Espírito se derrama como bálsamo, como alento, como resistência, como energia..., para atravessar os “infernos humanos”, enfrentá-los com ousadia, denunciá-los e buscar coletivamente eliminá-los. O Espírito aparece sempre como “resistência”, atravessando e curando todas as feridas atuais: ódios, intolerâncias, preconceitos, mentiras, violências...
Por isso, celebrar Pentecostes nos incomoda e nos desinstala; a paz que o Espírito nos oferece não é tranquilizadora de consciência, mas uma provocação profunda para sairmos de nossos esconderijos e trabalhar em favor de uma vida esperançada e da reconciliação entre todos. Receber o Espírito nos move sempre à missão e esta não se sustenta com nossas próprias forças, mas que é recebida e alentada como uma brasa inextinguível que nos move sempre à gratidão e à gratuidade.
Para meditar na oração:
Sinta todo o seu corpo como um templo. E neste templo acolha o Sopro.
- Procure saboreá-lo internamente. E deixe atuar em você a força da inspiração e da expiração para que todo o seu corpo seja iluminado e plenificado. Deixe vir a Luz e que ela penetre nas partes mais dolorosas do seu ser.
- Sinta que você é um corpo de argila e, também, um corpo de diamante.
- Simplesmente respire na presença d’Aquele que É.
- Com a argila de sua existência, aquecida pelo calor do Espírito de Deus, você pode transformá-la em material de uma nova experiência de vida. Não se trata de sufocar a vida, mas de torná-la leve e luminosa, mantendo límpida a sua fonte, livrando-a da camada de sentimentos doentios.
- Suplique com força: “Vem, Espírito Santo! Vem libertar-me do medo, da mediocridade e da falta de fé em tua força criadora!”
"A palavra espírito em grego e hebraico significa vento, inclusive no hebraico é feminina: Ruah. A Divina Ruah irrompe naquele momento da história, naquelas pessoas reunidas, transforma-as, coloca-as em movimento, torna-as capazes de recriar a história. Irrompe na história como vento impetuoso que desarruma o que parecia arrumado; entra como um tufão que escancara portas e janelas para purificar o ar mofado; entra como furacão, ciclone que abala, desinstala as pessoas, os grupos. O vento entra como terremoto que impele a criar coisas novas.
"A Divina Ruah, como misteriosa pessoa, age impulsionando sempre para frente, desafiando a romper barreiras, buscando sempre o novo. É força exuberante que não pode ser contida; na sua força pessoas medrosas, tímidas falam com parrésia, se tornam testemunhas; dom oferecido e acolhido transforma; sobretudo é força vital que conduz os missionários e missionárias."
A reflexão é de Tea Frigerio, mmx, religiosa da Congregação Missionárias de Maria-Xaverianas. Ela possui graduação em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma - PUG e pós-graduação em assessoria bíblica pela Escola Superior de Teologia - EST e pelo Centro de Estudos Bíblicos - CEBI, São Leopoldo/RS. Atualmente atua em assessoria bíblica pelo CEBI e é assessora nacional das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs.
Referências bíblicas
1ª Leitura: At 2,1-11
Salmo: 103(104),1ab.24ac.29bc-30.31.34
2ª Leitura: 1Cor 12,3b-7.12-13
Evangelho: Jo 20,19-23
Pentecostes, festa da colheita, festa da Lei, por isso a liturgia hoje nos oferece uma colheita abundante de Palavra, mas vou me permitir comentar somente a porção dos Atos 2,1-11.
“Tendo-se completado o dia de Pentecostes”.
Percebemos uma teologia diferente na memória da Comunidade dos discípulos e discípulas amadas: o dom do Espírito é doado no mesmo dia da Ressurreição. Na memória das Comunidades de Lucas, o Espírito é doado 50 dias depois: na Festa de Pentecostes.
“De repente veio do céu um ruído como um agitar-se de um vendaval impetuoso”.
Acorda a memória do Êxodo 19 e muitos outros textos onde os fenômenos naturais anunciam uma teofania ou manifestação do Divino, do Transcendente: a manifestação do Espírito Santo, poderíamos dizer da Divina Ruah.
“Apareceram como línguas de fogo”.
O fogo sempre nos fala da presença do Divino e de sua ação prodigiosa.
“E todos ficaram repletos de Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas”.
A narração de novo acorda nossa memória: havia um povo que queria chegar até o céu para ter um nome (Gn 11,1-9). Querer chegar até o céu para ter poder sobre Deus e assim dominar os outros povos. Hoje, diríamos a globalização. A ameaça é debelada pela ação de Deus fazendo acontecer variedade e diversidade das línguas. Não é confusão, mas diversidade. A Divina Ruah não ama a uniformidade, ama a pluralidade, a variedade, a diversidade. Na continuidade da narração, Lucas nos revela que o dom das línguas não é dado para dominar, mas sim para se colocar a serviço da Boa Novae tornar testemunhas da Ressurreição.
“Estavam todos reunidos no mesmo lugar... com algumas mulheres e Maria, a Mãe de Jesus... Achavam-se em Jerusalém judeus piedosos, vindos de todas as nações que há debaixo do céu... Como é, pois, que os ouvimos falar, cada um de nós, no próprio idioma em que nascemos?”
Da comunidade reunida de discípulos e discípulas, a narração leva ao horizonte dos confins do mundo: a salvação prometida, a luz para as nações se realiza no dia de Pentecostes. Os povos presentes são recordados seguindo uma ordem: os nativos povos do oriente; os habitantes repartidos nas seguintes regiões: leste a Mesopotâmia, norte a Ásia, sul a Líbia; os estrangeiros romanos que estão em visita a Jerusalém. E a narração insiste: ouvem em seu próprio idioma. O milagre, ou melhor, a maravilha está no escutar em sua própria língua, no seu idioma, ousaríamos dizer em sua própria cultura. Pentecostes é a festa cristã da inculturação. A multiformidade, a pluralidade, a diversidade é o DNA da Igreja nascente. Realidade fortalecida da própria narração, pois ao lermos o Livro dos Atos nos surpreendemos com inúmeras festas de Pentecostes.
O que aconteceu naquele dia? Aliás, o que aconteceu todas as vezes que houve um Pentecostes? Lucas tenta narrar o mais fielmente possível os acontecimentos, mas percebemos que ele está em dificuldades. Então, do seu jeito peculiar, usa gêneros literários diferentes que chamam nossa atenção.
Ouvem-se sons misteriosos vindo do alto, tremores, tempestade, vento, estremecimento, fogo parecendo línguas… Às vezes parece que "Ele" se apresenta no momento errado: antecipa-se, parece apressado e por isso entra antes da hora… Querendo afirmar sua presença se atropela… Até parece cair: “Espírito Santo caiu sobre todos os que ouviam a palavra” (At 10,44). É como se dissesse, é vento, mas não é. É fogo, mas não é fogo. É… mas…
Ao escrever deste jeito, Lucas quer nos comunicar algo, quer nos preparar, quer nos fazer entrar no mistério. A palavra mistério em grego quer dizer, literalmente, fechar os olhos e a boca. O mistério estaria, portanto, além de qualquer visão, de qualquer audição, de qualquer explicação. Mistério indescritível: “O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai” (João 3,8).
O vento e o fogo são imagens apocalípticas e teofânicas. As primeiras palavras da Bíblia nos dizem que o vento paira sobre o caos fazendo acontecer a harmonia, a vida (Gn 1,1-2). O fogo que queima sem se extinguir tira Moisés do comodismo (Ex 3,1-6). A Aliança do Sinai é selada no meio do vento e do fogo (Ex 19,16-18).
A palavra espírito em grego e hebraico significa vento, inclusive no hebraico é feminino: Ruah. A Divina Ruah irrompe naquele momento da história, naquelas pessoas reunidas, transforma-as, coloca-as em movimento, torna-as capazes de recriar a história. Irrompe na história como vento impetuoso que desarruma o que parecia arrumado; entra como um tufão que escancara portas e janelas para purificar o ar mofado; entra como furacão, ciclone que abala, desinstala as pessoas, os grupos. O vento entra como terremoto que impele a criar coisas novas.
A Divina Ruah, como misteriosa pessoa, age impulsionando sempre para frente, desafiando a romper barreiras, buscando sempre o novo. É força exuberante que não pode ser contida; na sua força pessoas medrosas, tímidas falam com parrésia, se tornam testemunhas; dom oferecido e acolhido transforma; sobretudo é força vital que conduz os missionários e missionárias.
Esta força de Deus seria o próprio Deus? Este que vem de Deus seria também Deus? Este "quem" o que seria? Seria o Vento de Deus? Seria o Fogo de Deus? Seriam o Vento e o Fogo de Jesus, de Maria misteriosamente presentes na comunidade nascente? Misteriosamente presente através dos discípulos e discípulas nas Igrejas, no Universo?
“Derramarei meu espírito sobre toda carne. Vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões e vossos velhos sonharão. Sim, sobre meus servos e minhas servas derramarei do meu Espírito”. São palavras do profeta Joel afirmando que o Espírito será derramado sobre os filhos e as filhas, sobre os servos e as servas confirmando: a comunidade é sinal do Reino presente (At 2,1; 1,14; 2,16-18; Joel 3,1-5).
Ouso dizer que a A Divina Ruah é uma agitadora social: não se aquieta enquanto não inquieta. Sua estabilidade pessoal cria instabilidade social: causa celeuma, espanto, coloca tudo de cabeça para baixo, desinstala o grupo de discípulos e discípulas, uma população ordeira e acomodada. Transformar repouso em movimento, a rotina em novidade parece ser o resultado de sua inesperada irrupção. O oráculo de Joel aponta para uma transmutação de papéis sociais que colocam em redemoinho as relações vigentes.
O Vento de Deus que sopra derruba preconceitos e destrói as históricas barreiras da separação entre judeus e gentios, homens e mulheres, jovens e adultos, escravos e livres. As mulheres tornam-se boca de Javé, exercem atividades associadas a um dos principais carismas das comunidades, o carisma profético... A Divina Ruah chega destravando a língua das mulheres, proibidas de falar em público e nas comunidades ganham dignidade em plena e absoluta igualdade.
Dessa maneira, A Divina Ruah ameaça a instituição do patriarcado, potencializando ou criando o conflito dentro e fora da comunidade. Incluindo a mulher no carisma profético, reconhece sua identidade e igualdade, desafia o homem a descobrir a mulher como companheira na proposta da nova criação, da Igreja.
Palavras muito evocativas: a Divina Ruah é como vendaval que subverte os padrões que a sociedade patriarcal afirma como únicos e legítimos. A mulher emudecida no fórum social e eclesial, fala e profetiza.
Os jovens têm visões, enxergam e exercem a sabedoria e o conselho próprio dos anciões, enquanto os velhos sonham. Sonhar, apostar no futuro é dos jovens, o ancião já realizou, não sonha mais. Há inversão de papéis: os anciões sonham, olham para frente, abrem o horizonte do amanhã, o caminho da plenitude; os jovens vencem seu afã, sua pressa em alcançar metas e objetivos e têm visões, conseguem projetar o futuro com discernimento e sabedoria.
Os servos e servas, os escravos e escravas, consideradas ferramentas animadas, falam e são reconhecidos/as como sujeitos da história. A Agitadora social age e provoca uma verdadeira comoção e revolução social: inclui quem era excluído; quem ‘não é’, é protagonista. Quem não contava, quem não era, sobre eles e elas é derramada a Energia vital que faz novas todas as coisas, sinal do tempo novo.
Na Festa de Pentecostes reconhecemos nossa natureza peregrina, sempre a caminho para que a novidade do Evangelho seja testemunhada, bem longe do poder! Igreja de periferia, mais rebelde que integrada, escanteada, frequentemente considerada inútil e descartável, por ser incômoda é semente do Reino.
A Festa de Pentecostes é Festa da diversidade, dos carismas para o crescimento da comunidade, da humanidade. Somos iguais embora diferentes. Compreendemos na diversidade que a harmonia não se alcança com a violência, a intolerância ou intensificando o controle, mas é um caminhar na paciência, na escuta recíproca e na convivência. Instiga a Igreja a ir além de seus confins, em multiforme nomadismo que enriquecerá a história e as comunidades, diversas entre si e sempre a caminho.
Vivo esta Festa de Pentecostes em Amazônia, ‘Casa comum’ que me acolheu e adotou. Agradecendo este dom, invoco a Divina Ruah para Ela cair sobre o Sínodo da Amazônia como Agitadora social, como Agitadora eclesial: Vem e faz novas todas as coisas!
Os cristãos nunca se sentiram órfãos. O vazio deixado pela morte de Jesus foi preenchido pela presença viva do Espírito do Senhor Ressuscitado. Este Espírito do Senhor preenche a vida do crente. O Espírito da verdade, que vive conosco, está dentro de nós e nos ensina a arte de viver na verdade.
O que molda a vida de um verdadeiro crente não é o desejo de bem-estar, nem a luta pelo sucesso, nem mesmo a obediência a um ideal, mas a busca alegre da verdade de Deus sob o impulso do Espírito.
O verdadeiro crente não cai no legalismo ou na anarquia, mas busca a verdade com um coração puro. Sua vida não é programada por proibições, mas é animada e positivamente impulsionada pelo Espírito.
Quando vivemos essa experiência do Espírito, os crentes descobrem que ser cristão não é um fardo que oprime e atormenta a consciência, mas sim deixar-se guiar pelo amor criador do Espírito que vive em nós e nos capacita a viver com uma espontaneidade que nasce não do nosso egoísmo, mas do amor. Uma espontaneidade na qual renunciamos aos nossos interesses egoístas e nos entregamos à alegria do Espírito. Uma espontaneidade que é regeneração, renascimento e reorientação contínua para a verdade de Deus.
Esta nova vida no Espírito não significa apenas uma vida interior de piedade e oração. A verdade de Deus gera em nós um novo modo de vida, que se opõe ao modo de vida que brota da mentira e do egoísmo. Vivemos numa sociedade onde a mentira se chama diplomacia; a exploração, negócios; a irresponsabilidade, tolerância; a injustiça, ordem estabelecida; o sexo, amor; a arbitrariedade, liberdade; e o desrespeito, sinceridade.
Esta sociedade dificilmente consegue compreender ou aceitar uma vida moldada pelo Espírito. Mas é este Espírito que defende o crente e o conduz à verdade, libertando-o das mentiras sociais, da farsa e da intolerância do nosso egoísmo.
Situando
Na conclusão do capítulo 20 (Jo 20,30-31), o autor diz que Jesus fez “muitos outros sinais que não estão neste livro. Estes, porém, foram escritos (a saber os sete sinais relatados nos capítulos 2 a 11) para que vocês possam crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e, acreditando, ter a vida no nome dele” (Jo 20,31). Isso significa que, inicialmente, esta conclusão era o final do Livro dos Sinais. Mais tarde, foi acrescentado o Livro da Glorificação que descreve a hora de Jesus, a sua morte e ressurreição. Assim, o que era o final do Livro dos Sinais passou a ser conclusão também do Livro da Glorificação.
Comentando
1. João 20,19-20: A experiência da ressurreição
Jesus se faz presente na comunidade. As portas fechadas não podem impedir que ele esteja no meio dos que nele acreditam. Até hoje é assim. Quando estamos reunidos, mesmo com todas as portas fechadas, Jesus está no meio de nós. E até hoje, a primeira palavra de Jesus é e será sempre: “A paz esteja com vocês!” Ele mostrou os sinais da paixão nas mãos e no lado. O ressuscitado é o crucificado. O Jesus que está conosco na comunidade não é um Jesus glorioso que não tem mais nada em comum com nossa vida. Mas é o mesmo Jesus que viveu nesta terra, e traz as marcas da sua paixão. As marcas da paixão estão hoje no sofrimento do povo, na fome, nas marcas de tortura, de injustiça. É nas pessoas que reagem, lutam pela vida e não se deixam abater que Jesus ressuscita e se faz presente no meio de nós.
2. João 20,21: O envio: “Como o Pai me enviou, eu envio vocês!”
É deste Jesus, ao mesmo tempo crucificado e ressuscitado, que recebemos a missão, a mesma que ele recebeu do Pai. E ele repete: “A paz esteja com vocês!” Esta dupla repetição acentua a importância da paz. Construir a paz faz parte da missão. Paz significa muito mais do que só ausência de guerra. Significa construir uma convivência humana harmoniosa, em que as pessoas possam ser elas mesmas, tendo todas o necessário para viver, convivendo felizes e em paz. Esta foi a missão de Jesus, e é também a nossa missão. Numa palavra, é criar comunidade a exemplo da comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
3. João 20,22: Jesus comunica o dom do Espírito Santo
Jesus soprou e disse: “Recebei o Espírito Santo.” É só mesmo com a ajuda do Espírito de Jesus que seremos capazes de realizar a missão que ele nos dá. Para as comunidades do Discípulo Amado, Páscoa (ressurreição) e Pentecostes (efusão do Espírito) são a mesma coisa. Tudo acontece no mesmo momento. Sobre a ação do Espírito, veja o Alargando do 5º Círculo.
4. João 20,23: Jesus comunica o poder de perdoar os pecados
O ponto central da missão de paz está na reconciliação, na tentativa de superar as barreiras que nos separam: “Aqueles a quem vocês perdoarem os pecados serão perdoados e aqueles a quem retiverem serão retidos!” Este poder de reconciliar e de perdoar é dado à comunidade (Jo 20,23; Mt 18,18). No Evangelho de Mateus, é dado também a Pedro (Mt 16,19). Aqui se percebe a enorme responsabilidade da comunidade. O texto deixa claro que uma comunidade sem perdão nem reconciliação já não é comunidade cristã.
5. João 20,24-25: A dúvida de Tomé
Tomé, um dos doze, não estava presente. E ele não crê no testemunho dos outros. Tomé é exigente: quer colocar o dedo nas feridas da mão e do pé de Jesus. Quer ver para poder crer. Não é que ele queria ver milagre para poder crer. Não! Tomé queria ver os sinais nas mãos e no lado. Ele não crê num Jesus glorioso, desligado do Jesus bem humano que sofreu na cruz. Sinal de que havia pessoas que não aceitavam a encarnação (2Jo 7; 1Jo 4,2-3; 2,22). A dúvida de Tomé também deixa transparecer como era difícil crer na ressurreição.
6. João 20,26-29: Felizes os que não viram e creram
O texto começa dizendo: “Uma semana depois”. Tomé foi capaz de sustentar sua opinião durante uma semana inteira. Cabeçudo mesmo! Graças a Deus, para nós! Novamente, durante a reunião da comunidade, eles têm uma experiência profunda da presença de Jesus ressuscitado no meio deles. E novamente recebem a missão de paz: “A paz esteja com vocês!” O que chama a atenção é a bondade de Jesus. Ele não critica nem xinga a incredulidade de Tomé, mas aceita o desafio e diz: “Tomé, venha cá colocar seu dedo nas feridas!”. Jesus confirma a convicção de Tomé, que era a convicção de fé das comunidades do Discípulo Amado, a saber: o ressuscitado glorioso é o crucificado torturado. É neste Cristo que Tomé acredita, e nós também. Com ele digamos: “Meu Senhor e meu Deus!” Esta entrega de Tomé é a atitude ideal da fé. E Jesus completa com a mensagem final: “Você acreditou porque viu. Felizes os que não viram e no entanto creram!” Com esta frase, Jesus declara felizes a todos nós que estamos nesta condição: sem termos visto acreditamos que o Jesus que está no nosso meio é o mesmo que morreu crucificado!
7. João 20,30-31: Objetivo do Evangelho: levar a crer para ter vida
Assim termina o Evangelho, lembrando que a preocupação maior de João é a Vida. É o que Jesusdiz: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Alargando – Shalom: a construção da paz
O primeiro encontro entre Jesus ressuscitado e seus discípulos é marcado pela saudação feita por ele: “A paz esteja com vocês!” Por duas vezes Jesus deseja a paz a seus amigos. Esta saudação é muito comum entre os judeus e na Bíblia. Ela aparece quando surge um mensageiro da parte de Deus (Jz 6,23; Tb 12,17). Logo em seguida, Jesus os envia em missão, soprando sobre eles o Espírito. Paz, Missão e Espírito! Os três estão juntos. Afinal, construir a paz é a missão dos discípulos e das discípulas de Jesus (Mt 10,13; Lc 10,5). O Reino de Deus, pregado e realizado por Jesus e continuado pelas comunidades animadas pelo Espírito, manifesta-se na paz (Lc 1,79; 2,14). O Evangelho de João mostra que esta paz, para ser verdadeira, deve ser a paz trazida por Jesus (Jo 14,27). Uma paz diferente da paz construída pelo Império Romano.
Paz na Bíblia (em hebraico é shalom) é uma palavra muito rica, significando uma série de atitudes e desejos do ser humano. Paz significa integridade da pessoa diante de Deus e dos outros. Significa também uma vida plena, feliz, abundante (Jo 10,10). A paz é sinal da presença de Deus, porque o nosso Deus é um “Deus da paz” (Jz 6, 24; Rm 15,33). Por isso mesmo, a proposta de paz trazida por Jesus também é sinal de “espada” (Mt 10,34), ou seja, de perseguições para as comunidades. O próprio Jesus faz este alerta sobre as tribulações promovidas pelo Império tentando matar a paz de Deus (Jo 16,33). É preciso confiar, lutar, trabalhar, perseverar no Espírito para que um dia a paz de Deus triunfe. Neste dia, “amor e verdade se encontram, justiça e paz se abraçam” (Sl 85,11). Então, como ensina Paulo, “o Reino será justiça, paz e alegria como fruto do Espírito Santo” (Rm 14,17), e “Deus será tudo em todos” (1Cor 15,28).
No evangelho que meditamos este domingo nos disse que: “Ao anoitecer desse dia estando fechadas as portas do lugar onde se achavam os discípulos por medo das autoridades dos judeus”. A comunidade está reunida, mas está com medo, sente a inseguridade, não sabe o que vai acontecer com cada um e cada uma deles. E nesse momento apresenta-se Jesus ressuscitado com o sopro da sua Paz. “A paz esteja convosco”.
Com esta saudação apresentou-se o papa Leão XIV no dia da sua eleição: “A paz esteja com todos vocês. Caríssimos irmãos e irmãs, esta é a primeira saudação de Cristo ressuscitado, o Bom Pastor que deu a vida pelo rebanho de Deus. Eu também gostaria que esta saudação de paz entrasse em seus corações, alcançasse suas famílias e todos os povos da Terra. A paz esteja com vocês” (Primeiro discurso de Prevost, Papa Leão XIV: "O mal não prevalecerá, construamos pontes de paz").
Jesus oferece sua Paz, uma paz que atravessou a dor da injustiça, das tentações, do sofrimento da cruz. É uma paz que não guarda rancor, que não ficou aprisionada pela dor da cruz, mas que pode mostrar suas chagas porque elas são um testemunho de sua nova presença entre nós. Com um coração habitado pela paz de Cristo, convida-nos a receber o Espírito Santo. É necessário deixar que Jesus Ressuscitado nos cubra com sua paz, que cure nossas feridas, abra nossos túmulos, acalme nossos medos e assim estejamos dispostos a acolher seu Espírito.
A presença do Espírito Santo vem acompanhada da paz! Neste tempo a paz é um clamor mundial, mas não depende somente dos que tem o poder o daqueles que estão destruindo populações inteiras como acontece em Gaza. É preciso uma não violência ativa, como disse o Papa Leão. “Desde o nível local e cotidiano até o nível da ordem mundial, quando aqueles que sofreram injustiças e as vítimas da violência sabem como resistir à tentação da vingança, eles se tornam os protagonistas mais credíveis de processos não-violentos de construção da paz. A não-violência como método e como estilo deve caracterizar nossas decisões, nossos relacionamentos e nossas ações”. Jesus nos oferece seu Espírito para comunicar sua vida estar “presentes dentro da massa da história como fermento de unidade, de comunhão, de fraternidade”.
O Espírito habita em cada pessoa e comunidade que constrói a paz, que se compromete na sua vida e no seu tempo a construir espaços de justiça e verdade. “A história, a experiência, as muitas boas práticas nos fizeram entender que a paz autêntica é aquela que toma forma a partir da realidade - territórios, comunidades, instituições locais - e em escuta dela. Essa paz é possível quando as diferenças e as conflitualidades não são removidas, mas reconhecidas, assumidas e superadas”, disse Prevost (Leão na esteira de Francisco recebe os movimentos. Artigo de Luca Kocci).
Por isso fazemos nosso o apelo do Papa Leão que nos disse: “Se você quer a paz, prepare instituições de paz, não apenas instituições políticas nacionais ou internacionais”, mas também “instituições educacionais, econômicas e sociais”, porque “é o conjunto das instituições que está sendo chamado em causa”.
Oração
O vento de Deus
Tu que sopras onde queres,
Vento de Deus dando vida,
sopra-me, sopro fecundo!
Sopra-me vida em teu sopro!
Faze-me todo janelas,
olhos abertos e abraço
Leva-me em boa Notícia
sobre os telhados do medo.
Passa-me em torno das flores,
beijo de graça e ternura.Joga-me contra a injustiça
em furação de verdade.Deita-me em cima dos mortos,boca-profeta a chamá-los.
(Traduzido automaticamente pelo Google sem nossa correção. Confira, se for preciso, com o original em espanhol, logo após o texto em português)
SOLENIDADE DE PENTECOSTES CICLO "C"
Primeira Leitura (Atos 2,1-11):
A narrativa começa com uma referência ao dia de Pentecostes. É o quinquagésimo dia após a Páscoa. Um primeiro fato importante a lembrar é que a festa de Pentecostes, tanto na tradição judaica quanto na cristã, está intimamente ligada à Páscoa; é seu ápice ou coroamento glorioso.
O Antigo Testamento fala da Festa das Semanas ou Savuot (cf. Ex 23:16; Lv 23:15-22; Dt 16:9-12), cinquenta dias após a Páscoa, que celebrava a última colheita do ano, a colheita do trigo; enquanto a Páscoa marcava a primeira colheita do ano. Esta festa era uma das três festas de peregrinação a Jerusalém, juntamente com a Páscoa e o Tabernáculo ( Sukkot ). Mais tarde, a liturgia judaica ligou esta festa de Pentecostes ou Savuot à memória do dom da Torá ou Lei no Monte Sinai , chamando-a corretamente de Festa do "Dom da Torá", durante a qual o relato da promulgação do Decálogo foi lido (Ex 19-20) 1 . A referência ao ruído do vento impetuoso e às línguas de fogo poderia ser uma alusão feita pelo autor dos Atos dos Apóstolos à teofania do Sinai.
O texto diz que todos estavam reunidos num só lugar . Quem são esses "todos" e onde estavam? Encontramos a resposta um pouco antes, em Atos 1:13-14: "Quando chegaram à cidade, subiram ao pátio onde o povo costumava se reunir . Eram eles Pedro, João, Tiago, André, Filipe, Tomé, Bartolomeu, Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelote, e Judas, filho de Tiago. 14 Todos eles, juntos, eram assíduos à oração, juntamente com as mulheres, Maria, mãe de Jesus, e seus irmãos."
Este "lugar" é o Cenáculo, o "grande salão no andar superior" (cf. Mc 14,15) onde Jesus celebrou a Última Ceia com seus discípulos e onde lhes apareceu após a ressurreição. Os onze apóstolos e outros discípulos, incluindo Maria, a mãe de Jesus, que formaram a primeira comunidade cristã, reuniam-se ali.
Ora, o que se segue do relato de Atos, em particular o fenômeno da compreensão apesar da diversidade de línguas, tem como pano de fundo a história da Torre de Babel (Gn 11). No evento de Babel, o orgulho humano, o amor-próprio e a busca por fama e glória levaram à divisão das línguas, com a consequente confusão e falta de comunicação entre indivíduos e povos. Em contraste, o evento de Pentecostes demonstra como, por meio da obra do Espírito Santo, é possível manter a unidade respeitando a diversidade . De fato, quando dizemos: "Todos nós os ouvimos proclamar em nossas próprias línguas as maravilhas de Deus" (Atos 2:11), estamos nos referindo àquela união superior em Deus, que é fruto do Espírito e permite a compreensão e a comunicação para além das diferenças legítimas. Como atualização deste texto, é interessante ver o que R. Cantalamessa2 diz a respeito : "Compreendemos assim em que consiste a transformação radical que se opera no Pentecostes, com a vinda do Espírito Santo. No coração dos apóstolos, Deus tomou o lugar do ego, destruiu a vanglória de suas obras e projetos, e os impele à glória somente nEle, não em si mesmos. Foi assim que Santo Agostinho o interpretou quando disse que Babel é a cidade construída sobre o amor-próprio, enquanto Jerusalém, isto é, a Igreja, ou a cidade de Deus, é a cidade construída sobre o amor de Deus [...] A passagem de Babel para Pentecostes, que aconteceu historicamente de uma vez por todas e é narrada em Atos 2, deve ser realizada espiritualmente, todos os dias, em nossas vidas. Devemos passar continuamente de Babel para Pentecostes, assim como devemos passar continuamente do homem velho para o homem novo."
No contexto de todo o Livro dos Atos, é importante lembrar que, embora o primeiro grande evento que inaugura a missão pública da Igreja seja o Pentecostes (2,1-4), a experiência do Espírito não se limita a essa manifestação inicial, mas se renova continuamente na vida dos discípulos: no momento das primeiras dificuldades (4,31), por ocasião da conversão dos primeiros pagãos (10,44-47) e na experiência de certos grupos que foram plenamente integrados à Igreja (19,8). Para Lucas, a história da Igreja é marcada por essa manifestação renovada e contínua do Espírito. É graças à sua energia que a comunidade dos fiéis leva adiante, com eficácia, a obra de Jesus na história.
Segunda Leitura: 1 Cor 12, 3b-7.12-13
São Paulo inicia esta seção com uma afirmação clara: toda confissão de fé no Senhor Jesus é fruto da ação do Espírito . Por meio desta afirmação, ele demonstra que a ação do Espírito Santo realiza a unidade na fé dos crentes . No que se segue, embora mantendo esta unidade em sua origem, ele busca levar em conta a diversidade no nível dos carismas . Para confirmar esta coexistência da unidade com a diversidade, ele cita dois exemplos: os múltiplos serviços ou ministérios em relação ao único Senhor (v. 5) e as diversas atividades com um Deus, "que realiza todas as coisas em todos" (v. 6). Assim, em primeiro lugar, ele especifica que são os dons visíveis ou manifestos que são dados a cada cristão em particular (há dons interiores do Espírito, como a fé e a caridade, que são dados a todos ). Diz então que a sua finalidade é o bem comum , de modo que os mesmos carismas tendem à unidade : «A cada um é dada a manifestação ( phanerosis ) do Espírito para o bem comum ( pros to sympheron )» (12,7).
Para ilustrar esse ensinamento sobre unidade e diversidade , ele usa a comparação do corpo e seus membros . Essa referência à imagem do corpo para explicar a unidade e a diversidade entre os membros de uma sociedade era difundida no helenismo e, portanto, acredita-se que São Paulo a tenha usado para aplicá-la à Igreja. Essa comparação é válida no que diz respeito ao funcionamento da Igreja como um corpo social visível. Mas, no que se segue, Paulo deixa claro que a razão da unidade na Igreja se deve a Cristo e ao Espírito Santo. De fato, no final do versículo 12, ele diz: "assim é com Cristo", a quem ele então aplica a comparação do corpo. Como diz L. Rivas 3 : "Neste ponto, um ensinamento surpreendente de São Paulo é destacado: os cristãos não formam uma unidade meramente porque estão unidos entre si, formando uma sociedade, uma comunidade chamada Igreja ( ekklesía ). Os cristãos constituem um corpo porque estão unidos a uma pessoa viva, que é o Cristo glorificado." Em seguida, em 12:13, ele explica que todos os cristãos foram batizados ( literalmente "imersos" ) em um só Espírito para formar um só corpo. Ele deixa claro que o batismo tem uma conotação eclesial distinta : é o sacramento que nos une em um só corpo . Não é uma experiência exclusivamente individual do cristão, visto que, por meio do batismo, um vínculo especial é estabelecido entre todos os cristãos que formam um só corpo .
Em suma, a unidade , respeitando a diversidade dos carismas e dos serviços, mantém-se na Igreja graças a uma dupla referência teológica: a sua origem no próprio Espírito Santo e a sua finalidade ou orientação para o bem comum do único corpo de Cristo.
Evangelho: Jo 14,15-16.23b-26
O Evangelho extrai alguns versículos da passagem de João 14,12-26, onde são desenvolvidas quatro promessas que Jesus faz aos seus discípulos em seu discurso de despedida: o poder de fazer obras maiores do que a que ele faz; o dom do Paráclito; a vinda de Jesus Cristo com o Pai; e a tarefa de ensinar do Espírito . 4 No texto de hoje, são apresentadas em primeiro lugar a segunda e a quarta promessas, ambas referentes ao Paráclito, devido ao contexto litúrgico de Pentecostes.
Quanto à promessa do Paráclito , esta tem como condição o amor a Jesus e sua expressão mais clara é guardar ou cumprir os mandamentos que Ele nos deu como revelador da vontade do Pai (Jo 14,15: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos”).
Em nome daqueles que atendem a essa condição, Jesus intercederá diante do Pai para que lhes envie outro Paráclito (Jo 14,15-16: E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Paráclito, para que fique convosco para sempre). O termo “Paráclito” (παράκλητος) é um substantivo derivado do verbo composto grego παρα-καλέω que, de acordo com seu significado, pode ser traduzido como “aquele que é chamado para estar ali” e era usado para designar aquele que auxiliava, aconselhando ou auxiliando em questões jurídicas. Os Padres da Igreja traduziram-no literalmente para o latim como advocatus , de onde vem o nosso “advogado”. No Evangelho de João, o Espírito Santo é chamado assim quatro vezes porque é ele quem nos ajudará, ensinará e defenderá permanentemente . 5
O texto de hoje omite a pergunta de Judas – não a de Iscariotes –: "Senhor, por que te revelas a nós e não ao mundo?" (Jo 14,22), à qual Jesus responde dizendo: "Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos a ele e faremos nele morada" (Jo 14,23). Como observa corretamente G. Zevini 6 : "A incompreensão de Judas torna-se para Jesus uma nova oportunidade para repropor e aprofundar o tema da presença de Deus na vida do crente."
Jesus continua afirmando que a "condição" para receber a manifestação divina é o amor a ele . Amor que se manifesta em termos concretos: guardar os mandamentos, guardar a sua palavra . Como nos ensina L. Rivas 7 , esta expressão "guardar a minha palavra" aparece várias vezes em João, e seu significado é aceitar a revelação do Pai que Jesus oferece; portanto, aqueles que guardam a palavra são aqueles que vivem na fé e a expressam no amor . E a primeira consequência dessa atitude é ser amado pelo Pai. A segunda é que o Pai e o Filho vêm a ele e habitam nele. O termo grego usado é moné (monh,), quarto ou morada, que Jesus já havia usado pouco antes quando disse: "Na casa de meu Pai há muitas moradas (monh,)" (14:2). Neste versículo, Jesus falou de nos levar para habitar com o Pai, na morada eterna. Pelo contrário, em 14:23 ele fala em fazer do crente em Jesus uma morada de Deus , um lugar onde Deus habita, visto que é o Pai com o Filho que vêm habitar naquele que crê e guarda os mandamentos. Esta é a habitação do Pai e do Filho no crente . 8
Num segundo momento, Jesus responde à pergunta sobre por que o mundo não pode receber a sua manifestação: simplesmente porque não o ama nem guarda a sua palavra , que é a palavra do Pai. De fato, segundo o Evangelho de João, o mundo não ama Jesus, mas o odeia (cf. Jo 7,7; 15,18).
Nos versículos 25 e 26, temos o desenvolvimento da promessa do Espírito : “Eu vos digo estas coisas enquanto estou convosco. Mas o Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará (διδάσκω) todas as coisas e vos fará lembrar (ὑπομιμνῄσκω) das coisas que vos tenho dito.”
O Espírito Santo recebe aqui uma dupla missão: ensinar e lembrar . Em João, o ensino é sempre algo exclusivo das pessoas divinas (o Pai, Jesus Cristo e o Espírito Santo), e seu conteúdo é sempre a Revelação. Do contexto desses versículos, deduzimos que a função de "ensinar" do Espírito será tornar conhecida aos discípulos a revelação que Jesus fez durante sua vida terrena, mas que eles não conseguiram compreender plenamente naquele momento.
Quanto ao ato de "recordar", note-se que, no vocabulário do Quarto Evangelho, não se trata simplesmente de trazer à memória; trata-se de uma reconstrução do passado a partir de uma perspectiva nova e mais profunda, que leva à crença em Jesus e nas Escrituras . Nessa recordação, os atos e palavras de Jesus adquirem uma perspectiva especial que, em sua vida real, até então permanecia obscura.
Algumas reflexões:
Às vezes nos perguntamos o que é mais decisivo ou importante na vida: o que acontece dentro ou fora de nós. É inegável que os seres humanos são seres sociais e comunitários; vivem em um ambiente específico com o qual estão necessariamente conectados. E é saudável nos conectarmos com a realidade ao nosso redor; quanto mais, melhor.
Mas a força motriz da nossa vida está dentro de nós; a essência da nossa vida passa pelo nosso coração, incluindo a forma como nos conectamos com a realidade externa. Pensemos na imagem de uma fonte da qual jorra água, enchendo o interior e transbordando para o exterior. E isso é fundamental porque muitas vezes não podemos mudar a realidade externa; mas podemos mudar nossa atitude interior em relação a ela. Este pode até ser o primeiro passo para começar a mudar ou transformar a realidade.
Este mesmo caminho é o que Deus escolheu para a nossa vida pessoal e eclesial, pois o grande dom da Páscoa de Jesus é o Espírito Santo, o "doce hóspede da alma", que pode transformar toda a nossa vida. Mas Ele o faz à sua maneira e no seu tempo; "nas trevas e na segurança", secretamente. Também aqui, toda a vida do cristão, em suma, se reduz a seguir os impulsos interiores do Espírito Santo, que devem ser discernidos. Ele é o arquiteto da nossa vida cristã. A este respeito, o Papa Francisco disse na sua homilia de 5 de junho de 2022: "Ele ensina-nos a amar, e devemos pedir este dom. O Espírito do amor é aquele que infunde o amor em nós; é ele que nos faz sentir amados e nos ensina a amar. Ele é o "motor" — por assim dizer — da nossa vida espiritual. É ele que move tudo em nós. Mas se não começarmos pelo Espírito, com o Espírito, ou através do Espírito, o caminho não pode ser percorrido."
Como vimos no Evangelho, uma das missões importantes do Espírito Santo é recordar-nos Deus e o seu amor por nós. “Ele mesmo nos recorda, porque é a memória de Deus , é Ele que nos recorda todas as palavras de Jesus (cf. v. 26). E o Espírito Santo é uma memória ativa , que acende e reacende o amor de Deus nos nossos corações. Experimentámos a sua presença no perdão dos pecados, quando nos sentimos preenchidos pela sua paz, pela sua liberdade e pela sua consolação. Alimentar esta memória espiritual é essencial […] Esta é a memória do Espírito, aquilo que o Espírito nos recorda continuamente: Deus lembra-se de ti. Podes perder a memória de Deus, mas Deus não se esquece de ti; lembra-se de ti continuamente” (Papa Francisco).
E essa lembrança do amor de Deus manifestado em Jesus é o que mantém viva a Esperança. Portanto, o Espírito Santo é a fonte e a origem da nossa Esperança. É Ele quem nos faz ansiar e, portanto, aguardar Jesus, o Senhor: "O Espírito e a noiva dizem: 'Vem!' e quem ouve diga: 'Vem!'" (Ap 22:17).
A este respeito, o Papa Francisco disse na audiência de 11 de dezembro de 2024: “O Espírito Santo é a fonte sempre fluente da esperança cristã. São Paulo nos deixou estas preciosas palavras: “O Deus da esperança vos encha, vós que credes, de toda a alegria e paz, para que transbordeis de esperança, pela força do Espírito Santo” (Rm 15,13). Se a Igreja é um barco, o Espírito Santo é a vela que a impulsiona e a faz avançar no mar da história, hoje como ontem! A esperança não é uma palavra vazia, nem o nosso vago desejo de que as coisas corram bem: a esperança é uma certeza, porque se funda na fidelidade de Deus às suas promessas. E é por isso que se chama virtude teologal: porque é infundida por Deus e tem Deus como seu garante. Não é uma virtude passiva, que se limita a esperar que as coisas aconteçam. É uma virtude altamente ativa que as ajuda a acontecer.
Os cristãos não podem contentar-se apenas com a esperança; devem também irradiar esperança, ser semeadores de esperança. Este é o presente mais belo que a Igreja pode dar a toda a humanidade, especialmente em tempos em que tudo parece exigir que baixemos as velas.
E tudo isso se aplica à Igreja, que, para ser tal, precisa do Espírito Santo como o corpo precisa da alma para viver. Ele é o seu princípio vital, a sua alma. Por isso, devemos permanecer unidos a Ele, devemos permitir que Ele penetre, habite e transforme os nossos corações; as nossas comunidades; as nossas estruturas eclesiais. E Ele o fará de modo "como uma forte rajada de vento" que tudo preenche. Por isso, às vezes, temos um pouco de medo de nos abrir à presença e à ação do Espírito Santo. Acima de tudo, porque, para que o Espírito Santo atue, primeiro deve morrer o nosso eu, a nossa teimosa pretensão de gerir tudo, de controlar tudo à nossa maneira. A evangelização é, antes de tudo, obra dEle e não nossa. Se a tomarmos como algo exclusivamente nosso, os frutos nos mostrarão o nosso erro: ela gera divisão, não comunhão. Se, por outro lado, nos preocuparmos em apoiar a ação do Espírito Santo, podemos não ter sucesso imediato (ou midiático), mas o seu fruto, a comunhão com Deus e entre as pessoas, permanece.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM UMA ORAÇÃO):
Isso nos confirmará
Meu Senhor e Deus, Verbo Divino
Fiel à sua Palavra na oração
Sua presença nos move
Seu amor é derramado na alma
E é o teu Amor Jesus, porque nele
Vamos ao Pai, descansamos em seu abraço
Ao amanhecer quando acordamos
E à noite, se com o nosso cansaço, voltamos
E assim dia após dia nos movemos em você
Amar, apenas amar
Animados pela brisa do Espírito Santo
Pai sussurra em seu ouvido: Bem-vindo!
Vem habitar, Senhor! Fica no meio da noite
Remova a escuridão do vazio silencioso
E quebre-o com a sua Palavra
Fertilize sua terra e torne-a fértil e saudável
Meus olhos contemplam a Glória do Pai
Sua voz penetra como uma espada
E para sempre e sempre
Que o Mestre Paráclito nos dê a sua Cátedra. Amém.
1 Cf. A.-C. Avril-D. La Maisonneuve, Las fiestas judías (Verbo Divino; Estella 1996) 37-46.
2 El misterio de Pentecostés (Edicep; Valencia 1998) 27-28
3 San Pablo y la Iglesia. Ensayo sobre "las eclesiologías" Paulinas (Claretiana; Buenos Aires 2008) 91.
4 L. H. Rivas, El evangelio de Juan (Agape; Buenos Aires 2020) 584.
5 Cf. L. H. Rivas, El evangelio de Juan (Agape; Buenos Aires 2020) 589-590.
6 Evangelio según san Juan (Sígueme; Salamanca 1995) 368.
7 El evangelio de Juan (Agape; Buenos Aires 2020) 595.
8 Cf. X. León-Dufour, Lectura del Evangelio de Juan. Jn 13-17 Vol. III (Sígueme; Salamanca 1995) 106-107.
SOLEMNIDAD DE PENTECOSTES CICLO "C"
Primera lectura (He 2,1-11):
La narración comienza con una referencia al día de Pentecostés. Se trata del quincuagésimo día después de Pascua. Un primer dato importante a retener es que la fiesta de Pentecostés, tanto para la tradición judía como cristiana, está íntimamente unida a la Pascua, es su culminación o coronación.
El Antiguo Testamento habla de la fiesta de las Semanas o Savuot (cf. Ex 23,16; Lv 23,15-22; Dt 16,9-12), cincuenta días después de la Pascua, y que celebraba la última cosecha del año, la siega del trigo; mientras que en la Pascua se celebraba la primera cosecha del año. Esta fiesta formaba parte de las tres fiestas de peregrinación a Jerusalén junto con la Pascua y las Tiendas (sukkot). Más tarde la liturgia judía unió esta fiesta de Pentecostés o Savuot al recuerdo del don de la Torá o Ley en el Sinaí, llamándola justamente fiesta del "don de la Torá" y durante la misma se leía el relato de la promulgación del decálogo (Ex 19-20)1. La referencia al ruido del viento impetuoso y a las lenguas de fuego podría ser una alusión que hace el autor de Hechos de los Apóstoles a la teofanía del Sinaí.
El texto dice que estaban todos reunidos en un mismo lugar. ¿Quiénes son estos "todos" y dónde estaban? La respuesta la tenemos un poco antes en He 1,13-14: "Cuando llegaron a la ciudad, subieron a la sala donde solían reunirse. Eran Pedro, Juan, Santiago, Andrés, Felipe y Tomás, Bartolomé, Mateo, Santiago, hijo de Alfeo, Simón el Zelote y Judas, hijo de Santiago. 14 Todos ellos, íntimamente unidos, se dedicaban a la oración, en compañía de algunas mujeres, de María, la madre de Jesús, y de sus hermanos."
Este "lugar" es el Cenáculo, la "sala grande en el piso superior" (cf. Mc 14, 15) donde Jesús había celebrado con sus discípulos la última Cena y donde se les había aparecido después de su resurrección. Allí se encuentran los once Apóstoles y demás discípulos, incluida María la Madre de Jesús, que conformaban la primera comunidad cristiana.
Ahora bien, lo que sigue del relato de los Hechos, en particular el fenómeno de la comprensión a pesar de la diversidad de lenguas, tiene más bien como trasfondo del mismo la narración de la torre de Babel (Gn 11). En el acontecimiento de Babel la soberbia de los hombres, su amor propio, su búsqueda de fama y gloria llevó a la división de las lenguas con la consiguiente confusión e incomunicación entre hombres y pueblos. Como contrapartida, el acontecimiento de Pentecostés demuestra cómo por obra del Espíritu Santo es posible mantener la unidad respetando la diversidad. En efecto, al decir: "todos los oímos proclamar en nuestras lenguas las maravillas de Dios" (He 2,11) se hace referencia a esa unión superior, en Dios, que es fruto del Espíritu y permite entenderse y comunicarse más allá de las legítimas diferencias.
Como actualización de este texto es interesante lo que dice al respecto R. Cantalamessa2: "Se comprende así en qué consiste la radical transformación que se realiza en Pentecostés, con la venida del Espíritu Santo. En el corazón de los apóstoles Dios ha tomado el lugar del yo, ha destruido la vanagloria de sus obras y de sus proyectos y los empuja a gloriarse sólo en él, no en uno mismo. Así lo ha interpretado San Agustín cuando dice que Babel es la ciudad construida sobre el amor propio, mientras Jerusalén, esto es, la Iglesia, o la ciudad de Dios, es la ciudad construida sobre el amor de Dios […] El paso de Babel a Pentecostés, acontecido históricamente de una vez para siempre y narrado en He 2, debe realizarse espiritualmente, cada día, en nuestra vida. Hay que pasar continuamente de Babel a Pentecostés, del mismo modo que es necesario pasar continuamente del hombre viejo al hombre nuevo".
En el marco de todo el libro de los Hechos hay que recordar que, si bien el primer gran evento que abre la misión pública de la Iglesia es Pentecostés (2,1-4), la experiencia del Espíritu no se limita a esta primera manifestación, sino que se renueva continuamente en la vida de los discípulos: en el momento de las primeras dificultades (4,31), en ocasión de la conversión de los primeros paganos (10,44-47), en la vivencia de algunos grupos que se integraban plenamente a la Iglesia (19,8). Para Lucas la historia de la Iglesia está marcada por esta renovada y continúa manifestación del Espíritu. Es gracias a su energía que la comunidad de los creyentes lleva adelante eficazmente la obra de Jesús en la historia.
Segunda Lectura: 1Cor 12, 3b-7.12-13
San Pablo comienza esta sección con una clara afirmación: toda confesión de fe en el Señor Jesús es fruto de la acción del Espíritu. Mediante esta afirmación demuestra que la acción del Espíritu Santo causa la unidad en la fe de los creyentes. En lo que sigue busca - manteniendo esta unidad en el origen - tener en cuenta la diversidad a nivel de los carismas. Para confirmar esta coexistencia de la unidad con la diversidad cita dos ejemplos: los múltiples servicios o ministerios en relación al único Señor (v. 5) y las actividades diversas con un único Dios, “que realiza todo en todos” (v. 6). Así, en primer lugar, precisa que son los dones visibles o manifiestos los que se dan a cada cristiano en particular (hay dones interiores del Espíritu como la fe y la caridad que se dan a todos). Luego dice que su finalidad es la utilidad común, por lo que los mismos carismas tienden entonces a la unidad: “A cada uno le es dada la manifestación (phanerosis) del Espíritu para la utilidad común (pros to sympheron)” (12,7).
Para ejemplificar esta enseñanza acerca de la unidad y la diversidad recurre a la comparación del cuerpo y sus miembros. Esta referencia a la imagen del cuerpo para explicar la unidad y la diversidad entre los miembros de una sociedad estaba difundida ampliamente en el helenismo y, por ello, se piensa que de allí la tomó San Pablo para aplicarla a la Iglesia. Esta comparación es válida en lo referente al funcionamiento de la Iglesia en cuanto cuerpo social, visible. Pero en lo que sigue Pablo deja en claro que la razón de la unidad en la Iglesia se debe a Cristo y al Espíritu Santo. En efecto, al final del versículo12 dice: "así sucede con Cristo", a quien aplica entonces la comparación del cuerpo. Como dice L. Rivas3: "En este punto se pone de relieve una sorprendente enseñanza de san Pablo: los cristianos no forman una unidad solamente porque están unidos entre ellos formando una sociedad, una comunidad a la que se le da el nombre de Iglesia (ekklesía). Los cristianos constituyen un cuerpo porque están unidos a una persona viviente, que es el Cristo glorificado". Luego en 12,13 explicita que todos los cristianos han sido bautizados (literalmente "sumergidos") en un solo Espíritu para formar un solo cuerpo. Deja en claro que el bautismo tiene una característica connotación eclesial: es el sacramento que nos une en un solo cuerpo. No se trata de una experiencia exclusivamente individual del cristiano, ya que por el bautismo se establece una vinculación especial entre todos los cristianos que forman un solo cuerpo.
En síntesis, la unidad, respetando la diversidad de carismas y servicios, se mantiene en la Iglesia gracias a una doble referencia teológica: su origen en el mismo Espíritu Santo y su finalidad u orientación al bien común del único cuerpo de Cristo.
Evangelio: Jn 14,15-16.23b-26
El evangelio entresaca alguno versículos de la sección de Jn 14,12-26 donde se desarrollan cuatro promesas que Jesús hace a sus discípulos en su discurso de despedida: el poder hacer obras mayores que la que Él hace; el don del Paráclito; la venida de Jesucristo con el Padre y la tarea docente del Espíritu4. En el texto de hoy se presentan ante todo la segunda y la cuarta promesa, ambas referidas al Paráclito, por el contexto litúrgico de Pentecostés.
En cuanto a la promesa del Paráclito, ésta tiene como condición el amor a Jesús y su expresión más clara que es guardar o cumplir los mandamientos que Él nos ha dado como revelador de la voluntad del Padre (Jn 14,15: “Si ustedes me aman, cumplirán mis mandamientos”).
En favor de los que cumplan esta condición, Jesús intercederá ante el Padre para que les envíe otro paráclito (Jn 14,15-16: Y yo rogaré al Padre, y él les dará otro Paráclito para que esté siempre con ustedes”). El término “paráclito” (παράκλητος) es un sustantivo derivado del verbo compuesto griego παρα-καλέω que según su sentido se puede traducir “el que es llamado para que esté junto” y se utilizó para designar al que asistía aconsejando o ayudando en cuestiones legales. Los padres de la Iglesia lo tradujeron literalmente al latín como advocatus de dónde viene nuestro “abogado”. En el evangelio de Jn cuatro veces se llama así al Espíritu Santo por cuanto es quien nos ayudará, enseñará y defenderá de modo permanente5.
El texto de hoy omite la pregunta de Judas – no el Iscariote –: "Señor, ¿por qué te vas a manifestar a nosotros y no al mundo?" (Jn 14,22), a la que responde Jesús diciendo: "Si alguno me ama, guardará mi palabra, y mi Padre le amará, y vendremos a él, y haremos morada en él" (Jn 14,23). Como bien nota G. Zevini6: “la incomprensión de Judas se convierte para Jesús en una nueva ocasión para volver a proponer y profundizar en el tema de la presencia de Dios en la vida del creyente”.
Jesús sigue afirmando que la "condición" para recibir la manifestación divina es el amor a él. Amor que se manifiesta en lo concreto: cumplir los mandamientos, guardar su palabra. Como nos enseña L. Rivas7esta expresión "guardar mi palabra" aparece varias veces en Juan y su sentido es el de aceptar la revelación del Padre que ofrece Jesús; por tanto, los que guardan la palabra son los que viven en la fe y la expresan en el amor. Y la primera consecuencia de esta actitud es la de ser amados por el Padre. La segunda es que el Padre y el Hijo vengan a él y habiten en él. El termino griego utilizado es moné (monh,), habitación o morada, que ya había utilizado Jesús poco antes al decir: "En la Casa de mi Padre hay muchas habitaciones (monh,)" (14,2). En este versículo Jesús hablaba de llevarnos a habitar junto al Padre, en la morada eterna. Por el contrario, en 14,23 habla de hacer del creyente en Jesús una morada de Dios, un lugar donde Dios habita pues son el Padre con el Hijo quienes vienen a habitar en el que cree y guarda los mandamientos. Esta es la inhabitación del Padre y del Hijo en el creyente8.
En un segundo momento Jesús responde al por qué el mundo no puede recibir su manifestación: sencillamente porque no lo ama ni guarda su palabra, que es la palabra del Padre. En efecto, para el evangelio de Juan el mundo no ama a Jesús, sino que lo aborrece (cf. Jn 7,7; 15,18).
En los versículos 25 y 26 tenemos el desarrollo de la promesa del Espíritu: “Yo les digo estas cosas mientras permanezco con ustedes. Pero el Paráclito, el Espíritu Santo, que el Padre enviará en mi Nombre, les enseñará (διδάσκω) todo y les recordará (ὑπομιμνῄσκω) lo que les he dicho”.
Se le atribuye aquí al Espíritu Santo una doble misión: enseñar y recordar. La enseñanza en Juan es siempre algo exclusivo de las personas divinas (el Padre, Jesucristo y el Espíritu) y su contenido es siempre la Revelación. Por el contexto de estos versículos deducimos que la función "docente" del Espíritu será dar a conocer a los discípulos la revelación que Jesús hizo durante su vida terrena pero que ellos no pudieron captar en profundidad en ese momento.
En cuanto a la acción de "recordar", notemos que en el vocabulario del cuarto evangelio no es un simple traer a la memoria, es una reconstrucción del pasado desde una nueva perspectiva, más profunda, y que lleva a creer en Jesús y en la Escritura. En este recuerdo, los hechos y palabras de Jesús adquieren una perspectiva especial que antes, en su situación real, quedaban en la penumbra.
Algunas reflexiones:
A veces nos preguntamos qué es lo más decisivo o importante en la vida: lo que sucede dentro nuestro o fuera de nosotros. Es innegable que el hombre es un ser social y comunitario; y vive en un ambiente concreto con el cual se vincula necesariamente. Y es sano que nos vinculemos con la realidad que nos rodea; cuanto más mejor.
Pero el motor de nuestra vida está en nuestro interior; lo esencial de nuestra vida pasa por nuestro corazón; incluyendo el modo cómo nos vinculamos con la realidad exterior. Pensemos en la imagen de una fuente de donde brota el agua llenando adentro y desbordando hacia afuera. Y esto es fundamental porque muchas veces no podremos cambiar la realidad exterior; pero sí podemos cambiar nuestra actitud interior ante esta realidad. Incluso éste puede ser el primer paso para empezar a cambiar o transformar la realidad.
Este mismo camino es el que Dios ha elegido para nuestra vida personal y eclesial, pues el gran don de la Pascua de Jesús es el Espíritu Santo, el "dulce huésped del alma" que puede transformar nuestra vida entera. Pero lo hace a su modo y a su tiempo; "a oscuras y en seguras", secretamente. Aquí también toda la vida del cristiano, en síntesis, se reduce a secundar las mociones interiores del Espíritu Santo, que es necesario discernir. Él es el artífice de nuestra vida cristiana. Al respecto decía el Papa Francisco en su homilía del 5 de junio de 2022: “Él nos enseña a amar y tenemos que pedir este don. El Espíritu de amor es el que nos infunde el amor, Él es quien nos hace sentir amados y nos enseña a amar. Él es el “motor” —por así decirlo— de nuestra vida espiritual. Él es quien mueve todo en nuestro interior. Pero si no comenzamos por el Espíritu, con el Espíritu o por medio del Espíritu, el camino no se puede hacer”.
Según vimos en el evangelio, una de las misiones importantes del Espíritu Santo es hacernos recordar a Dios y su amor por nosotros. “Él mismo nos lo recuerda, porque es la memoria de Dios, es Aquel que nos recuerda todas las palabras de Jesús (cf. v. 26). Y el Espíritu Santo es una memoria activa, que enciende y reaviva el amor de Dios en nuestro corazón. Hemos experimentado su presencia en el perdón de los pecados, cuando nos hemos sentido llenos de su paz, de su libertad y de su consolación. Alimentar esta memoria espiritual es esencial […] Esta es la memoria del Espíritu, lo que el Espíritu nos recuerda continuamente: Dios se acuerda de ti. Tú puedes perder la memoria de Dios, pero Dios no se olvida de ti, se acuerda di ti continuamente” (Papa Francisco).
Y esta memoria del amor de Dios manifestado en Jesús es lo que mantiene viva la Esperanza. Por eso el Espíritu Santo es fuente y origen de nuestra Esperanza. Él es quien nos hace desear y, por tanto, esperar a Jesús el Señor: “El Espíritu y la Esposa dicen: "¡Ven!", y el que escucha debe decir: "¡Ven!" (Ap. 22,17).
Al respecto decía el Papa Francisco en la audiencia del 11 de diciembre de 2024: “El Espíritu Santo es la fuente siempre caudalosa de la esperanza cristiana. San Pablo nos dejó estas preciosas palabras: «Que el Dios de la esperanza los colme, creyentes, de todo gozo y paz, para que abunden en esperanza por la fuerza del Espíritu Santo» (Rom 15,13). Si la Iglesia es una barca, el Espíritu Santo es la vela que la impulsa y la hace avanzar en el mar de la historia, ¡hoy como ayer! Esperanza no es una palabra vacía, ni nuestro vago deseo de que las cosas vayan bien: la esperanza es una certeza, porque se fundamenta en la fidelidad de Dios a sus promesas. Y por eso se llama virtud teologal: porque está infundida por Dios y tiene a Dios como garante. No es una virtud pasiva, que se limita a aguardar que las cosas sucedan. Es una virtud sumamente activa que ayuda a que sucedan.
El cristiano no puede contentarse con tener esperanza; también debe irradiar esperanza, ser un sembrador de esperanza. Éste es el don más hermoso que la Iglesia puede hacer a la humanidad entera, especialmente en los momentos en que todo parece incitar a arriar las velas”.
Y todo esto vale para la Iglesia que, para ser tal, necesita del Espíritu Santo como el cuerpo necesita del alma para poder vivir. Es su principio vital, su alma. Por eso a Él debemos permanecer unidos, a Él debemos permitirle que penetre, habite y transforme nuestros corazones; nuestras comunidades; nuestras estructuras eclesiales. Y lo hará de modo "semejante a una fuerte ráfaga de viento" que lo llena todo. Por eso a veces nos da un poco de miedo abrirnos a la presencia y la acción del Espíritu Santo. Sobre todo, porque para que obre el Espíritu Santo primero tiene que morir nuestro yo, nuestra testaruda pretensión de manejarlo todo, de controlarlo todo a nuestro modo. La evangelización es, ante todo, obra Suya más que nuestra. Si lo tomamos como algo exclusivamente nuestro, los frutos nos mostrarán nuestro error: se genera división, no comunión. Si, en cambio, nos preocupamos por secundar la acción del Espíritu Santo puede que no tengamos un éxito inmediato (ni mediático), pero su fruto, la comunión con Dios y entre los hombres, permanece.
PARA LA ORACIÓN (RESONANCIAS DEL EVANGELIO EN UNA ORANTE):
Nos confirmará
Señor y Dios mío, Verbo Divino
Fiel a tu Palabra en la oración
Tu Presencia nos conmueve
Se derrama en el alma tu querer
Y es tu Amor Jesús, pues en él
Vamos al Padre, descansamos en su abrazo
Al amanecer cuando despartamos
Y en la tarde, si con nuestras fatigas, retornamos
Y así día tras día nos movemos en ti
Amando, solo amando
Animados por la brisa del Espíritu Santo
Susurros del Padre al oído: ¡Bienvenido!
Ven a morar Señor! Quédate en medio de la noche
Aparta las tinieblas del vacío silencioso
Y quiébralo con tu Palabra
Fecunda tu tierra y hazla fértil y sana
Mis ojos contemplen la Gloria del Padre
Tu Voz penetre como espada
Y por los siglos de los siglos
El Maestro Paráclito nos de su Cátedra. Amén.
1 Cf. A.-C. Avril-D. La Maisonneuve, Las fiestas judías (Verbo Divino; Estella 1996) 37-46.
2 El misterio de Pentecostés (Edicep; Valencia 1998) 27-28
3 San Pablo y la Iglesia. Ensayo sobre "las eclesiologías" Paulinas (Claretiana; Buenos Aires 2008) 91.
4 L. H. Rivas, El evangelio de Juan (Agape; Buenos Aires 2020) 584.
5 Cf. L. H. Rivas, El evangelio de Juan (Agape; Buenos Aires 2020) 589-590.
6 Evangelio según san Juan (Sígueme; Salamanca 1995) 368.
7 El evangelio de Juan (Agape; Buenos Aires 2020) 595.
8 Cf. X. León-Dufour, Lectura del Evangelio de Juan. Jn 13-17 Vol. III (Sígueme; Salamanca 1995) 106-107.