15/09/2024
LINK AUXILIAR:
1ª Leitura: Isaías 50,5-9a
Salmo Responsorial 114(115)R- Andarei na presença de Deus, junto a ele, na terra dos vivos.
2ª Leitura: Tiago 2,14-18
Evangelho Marcos 8,27-35
Naquele tempo: 27Jesus partiu com seus discípulos para os povoados de Cesaréia de Filipe. No caminho perguntou aos discípulos: 'Quem dizem os homens que eu sou?' 28Eles responderam: 'Alguns dizem que tu és João Batista; outros que és Elias; outros, ainda, que és um dos profetas.' 29Então ele perguntou: 'E vós, quem dizeis que eu sou?' Pedro respondeu: 'Tu és o Messias.' 30Jesus proibiu-lhes severamente de falar a alguém a seu respeito. 31Em seguida, começou a ensiná-los, dizendo que o Filho do Homem devia sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, devia ser morto, e ressuscitar depois de três dias. 32Ele dizia isso abertamente. Então Pedro tomou Jesus à parte e começou a repreendê-lo. 33Jesus voltou-se, olhou para os discípulos e repreendeu a Pedro, dizendo: 'Vai para longe de mim, Satanás!' Tu não pensas como Deus, e sim como os homens.' 34Chamou Jesus a multidão com seus discípulos e disse: 'Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. 35Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, vai salvá-la.
Mc 8,27-35
A confissão de Pedro não deve ser atribuída somente a Simão Pedro. Ele confessa em nome do grupo dos discípulos; ele é o porta voz de todos, exprime o que é a fé de todos. Mesmo que seja uma fé ainda imperfeita, Pedro exprime uma fé genuína em Jesus.
Os discípulos já estão convivendo com Jesus há um bom tempo e, por isso, chegou o momento em que precisam se decidir com clareza e de maneira pessoal. A quem eles estão seguindo? O que é que eles reconhecem em Jesus? O que eles recebem de Jesus?
É muito provável que os discípulos tenham se perguntado sobre a identidade de Jesus desde o início. Eles se surpreendem com a autoridade com que fala, com que cura os doentes, com que expulsa demônios e perdoa os pecadores. Quem é afinal esse homem?
Entre as pessoas correm diversos boatos sobre Jesus: um dizem que é João Batista, outros que é Elias, outras que é um dos profetas. Mas o que interessa a Jesus é saber o que os discípulos reconhecem em Jesus? “E vós, quem dizeis que eu sou?”
Essa questão é vital para os discípulos. Não é possível continuar seguindo Jesus de maneira inconsciente e superficial. Jesus tem clareza de que o caminho futuro a ser percorrido exigirá dos discípulos uma decisão consciente e responsável.
A resposta de Pedro é ainda limitada. Os discípulos ainda não passaram pela experiência da cruz e da ressurreição. Não podem suspeitar ainda a profundidade do mistério do Messias Jesus. Para penetrar fundo no mistério pessoal de Jesus e de sua missão de Messias, os discípulos precisam continuar seguindo Jesus. É somente no seguimento, que eles chegarão à fé plena em Jesus.
Para nós também é vital conhecer quem é Jesus. Mas para conhecê-lo de verdade não bastam títulos e nomes aprendidos teoricamente. É preciso seguir Jesus, dia a dia, até o fim.
De acordo com o relato de Marcos, Jesus insiste três vezes, enquanto caminhavam para Jerusalém, sobre a sua paixão e morte. Ele manifesta abertamente aos discípulos a consciência que tem de sua morte violenta e, com firmeza admirável, anuncia que está indo ao encontro desse desenlace. Assim explica, sem meios tons, que o final de sua vida não será o triunfo que os discípulos esperavam e imaginavam, mas será o da entrega total de si, o que inclui sua morte na cruz.
Os discípulos mostram que não entendem Jesus. Tanto que têm até medo de perguntar a Jesus. Parece até que eles preferiam não mexer em algo que eles intuíam muito perturbador e que exigia uma conversão. Com efeito, eles se demonstram apegados aos sonhos de glória e de honra; esperam ainda receber de Jesus privilégios e vantagens. Por isso, eles, mesmo que Jesus tenha anunciado sua paixão e morte, continuam discutindo quem é o maior entre eles. Ficam calados quando Jesus lhes pergunta: o que discutíeis pelo caminho? A discussão deve ter sido muito animada e acalorada!
Os discípulos guardam silêncio envergonhados. A pergunta de Jesus parece ter feito os discípulos caírem na conta do absurdo daquela discussão. Bastou a pergunta daquele que se fez o último de todos, daquele que serve a todos, daquele que se fez pequeno como a criança para fazer aflorar a consciência da mesquinhez da luta pelo poder e da disputa pelo primeiro lugar.
Jesus responde ao silêncio dos discípulos, chamando-os e sentando-se: o gesto de se sentar é o gesto de quem ensina. Jesus tem algo importante para ensinar. Jesus quer ser ouvido; é o mestre que ensina! Quem quiser ser o primeiro, seja o último de todos e aquele que serve a todos!
Para ser de Jesus é preciso ser como Ele, servir como Ele, colocar-se no último lugar como Ele.
24º DomTComum – Mc 8,27-35 – Ano B – 15-09-24
“No caminho perguntou aos discípulos: ‘quem dizem os homens que eu sou’”? (Mc 8,27)
O Evangelho de Marcos é chamado de “Evangelho do Caminho”. O “caminho” é a verdadeira escola do Mestre da Galileia, pois Ele está aberto às surpresas da vida e não se refugia no interior das sinagogas e espaços sagrados; no caminho Jesus deixa transparecer a sua missão; o caminho revela também o verdadeiro sentido do seguimento.
É no caminho que Jesus faz duas perguntas que deixam transparecer dois círculos: um exterior e um interior. O que se vê de fora e o que se vê de dentro. O que se vê com os olhos e o que se contempla com o coração. As duas perguntas deixam clara uma distinção entre a visão que a multidão tinha de Jesus e a dos discípulos, depois de um tempo de convivência com Ele. Os discípulos são chamados a ter um olhar mais profundo, capaz de mergulhar no mistério de Jesus, um olhar sem falsidade e sem interesse próprio; eles não devem se contentar com o que ouvem dizer, mas são movidos a tomar uma posição, uma decisão.
As afirmações de Jesus no evangelho deste domingo têm dado margem a interpretações deturpadas. Ele é claro: apresenta-nos as consequências do seu seguimento; Ele não está falando da “cruz patíbulo”, imposta pelos homens, mas da “cruz fidelidade” a uma causa em favor da vida, ou seja, estar pronto e preparado diante da resistência e perseguição daqueles que não se abrem à ousada proposta do Evangelho.
Quem vive radicalmente o Evangelho, mais cedo ou mais tarde, vai ser rejeitado, perseguido... Tudo o que aconteceu com o Mestre, acontecerá também com os seus discípulos.
Jesus não veio para complicar a vida dos seus seguidores, nem impor novas leis, ritos, penitências... que só alimentam medo de Deus e culpa doentia. Afinal, Ele veio para que todos tivessem vida, e vida em plenitude. Na sua mensagem, Ele proclamou uma palavra vital e sábia. Não é, certamente, uma palavra que satisfaça nosso ego, alimentando a ignorância e a inconsciência na qual ele se move; também não é uma mensagem que atrofia a vida e a liberdade da pessoa. Pelo contrário.
O texto de Marcos fala de “perder a vida (o ego) pelo evangelho”. Como entender isso? Não se trata, evidentemente, de nenhum tipo de fanatismo que faz do evangelho uma bandeira de sofrimento ou um ídolo ao qual “sacrificar” a própria vida.
“Salvar a vida” ou viver em plenitude só é possível quando permanecemos em conexão com aquela identidade profunda, com o “eu original”. Isso requer, obviamente, deixar de nos identificar com o “ego” de uma maneira absoluta.
Vivemos, interiormente, o eterno conflito entre o “ego” e o nosso “eu verdadeiro”. No mais profundo de cada um de nós habita uma pretensão básica de querer “ser deus” – “sereis como deuses” (Gen 3,5). É o pecado de raiz já dos nossos primeiros pais. É a tentação de querer ser outro, de não aceitar ser dependente, de não se aceitar como criatura, como humano (frágil e limitado).
“Renunciar a si mesmo” é não deixar que o impulso para a vaidade, a soberba, o poder... predomine; não deixar que o centro seja o “ego”, mas a identificação com Jesus (“quem quiser me seguir...”). Isso implica em “descer”, humildemente, ao próprio húmus. Se a pessoa não renuncia essa pretensão de “bastar-se a si mesma”, não poderá seguir Jesus Cristo.
Portanto, o convite é este: “negar o ego” para fazer emergir o “eu sou”, nossa originalidade e verdadeira identidade. No encontro com o “Eu sou” de Jesus reacende-se o nosso “eu sou”, aquilo que é mais nobre, elevado e sagrado no mais profundo de nós mesmos.
E quando se manifesta o nosso “eu original”?
Quando nos sentimos genuinamente movidos por sentimentos de compaixão para com as pessoas necessitadas, esse é o nosso verdadeiro eu que está se manifestando. Quando começamos a sentir uma grande gratidão pelos inúmeros dons que a vida nos oferece, podemos ter a certeza de que isso não provém do nosso ego. O ego é completamente incapaz de sentir gratidão. Sentir uma gratidão imensa por todos os dons e graças da nossa vida é algo que brota do fundo do nosso ser.
Quando reconhecemos um momento de honestidade e sinceridade no nosso desejo de conhecer a verdade acerca de nós mesmos ou da realidade que nos cerca, esse é o nosso verdadeiro eu. Nos momentos em que agimos com uma coragem e valentia incomum e inexplicáveis, isso também brota de um impulso que provém das profundezas do nosso próprio ser.
Se alguma vez experimentamos a alegria tranquila de deixarmos de lado nosso ego, fazendo alguma coisa pelos outros, sem recebermos qualquer recompensa ou agradecimento, e sem que ninguém o saiba, então entramos em contato com o nosso verdadeiro eu. E quando nos sentimos invadidos por uma onda de assombro e deslumbramento, quer dizer que estamos deixando o nosso verdadeiro eu prevalecer.
O que está em questão é precisamente “salvar a vida”, ou seja, viver em plenitude, com sentido e inspiração. Pois bem, isso só é possível quando descobrimos nossa verdadeira identidade e nos libertarmos das armadilhas do ego que nos confundem e nos mantém no sofrimento.
O evangelho deste domingo não reforça nenhum tipo de voluntarismo egoico, nem trata da exigência arbitrária de um Deus que exige sacrifícios e mortificações. É uma questão de sabedoria ou de compreensão. E é isso que expressam as palavras de Jesus que fecham o relato: “se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga.
Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, vai salvá-la”.
Uma consideração superficial destas palavras de Jesus deu margem a uma apresentação do cristianismo como a religião que enfatiza a dor, a renúncia e a negação da própria vida e da própria identidade.
Mas Jesus não buscou a dor e nem negou a vida. Suas palavras não são uma exaltação do sofrimento, mas expressam uma grande sabedoria: elas buscam “despertar” a pessoa para sua verdadeira identidade, para que assim ela possa assumir uma atitude acertada diante da vida.
O horizonte de toda pessoa é precisamente a vida e a plenitude. Isso é o que todos, sabendo ou não, buscamos. E buscamos isso em tudo o que fazemos e em tudo o que deixamos de fazer. Como acertar?
A verdade é que, nos ouvidos de muitas pessoas, a palavra “religião” soa como “negação”, “sofrimento”, “cruz”, “mortificação” ..., ou seja, como “negação da vida”. Diante deste grande equívoco, é preciso começar a reconhecer que tal visão não tem fundamento no Evangelho, mas em fatores alheios, de diferentes procedências, que chegaram a configurar o imaginário coletivo com matizes doloridos e angustiantes. Temas como o pecado, a culpa, o castigo, as “penas eternas” ..., rechearam os catecismos doutrinários, pregações moralistas e devoções estéreis, até os extremos difíceis de imaginar.
São muitos os cristãos que sofrem, feridos pela negatividade, pela rigidez, pela exigência; talvez humilhados pela culpabilidade, pelo medo, pelo perfeccionismo, pelo voluntarismo ou idealismo vazio, pelo excesso de cruzes inúteis, negações e sacrifícios impostos por uma educação religiosa repressora, restritiva e dominadora. Em suma, são muitos que estão feridos por uma religião tenebrosa, e acabam abandonando por pura necessidade de sobrevivência.
Infelizmente, como no tempo de Jesus, há uma religião que desumaniza em vez de potencializar todos os recursos mais humanos; uma religião que massacra em vez de contagiar vida; uma religião que atrofia em vez de expandir a pessoa.
Muitas “autoridades religiosas” se transformam em implacáveis juízes, com a lei na mão, em vez de serem bons samaritanos. Fica cada vez mais patente dois estilos de religião: a que encarcera e a que liberta.
Qual delas determina nossa vida?
Para meditar na oração:
Orar é aproximar-me da “verdade que me faz livre”; livre para ser “eu mesmo”, chegar a ser aquilo a que sou chamado a ser.
Por isso a oração cristã é também descoberta do “eu”, da minha própria realidade pessoal, do mistério que a habita.
É nessa experiência divina que “descubro-me a mim mesmo”. Começo, então a descobrir o meu ser (único, original, sagrado...) quando “mergulho” no misterioso relacionamento com Deus e quando permito que o “mistério experimentado” se torne fonte de minha identidade. Mais ainda, saberei melhor “quem sou eu”, esquecendo-me de mim mesmo, aceitando perder-me, deixando que o Amor me liberte de meu pequeno e atrofiado “ego”.
Esta reflexão descreve a cegueira de Pedro que não entende a proposta de Jesus quando este fala do sofrimento e da cruz. Pedro aceita Jesus como messias, mas não como messias sofredor. Ele está influenciado pela propaganda do governo da época que só falava do messias como rei glorioso. Pedro parecia cego. Não enxergava nada e ainda queria que Jesus fosse como ele, Pedro, o queria. Vamos conversar sobre isto!
SITUANDO
No início deste quarto bloco estão a cura de um cego – Mc 8,22-26 -, o anúncio da cruz e a explicação do seu significado para a vida dos discípulos – Mc 8, 27 a 9,1. A cura do cego foi difícil. Jesus teve que realizá-la em duas etapas. Igualmente difícil foi a cura da cegueira dos discípulos. Jesus teve que fazer uma longa explicação a respeito do significado da cruz para ajudá-los a enxergar, pois era a cruz que estava provocando neles a cegueira.
Nos anos 70, quando Marcos escreveu, a situação das comunidades não era fácil. Havia muito sofrimento, muitas cruzes. Seis anos antes, em 64, o imperador Nero tinha decretado a primeira grande perseguição, matando muitos cristãos. Em 70, na Palestina, Jerusalém estava sendo destruída pelos romanos. Nos outros países, estava começando uma tensão forte entre judeus convertidos e judeus não-convertidos. A dificuldade maior era a cruz de Jesus. Os judeus achavam que um crucificado não podia ser o messias tão esperado pelo povo, pois a lei afirmava que todo crucificado devia ser considerado como um maldito de Deus (Dt 21,22-23).
COMENTANDO
Marcos 8, 27-30: VER – levantamento da realidade
Jesus perguntou: ''Quem diz o povo que eu sou?'' Eles responderam relatando as várias opiniões do povo: ''João Batista'', ''Elias ou um dos profetas''. Depois de ouvir as opiniões dos outros, Jesus perguntou: ''E vocês, quem dizem que eu sou?'' Pedro respondeu: ''Tu és o Cristo, o Messias''. Isto é, és aquele que o povo está esperando. Jesus concordou com Pedro, mas proibiu de falar sobre isso ao povo. Por que Jesus proibiu? É que naquele tempo, todos esperavam a vinda do messias, mas cada um do seu jeito: uns como rei, outros como sacerdote, doutor, guerreiro, juiz ou profeta. Ninguém parecia estar esperando o messias servidor, anunciado por Isaías (Is 42,1-9).
Marcos 8,31-33: JULGAR – esclarecendo a situação – primeiro anúncio da paixão
Jesus começa a ensinar que ele é o Messias Servidor e afirma que, como o Messias Servidor anunciado por Isaías, será preso e morto no exercício da sua missão de justiça. Pedro leva um susto, chama Jesus de lado para desconcertá-lo. E Jesus responde a Pedro: ''Vá embora, Satanás''. Você não pensa as coisas de Deus, mas as dos homens''. Pedro pensava ter dado a resposta certa. De fato, ele disse a palavra certa ''Tu és o Cristo''. Mas não lhe deu o sentido certo. Pedro não entendeu Jesus. Era como o cego de Betsaida. Trocava gente por árvore. A resposta de Jesus foi duríssima ''Vá embora, Satanás''. Satanás é uma palavra hebraica que significa acusador, aquele que afasta os outros do caminho de Deus. Jesus não permite que alguém o afaste da sua missão.
Marcos 8, 34-47 – AGIR – condições para seguir
Jesus tira as conclusões que valem até hoje – Quem quiser vir após mim tome sua cruz e siga-me. Naquele tempo, a cruz era a pena de morte que o Império Romano impunha aos marginais. Tomar a cruz e carregá-la atrás de Jesus era o mesmo que aceitar ser marginalizado pelo sistema injusto que legitimava a injustiça. A cruz não é fatalismo, nem é exigência do Pai. A cruz é a consequência do compromisso livremente assumido por Jesus de revelar a Boa Nova de que Deus é Pai e que, portanto, todos e todas devem ser aceitos e tratados como irmãos e irmãs. Por causa deste anúncio revolucionário, ele foi perseguido e não teve medo de dar a sua vida. Prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão.
"Quem você diz que eu sou?" Não sei exatamente como os cristãos de hoje responderão a esta pergunta sobre Jesus, mas talvez possamos intuir um pouco como pode ser para nós nestes momentos se conseguirmos encontrá-lo com mais profundidade e verdade.
Jesus pode nos ajudar-nos, antes de tudo, a conhecer melhor. O seu evangelho nos faz pensar e nos obriga a colocar-nos as questões mais importantes e decisivas da vida. O seu modo de sentir e de viver a existência, o seu modo de reagir ao sofrimento humano, a sua confiança indestrutível num Deus amigo da vida é o melhor que a história humana deu.
Acima de tudo, Jesus pode nos ensinar um novo estilo de vida. Quem dele se aproxima não é tanto atraído por uma nova doutrina, mas convidado a viver de uma forma diferente, mais enraizada na verdade e com um horizonte mais digno e esperançoso.
Jesus também pode nos libertar de formas pouco saudáveis de viver a religião: fanatismo cego, desvios legalistas, medos egoístas. Pode, sobretudo, introduzir na nossa vida algo tão importante como a alegria de viver, o olhar compassivo para com as pessoas, a criatividade de quem vive amando.
Jesus pode nos redimir das imagens doentias de Deus que carregamos sem medir os efeitos nocivos que elas têm sobre nós. Pode nos ensinar a experimentar Deus como presença próxima e amiga, fonte inesgotável de vida e de ternura. Deixar-nos guiar por Ele nos levará ao encontro de um Deus diferente, maior e mais humano que todas as nossas teorias.
Sim, de fato. Para encontrar Jesus de forma um tanto autêntica, devemos ousar sair da inércia e da imobilidade, recuperar a liberdade interior e estar dispostos a “nascer de novo”, deixando para trás a observância rotineira e enfadonha de uma religião convencional.
Sei que Jesus pode ser o curador e libertador de muitas pessoas que vivem presas pela indiferença, distraídas pela vida moderna, paralisadas por uma religião vazia ou seduzidas pelo bem-estar material, mas sem caminho, sem verdade e sem vida.
Naquele tempo, Jesus partiu com seus discípulos para os povoados de Cesareia de Filipe. No caminho perguntou aos discípulos: "Quem dizem os homens que eu sou?" Eles responderam: "Alguns dizem que tu és João Batista; outros que és Elias; outros, ainda, que és um dos profetas". Então ele perguntou: "E vós, quem dizeis que eu sou?"
Pedro respondeu: "Tu és o Messias". Jesus proibiu-lhes severamente de falar a alguém a seu respeito. Em seguida, começou a ensiná-los, dizendo que o Filho do Homem devia sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei; devia ser morto, e ressuscitar depois de três dias. Ele dizia isso abertamente.
Então Pedro tomou Jesus à parte e começou a repreendê-lo. Jesus voltou-se, olhou para os discípulos e repreendeu a Pedro, dizendo: "Vai para longe de mim, Satanás! Tu não pensas como Deus, e sim como os homens".
Então chamou a multidão com seus discípulos e disse: "Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, vai salvá-la".
Depois de curar um cego em Betsaida, Jesus continua sua jornada acompanhado de seus discípulos. Mais uma vez, o Evangelho de Marcos nos oferece a presença de Deus em nosso meio como um viajante, um Deus que viaja por cidades pequenas e grandes dando vida, curando aqueles que estão doentes, cegos, coxos e paralíticos.
Jesus encarna de maneira simples e direta a profecia de Isaías que lemos na semana passada: “Os olhos dos cegos se abrirão, os ouvidos dos surdos se fecharão, os aleijados saltarão como cervos, a língua dos mudos cantará” (Is 35,5-6).
Jesus atrai as pessoas ao seu redor e elas também se aproximam dele porque ouviram falar dele e ficam surpresas e maravilhadas com suas ações para com aqueles que sofrem todos os tipos de marginalização. Jesus se aproxima e não tem medo do desafio que traz a pobreza e a vulnerabilidade humana e responde ao mistério da dor que atravessa a vida de cada pessoa humana.
Naquele tempo, Jesus partiu com seus discípulos para os povoados de Cesareia de Filipe. No caminho perguntou aos discípulos: "Quem dizem os homens que eu sou?"
Jesus deixa a Galileia e vai para Cesareia de Filipe acompanhado de seus discípulos. Esse pequeno grupo é o que o acompanha e viu seus milagres desde o primeiro momento de sua jornada. Lembramos alguns deles: o homem possuído por um espírito impuro que Jesus liberta, gerando alegria e espanto naqueles que testemunharam esse momento, de modo que “sua fama se espalhou rapidamente por toda parte”.
Em seguida, ele curou a sogra de Pedro que estava de cama com febre e, aos poucos, um movimento de pessoas veio até ele com várias doenças, os mudos, os endemoninhados e os possuídos, pedindo que ele os curasse.
Ele também curou um leproso que despertou sua mais profunda compaixão, o homem paralítico que seus quatro amigos o fizeram descer pelo telhado da casa “porque não havia lugar nem mesmo perto da porta”.
Ele compartilha a mesa com Levi, considerado um traidor do povo e um pecador, dando origem ao escândalo dos sábios ao verem que Jesus compartilha a mesa com pecadores e cobradores de impostos, porque estabelece um vínculo estreito com eles. Ele não os discrimina nem os rejeita.
Junto com essa vida e alegria que Jesus semeava em sua caminhada, os discípulos também testemunharam a progressiva rejeição que se gerava entre os da sinagoga, os fariseus, os doutores que vinham de Jerusalém, como lemos há alguns domingos, para observar e qualificar suas atitudes.
Esse pequeno grupo que está ao seu lado recebe a confiança e o poder de Jesus para curar e libertar os doentes. Eles são testemunhas do trabalho de Jesus, recebem suas palavras, alimentam a multidão com os cinco pães e dois peixes que dão a Jesus e ele os multiplica para que ninguém fique sem o que precisa. Eles ficam admirados e surpresos quando, no meio da travessia do Mar da Galileia, Jesus aparece para eles caminhando sobre o lago, apesar do vento forte. Eles são confortados por suas palavras que os convidam a reconhecê-lo mesmo em meio à tempestade e os encorajam a chegar em terra firme.
São muitas as experiências que esse pequeno grupo tem com Jesus. Não se trata apenas de um convite pessoal, um momento, uma alegria passageira. Jesus é alguém a quem não se pode ficar indiferente.
Nessa jornada, Jesus lhes pergunta diretamente: "Quem dizem os homens que eu sou?" E eles respondem segundo o que foram ouvindo neste tempo: "Alguns dizem que tu és João Batista; outros que és Elias; outros, ainda, que és um dos profetas".
São comentários, olhares que as pessoas têm sobre Jesus e que foram ouvidos pelos discípulos, comentários de pessoas, opiniões que, sem dúvida, não eram indiferentes aos discípulos. Talvez cada um deles tenha guardado o que mais chamou sua atenção, ou o que mais repercutiu nele ou despertou suas preocupações. Comentários feitos entre seu povo, em seus vilarejos e cidades ao longo do caminho. Jesus está interessado em saber o que dizem sobre ele, convidando-nos a participar de sua pergunta: o que as pessoas dizem sobre cada um de nós?
Jesus nos incentiva a perguntar aos outros o que eles pensam sobre ele. Temos coragem de perguntar às pessoas ao nosso redor o que elas dizem sobre nós? Estamos abertos para ouvir suas respostas?
Antes de responder à pergunta que Jesus faz diretamente aos discípulos - e vós, quem dizeis que eu sou? -, ele nos convida a receber a opinião, os dizeres, a opinião daqueles que estiveram ao nosso lado em diferentes momentos de nossa vida. Aqueles que participaram de nosso trabalho pastoral, receberam nossas palavras, nossas atividades, participaram de nossos projetos... "Quem dizem essas pessoas que eu sou?"
Deixo que a pergunta de Jesus me desafie e me situo como uma pessoa cristã, alguém que o segue, que conhece sua vida e seu trabalho, suas palavras, sua ação entre as pessoas, os conflitos que sua presença gera... e a partir desse lugar, ouso perguntar aos que me rodeiam: Quem dizem as pessoas que eu sou?
E permito que diferentes opiniões e olhares ressoem em meus ouvidos: Será que dizem que sou alguém que se diz católico porque pratica certos ritos religiosos e vai à igreja em determinadas épocas do ano?
Ou será que sou uma pessoa que acredita em um Deus que encontraremos após a morte e que tem um registro de nossas ações ao longo da vida?
Talvez eu seja visto como um profeta da calamidade que não consegue apreciar a novidade do Reino emergente porque estou buscando uma justiça que não é a que Jesus traz?
Ou sou um cristão que anseia pelos antigos costumes e práticas em que os valores do cristianismo eram “respeitados e bem vistos” e estou sempre me lembrando desses tempos com nostalgia?
Quem dizem as pessoas que eu sou?
Sou uma pessoa de pensamento e ação inflexíveis, em que a verdade e a justiça são limitadas por um único ponto de vista que é o meu?
Sou um discípulo que busca fazer o bem, caminhando com uma comunidade na incerteza do novo que se apresenta?
Depois de ouvir os pontos de vista dos outros, Jesus se dirige diretamente aos discípulos com esta pergunta: “E vós, quem dizeis que eu sou?"
Da mesma forma, depois de deixar ressoarem dentro de nós as opiniões das pessoas, podemos responder a essa pergunta fundamental de Jesus: Quem sou eu para vocês? Jesus nos convida a colocar em palavras nosso vínculo com Ele, sem categorias ou prioridades. Uma ou duas palavras para responder sua pergunta tentando expressar através delas nossa relação com Jesus.
Junto com o Papa Francisco pedimos que esta pergunta que Jesus dirige aos seus discípulos e que o evangelho de Marcos nos traz, nos ajude “a entrar em contato com Ele, para que, Jesus, não permaneça apenas uma grande personagem, um protagonista da história, um líder religioso ou mestre de moral, mas se torne para cada um, todos os dias, o Senhor. O Senhor da vida. (Cf. Papa Francisco: O Evangelho não é uma lição fora do tempo.)
Nesta reflexão temos a história do caminho de Cesareia de Felipe. Embora de grande importância também em Mateus e Lucas, o relato mais original está no evangelho de Marcos, Cap. 8, o qual se torna o pivô de todo o Evangelho.
"Quem diz o povo que eu sou?"
A pedagogia do relato é interessante. Primeiro, Jesus faz uma pergunta bastante inócua: “quem dizem os homens que eu sou?” Assim, chovem respostas, pois esta pergunta não compromete - é o “diz que...” Mas a segunda pergunta traz a “facada”: “E vocês, quem dizem que eu sou?” Agora não vêm muitas respostas, pois quem responde em nome pessoal, e não dos outros, se compromete! Somente Pedro se arrisca e proclama a verdade sobre Jesus: “Tu és o Messias”. Aparentemente, Pedro acertou, e realmente, na versão mateana, Jesus confirma a verdade do que proclamou! Afirmou que foi através de uma revelação do Pai que Pedro fez a sua profissão de fé. Mas, para que entendamos bem o trecho, é importante que continuemos a leitura pelo menos até o v. 35, porque o assunto é mais complicado do que possa parecer.
"Filho do Homem"
Jesus logo explica o que quer dizer ser o Messias. Não era ser glorioso, triunfante e poderoso, conforme os critérios deste mundo e as expectativas do povo do seu tempo, inclusive os discípulos. Muito pelo contrário, era ser fiel à sua vocação como Servo de Javé, que teria como consequência ser preso, torturado e assassinado, e dar a vida em favor de muitos. Usando o título messiânico “Filho de Homem” - que vem de Daniel 7, 13ss - Jesus confirmou que era o Messias, mas não do jeito que Pedro esperava. Este, conforme as expectativas correntes no seu tempo, esperava um Messias forte e dominador, não um que pudesse ir, e levar os seus seguidores com ele, até a Cruz. Por isso, Pedro contesta Jesus, pedindo que nada disso acontecesse. E como recompensa ganha uma das frases mais duras da Bíblia: “Afasta-se de mim, satanás! Você não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens” (v. 33). Pedro, cuja proclamação de fé parecia ser tão acertada, é agora chamado de Satanás - o Tentador por excelência! Pedro tinha os títulos certos para Jesus, mas a prática errada! Usando os nossos termos de hoje, de uma forma um tanto anacrônica, podemos dizer que ele tinha ortodoxia mas não ortopraxis!
"Quem quiser vir após mim tome sua cruz e siga-me."
Assim, Jesus usa o equívoco de Pedro para explicar o que significa ser seguidor d’Ele: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me” (v. 34). Ter fé em Jesus não é em primeiro lugar um exercício intelectual ou teológico, mas uma prática, uma adesão à sua pessoa e missão, que leva ao seguimento d’Ele na construção do seu projeto, até às últimas consequências.
Hoje, dois mil anos depois, a pergunta de Jesus ressoa forte - a segunda pergunta. Para nós, quem é Jesus? Não para o catecismo, não para o Papa ou o Pastor, mas para cada um de nós pessoalmente? No fundo a resposta se dá, não com palavras, mas pela maneira em que vivemos e nos comprometemos com o projeto de Jesus - Ele que veio para que todos tivessem a vida e a vida plenamente (Jo 10, 10). Cuidemos para que não caiamos na tentação do equívoco de Pedro, a de termos a doutrina e a teoria certas, mas a prática errada!
Fonte: CEBI Nacional
DOMINGO XXIV DO ANO – CICLO “B”
Primeira leitura (Is 50,4-7):
Este fragmento corresponde ao terceiro dos quatro poemas conhecidos como “cânticos do servo” por se referirem a um personagem chamado por Deus como “seu servo”. Este número é relevante porque a profecia de Isaías atribui a graça do resgate do cativeiro babilônico não apenas à misericórdia de Deus, mas também à obra de um mediador, o servo sofredor , que é apresentado como vítima sacrificial pelos crimes do povo. e que obtém perdão para Israel em virtude de seu sacrifício.
No terceiro cântico, o servo apresenta-se como um fiel discípulo do Senhor, vítima da maldade dos homens. A sua língua pronuncia o que o Senhor lhe diz, o seu ensino procura consolar os abatidos (Is 50,4). Aceita a sua missão sem resistência, conhece as dificuldades que ela acarreta, sem outro apoio senão a confiança no Senhor.
Do ponto de vista cristão, é evidente que se trata de uma prefiguração profética de Jesus e da sua missão redentora. Com efeito, no Novo Testamento Jesus é identificado com o servo sofredor no seu batismo (Mt 3, 17; Mc 1, 11; Jo 1, 34); nos seus milagres (Mt 8, 17); na sua decisão de ir a Jerusalém para morrer (Lc 9,51) e na sua humildade (Mt 12,16-21). Segundo Jo 12, 37-43, Jesus assume no seu ministério público as palavras do servo sofredor de Is 53, 1s. O tema do servo também é atribuído a Jesus nos Atos dos Apóstolos (Hb 3,13.26; 4,27.30; 8,32) e nos hinos da primeira Igreja (Fl 2,7; 1Pe 2,21-25). ). Embora não o mencionem explicitamente, as histórias da paixão são uma realização do terceiro canto, expresso por cuspidas e pancadas (cf. Mc 14,65 par).
Evangelho (Mc 8,27-35):
Os primeiros versículos do evangelho de hoje (8,27-30) são a conclusão da primeira parte do evangelho de Marcos (1,1-8,30) que narra a atividade de Jesus na Galileia e termina precisamente com a confissão de Pedro que, em nome dos doze, reconhece Jesus como o Messias , título que Marcos havia colocado no início do seu evangelho (cf. Marcos 1:1). Os versículos restantes (8,31-35) abrem a segunda parte do evangelho que narra a viagem de Jesus a Jerusalém.
No início, o texto coloca Jesus e seus discípulos caminhando pelas cidades ao redor da cidade de Cesaréia de Filipe. Está localizado no extremo norte do Israel bíblico e será o ponto de partida da viagem de Jesus a Jerusalém acompanhado por seus discípulos.
Ao longo do caminho Jesus surpreende os seus discípulos com a pergunta: “Quem dizem os homens que eu sou?” É importante notar que esta pergunta ocorre no final da atuação de Jesus na Galiléia (pregação, ensino, curas, exorcismos) e, de certa forma, procura expressar a recepção que ela teve entre o povo.
A resposta dos discípulos reflete a opinião do povo já expressa em Mc 6:14-15: Jesus é o ressuscitado João Batista, Elias ou um dos profetas . Dentre essas opiniões, destaca-se a de Elias, que viria preparar a chegada do Messias; Mas a verdade é que, embora reconheçam uma dimensão profética em Jesus, ainda não descobriram o seu carácter messiânico.
A mesma pergunta sobre a identidade de Jesus segue imediatamente, mas agora deve ser respondida por todos os seus discípulos: “E vocês, quem dizem que eu sou?” (Mc 8,29). Quem responde é Pedro, destacando o seu lugar de destaque no grupo dos discípulos. A resposta de Pedro é no estilo de uma confissão de fé (“ tu és o Cristo ”) e implica o reconhecimento de Jesus como o ungido enviado por Deus para inaugurar o tempo da salvação.
J. Ratzinger[1] comenta sobre isto: “esta dupla questão sobre a opinião do povo e a convicção dos discípulos pressupõe que existe, por um lado, um conhecimento externo de Jesus que não é necessariamente errado, embora seja certamente insuficiente, por outro lado. Por outro lado, diante dele, um conhecimento mais profundo ligado ao apostolado, a acompanhá-lo no caminho, e que só pode crescer nele.
No final de uma secção do Evangelho, este texto mostra-nos que os discípulos, representados por Pedro, dão sinais de terem compreendido algo importante - que é o Messias prometido - e nisso se distinguem do resto do povo, de aqueles de fora. Esta confissão tem o valor da aprovação de um ano letivo, de ter atingido satisfatoriamente uma fase planeada. Mas devemos passar para o próximo, o caminho para Jerusalém. A este respeito, O. Vena comenta que é a primeira vez que a palavra “Cristo” aparece na boca de alguém e num momento crucial da narrativa evangélica: “já que a partir de agora Jesus vai começar a falar da sua morte e a sua ressurreição, e a dinâmica da narrativa passará do lago, do barco e das multidões para a estrada, o seguimento e a viagem a Jerusalém”[2].
Depois da confissão de fé de Pedro, Jesus inaugura uma nova etapa do seu ministério ao fazer o primeiro anúncio da sua paixão. Este anúncio é introduzido em grego pela partícula dei (dei/) que é traduzida como "deveria", ou melhor, "é necessário" (como em Lucas 24,7.44) e que serve para expressar a inescapabilidade da paixão e morte de Jesus decretado por Deus.
Depois deste anúncio da paixão, Pedro chama Jesus à parte “e o repreende”.
Por sua vez, a reação de Jesus é imediata e a sua frase é muito forte porque o chama de “Satanás” e ordena que retorne à sua posição atrás dele, ou seja, retorne à sua condição de discípulo. Na verdade, tal seria o significado exato da expressão: “vai atrás de mim” (u[page ovpi,sw mou), que nos lembra o convite a seguir que Jesus já havia feito a Pedro e André em Marcos 1,17 : "venha atrás de mim" (deu/te ovpi,sw mou). As palavras de Jesus “os vossos pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens” (fronei/j … avnqrw,pwn), significam que Pedro pensa, sente e fala como homem , não de acordo com Deus. Alguns sugerem como tradução ad sensum : “Você não vê as coisas como Deus as vê, mas como os homens as vêem”. OK.
A novidade cristológica desta segunda parte do evangelho é que Jesus se apresenta como um Messias sofredor , ou seja, cumprirá a sua missão através da humilhação, do sofrimento e da morte. Isto explica o tríplice anúncio da sua paixão aos discípulos, que eles não compreendem. A paixão indica um fracasso real, embora não definitivo: é a rejeição que Jesus sofre por parte do seu próprio povo Israel.
Esta nova revelação da identidade de Cristo é seguida em 8:34-35 por um segundo chamado de Jesus para segui-lo, que fornece notícias essenciais.
Em primeiro lugar, está aberto a todos os que queiram segui-lo, porque ele se dirige não só aos seus discípulos, mas também à multidão.
Em segundo lugar, é um apelo à auto-renúncia como expressão de aceitação do caminho da cruz . A expressão “renunciar a si mesmo” (avparnhsa,sqw e`auto,n) tem em grego o sentido de “não reconhecer”, “considerar estrangeiro”, “não ter nada a ver com alguém”, “desaprovar”. . Neste sentido Marcos a utilizará para se referir às “negações” de Pedro (cf. Mc 14,30.31.72). Portanto, indica esquecer-se de si mesmo, não olhar primeiro para si mesmo ou para os próprios interesses na hora de decidir, mas para os de Jesus como prioridade.
Notemos também que com respeito à cruz é usado o verbo ai;rw, que significa “levantar”. Ou seja, não se trata de buscar, mas de levantar e carregar a “própria” cruz, aquela que cada um já tem e ali está presente.
Vale dizer que a princípio a característica do discípulo é estar com Jesus e pregar Jesus . A isto devemos acrescentar agora deixar-se sozinho e estar disposto a sofrer e morrer por Jesus .
Em terceiro lugar, neste segundo apelo fica mais claro que a opção do discípulo é livre , pois Jesus não se dirige a ele primeiro com o imperativo “segue-me”, mas sim com uma oração condicional: “Se alguém quiser seguir-me...” ( 8,34) que termina, agora, com o imperativo “segue-me”. Esta mudança de ordem também sugere que a renúncia é uma função do seguimento , é uma condição para isso, não um fim em si mesmo. Além disso, o convite à renúncia/seguimento é motivado pelas consequências da opção feita: salvação ou perdição . É, portanto, uma decisão vital.
ALGUNS PENSAMENTOS:
A atualização deste evangelho tem dois canais: um pessoal e outro pastoral.
A nível pessoal assumimos que a vida é um caminho, e hoje parece que a regra mais difundida para percorrê-la é “tudo, agora e fácil”. A proposta ainda é atraente e tentadora; mas não resiste a uma análise honesta e baseada na experiência. Será esta a verdadeira forma de construir um vínculo emocional estável e frutífero? Alguma conquista importante pode ser alcançada a nível pessoal, profissional ou desportivo, sem dedicação e sacrifício? E o mesmo vale para a vida cristã, que é um caminho para a realização pessoal sobrenatural e tem como fim ou meta a vida eterna.
A meditação neste evangelho nos convida a nos fazer duas perguntas muito importantes. A primeira: quem é Jesus para mim? Temos que responder a esta pergunta mais com o coração e a experiência do que com a cabeça e a teologia. E a segunda: até onde estou disposto a segui-lo? Isto é, estou disposto a renunciar a mim mesmo e carregar minha cruz para segui-Lo? As respostas a essas duas perguntas andam juntas. Se eu confessar que Jesus é o Filho de Deus que se fez homem, que me amou e se entregou por mim para me salvar, então confiarei nele e o seguirei onde quer que ele vá, mesmo que seja o caminho da cruz.
Reconheçamos que é inevitável sentir um certo “desconforto” diante do anúncio da paixão de Jesus e das exigências para poder continuar a ser seu discípulo. Além disso, é necessário não fugir deste sentimento nem nos sobrecarregar de culpa, porque o mistério da cruz é uma realidade difícil de assimilar, de “digerir”.
O caminho de Jesus é também o caminho dos discípulos. É por isso que Jesus apresenta o caminho da cruz como um passo obrigatório para “quem quiser segui-lo”. É um momento chave, de escolha séria, porque para continuar sendo discípulo é preciso abandonar a si mesmo e aos próprios projetos de realização pessoal e de salvação. Negar-se e tomar a cruz implica estar disposto a perder a vida, mas salvá-la. A cruz aparece como vida doada, perda de si por amor a Jesus. Devemos estar atentos porque Jesus, como um bom professor, explora a técnica dos opostos para apresentar o seu pensamento de forma plástica. É por isso que em primeiro lugar ele propõe a solução errada de “salvar vidas”; o que significa recolhimento em nós mesmos, atenção contínua ao nosso próprio mundo, esquecendo de nos abrir aos outros. Em contrapartida, propõe “perder a vida”, o que significa entregá-la a Cristo e aos irmãos[3]. Desta forma, perder é, em última análise, ganhar . Assim como o anúncio da paixão terminou com referência à ressurreição no terceiro dia; Assim também o caminho da cruz do discípulo termina com a promessa de salvação .
Prestemos agora atenção a Pedro que reage à cruz como um “homem”, ele tem os sentimentos, os pensamentos e a avaliação de cada homem diante da cruz. e é sobre de um homem da Igreja, chamado a ser guia dos seus irmãos, a quem Jesus pede um salto qualitativo na sua fé, na sua adesão a Ele.
Também nos faz, tal como o Pedro, reagir mal a isso»é necessário" (do) através do qual a cruz é apresentada como plano de Deus. A este respeito, o Papa Francisco disse na sua homilia de 12 de setembro de 2021: “Perante o anúncio do Senhor, a reação de Pedro é tipicamente humana. Quando se delineia a cruz, a perspectiva da dor, o homem rebela-se. E Pedro, depois de ter confessado a messianidade de Jesus, fica escandalizado com as palavras do Mestre e tenta dissuadi-lo de continuar o seu caminho. A cruz nunca está na moda. Queridos irmãos e irmãs, a cruz nunca está na moda, nem hoje nem no passado. Mas cura por dentro. É diante do Crucificado que vivemos uma benéfica luta interna, um duro conflito entre “pensar como Deus pensa” e “pensar como pensam os homens”. Por um lado, existe a lógica de Deus, que é a do amor humilde. O caminho de Deus evita qualquer imposição, ostentação e todo triunfalismo, está sempre orientado para o bem do outro, até mesmo para o sacrifício de si mesmo. Por outro lado, existe o “pensar como pensam os homens”, que é a lógica do mundo, da mundanidade, ligada à honra e aos privilégios, visando o prestígio e o sucesso. Aqui o que conta é a consideração e a força, que atrai a atenção da maioria e sabe se afirmar diante dos outros.”.
A aceitação deste facto ultrapassa as tentativas de mera compreensão intelectual do mesmo. É um momento de teste, como destaca Card. martini4: "Cada um de nós, mais cedo ou mais tarde, deverá viver uma prova semelhante, será a prova da Igreja, da comunidade, das pessoas que nos foram confiadas, será a prova dos acontecimentos tristes e dolorosos que as pessoas que conhecemos cara de amor. São situações das quais não podemos escapar com o único instrumento da evolução progressiva do conhecimento, devemos aceitar a ruptura, a superação, a revelação do mistério de Deus como totalmente diferente do nosso modo de pensar: “Afasta-te de mim, Satanás." !, porque você não pensa segundo Deus, mas segundo os homens." Até aquele momento a vida de Pedro transcorreu com bastante tranquilidade, o seu estar com Jesus não criou problemas, mas agora ele experimenta a ruptura, entende que o seu amor pelo Mestre deve ser purificado: é a primeira grande prova do seu caminho e de seu apego a Jesus.".
E é por isso que a resposta do Senhor a Pedro é sempre relevante para nós hoje. Como diz J. Ratzinger5"Os cristãos devem ser ensinados ao longo dos séculos, e também hoje, pelo Senhor, a ter consciência de que o seu caminho através de todas as gerações não é o caminho da glória e do poder terreno, mas o caminho da cruz Sabemos e vemos que, ainda hoje, os cristãos – nós mesmos – chamam o Senhor de lado para dizer: “Deus não permita, Senhor! Isso não pode acontecer com você” (Mt 16,22). E como duvidamos que Deus queira impedi-lo, tentamos evitá-lo nós mesmos com todas as nossas artes. E por isso o Senhor deve repetir sempre também a nós: “Sai da minha vista, Satanás!” (Mc 8,33). Nesse sentido, toda a cena apresenta uma atualidade perturbadora. Pois em suma, continuamos a pensar segundo “carne e sangue” e não segundo a revelação que podemos receber na fé".
O caminho da cruz também tem um dimensão “pastoral”, muito pouco levado em consideração, embora no LG nº 8 leiamos: "“Assim como Cristo realizou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, da mesma forma a Igreja é chamada a percorrer o mesmo caminho para comunicar aos homens os frutos da salvação”..
Gerardo Cardaropoli nos assinala como algo surpreendente que embora o tema da cruz tenha entrado na teologia cristã nos últimos anos (o autor fala de uma “fonte da cruz”) a sua influência não atingiu o campo pastoral. E é necessário que isto aconteça porque deve haver um vínculo inseparável entre a ação salvífica realizada por Cristo e a ação salvífica realizada pela Igreja. E esta ligação deve ocorrer não só no nível do conteúdo, mas também na ordem dos meios e do espírito que anima a ação pastoral. De acordo com isso "A Igreja deve adquirir cada vez mais a convicção de que não é causa eficiente e fonte de salvação, mas apenas sacramento, isto é, sinal e instrumento. A única coisa que ele pode fazer é conformar-se à causa que é Cristo, para poder proceder de maneira mais adequada. Cristo salva o mundo através da Igreja, com a condição de que esta se adapte ao seu mistério pascal, no qual a glória da ressurreição não se realiza senão através da passagem da cruz. Aqui está a profunda renovação da pastoral. A “teologia da cruz” deve tornar-se “metodologia da cruz” para toda obra salvífica".
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO): Quando você pergunta, Senhor
quando você pergunta
Se falarmos de você com nossos irmãos,
Ou somos daqueles que mudam de assunto por respeito humano.
Temos vergonha de você,
E não dos nossos pecados?
Tem piedade de nós, Senhor
Nos sentimos pobres e miseráveis
Rejeitado pelo mundo
Se ficarmos do seu lado.
Mas se você vier até nós
E você nos dá a força do seu Espírito Santo
Não temeremos a Cruz
Porque você mesmo tentou.
Saberemos proclamar a todos
Que você é o Messias
E você veio para nos libertar.
A Palavra é Você: o Primeiro e o Último, o Condenado.
Victor de mentiras e morte
Deus e nosso Senhor,
Presente e Ressuscitado.
Amém.
[1] Jesús de Nazaret. Desde el Bautismo a la Transfiguración (Planeta; Buenos Aires 2007) 341-342.
[2] O. Vena, Evangelio de Marcos (SBU; Miami 2008) 177.
[3] Cf. G. Zevini – P. G. Cabra, Lectio Divina para la vida diaria 7. El evangelio de Marcos (Verbo Divino; Estella 2008) 292.
[4] Las confesiones de Pedro (San Pablo; Bogotá 1995) 47
[5] Jesús de Nazaret. Desde el Bautismo a la Transfiguración (Planeta; Buenos Aires 2007) 349-350.
[6] "Pastoral del misterio de la cruz", en B. Ahern y otros, Sabiduría de la Cruz (Narcea; Madrid 1981) 96.