14/07/2024
1ª Leitura: Amós 7,12-15
Salmo Responsorial 84 (85)R- Mostrai-nos, ó Senhor, vossa bondade, e a vossa salvação nos concedei!.
2ª Leitura: Efésios 1,3-14
Evangelho Marcos 6,7-13
Proclamação do evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos – Naquele tempo, 7Jesus chamou os doze e começou a enviá-los dois a dois, dando-lhes poder sobre os espíritos impuros. 8Recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. 9Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas. 10E Jesus disse ainda: “Quando entrardes numa casa, ficai ali até vossa partida. 11Se em algum lugar não vos receberem nem quiserem vos escutar, quando sairdes, sacudi a poeira dos pés como testemunho contra eles!” 12Então os doze partiram e pregaram que todos se convertessem. 13Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo. – Palavra da salvação.
Mc 6,7-13
O evangelho de hoje mostra que a vida cristã como vida missionária.
Jesus chamou os doze, e começou a enviá-los... Vocação e missão. Não há missão sem o chamado; Jesus chama para enviar. Na Igreja ninguém se autoproclama pregador do Evangelho. Não são os estudos, nem a competência nas ciências bíblicas, tampouco a santidade pessoal por maior que seja que autoriza alguém a pregar o Evangelho. É o envio de Jesus. A ciência, os estudos e a santidade não são dispensáveis, mas não são elas que autorizam alguém a pregar o evangelho: é o Senhor.
O pregador do evangelho não é enviado para propor uma opinião, uma teoria, o resultado de uma descoberta pessoal. Ele é enviado para pregar o Evangelho de Jesus.
Jesus enviou os apóstolos dois a dois, dando-lhes poder sobre os espíritos impuros. O envio implica o anúncio de uma grande notícia que consiste não tanto em conteúdo teórico, mas principalmente em prática. Para amar é preciso ao menos dois. O Evangelho não pode ser anunciado como se não tivéssemos pessoalmente nada com ele. A evangelização é uma ação auto-implicativa: implica a nossa vida moldada por aquilo que anunciamos; é partilha de um tesouro que nós encontramos; é o testemunho de algo que nos conquistou para sempre e que desejamos que encante também os outros.
Além disso, o Evangelho se faz sempre de forma comunitária.
O poder de expulsar os espíritos impuros indica que o Evangelho não é somente uma nova doutrina, uma sabedoria sublima, mas é a transformação deste mundo.
Os exorcismos são parte essencial da ação de Jesus. É Ele, e não nós, que vence o pecado. Os exorcismos de Jesus devem nos levar a uma grande humildade e a uma grande confiança: o mal não é uma fatalidade; ele foi vencido por Jesus. Estamos sempre expostos ao mal, mas ele pode ser enfrentado porque Jesus o enfrentou e o venceu. O poder dos espíritos impuros é tremendo, mas se eles nos fazem tremer, há um Outro diante do qual o demônio treme.
Ao vencer os poderes do inferno, Jesus nos libertou e nos “transportou” para o ambiente de sua influência e de seu domínio. Tendo vencido o pecado, Jesus criou um novo ecossistema de santidade, fez surgir um novo bioma de justiça verdadeira, constituiu para nós uma nova cidadania de fraternidade. Ele nos tirou da posse de Satanás e, agora, somos dEle. Ainda lutamos para sermos todo dEle. Ainda sofremos o influxo de morte de Satanás. Por isso nos confiamos ao Senhor para que Ele, que já venceu Satanás, reafirme sua vitória em nós. Pertencer a Igreja é pertencer ao espaço vital criado por Jesus em virtude dos sacramentos e da pregação da Palavra.
Recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas. É preciso tomar cuidado para não ter uma compreensão errada dessa ordem de Jesus. O acento não deve cair na pobreza do missionário. A pobreza não é um troféu, nem uma medalha para ser exibida aos outros. Tanto a riqueza quanto a pobreza não devem ser exibidas pela vaidade pessoal. O importante, portanto, não é a pobreza do missionário, mas a pobreza da missão. Anunciamos porque o Senhor nos enviou; anunciamos com simplicidade confiando que os frutos serão dados por Aquele que nos enviou.
O cristão não se coloca no centro das atenções: a sua alegria consiste no anúncio do evangelho. Jesus não deixa a missão por causa do fracasso. Pelo contrário, Ele continua todo dedicado à missão evangelizadora, continua gastando todas e as suas melhores energias para pregar o evangelho do Reino. Não é o sucesso que o move, é o Reino. Não são os aplausos a razão de sua felicidade, é o tesouro do Reino. Não é a gratificação imediata que motiva Jesus, é fazer tudo o que agrada ao Pai.
A pobreza do missionário é essencial, mas muito mais essencial é a pobreza da própria missão.
15º DTC – Marcos 6,7-13 - ano B – 14-07-2024
“Seguidores do novo caminho”: assim eram reconhecidos os primeiros cristãos (cf. At 16,17; 18,25-26; 19,9.23; 22,4; 24,14.22). Pelos diversos caminhos da história perdem seu valor as verdades inamovíveis, dogmáticas, petrificadas, porque o importante na vida é discernir, em cada encruzilhada do percurso, o que nos diz hoje o Deus da Vida, sua Presença e sua voz manifestada nos rostos e nas existências de homens e mulheres de nosso mundo, em especial os mais desprezados e esquecidos.
Jesus envia seus discípulos com o necessário para caminhar. No envio, algumas orientações que pressupõem despojamento para o bom exercício da missão: segundo Marcos, levarão apenas um cajado, sandália e uma túnica, confiando na providência acerca do pão e do dinheiro.
Desprendimento é uma característica fundamental de quem está voltado para o Reino, anunciado por Jesus. Não precisam de mais nada para serem testemunhas do essencial. Jesus os quer ver livres e sem ataduras; sempre disponíveis, sem instalar-se na acomodação do bem-estar, confiando apenas na força do Evangelho.
Fala-se muito hoje, na comunidade eclesial, sobre a necessidade de uma nova evangelização. Em que consiste? Onde pode estar sua novidade? Que é preciso mudar? Qual foi realmente a intenção de Jesus ao enviar seus discípulos para prolongar sua missão evangelizadora?
“Jesus chamou os Doze, e começou a enviá-los dois a dois, dando-lhes autoridade...” (Mc 6,7)
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O relato de Marcos, neste domingo, deixa claro que só Jesus é a fonte, o inspirador e o modelo da ação evangelizadora de seus seguidores. Estes atuarão com Sua “autoridade”. Não farão nada em nome próprio; serão os “enviados” do próprio Jesus. Não pregarão a si mesmos, nem uma doutrina, nem um moralismo doentio e muito menos uma nova religião, com seus ritualismos estéreis e ameaças. Só anunciarão o Evangelho de Jesus. Não terão outros interesses: só se dedicarão a abrir caminhos ao Reino de Deus.
A única maneira de impulsionar uma nova evangelização é purificar e intensificar a vinculação afetiva com Jesus. Afinal, somos seguidores de uma Pessoa, e isto implica revestir-nos do modo de ser e viver desta Pessoa. Não haverá nova evangelização se não há novos evangelizadores, e não haverá novos evangelizadores se não há uma identificação mais viva, lúcida e apaixonada com Jesus. Não haverá nova evangelização sem se deixar conduzir pelo mesmo Espírito que atuava em Jesus e o conduzia para a “margem”, para o mundo dos pobres e excluídos.
Ao enviá-los, Jesus não deixa seus discípulos abandonados às suas próprias forças; comunica-lhes sua “autoridade”, que não é um poder para controlar, governar ou dominar os outros, mas uma força para “expulsar espíritos imundos”, libertando as pessoas de tudo aquilo que as escraviza, oprime e desumaniza.
Para Jesus, o poder nunca pode ser mediação de salvação, muito menos o poder religioso; pois, onde há poder, há imposição, divisão, submissão, medo... No exercício do poder, o centro está na própria pessoa que manda e controla.
“Autoridade” é outra questão muito mais nobre. Provém do latim “augere” (fazer crescer) e indica a capacidade que uma pessoa tem para estimular os outros a crescerem, para torná-los mais adultos e mais capazes de uma vida digna. Na autoridade, o centro está no outro, pois ativa a autoria e autonomia deste outro. Ter autoridade é viver descentrado, sem buscar seus próprios interesses.
Uma pessoa tem autoridade por sua bondade e inspirada presença em um grupo, na família, na comunidade, no povo, na igreja... Pode acontecer que uma pessoa tenha poder legítimo (conferido por eleição) e nenhuma autoridade; ou, de outro modo, pessoa que tem autoridade, mas sem poder.
Jesus não governou sobre ninguém e nem impôs nada à força. Nunca utilizou o poder para controlar ou dominar seus discípulos; jamais excluiu alguém. Foi livre e libertador: acolheu os mendigos doentes e marginalizados, negou-se a condenar a mulher adúltera, pediu a Pedro perdoar até setenta vezes sete.
Despertou a vida nas pessoas excluídas, sensatez e justiça na sociedade. Não ostentou nenhum poder oficial, mas, segundo as pessoas, atuava e falava como quem tem autoridade.
Os discípulos sabiam muito bem qual era o encargo que Jesus lhes confiava. Nunca o viram governando a ninguém. Sempre o viram curando feridas, aliviando o sofrimento, regerando vidas, libertando as pessoas dos medos, contagiando confiança no Deus Providente. “Curar” e “libertar” foram a essência do ministério terapêutico de Jesus. Ele sempre se revelou como “o Libertador” do ser humano.
Por isso, uma nova evangelização que não seja libertadora, é vazia de valores evangélicos; acaba tendo um efeito contrário: domina e escraviza as pessoas, alimenta medos paralisantes, impede as pessoas de viverem com mais lucidez e liberdade. Foi para vivermos livres que Jesus libertou a todos.
Sem recuperar este estilo evangélico, não há nova evangelização. O importante não é criar novas atividades e estratégias, mas desprender-nos de costumes, estruturas e maneiras de proceder que estão nos impedindo de ser livres para contagiar o essencial do Evangelho, com verdade e simplicidade.
A Igreja, infelizmente, está perdendo esse estilo itinerante que Jesus pediu. O caminhar da Igreja é lento e pesado; não acerta em acompanhar os passos da humanidade; não tem agilidade para passar de uma cultura a outra; agarra-se ao poder que tudo controla; enreda-se em interesses que não coincidem com o Reino de Deus; manipula-se as consciências das pessoas impondo-lhes pesados fardos de culpas, julgamentos, ritualismos de expiação, distantes da presença libertadora de Jesus.
Nesse contexto, podemos recordar uma sentença do evangelho apócrifo de Tomé (que retoma a mensagem do envio de Marcos e Mateus): “Sede itinerantes! Sede transeuntes!” De passagem vivemos, mas no caminho podemos e devemos nos encontrar e nos ajudar, animando-nos. Foi assim que, com um grupo de homens e mulheres, como transeunte do Reino, voluntário do amor, rico de vida e mendicante de esperança, começou Jesus sua missão evangelizadora.
Assim começou Jesus; assim também começaram os grandes cristãos como Francisco de Assis, Inácio de Loyola, João da Cruz, Madre Teresa, e tantos outros que souberam retornar e retornam hoje aos caminhos da vida, para acompanhar os que vagueiam, acolher os perdidos, animar e deixar-se animar por todos.
Não foi Jesus um itinerante para estabelecer relações de domínio, mas de solidariedade, sabendo que aqueles que menos tem (itinerantes) são os que mais podem oferecer (anunciam o Reino, curam).
O grupo de Jesus não se constitui em chaves de dependência ou hierarquia, mas de experiência compartilhada e comunicação pessoal. Estas novas relações são as que estabelecem a novidade da instituição cristã. Por isso, é urgente uma profunda conversão sinodal (“caminhar juntos”); e isto significa retornar à essência do Evangelho, à identificação com Aquele que é o centro da vida cristã.
Por isso, uma nova evangelização que não seja libertadora, é vazia de valores evangélicos; acaba tendo um efeito contrário: domina e escraviza as pessoas, alimenta medos paralisantes, impede as pessoas de viverem com mais lucidez e liberdade - Adroaldo Palaoro
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A missão evangelizadora não é tarefa de uns poucos, mas a consequência inevitável da adesão a Jesus. Não se trata de salvaguardar, a todo custo, doutrinas ultrapassadas ou normas morais que não humanizam; menos ainda em conservar ritos fossilizados que já não dizem nada a ninguém.
A mensagem de Jesus não pode ser contida em fórmulas, nem numa programação. É uma maneira de ser e viver. Ser cristão é uma maneira de ser mais humano.
“As religiões se fazem indigestas – não só indigestas –, mas sumamente perigosas, quando pretendem apoderar-se do Absoluto”(J. Melloni, SJ)
O conflito cresceu e tocou de perto a pessoa de Jesus. Como ele reage?
De duas maneiras: diante do fechamento da sua família e do seu povoado, Jesus deixou Nazaré de lado e começou a percorrer os povoados nas redondezas. Além disso, ele abriu a missão e intensificou o anúncio da Boa Nova.
Chamando os doze, os enviou com as seguintes recomendações: deviam ir dois a dois, receberam poder sobre espíritos maus, não podiam levar nada no bolso, não deviam andar de casa em casa e, caso não fossem recebidos, deviam sacudir o pó das sandálias e seguir adiante. E eles foram.
É o começo de uma nova etapa. Agora já não é só Jesus, mas é todo o grupo que vai anunciar a Boa Nova de Deus ao povo. Se a pregação de Jesus já dava conflito, quanto mais agora, com a pregação de todo o grupo! Se o mistério já era grande, ainda será maior com a missão intensificada.
Alargando a reflexão do evangelho - Envio e Missão
No tempo de Jesus havia vários outros movimentos de renovação. Por exemplo, os essênios e os fariseus. Também eles procuravam uma nova maneira de conviver em comunidade e tinham os seus missionários (cf. Mt 23,15). Mas estes, quando iam em missão, iam prevenidos. Levavam sacola e dinheiro para cuidar da sua própria comida, pois não confiavam na comida do povo, que nem sempre era ritualmente “pura”.
Ao contrário dos outros missionários, os discípulos e discípulas de Jesus receberam recomendações diferentes que ajudam a entender os pontos fundamentais da missão de anunciar a Boa Nova, que receberam de Jesus e que ainda é a nossa missão:
1. Deviam ir sem nada. Não podiam levar nada, nem bolsa, nem ouro, nem prata, nem dinheiro, nem bastão, nem sandálias, nem sequer duas túnicas. Isto significa que Jesus os obriga a confiar na hospitalidade, pois quem vai sem nada vai porque confia no povo e acredita que vai ser recebido. Com esta atitude criticavam as leis de exclusão, ensinadas pela religião oficial, e mostravam, pela nova prática, que tinham outros critérios de comunidade.
2. Deviam comer o que o povo lhes dava. Não podiam viver separados com sua própria comida e deviam aceitar a comunhão de mesa. Isto significa que, no contato como o povo, não deviam ter medo de perder a pureza como era ensinada na época. Com esta atitude criticavam as leis da pureza em vigor e mostravam, pela nova prática, que tinham outro acesso à pureza, isto é, à intimidade com Deus.
3. Deviam ficar hospedados na primeira casa em que fossem acolhidos. Isto é, deviam conviver de maneira estável e não andar de casa em casa. Deviam trabalhar como todo o mundo e viver do que recebiam em troca, “pois todo o operário merece salário” (Lc 10,7). Em outras palavras, eles deviam participar da vida e do trabalho do povo, e o povo os acolheria na sua comunidade e partilharia com eles casa e comida. Significa que deviam confiar na partilha. Isto também explica a severidade da crítica contra os que recusavam a mensagem (Lc 10,10-12), pois não recusavam algo novo, mas sim o próprio passado.
4. Deviam tratar dos doentes e necessitados, curar os leprosos e expulsar os demônios (Lc 10,9; Mt 10,8). Isto é, deviam exercer a função de “defensor” (goêl) e acolher para dentro do clã, dentro da comunidade, os que viviam excluídos. Com esta atitude criticavam a situação de desintegração da vida comunitária do clã e apontavam saídas concretas.
Estes eram os quatro pontos básicos que deviam marcar a atitude dos missionários ou das missionárias que anunciavam a Boa Nova de Deus em nome de Jesus: hospitalidade, comunhão de mesa, partilha e acolhida aos excluídos. Caso estas quatro exigências fossem preenchidas, eles podiam e deviam gritar aos quatro ventos: O Reino chegou! Pois o Reino de Deus que Jesus nos revelou não é uma doutrina, nem um catecismo, nem uma lei.
O REINO DE DEUS ACONTECE E SE FAZ PRESENTE QUANDO AS PESSOAS, MOTIVADAS PELA SUA FÉ EM JESUS, DECIDEM VIVER EM COMUNIDADE PARA, ASSIM, TESTEMUNHAR E REVELAR A TODOS QUE DEUS É PAI E MÃE E QUE, PORTANTO, NÓS, SERES HUMANOS, SOMOS IRMÃOS E IRMÃS UNS DOS OUTROS. JESUS QUERIA QUE A COMUNIDADE LOCAL FOSSE NOVAMENTE UMA EXPRESSÃO DA ALIANÇA, DO REINO, DO AMOR DE DEUS COMO PAI, QUE FAZ DE TODOS IRMÃOS E IRMÃS.
Jesus não envia os seus discípulos de qualquer maneira. Para colaborar no Seu projeto do reino de Deus e prolongar a Sua missão é necessário ter um estilo de vida. Se não é assim, poderão fazer muitas coisas, mas não introduzir no mundo o Seu espírito. Marcos recorda-nos algumas recomendações de Jesus. Destacamos algumas.
Em primeiro lugar, quem são eles para atuar em nome de Jesus? qual é a sua autoridade? Segundo Marcos, ao enviá-los, Jesus «dá-lhes autoridade sobre os espíritos imundos». Não lhes dá poder sobre as pessoas que irão encontrar no seu caminho. Tampouco Ele utilizou o Seu poder para governar mas para curar.
Como sempre, Jesus pensa num mundo mais são, libertado das forças malignas que escravizam e desumanizam o ser humano. Os Seus discípulos introduzirão entre as pessoas a Sua força curadora. Abrirão caminho na sociedade, não utilizando um poder sobre as pessoas, mas humanizando a vida, aliviando o sofrimento das pessoas, fazendo crescer a liberdade e a fraternidade.
Levarão apenas «bastão» e «sandálias». Jesus imagina-os como caminhantes. Nunca instalados. Sempre em caminho. Não atados a nada nem a ninguém. Só com o imprescindível. Com essa agilidade que tinha Jesus para fazer-se presente ali onde alguém o necessitasse. O báculo de Jesus não é para mandar, mas para caminhar.
Não levarão «nem pão, nem alforges, nem dinheiro». Não hão de viver obcecados pela sua própria segurança. Levam consigo algo mais importante: o Espírito de Jesus, a Sua Palavra e a Sua Autoridade para humanizar a vida das pessoas. Curiosamente, Jesus não pensa no que têm de levar para serem eficazes, mas no que não hão de levar. Não seja que um dia se esqueçam dos pobres e vivam encerrados no seu próprio bem-estar.
Tampouco levarão «túnicas para mudar». Vestirão com a simplicidade dos pobres. Não levarão vestes sagradas como os sacerdotes do Templo. Tampouco vestirão como João Baptista na solidão do deserto. Serão profetas no meio das pessoas. A sua vida será sinal da proximidade de Deus a todos, sobretudo, aos mais necessitados.
Atrever-nos-emos algum dia a fazer no seio da Igreja um exame colectivo para deixar-nos iluminar por Jesus e ver como nos temos afastado sem nos darmos quase conta do Seu espírito?
Chamou os doze discípulos, começou a enviá-los dois a dois e dava-lhes poder sobre os espíritos maus. Jesus recomendou que não levassem nada pelo caminho, além de um bastão; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura.
O comentário corresponde às leituras do 15° Domingo do Tempo Comum, do ciclo B, do ano litúrgico e é elaborado por Maria Cristina Giani, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas. E Jesus disse ainda: "Quando vocês entrarem numa casa, fiquem aí até partirem. Se vocês forem mal recebidos num lugar, e o povo não escutar vocês, quando saírem, sacudam a poeira dos pés como protesto contra eles."
Então os discípulos partiram e pregaram para que as pessoas se convertessem. Expulsavam muitos demônios e curavam muitos doentes, ungindo-os com óleo.
O texto do Evangelho de hoje situa-se logo após a rejeição sofrida por Jesus em Nazaré (Mc 6,1-6). Neste texto é Jesus quem toma a iniciativa e convida-nos a refletir e escutar sua mensagem e entender seu significado hoje para as diferentes culturas que vivemos.
Marcos narra que “Jesus chama os discípulos, os envia de dois a dois e lhes dá poder sobre os espíritos maus". É um novo começo. Jesus inicia a sua comunidade de discípulos e discípulas na missão, que é a mesma que a dele! Todo o que é chamado é para uma missão. Ele os envia e dá-lhes o mesmo poder que Ele tem.
Resulta interessante o detalhe do evangelista ao dizer que os discípulos são enviados de dois em dois. Desta maneira, sinaliza que a missão não é propriedade de uma pessoa, e sim de toda a comunidade. Os/as missionários/as são enviados em nome de uma comunidade e com a mensagem evangélica.
Os cristãos e cristãs, de todos os tempos, participam da missão que Jesus confiou à sua Igreja.
Não há superioridade de um/a missionário/a sobre outra pessoa ou outra comunidade.
O Concílio Vaticano II marca claramente a natureza missionária da Igreja. No concílio, passa-se de uma Igreja que tem missões a uma igreja missionária.
E essa identidade missionária significa "responsabilidade para com o mundo", e comporta um posicionamento que é o ensino de Jesus ao longo de toda sua vida: Ele passou sua vida servindo aos mais pobres, excluídos sociais e religiosos.
O Papa Francisco faz diferentes menções a esta realidade fundamental do cristianismo, como discípulos/as missionários/as. Na sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium ressalta que: “Todos têm o direito de receber o Evangelho. Os cristãos têm o dever de anunciá-lo sem excluir ninguém, não como quem impõe uma nova obrigação, mas como quem compartilha uma alegria, assinala um belo horizonte, oferece um banquete desejável. A Igreja não cresce por proselitismo, mas ‘por atração’”. E a alegria do Evangelho é missionária porque “sempre tem a dinâmica do êxodo e do dom, do sair de si, do caminhar e semear sempre de novo, sempre para mais além”.
[...]A comunidade evangelizadora “mergulha na vida cotidiana dos outros, encurta distâncias, abaixa-se até a humilhação, caso for necessário” e “acompanha a humanidade em todos os seus processos, por mais duros e demorados que sejam. Conhece as longas esperas e a paciência apostólica. A evangelização patenteia muita paciência, e evita deter-se a considerar as limitações. Fiel ao dom do Senhor, sabe também ‘frutificar’. A comunidade evangelizadora mantém-se atenta aos frutos, porque o Senhor a quer fecunda. Cuida do trigo e não perde a paz por causa do joio”.
No texto que hoje estamos refletindo lembremos que o primeiro milagre de Jesus, que nos relata o Evangelho de Marcos, é a expulsão de um espírito impuro (Mc 1,21-28). E no texto de hoje, Jesus confere-lhes autoridade sobre os espíritos maus.
Com este "artifício literário", o evangelista mostra à comunidade primitiva, como a missão de Jesus se prolonga na sua e que ela tem o mesmo poder de seu Mestre para libertar os excluídos/as de cada tempo e lhes oferecer uma nova vida.
Sentimo-nos comunidade enviada por Jesus para continuar sua missão? Por quem "tomamos partido"? De que "mal" precisamos ser libertos para libertar?
Para viver essa missão Jesus deixa algumas recomendações simples e concretas.
A primeira: "que não levassem nada pelo caminho, além de um bastão; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura". Com comparações orientais, bíblicas, exorta-os a viver o espírito evangélico de pobreza.
Num mundo marcado pelo materialismo, pelo egoísmo, pela desigualdade social, os enviados de Jesus são convidados a apresentar-se na liberdade que nasce do espírito de pobreza, na confiança no Deus providente (Lc 12,31).
Depois: "Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas", continuando com ideia anterior agora Jesus parece desenhar a figura de um peregrino. As sandálias nos remetem aos pés cansados e empoeirados dos mensageiros da Boa Notícia, que caminham livremente!
Finalmente as últimas recomendações: "Quando vocês entrarem numa casa, fiquem aí até partirem. Se vocês forem mal recebidos num lugar, e o povo não escutar vocês, quando saírem, sacudam a poeira dos pés como protesto contra eles".
A proclamação da Boa Nova deve fazer-se em liberdade, não se pode obrigar ninguém a aceitá-la. Por isso, a orientação é permanecer com aqueles que a acolhem, deixar aqueles que a rejeitam.
Precisamos ter cuidado com a interpretação desta recomendação. Sacudir a poeira dos pés é um gesto simbólico dos israelitas que, ao ingressarem ao próprio país, depois de terem estado em terra pagã, não queriam ter nada em comum com o modo de vida deles.
O gesto com aqueles que não aceitam a proposta do Evangelho não pode ser lido como intolerância de certos missionários que não suportam a rejeição.
É sinal de ruptura sim, mas que representa respeito pela escolha feita, por mais que isso implique sofrimento para o evangelizador. Ele deve ter uma atitude tolerante e compreensiva, esperando uma nova oportunidade.
Hoje podemos perguntar-nos:
Levando em conta estas recomendações missionárias, em quais deveríamos crescer mais como comunidade eclesial e pessoalmente?
Depois de escutar as palavras de Jesus, os discípulos e discípulas se puseram em marcha, "partiram e pregaram para que as pessoas se convertessem. Expulsavam muitos demônios e curavam muitos doentes".
Oração
Dia 16 de julho é a festa de Nossa Senhora do Carmo, por isso peçamos sua interseção por toda a Igreja para que seja fiel à missão que Jesus lhe confiou.
Oração a Nossa Senhora do Carmo
Nossa Senhora do Carmo!
A nuvem do profeta Elias sobre o Monte Carmelo regou a Terra,
revigorou toda a natureza
e alegrou o Povo de Deus.
Virgem Santíssima,
vós sois poderosa junto a Deus onipotente!
Pelo símbolo de vosso escapulário,
mostrai-nos a vontade
que Deus tem de espalhar
uma chuva de graças sobre os vossos fiéis devotos
e abençoai todo o Povo de Deus.
Eu, debilitado por mil fraquezas físicas e morais,
recorro a vós!
Estendei-me vossa mão bondosa e volvei para mim vosso olhar maternal,
dando-me ânimo,
coragem e saúde de corpo e de mente.
Nossa Senhora do Carmo, rogai por nós!
Situando
Amós, o "profeta da justiça social", viveu 700 anos antes do tempo de Jesus na região norte da terra santa. Foi uma época de prosperidade económica e de tranquilidade política.
Naquela época a prosperidade e bem-estar das classes favorecidas contrastavam, porém, com a miséria das classes baixas. Os comerciantes aproveitando o bem-estar económico, especulavam com os preços, e as medidas. Com o aumento dos preços dos bens essenciais, as famílias de menor recursos endividavam-se e acabavam por se ver espoliadas das suas terras em favor dos grandes latifundiários.
A classe dirigente, rica e poderosa, dominava os tribunais e subornava os juízes, impedindo que o tribunal fizesse justiça aos mais pobres ou defendesse os direitos dos menos favorecidos.
E a religião florescia num esplendor ritual nunca visto antes. O problema é que esse culto não tinha nada a ver com a vida, porque as injustiças do dia a dia nunca foram refletidas nas celebrações.
É neste contexto que aparece o profeta Amós, um lavrador vindo de um lugarejo situada no deserto de Judá chamado Técua. Amós, nas palavras dele, não foi um profeta profissional, mas foi chamado por Deus para ir denunciar no território vizinho. A simplicidade de Amós, a sua língua afiada, a sua percepção do descaminho da sociedade e da religião, casada com sua integridade pessoal e sua percepção da vontade de Javé fez com que ele colocasse o dedo de Deus nas feridas da organização social. Dava nome aos bois indicando quem eram os responsáveis pelas injustiças.
Comentando
Tal tipo de comportamento não vem sem troco. O pequeno trecho da Leitura Orante de hoje nos leva até o santuário de Betel, no centro da Palestina - um lugar sagrado, e dedicado à Javé desde os tempos imemoriais. Mas agora Betel é um tipo de "santuário oficial" do regime, porque o culto é financiado pelo próprio rei. O sacerdote que presidia ao culto era um "funcionário real", encarregado de zelar para que os interesses do rei fossem defendidos. Na época em que Amós exerce o seu ministério profético em Betel, o sacerdote encarregado do santuário era um tal de Amasias.
Foi dentro do próprio santuário que o Amós faz a denúncia dele, criticando as injustiças cometidas pelo rei e pela classe dirigente. Com isso, ele também denunciou um culto aliado à injustiça e que comprometia o nome de Javé com os esquemas corruptos dos opressores do povo pobre.
O nosso texto descreve o confronto entre o sacerdote Amasias e o profeta Amós. É um texto fundamental para entendermos a missão do profeta, a sua liberdade face aos interesses do mundo e dos poderes instituídos.
A tarefa da religião é, na perspectiva de Amasias, proteger e legitimar os interesses do rei; em troca, o rei sustenta o santuário. Trono e religião trabalham juntos e em harmonia para não mexer com as coisas ou levantar poeira. Assim a denúncia de Amós se torna um tipo de rebelião contra os interesses dos poderes e da religião, abalando os fundamentos da ordem estabelecida. Por isso a voz incómoda do profeta deve ser calada. Amós é convidado a deixar o santuário e a voltar à sua terra natal para "ganhar aí o seu pão" por lá.
A resposta de Amós deixa claro que o profeta é um homem livre, que obedece apenas a Deus. “Não sou profeta por profissão; não ganho a vida profetizando. Sou pastor de ovelhas e também cuido de figueiras” (v 14). Ser profeta não foi decisão dele, e sim chamado de Deus. “O SENHOR Deus mandou que eu deixasse os meus rebanhos e viesse anunciar a sua mensagem ao povo de Israel´(v15). Profecia para ele não é uma ocupação profissional, ou uma forma de realizar interesses pessoais. Amós é profeta porque Deus irrompeu na sua vida com uma força irresistível, tomou conta dele e o enviou para anunciar e denunciar. Ele foi convocado para ser a voz de Deus e ele estava aí para cumprir a missão que lhe foi confiada, doa a quem doer.
Concluindo
O profeta é um homem de Deus, escolhido por Deus, chamado por Deus, enviado por Deus, legitimado por Deus. Deus está na origem e na execução da vocação profética. Pelo Batismo nós somos chamados para sermos profetas. Nenhum profeta o é por sua iniciativa pessoal, ou para anunciar propostas pessoais; mas é Deus que nos chama, que nos envia e que está na base desse testemunho que somos chamados a dar no meio dos homens.
Isso significa que o profeta não tem o direito de ficar calado diante das injustiças, da opressão, ou da exploração do pobre. Amós é o modelo para nós. Amasias defende os privilégios dele, e os interesses da classe dominante; Amós, do outro lado, sai na defesa intransigente dos interesses dos pobres e marginalizados – os escolhidos de Deus. O verdadeiro profeta não pode colocar bens materiais como prioridade. Se isso acontecer, perderá a sua liberdade profética e se torna escravo de quem lhe paga.
O texto também se refere a promiscuidade entre a religião e o poder - uma combinação que não produz bons frutos, nem no tempo de Amós e nem hoje. A Comunidade de Jesus, para ser fiel a sua missão profética, não pode ficar dependente dos poderosos e nem ficar colada neles, sob pena de ser infiel à missão que Deus lhe confiou. Uma Igreja que está preocupada em não incomodar o poder sempre será uma Igreja de mãos atadas e dependente, longe de Jesus Cristo e da sua proposta libertadora.
1. Diálogo com o texto
A perícope proposta situa-se no contexto que aborda o envio ao discipulado. Jesus chama e envia; ao mesmo tempo alerta para resistências decorrentes do exercício do discipulado. O contexto maior – Marcos 1 a 9 – apresenta Jesus agindo na Galiléia. Sobressaem as disputas com os adversários, a negação de Jesus em Nazaré, assim como os prenúncios da paixão de Jesus.
Os agentes da história de Deus, a começar pelo próprio Jesus, são alertados quanto ao ônus do discipulado. O texto revela um movimento impressionante. Jesus está de partida, assim como os discípulos, seguindo o mesmo caminho. Enquanto percorria a região, Jesus ensinava, operava milagres e era hostilizado. Está consciente de que amarras, a caminho, atrapalham e causam prejuízo à dinâmica da missão. Jesus chama parceiros para a missão, dá-lhes instruções a caminho. Alerta e capacita-os para enfrentar fracassos e adversidades. “Se não vos receberem e nem vos ouvirem, ao saírem sacudi o pó dos pés.” A proposta ética alternativa, vivenciada por Jesus, vale para os seguidores. O discipulado passa pelo desafio que leva à renúncia de bens, à segurança pessoal, submetese à quebra de relações familiares: v. 7-13. Seguindo os passos de Jesus, os discípulos vislumbram a partir das atitudes do Mestre e de seu discurso algo bem novo. O presente e o futuro do Cristo de Deus demonstram total dependência e entrega confiante aos cuidados do Pai.
O caminho de Jesus pode levá-lo, em sua terra natal, e isso no dia de sábado, aos rituais previstos na sinagoga. Jesus missionário, a caminho, sinaliza a concretização dos planos do Pai. Na qualidade de Messias caminheiro, Jesus anuncia a proximidade do reino. O texto, dentro de seu respectivo contexto, cresce em solo, marcado por atitudes conhecidas no radicalismo caminhante de cunho carismático – realidade conhecida naquele tempo.
2. De retorno à terra natal
“Não há profeta sem honra, senão na sua terra, entre os seus parentes e na sua casa” (v. 4).
Jesus está tão perto de casa, mas ao mesmo tempo perpassa o sentimento de estar tão distante. Os conterrâneos desconfiados perguntaram: “Donde vêm a este estas coisas? Que sabedoria é esta que lhe foi dada? E como se fazem tais maravilhas por suas mãos?”(v. 2). Jesus é diferente, porque é pessoa verdadeiramente nova. Não é ele o filho do carpinteiro? O Messias é motivo para que os mais próximos se escandalizem. Trata-se de pessoas cegas, pessoas limitadas a seu pequeno mundo, por isso submissas à própria impotência. O prenúncio do reino de Deus é tarefa de pessoas dispostas a cooperar na missão de Deus, livres até mesmo para largar mão de suas coisas e de seus valores: v. 8 e 9. Também os discípulos de quem Jesus pede tamanha renúncia nada têm para vangloriar-se, nada apresentam de especial para “estufar o peito”. Na realidade, a liberdade dos filhos e das filhas de Deus independe do jeito de se engajar na missão e de evangelizar. Martim Lutero gostava de lembrar que também as pessoas engajadas na causa do reino continuam submissas à misericórdia de Deus. Afirmava o reformador: “A existência cristã não se constitui num ‘estar pronto’, mas é vida em constante construção”.
“O reino de Deus está presente, mas não como espetáculo vindo no ‘Além do Céu’ ou no seio de um futuro misterioso, mas está oculto, já aqui, num tempo presente e extremamente humano” (BORNKAMM. G. Jesus de Nazaré, p. 64).
Jesus, o enviado de Deus, não é nem egoísta e tampouco mão-fechada. Chamando cooperadores ao campo de trabalho, divide a sua missão com os discípulos. O evangelho do Deus bondoso foi anunciado, doentes eram curados, demônios expulsos, comunidades surgiram e o pão era repartido com os famintos. Quando do chamado dos doze, Jesus deu-lhes insistentes conselhos: v. 7 a 11. O texto apresenta pessoas-ouvintes, cujas reações são contraditórias. Os discípulos chamados por Jesus desempenham o papel que lhes é característico. Eles levam uma vida simples e estão dispostos à renúncia. Os ouvintes desconfiados e descrentes reagem, segundo o perfil que lhes é peculiar. Deixam de acolher os discípulos, não lhes dão atenção; antes apontam ao caminho de volta.
O quadro pintado com tantas cores evidencia, ainda assim, uma paisagem que destaca a figura de Jesus Cristo. Ele é Senhor sobre a situação. Jesus é Senhor, porque Deus age através dele; o poder para realizar obras maravilhosas não é propriedade sua, mas acontece como poder-ação. O evangelista Marcos deixa no ar o “cheiro da paixão”. Desde o princípio da caminhada, avolumam-se os eventos que indicam sofrimento, negação e adversidade frente à proposta de Jesus. A realidade da cruz é desenhada de forma implacável. Jesus encoraja e capacita sua comunidade, também seus discípulos, a enfrentar a realidade adversa com coragem e esperança.
O anúncio do reino-mistério não prescinde da paixão. É promessa de baixo para cima. Em razão de sua proximidade, os discípulos enviados anunciam a necessidade do arrependimento (v. 12). Na pessoa de Jesus cumpre-se a voz profética, acontece a grande virada da história. “Então, se abrirão os olhos dos cegos, e se desimpedirão os ouvidos dos surdos; os coxos saltarão como cervos, e a língua dos mudos cantará; pois águas arrebentarão no deserto, e ribeiros, no ermo” (Is 35.5-6).
Jesus diferencia-se dos visionários apocalípticos e de suas predições espetaculares. Sua visão de futuro não é um discurso especulativo. Ele mesmo participa da história, encontra-se nesse “campo de batalha”. Os sinais das ações maravilhosas propiciados por Jesus Cristo e pelos discípulos (Mc 6.713) refletem a vitória daquele Senhor que anuncia “vida em abundância”. Ele decreta a falência do poder da morte e anula a incapacidade de confiança dos próprios conterrâneos. Os discípulos compreendem os sinais do tempo; eles são sensíveis à novidade, o novo “éon” (= tempo). Os incapacitados à confiança evidenciam cegueira e surdez. Por isso faz sentido insistir na pregação do arrependimento (v. 12), a exemplo do profeta Jonas. Apesar da resistência que ofereceu, tornou-se, na cidade de Nínive, um sinal vivo de Deus; a sua pessoa era sinal de vida nova. Diante de tamanha incapacidade e arrogância na terra natal, é compreensível que Jesus respondesse com indignação e perplexidade.
3. A memória do insucesso
Jesus apresenta-se como pessoa conhecida em Nazaré, sua terra natal. O que se sabe de Jesus são alguns detalhes quanto à sua procedência e sua formação. Seria isso tudo? Na qualidade de filho do carpinteiro José, a sua primeira apresentação, os seus traços humanos não diferem das demais pessoas da localidade e nem de nós. O conhecimento desses detalhes localizados em Jesus, porém, encobrem sua verdadeira identidade. Sendo anunciado Príncipe da Paz, Salvador e Messias de Deus, Jesus é pessoa especial. A cegueira em sua terra natal deixa-o afastado de seus conterrâneos. A suspeita é que nossa cegueira não é diferente nos dias atuais.
A verdadeira identidade de Jesus permanece encoberta em sua terra natal. Jesus, como primeiro homem novo, resgata a qualidade do ser imagem de Deus. A novidade de Jesus faz com que haja resistência em aceitá-lo como Kyrios = Senhor. Em razão de tamanha ignorância, Jesus se escandaliza.
4. O envio dos discípulos
A cena do envio não é única. No entanto, há diferenças de procedimento quando Jesus, no fim de suas atividades terrenas, incumbe os discípulos de ir a todas as nações. São enviados sob a promessa de que não estariam sozinhos. O texto, conforme Marcos 6.7-13, limita o envio a um determinado tempo e espaço. Pode Jesus ser imitado? O cenário descrito ou previsto por Jesus reflete seu espírito realista. Mostra quão duro e difícil pode ser o cotidiano dos discípulos e das discípulas. O escândalo que se manifesta em Jesus diante da incapacidade de crer é o mesmo nos discípulos em outros contextos.
À medida que Jesus vocaciona os discípulos a serviço do reino, ele identifica os enviados integralmente com a missão que lhes é confiada. Ouvidos abertos e sensíveis à mensagem são aqueles que também aceitam a boanova. Ouvir e aceitar, viver com coerência expressam uma unidade. Não deixa de ser um contra-senso à missão de Deus quando ouvintes reduzem a pregação do evangelho à preguiça ou à passividade. Discipulado é ação em movimento, acontece no dia-a-dia.
5. Se nem ouvirem vocês...
Assim se expressou o novo dirigente do coral: “Tudo será levado a bom termo, se soubermos ouvir”.
A comunidade cristã caracterizou-se, em seus primeiros passos de vida e atuação, como comunidade de ouvintes de contadores de histórias e de estórias. Essa mesma realidade perpassou o povo de Israel, enquanto povo a caminho rumo à liberdade e, posteriormente, quando assentado na Terra da Promessa. A sensação de que o desejo por um lugar de trabalho e de vida assegurada havia acontecido era motivo constante para refazer a história passada, como se fosse o tempo de hoje.
A memória do passado servia para fortalecer o presente e visava à construção do futuro, na perspectiva de horizonte aberto, a utopia do reino de Deus. No povo da Antiga Aliança, a memória da história da salvação evocou esperanças e fundamentou a confiança em Deus, que jamais abandona seu povo.
Para o apóstolo Paulo, o fenômeno do anúncio da Palavra, a boa-nova, propicia algo muito dinâmico. Através do evangelho Deus faz brotar da semente da Palavra a confiança que não trai e a “esperança que não confunde”. A ação de Deus alimenta essa fé, firma a esperança e fortalece o amor. A Palavra anunciada mediante palavras humanas ou através do mistério dos sinais maravilhosos é poder de Deus, que amadurece a fé: Romanos 1.16; 1 Coríntios 1.18.
O evangelho está carregado de boas-novas. Por isso revela autoridade e motiva à esperança e promove cura. “Curai enfermos, expulsai demônios!” Na fala de Jesus fica evidente que o mandato da evangelização não tem unicamente o espaço íntimo como alvo. O destino da Palavra é operar cura, organizar a vida relacional; é alimento que oferece a estabilidade emocional, é força que anima ao engajamento diante de um planeta vítima de agressão e violência. Quando Jesus pede a seus discípulos para curar e expulsar demônios, não diferencia entre enfermidades corporais, mentais ou espirituais. Os desejos individualistas e a busca por autodeterminação fazem da tentação à autonomia uma lei imperiosa e arrogante.
Palavra não foi feita para dominar,
Destino da palavra é dialogar.
Palavra não foi feita para opressão,
Destino da palavra é união.
Palavra não foi feita para semear dúvida,
Destino de palavra é a construção
de um mundo mais feliz e mais irmão.
Na realidade, não existem barreiras, nem mesmo a incapacidade manifestada na terra natal de Jesus, em Nazaré, que sejam intransponíveis ao evangelho. Não há obstáculo capaz de anular o potencial criativo e inovador do evangelho de Deus. Em meio à superficialidade e ao vazio de palavras humanas, veiculadas de muitas maneiras pelos meios de comunicação social na atualidade, a palavra de Deus, o dabar (assim a versão hebraica), é dinâmica, revestida de poder, cheia de conteúdo.
A palavra de Deus coloca ordem no caos, supera as trevas no princípio da criação, faz com que sinais de luz brilhem em meio à escuridão; é palavra poderosa que faz ressuscitar, na Páscoa, Jesus dentre os mortos.
A surdez diante do evangelho é o resultado de uma “visão míope”, reflexo do egoísmo; sinaliza mediocridade e manifesta a estupidez humana.
A ação do evangelho de Deus rompe muros. No decorrer de sua história, a sociedade humana ergueu barreiras. Elas dificultam o espírito da fraternidade, estimulam a prática do desamor e fomentam o desrespeito. O dinamismo do evangelho abre as gavetas do conservadorismo, que impede a entrada do sopro daquela “brisa suave”, da qual testifica o profeta Elias ao anunciar a revelação de Deus. Sua presença traz liberdade, justiça e nos enche de esperança por vida nova, baseada no amor. O anúncio do evangelho experimenta reveses e se submete aos fracassos. Diante dessa paisagem da resistência e da incapacidade humana, Jesus mostra-se suficientemente realista. Por essa razão, Jesus promete prestar companhia aos discípulos e discípulas enviados: “Estou com vocês todos os dias”. A indiferença “dos de fora”, aliada às resistências, face à ação dos discípulos-testemunhas, encontra seu limite nas promessas de fidelidade de Jesus Cristo. “Se não ouvirem vocês, eu, no entanto, continuo e caminho com vocês.” A promessa da companhia de Jesus não deixa enfraquecer a alegria da vocação.
6. A Palavra dá um novo ritmo ao curso do mundo
É dentro do espaço litúrgico no culto que os objetivos da prédica, seu potencial, sua oferta evangélica e seus desafios serão acolhidos numa amplitude privilegiada, perpassando toda a celebração comunitária. Os quinze ou vinte minutos de prédica deixam de ser, então, um monólogo estanque e pedagogicamente pesado, quando não desinteressante. Sugiro as seguintes ponderações. A reunião comunitária do culto inspira, motiva e alimenta discípulos, a caminho, na mesma trilha do Mestre.
1 – O culto cristão dá destaque, enquanto oferta de Deus e serviço de Deus a seu povo, à centralidade da Palavra. A igreja da Reforma auto-afirmase como igreja da Palavra. Por isso o vaso de barro, as palavras humanas, em toda celebração litúrgica, devem ser de excelente qualidade e refletidas com clareza e profundidade. O recheio das palavras humanas prima pela liberdade de indicar para o Cristo que se identifica como Pão da Vida, Luz, Caminho e Verdade. Ele veio para os doentes; “os sãos não precisam de médico”.
2 – O alimento da Palavra na dimensão consoladora, sendo fonte de esperança, sempre orientadora, firmando a confiança, apontando à vida nova, sendo palavra profética, anúncio de juízo tem características questionadoras e poder conflitante. O evangelho é fermento para o presente e o futuro.
3 – “Expeliam muitos demônios e curavam numerosos enfermos, ungindo-os com óleo” (Mc 3.13). Essa afirmação, conhecida nos primeiros tempos do cristianismo, traz dificuldades nos dias de hoje. O desafio da cura e da expulsão de poderes demoníacos está distante de nossa prática ministerial. Curas milagrosas, sobretudo aquelas protagonizadas em ambiente pentecostal e neopentecostal, trazem a suspeita de manifestar acontecimentos baseados em poderes mágicos e em auto-sugestões. Verdade é que se abusa do nome de Cristo quando empregado em fórmulas mágicas. “Uma igreja, no entanto, que deixou de se arriscar frente ao mal e às influências malignas tem pouco poder para curar e expulsar demônios” (Paul Tillich).
4 – A boa-nova, o evangelho, carrega em seu bojo um potencial de libertação e de liberdade. As tendências da sociedade humana são de resistência, sempre que paradigmas da autonomia ou do conservadorismo ideológico forem colocados em xeque. O ritmo do mundo é questionado pela fé em Jesus Cristo e pelo potencial que lhe é inerente.
5 – Um provérbio russo que se reporta à liberdade constata: “A liberdade é muito boa, mas impossível de ser comida”. Ou Bertolt Brecht: “Primeiro vamos encher a barriga, só depois vem a moral”.
6 – Em razão do testemunho da novidade do evangelho, para o qual os discípulos estavam sendo enviados por Jesus, os ideais humanos ou valores queridos deixam de ser prioritários e relevantes.
7 – Conforme o proposto, todo o desenrolar do culto tem como tarefa a indicação de portas que se abrem à novidade e nos animam a conviver graciosamente na esfera do reino de Deus. A comunidade cristã tem a liberdade de viver esperançosa o potencial do novo futuro. Nem os sinais de desprezo, tampouco as resistências dos “de fora” e distantes sobrepõem-se à ação amorosa de Deus. Apesar dos motivos para escândalos, a boa-nova deve ser levada adiante, “até os confins da terra”.
8 – O clima de festa em torno da novidade evangélica precisa invadir o espaço litúrgico, em culto, e ali se manifesta para continuar, durante toda a semana, também fora dos muros e dos limites do templo comunitário.
(Traduzido automaticamente pelo Tradutor Google sem nossa correção)
15º DOMINGO DO ANO – CICLO “B”
Primeira Leitura (Am 7,12-15):
Este texto integra a seção principal de Am 7,1-9,10 que contém 5 visões que o profeta Amós recebe. Após a 3ª visão, que termina anunciando o castigo da casa do rei Jeroboão (7:9), é inserida a história do conflito do profeta com Amazias, sacerdote de Betel, pelas suas críticas ao rei (7:10-17). . É um texto narrativo biográfico que nos testemunha com realismo que Amós anunciou a morte à espada do rei de Israel, Jeroboão (7,11), o que atraiu a perseguição subsequente. Especificamente, o sacerdote Amazias o expulsa de Betel, santuário do Reino do Norte, Israel, enviando-o para profetizar ao Reino do Sul, Judá. Lembremos que segundo Am 1,1 o local de origem do profeta foi Técua, uma pequena cidade situada numa região desértica, a 17 km de distância. ao sul de Jerusalém. Portanto, embora tenha pregado no Reino do Norte, Amós era natural do Reino do Sul, de Judá. Além da rejeição por essa questão étnico-geográfica, Amazias alude de forma bastante depreciativa à condição de Amós como vidente/profeta, como se fosse alguém que age apenas em prol do lucro ("coma aí o seu pão", diz ele literalmente). .
Amós primeiro responde a esta acusação de ser um profeta oportunista declarando que ele não é um profeta “por profissão”, mas por “vocação”. Na verdade, sua profissão ou trabalho era ser vaqueiro (bóqér) e cultivador de sicômoro; provavelmente proprietário de terras (se levarmos em conta que em Am 1,1 ele é apresentado como pastor -nóqéd- e que voltamos a encontrar este termo apenas em 2Rs 3,4 aplicado a Mesa de Moabe, dono de gado abundante).
Em segundo lugar, ele especifica que a sua ação profética responde a uma escolha e missão de Deus. Na verdade, o nome de Amós significa “Deus carrega” e poderia estar relacionado com a descrição da sua vocação profética em 3,3-8: trata-se de alguém carregado ou arrastado por Deus para profetizar. E a orientação da sua profecia para o Reino do Norte também encontra aqui a sua motivação: no envio de Deus. Portanto, não há interesse pessoal egoísta ou automotivação em Amós, mas simplesmente obediência à Palavra de Deus que o escolhe e o envia em missão, o que inclui a possibilidade de rejeição.
Evangelho (Mc 6,7-13):
Imediatamente após ser rejeitado pelos seus compatriotas em Nazaré, Jesus retomou a sua atividade missionária, percorrendo as cidades vizinhas e ensinando. E além disso, ele também chama e envia os doze apóstolos para pregar.
O texto começa dizendo que Jesus “chamou a si” (proskaleitai) os “doze”, em referência ao número de apóstolos que simboliza as doze tribos de Israel presentes no Sinai para a aliança com Deus (cf. Ex 24, 4). e indica que Jesus está formando o novo povo de Deus na nova aliança. São os mesmos doze que Ele chamou “para estar com Ele e enviá-los a pregar” (cf. Marcos 3,13). A novidade está aqui no que se segue: “e começou a enviá-los de dois em dois”. O verbo “começar” seguido do infinitivo (enviar) tem aqui um significado durativo; Ou seja, trata-se de constituí-los como missionários de forma permanente, para que a sua missão não se esgote neste envio específico. O detalhe de que foram enviados “dois a dois” teria um duplo sentido. Em primeiro lugar, responde à exigência de que haja duas testemunhas concordantes para que o depoimento possa ser ouvido (cf. Dt 19,15; 17,6). Em segundo lugar, o tema da fraternidade é sugerido. Por isso, vão “dois a dois” ajudar-se mutuamente e viver entre si a realidade do amor fraterno que devem testemunhar na sua pregação.
"E ele lhes deu poder (ἐξουσία) sobre os espíritos impuros." Jesus lhes dá poder real, uma autoridade dependente dele. Somente quem a possui pode dar autoridade ou poder; e Jesus tem essa autoridade como sua; e ele também é capaz de transmiti-lo aos seus discípulos.
Ele compartilha com eles seu próprio poder e autoridade sobre os “espíritos impuros” (τῶν πνευμάτων τῶν ἀκαθάρτων), o que implica tudo o que prejudica o homem (física, psiquicamente e espiritualmente) e que tem sua raiz em uma força maligna presente e atuante no mundo impedindo-o de viver em comunhão com Deus, consigo mesmo e com os outros. Em resumo, a missão confiada por Jesus aos apóstolos é “derrotar o reino do mal, estabelecer o reino de Deus”[1].
Depois de os doze terem cumprido o primeiro objectivo da eleição (“estar com Ele”; cf. Mc 3,14), chega o momento do seu envio por Jesus. Encontramo-nos num momento especial para os doze apóstolos porque é a primeira vez que Jesus faz com que os homens participem na sua missão, para que se tornem colaboradores associados à sua obra.
Segue-se então uma série de instruções concretas sobre o estilo de vida do missionário, que são essenciais para quem o anuncia, porque deve testemunhar que vive o que prega. Jesus trata de questões muito práticas e elementares: vestuário, alimentação e alojamento. Eles não podem carregar pão, dinheiro ou provisões. Só é permitido portar bengala e sandálias, elementos necessários a todo peregrino[2]. Fora isso, apenas a túnica, roupa comum aos homens da época. Quanto à habitação, devem aceitar a hospitalidade do povo, permanecendo na casa onde os recebem. Em suma, quando o Senhor os chamou pela primeira vez, os discípulos deixaram tudo e O seguiram. E assim devem continuar, desapegados de tudo.
Depois ele lhes dá instruções sobre como agir, como reagir diante da possibilidade real de rejeição. Se não forem recebidos ou ouvidos, deverão sair sacudindo até o pó dos pés em testemunho contra eles. Este gesto foi realizado pelos judeus quando regressaram a Israel depois de terem caminhado por terras pagãs, como que para indicar a separação entre o mundo pagão e a terra santa. Aqui significa que devem externalizar o facto de terem sido desprezados; e deixam claro que ao fecharem suas portas e seus corações perderam algo importante em suas vidas e são responsáveis por isso. A rejeição dos mensageiros é uma rejeição do próprio Jesus.
Acompanhar o cumprimento da ordem de Jesus pelos apóstolos realizando três ações concretas: “proclamar para que se convertam” (ἐκήρυξαν ἵνα μετανοῶσιν); “expulsaram muitos demônios” e “ungiram muitos enfermos com óleo e os curaram”. Vale a pena destacar aqui a continuidade entre a atividade de Jesus e a dos Apóstolos, que se expressa através do uso do mesmo vocabulário: anunciar; expulsar demônios; e curar os enfermos (cf. Mc 1,14.34.39).
A par destas semelhanças, é necessário notar que só Jesus ensina com autoridade (cf. Mc 1,22) e é comparado ao homem forte capaz de derrotar Satanás e o seu reino (cf. Mc 1,12-13; 3, 23-27). E isto porque os doze participam na missão de Jesus como enviados ou “apóstolos”, pois é assim que são chamados pela primeira vez quando regressam a Jesus depois da missão (cf. Marcos 6,30).
ALGUNS PENSAMENTOS:
Neste momento temos que contemplar o que Jesus faz e diz no evangelho para aprendermos com Ele e nos guiarmos em nossas ações, com a graça de Deus.
Em primeiro lugar, notemos a reacção de Jesus face à rejeição e/ou ao fracasso sofrido pelo seu povo: não se fecha nem desiste da sua missão, mas, pelo contrário, reage com o envio missionário de seus discípulos. E incutirá a mesma atitude nos seus apóstolos: se não forem recebidos ou ouvidos num lugar, vão pregar noutro lugar. A rejeição é possível, mas a missão deve continuar porque o trabalho vem de Deus.
Jesus dá-lhes a missão de pregar a conversão, mas não lhes promete “sucesso pastoral”; em vez disso, prepara-os para a possibilidade de rejeição. No entanto, ao regressarem, os apóstolos contam a Jesus “tudo o que fizeram e ensinaram” (Mc 6,30), dando a impressão de que cumpriram a sua missão para além do seu sucesso. A este respeito, o Papa Francisco nos diz: “Às vezes parece-nos que a nossa tarefa não obteve nenhum resultado, mas a missão não é uma empresa ou um projeto empresarial, não é uma organização humanitária, não é um espetáculo para contar. quantas pessoas compareceram graças à nossa propaganda; É algo muito mais profundo, que escapa a qualquer medição. Talvez o Senhor aproveite a nossa entrega para derramar bênçãos em outro lugar do mundo onde nunca iremos. O Espírito Santo trabalha como quer, quando quer e onde quer; Nós nos entregamos, mas sem esperar resultados marcantes. Sabemos apenas que a nossa entrega é necessária. Aprendamos a descansar na ternura dos braços do Pai no meio de uma doação criativa e generosa. Sigamos em frente, dêmos tudo de nós, mas deixemos que seja Ele quem torne frutíferos os nossos esforços como lhe aprouver” (EG 279).
Em segundo lugar, vemos que Jesus partilha a sua autoridade e poder com os seus discípulos. Embora seja Filho de Deus, sabe que necessita da colaboração de outros para cumprir a sua missão neste mundo e, por isso, envia os apóstolos, dando-lhes a mesma autoridade e poder para agir. Por isso podemos perguntar-nos neste momento se sabemos partilhar o poder, trabalhar em equipa, em comunhão; ou dominamos o poder e nos isolamos do povo.
Vemos também que Jesus está fundando a sua Igreja. E para que ele encontrou isso? Para continuar sua missão de salvar os homens através dela. “A Igreja existe para evangelizar”, disse o Papa Paulo VI. Vemos isso no evangelho de hoje, onde com este envio Jesus busca a continuidade de sua obra no futuro, pois a missão se baseia na vontade do próprio Jesus e é uma necessidade sempre atual na Igreja. A Igreja deve evangelizar até o fim dos tempos, sempre. É sua essência ser missionária. Se você não evangeliza, mas não missiona, você trai a sua essência, trai o Senhor.
E o que eu e minha comunidade temos que fazer? A mesma coisa que fizeram os doze apóstolos: sair de dois em dois para anunciar a chegada do Reino de Deus. Porque sou batizado, porque sou cristão, também sou enviado por Jesus para ir em missão.
Ao meditar sobre este envio missionário dos apóstolos, devemos apropriar-nos destas palavras de envio de Jesus, ouvindo-as como se dirigem a cada um de nós. Jesus precisa de mim para continuar sua missão e me envia para evangelizar. E na oração terei que discernir os lugares, os tempos e as formas de cumprir a minha missão, que dependem da minha situação pessoal e do meu estado de vida, mas sem esquecer que envolve toda a nossa vida. A este respeito, o Papa Francisco comenta: “A missão no coração das pessoas não é uma parte da minha vida, nem um ornamento que eu possa tirar; Não é um apêndice ou outro momento de existência. É algo que não posso arrancar do meu ser se não quiser me destruir. Sou uma missão nesta terra e é por isso que estou neste mundo. Você deve se reconhecer marcado pelo fogo pela missão de iluminar, abençoar, animar, elevar, curar, libertar. Aparece a enfermeira da alma, o professor da alma, o político da alma, aqueles que decidiram completamente estar com os outros e para os outros. Mas se separarmos a tarefa, por um lado, e a própria privacidade, por outro, tudo se torna cinzento e estaremos permanentemente em busca de reconhecimento ou de defesa das próprias necessidades. Deixará de ser um povo” (EG 273).
Por outro lado, vimos que Jesus enviou os Apóstolos “dois a dois”. Deste detalhe podemos deduzir a relação intrínseca e necessária entre comunhão e missão. A comunhão vivida é a essência do Evangelho, por isso é também parte essencial da vida e do anúncio missionário.
E como interpretar as instruções específicas que Jesus dá aos apóstolos?
Segundo L. Rivas[3] “A missão dos discípulos é uma tarefa que ultrapassa as possibilidades humanas. Eles devem levar a Boa Nova do Reino de Deus e, como tantas vezes foi dito, não devem fazê-lo apenas com com palavras, mas também com gestos Ao introduzir estas limitações, o Evangelho quer sublinhar fortemente que a realização desta tarefa não depende de forma alguma da força do homem, mas da força do mandato de Cristo... A pobreza externa do missionário. deve ser um sinal da sua convicção de que recebe do Senhor todas as suas forças e de que não confia nos seus próprios meios para cumprir a missão que lhe foi confiada. Portanto, “as advertências de Jesus, no sentido de prover-se de grande simplicidade, sobriedade e pobreza, exigem sempre que o leitor decida como pode tornar presente o reino de Deus no seu tempo, com credibilidade e exemplaridade; sem procurar o seu próprio benefício, sem procurar dinheiro ou bens, sem desejo de poder ou sem abusar da autoridade que Deus lhes deu (cf. 4:18f; 8:14-21); Desta forma poderão tornar presente o efeito libertador do Reino”[4].
Poderíamos completar com uma bela expressão do M. Navarro Puerto[5], que diz que o mais importante que os missionários devem levar “é o que vestem”, referindo-se à autoridade/poder recebido de Jesus.
Portanto, fica claro que a missão passa mais pelas ações do que pelas palavras; mais pelo testemunho de uma vida coerente do que por estratégias pastorais.
Então, se nos perguntarmos: o que preciso para ser missionário? O que devo ter e levar ao sair em missão? A resposta é: o mínimo possível porque o mais importante é o que o missionário tem no coração, a fé e o amor de Jesus, que é o que devemos transmitir aos outros. Todos os meios podem ajudar, mas o mais importante é o que carregamos dentro de nós; o que vivemos e testemunhamos.
As instruções práticas que Jesus dá aos apóstolos são relativas ao seu tempo, já não usamos túnicas nem sandálias nem nos movemos apenas a pé e com bengala. Mas o espírito que está na origem destas normas continua válido para todos os tempos: o missionário não deve confiar em si mesmo ou nos meios, mas no poder de Deus que o envia.
A este respeito, o que o Papa Francisco escreveu aos jovens em “Cristo vive” 175-176: “Apaixonados por Cristo, os jovens são chamados a dar testemunho do Evangelho em todos os lugares, com a própria vida. Santo Alberto Hurtado disse que “ser apóstolos não significa usar um distintivo na lapela do paletó; Não significa falar da verdade, mas vivê-la, encarnar nela, transformar-se em Cristo. Ser apóstolo não é carregar uma tocha na mão, possuir a luz, mas ser a luz [...]. O Evangelho [...] mais que uma lição é um exemplo. A mensagem convertida em vida viva. O valor do testemunho não significa que a palavra deva ser silenciada. Por que não falar de Jesus, por que não dizer aos outros que Ele nos dá forças para viver, que é bom falar com Ele, que é bom meditar nas Suas palavras? Jovens, não deixem que o mundo os arraste a compartilhar apenas coisas ruins ou superficiais. Você é capaz de ir contra a corrente e saber compartilhar Jesus, comunicar a fé que Ele lhe deu. Esperamos que vocês possam sentir em seus corações o mesmo impulso irresistível que moveu São Paulo quando disse: “Ai de mim se não anunciar o Evangelho!” (1 companhia 9,16)”.
PARA ORAÇÃO (RESSON NCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
Em seu nome
Senhor Jesus
Alimente em nós o desejo de torná-lo presente
Para levar você a todos os lugares
Para todas as pessoas
Dois a dois se torna diferente para nós
Mas se somos três, muito mais
Eles ficarão felizes em ver você
Em seu nome os corações se abrirão
Nós contaremos suas façanhas
E as honras serão suas
Cada casa será seu templo
E as mesas serão o Altar
Para levantar o incenso
E se eles fecharem as portas para nós,
Pode não ser o fim,
A rejeição às vezes deixa um mistério
E você cuidará do cansaço
Como dos pobres e dos doentes
E muitos serão convertidos, talvez nunca saberemos
Sozinho, Senhor Jesus
Alimente o desejo em nós,
para se fazer presente
Para levar você a todos os lugares, a todas as pessoas. Amém.
[1] L. H. Rivas, Jesús habla a su pueblo. Ciclo B. Domingos durante el año (CEA; Buenos Aires 2002) 112.
[2] “No se subirá al Templo con un bastón ni con sandalias en los pies ni con un cinturón para el dinero o con los pies llenos de polvo”, Tratado Berakot 9, 5 del Talmud.
[3] Jesús habla a su pueblo. Domingos durante el año. Ciclo B (CEA; Buenos Aires 2002) 114.
[4] Cf. Fritzleo Lentzen-Deis, Comentario al evangelio de Marcos (Verbo Divino; Estella 1998) 195.
[5] Marcos (Verbo Divino; Estella 2006) 220.