LINK AUXILIAR:
1ª Leitura: Êxodo 16,2-4.12-15
Salmo Responsorial 77(78)R- O Senhor deu a comer o pão do céu.
2ª Leitura: Efésios 4,17.20-24
Evangelho de João 6,24-35
Naquele tempo, a multidão perguntou a Jesus: 30'Que sinal realizas, para que possamos ver e crer em ti?' Que obra fazes? 31Nossos pais comeram o maná no deserto, como está na Escritura: 'Pão do céu deu-lhes a comer'. 32Jesus respondeu: 'Em verdade, em verdade vos digo, não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. 33Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo.' 34Então pediram: 'Senhor, dá-nos sempre desse pão'. 35Jesus lhes disse: 'Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede. Palavra da Salvação.
É bom que a gente tenha consciência explícita do que buscamos, pois no evangelho vemos que a multidão foi à procura de Jesus, mas pelos motivos errados.
Jesus se decepciona com as pessoas que o procuram. Ele exprime a sua decepção com estas palavras: Em verdade, em verdade, eu vos digo: vós estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos. As pessoas seguem Jesus, é verdade, mas esse seguimento é um seguimento ineficaz. Seguem Jesus por curiosidade, por interesse e egoísmo.
Jesus multiplicou os pães e alimentou a multidão porque desejava realizar um sinal que revelasse o seu mistério pessoal, mas a reação do povo perante a multiplicação é muito errada. O povo não vê o sinal revelador, vê somente o milagre extraordinário. O povo segue um milagreiro, mas não segue o enviado do Pai; segue alguém que distribui comida de graça, mas não segue aquele que quer dar-se a si mesmo como alimento de vida eterna.
O povo ficou entusiasmado com um pão recebido milagrosamente e sem trabalho, mas não percebe que está diante do dom da Vida Eterna que é Jesus. Pensa somente na própria barriga, mas não se atina para o dom maravilhoso que o Pai oferece.
A Palavra do Evangelho é para nós uma advertência: viemos à missa com motivações de amor ou estamos na igreja só por interesse pessoal? Nós procuramos Jesus por egoísmo ou procuramos Jesus porque Ele é o pão da vida? Nós seguimos Jesus porque estamos interessados no que Ele pode nos dar ou porque é Jesus.
Nossa Senhora nos ensina sempre que devemos buscar Jesus por Jesus mesmo. Nossa Senhora nos ensina a buscar não o alimento que se perde, mas o pão que permanece até a vida eterna. Ela nos ajuda a desejarmos receber o pão que veio do céu, a querermos com todo o nosso coração o pão que desce do céu e dá a vida ao mundo.
Hoje nós pedimos a Jesus: Senhor, dá-nos sempre deste pão! E Jesus nos responde: Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede!
Jesus é o verdadeiro pão do céu que mata a nossa fome de vida. Todos nós trazemos no mais profundo de nós mesmos uma fome que não pode ser saciada com qualquer comida. Essa fome existencial não pode ser saciada com as riquezas materiais, com a beleza física, com o poder ilimitado, com o prazer desbragado. Temos ânsia de vida sem fim, de vida em plenitude, de vida feliz.
Nossa fome é enorme! Temos fome de Jesus e somente Ele pode saciar nossa fome de Deus! E Jesus é tão bom e misericordioso que não nos deixa com essa fome. Ele se oferece a si mesmo a nós como pão. Esse é o mistério da eucaristia. A eucaristia é o modo genial que Jesus encontrou para se dar a nós como Pão de Vida Eterna.
Maria e eucaristia estão intimamente relacionadas. Nós recebemos Jesus de Maria. Nós recebemos Jesus na eucaristia. Pela fé, Maria recebeu o Verbo no coração antes de concebê-lo em seu seio. Pela fé nós vamos até Jesus para sermos saciados. Através de Maria, nós recebemos o Verbo encarnado. Através da eucaristia nós recebemos o Senhor morto e ressuscitado.
Caro irmão, querida irmã, recebamos Jesus, o Pão da vida com a gratidão com o respeito e a admiração de Nossa Senhora! Para isso tomemos consciência de que o que é o pão para a vida natural, a eucaristia é para a nossa vida sobrenatural.
O pão alimenta. Para viver é preciso receber a vida do pão. Ele se desfaz para que possamos viver; é assimilado pelo nosso organismo: uma parte é queimada como caloria e outra parte se torna osso, músculo, gordura. A eucaristia alimenta nossa vida sobrenatural: não é Jesus que é assimilado por nós; nós é que somos transformados nele.
O pão cura: quando estamos doentes precisamos nos alimentar bem, porque uma boa alimentação recupera a saúde física. A eucaristia, por sua vez, é remédio para não pecar. Ela perdoa os pecados veniais e nos fortalece para que não cometamos o pecado mortal.
O pão deleita. Assim a eucaristia é alegria espiritual; é a exultação do encontro entre o amante e o amado; é a felicidade do amor e do afeto espiritual que corre entre nós e Jesus.
Peçamos a Nossa Senhora que nos ajude a procurar, a encontrar e a receber Jesus!
“Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo 6,33)
Com o evangelho de hoje iniciamos a reflexão sobre o Discurso do Pão da Vida, que se prolongará durante os próximos domingos. Depois da multiplicação dos pães, o povo foi atrás de Jesus; tinha visto o milagre, comeu com fartura e queria mais! Procurou o milagroso e não buscou o sinal e o apelo de Deus que nele se escondia. Quando o povo encontrou Jesus em Cafarnaum, teve com ele uma longa conversa, chamada “Discurso do Pão da Vida”, um conjunto de sete pequenos diálogos que explicam o significado da multiplicação dos pães como símbolo do novo Êxodo e da Ceia Eucarística.
O milagre da multiplicação dos pães provocou um sério mal-entendido. O povo viu o que aconteceu, mas não chegou a entendê-lo como um sinal de algo mais alto ou mais profundo. Buscou pão e vida, mas parou na superfície: a fartura de comida. No entender do povo, Jesus fez o que Moisés tinha feito no passado: deu alimento farto para todos no deserto.
Indo atrás de Jesus, eles queriam que o passado se repetisse. Mas Jesus pede que o povo dê um passo adiante. Além do trabalho pelo pão que perece, deve trabalhar também pelo alimento não perecível. Este novo alimento será dado pelo Filho do Homem; Ele traz a Vida que dura para sempre. Ele abre para todos um novo horizonte sobre o sentido da vida e sobre Deus.
No longo diálogo com a multidão, no outro lado do mar, João recolhe as palavras de Jesus e que sua comunidade considerava como as chaves do seguimento. Jesus não responde à pergunta: “como e quando chegaste aqui?”, mas responde às verdadeiras intenções das pessoas, trazendo o diálogo para o seu terreno.
O que tem importância de verdade é o compromisso de entrega, de “fazer-se pão” para os outros. Tais palavras de Jesus põe em questão as religiões de todos os tempos, ou seja, o perigo de manipular Deus para colocá-lo a serviço e interesse próprios.
Segundo o evangelista João, a necessidade de “passar para a outra margem do mar” foi provocada porque a multidão faminta ficou saciada de pão, graças à ação de Jesus que lhe deu de comer, multiplicando os poucos pães e peixes que um menino levava consigo. Neste contexto, segundo o final do evangelho do domingo passado (Jo 16,15), as pessoas pretendiam proclamar Jesus como rei. O pão é um bom símbolo da riqueza e a realeza um instigante símbolo do poder. Estas são as “margens” nas quais a multidão e os discípulos queriam se instalar.
Infelizmente, estes também são nossos desejos ocultos: o poder e o dinheiro que, no fundo, são as duas caras da mesma moeda. Este é o “pão” venenoso que alimenta divisão, competição e ódio.
Compreende-se assim, o apelo de Jesus a passar para a outra margem, deixando de lado as solicitações do ter, para buscar o caminho do compartilhar. Em algumas determinadas circunstâncias é preciso dar alimento a quem está com fome; mas, ao mesmo tempo, é preciso ativar a liberdade e a autonomia para que ele possa buscar o pão e aprenda a partilhá-lo.
O Pão partido e preparado para ser comido é o sinal daquilo que foi Jesus em toda sua vida. O sinal não está no pão como “coisa” perecível, mas no fato de que Ele é partido e re-partido, ou seja, na disponibilidade na qual se encontra para poder se tornar alimento de todos. Jesus esteve sempre preparado para que todo aquele que dele se aproximasse pudesse assimilar Sua Vida, revestindo-se de seu modo de ser e fazer: ser tudo para todos. Deixou-se partir, fez-se alimento, deixou-se assimilar; embora essa atitude terá como consequência que fosse aniquilado pelos encarregados da religião.
O sinal de Jesus é pão partilhado. Não o alimento das purificações e dos ázimos rituais, que só os judeus piedosos podiam comer, mas o pão de cada dia, aludido no Pai-Nosso: a refeição que se oferece aos pobres e excluídos, se compartilha com os pecadores e se expande em forma universal.
Este é seu sinal: tudo que disse, tudo o que fez se condensa e se expressa na forma de alimento que sustenta e reforça os vínculos entre as pessoas.
O pão suscita e cria Corpo. Jesus não anuncia uma verdade abstrata, separada da vida, uma lei puramente social, um princípio religioso... Ao contrário, Jesus, Messias de Deus, é Corpo, isto é, Vida expandida, sentida, compartilhada. O Evangelho nos situa, desta forma, no nível da corporalidade próxima, acolhedora e compassiva. Aqui não há mais castas e nem exclusão.
Na Eucaristia se concentra toda a mensagem de Jesus, que é o Amor. O Amor é Deus manifestado no dom de si mesmo e que Jesus deixou transparecer durante sua vida. Isto somos nós: dom total, amor total, sem limites. Ao comer o pão e beber o vinho, estamos completando este sinal. Isso quer dizer que fazemos nossa Sua vida e nos comprometemos a nos identificar com aqueles que Jesus se identificou.
O pão que nos dá Vida não é o pão que comemos, mas o pão no qual nos convertemos quando vivemos de modo oblativo, ou seja, quando vivemos des-centrados, voltados para os famintos que suplicam o pão da amizade, da presença solidária e comprometida.
“Eu Sou” em João é a suprema manifestação da consciência de quem era Jesus. Cada um de nós deve descobrir o que verdadeiramente somos, como Jesus descobriu. Somos o mesmo que era Jesus.
“Quem vem a mim não terá mais fome, e quem crê em mim nunca mais terá mais sede”. Que significa “ir a Ele, crer n’Ele”. Aqui se encontra o núcleo do discurso. Não se trata de receber nada de Jesus, senão de descobrir que tudo o que Ele tinha, também nós temos. Temos um “celeiro” interior, dotados dos mais diversos pães: recursos, dons, sonhos ... O que Jesus quer dizer é que se os seres humanos descobrissem que se pode viver a partir de uma perspectiva diferente, que alcançar a plenitude humana significa descobrir o que Deus é em cada um, responderíamos como respondeu Jesus.
Jesus não nos convida a buscar a nossa própria perfeição, nem nos limitar a práticas piedosas egóicas e estéreis, mas a ativar a capacidade de vivermos descentrados, partilhando o que somos e temos.
Buscar nossa própria “perfeição” significa edificar nosso próprio pedestal, para colocar ali nosso “ego” que se alimenta do pão do poder, do prestígio, do consumismo, do preconceito e da intolerância.
“Ser pão para os demais”, pelo contrário, significa esvaziamento das fomes egóicas para despertar fomes humanizadoras: pão da comunhão, da festa, do encontro. Só assim é possível alcançar a unidade e a plenitude de vida. A Páscoa do pão sinaliza para a Páscoa da vida que se faz pão e do pão que permanece para sempre.
Para meditar na oração:
Somos profundamente gratos quando temos pão sobre a mesa de nossas casas; no entanto, “nosso pão de cada dia” nos provoca: qual é o alimento que mais precisamos? Qual é o pão cotidiano nos faz falta? Com que saciamos nossa “fome” de cada dia? O pão vem de Deus ou mendigamos migalhas de coisas que não nos satisfazem?...
- Descubra na sua mesa o seu pão; na sua jornada, o seu chão; no seu cotidiano, o inesperado que vem, o outro em sua fome, em busca de mãos abertas que saibam partilhar.
- Com o pão nas mãos viva em contínua ação de graças.
OLHAR DE PERTO AS COISAS DA NOSSA VIDA
Vamos meditar sobre o longo discurso do Pão da Vida. Depois da partilha dos pães, o povo foi atrás de Jesus. Tinha visto o sinal, comeu com fartura e queria mais! Não se preocupou em procurar o apelo de Deus que havia em tudo isso. Quando encontrou Jesus na sinagoga de Cafarnaum, teve com ele uma longa conversa, chamada Discurso do Pão da Vida. Por meio desse discurso, Jesus procura abrir os olhos do povo para ele descobrir o rumo certo que deve tomar na vida. Dá olhos novos para ler os fatos e ver melhor as necessidades. Pois não basta ir atrás do sinal da partilha do pão para o corpo. Não só de pão vive o ser humano!
SITUANDO
Neste discurso do Pão da Vida (Jo 6,22-71), através de um conjunto de sete diálogos, o evangelista explica para os leitores e as leitoras o significado profundo da partilha dos pães como símbolo da Ceia Eucarística. É um diálogo bonito, mas exigente. A pessoa fica chocado com as palavras de Jesus. Mas Jesus não cede nem muda as exigências. O discurso parece um funil. Na medida em que avança, é cada vez menos gente que sobra para ficar com Jesus. No fim só sobram os doze, e nem assim pode confiar em todos eles!
Quem lê o quarto Evangelho superficialmente pode ficar com a impressão de que João repete sempre a mesma coisa. Lendo com mais atenção, perceberá que não se trata de repetição. O quarto Evangelho tem um jeito próprio de repetir o mesmo assunto, mas é num nível cada vez mais alto ou mais profundo. Parece uma escada em caracol. Girando você volta ao mesmo lugar, mas num nível mais alto. Assim é o discurso sobre o Pão da Vida. É um texto que exige toda uma vida para meditá-lo e aprofundá-lo. Por isso, não se preocupe se não entender logo tudo. Um texto assim a gente deve ler, meditar, ler de novo, repetir, ruminar, como se faz com uma bala gostosa. Vai virando e virando na boca, até se gastar.
COMENTANDO
Jo 6,22-27: 1º Diálogo – O povo procura Jesus porque quer mais pão
O povo viu o sinal, mas não o entendeu como um sinal de algo mais alto ou mais profundo. Parou na superfície: na fartura de comida. Buscou pão e vida, mas só para o corpo. Para o povo, Jesus fez o que Moisés tinha feito no passado: deu alimento farto para todos. Indo atrás de Jesus, queria que o passado se repetisse. Mas Jesus pede que o povo dê um passo. Além do trabalho pelo pão que perece, deve trabalhar também pelo alimento não perecível. Este novo alimento é que traz a vida que dura para sempre.
Jo 6,28-33: 2º Diálogo – Jesus pede para o povo trabalhar pelo pão verdadeiro
O povo pergunta: “O que fazer para realizar este trabalho (obra) de Deus?” Jesus responde: “Acreditar naquele que Deus enviou!” Isto é, crer em Jesus! O povo reage: “Então, dê-nos um sinal para a gente saber que você é o enviado de Deus! Nossos pais comeram o maná que foi dado por Moisés!” Para eles, Moisés é o grande líder do passado, no qual acreditam. Se Jesus quer que o povo acredite nele, deve fazer um sinal maior que o de Moisés. Jesus responde que o pão dado por Moisés não era o pão verdadeiro, pois não garantiu a vida para ninguém. Todos morreram! O pão verdadeiro de Deus é aquele que vence a morte e traz vida! Jesus tenta ajudar o povo a se libertar dos esquemas do passado. Para ele, fidelidade ao passado não significa fechar-se nas coisas de antigamente e recusar a renovação. Fidelidade ao passado é aceitar o novo que chega como fruto da semente plantada no passado.
Jo 6,34-40: 3º Diálogo – O pão verdadeiro é fazer a vontade de Deus
O povo pede: “Senhor, dá-nos sempre desse pão!” Pensavam que Jesus estivesse falando de um pão especial. Então Jesus responde claramente: “Eu sou o pão da vida!” Comer o pão do céu é o mesmo que crer em Jesus e aceitar o caminho que ele ensinou, a saber: “O meu alimento é fazer a vontade do Pai que está no céu!” (Jo 4,34). Este é o alimento que sustenta a pessoa, dá rumo e traz vida nova.
ALARGANDO
O Sinal do Novo Êxodo
A partilha dos pães aconteceu próximo da Páscoa (Jo 6,4). A Festa da Páscoa era a memória perigosa do Êxodo, a libertação do povo das garras do faraó. Assim, todo o episódio narrado neste capítulo tem um paralelo com os episódios relacionados com a Festa da Páscoa, tanto com a libertação do Egito quanto com a caminhada do povo no deserto em busca da terra prometida. Vamos apresentar este paralelo através dos pequenos blocos que formam o capítulo 6 do Evangelho de João.
Partilha dos pães (Jo 6,1-15)
Jesus tem diante de si a multidão faminta e o desafio de garantir o alimento para todos. Da mesma maneira Moisés enfrentou este desafio durante a caminhada do povo pelo deserto (Ex 16,1-35; Nm 11,18-23). Depois de comer, a multidão saciada reconhece Jesus como o “Profeta que devia vir ao mundo” (Jo 6,14) dentro do que pede a Lei da Aliança (Dt 18,15-22).
Jesus caminha sobre o mar (Jo 6,16-21)
Para o povo da Bíblia, o mar era símbolo do abismo, do caos, do mal (Ap 13,1). No Êxodo, o povo faz a travessia para a liberdade enfrentando e vencendo o mar. Deus divide o mar através de seu sopro e o povo atravessa com pé enxuto (Ex 14,22). Em outras passagens a Bíblia mostra Deus vencendo o mar (Gn 1,6-10; Sl 104,6-19; Pr 8,27). Vencer o mar significa impor-lhe os seus limites e impedir que ele engula toda a terra com suas ondas. Nesta passagem Jesus revela sua divindade dominando e vencendo o mar, impedindo que a barca dos discípulos seja tragada pelas ondas.
O discurso sobre o Pão da Vida (Jo 6,22-58)
Este longo discurso feito na sinagoga de Cafarnaum está relacionado com o capítulo 16 do livro do Êxodo. Vale a pena ler todo este capítulo de Êxodo, percebendo as dificuldades que o povo teve que enfrentar na sua caminhada, para podermos compreender os ensinamentos de Jesus aqui no capítulo 6 do Evangelho de João.
Quando Jesus fala de “um alimento que perece” (Jo 6,27), ele está lembrando Ex 16,20. Da mesma forma, quando os judeus “murmuram” (Jo 6,41), fazem a mesma coisa que os israelitas no deserto, quando duvidam da presença de Deus junto com eles durante a travessia. A falta de alimentos fazia com que o povo duvidasse que Deus estivesse com eles, de que Deus fosse Javé, resmungando e murmurando contra Deus e contra Moisés. Aqui também os judeus duvidam da presença de Deus em Jesus de Nazaré (Jo 6,42).
As pessoas necessitam de Jesus e procuram-no. Há algo Nele que as atrai, mas todavia não sabem exatamente por que o procuram nem para quê. Segundo o evangelista, muitos fazem-no porque no dia anterior distribuiu-lhes pão para saciar a sua fome.
Jesus começa a conversar com eles. Há coisas que convêm clarear desde o princípio. O pão material é muito importante. Ele mesmo os ensinou a pedir a Deus «o pão de cada dia» para todos. Mas o ser humano necessita de algo mais. Jesus quer oferecer-lhes um alimento que possa saciar para sempre a sua fome de vida.
As pessoas intuem que Jesus lhes está a abrir um horizonte novo, mas não sabem que fazer, nem por onde começar. O evangelista resume as suas interrogações com estas palavras: «e que obras temos que fazer para trabalhar no que Deus quer?». Há neles um desejo sincero de acertar. Querem trabalhar no que Deus quer, mas, acostumados a pensar tudo a partir da Lei, perguntam a Jesus que obras, práticas e observâncias novas têm que ter em conta.
A resposta de Jesus toca o coração do cristianismo: «a obra (no singular!) que Deus quer é esta: que acrediteis Naquele que foi enviado». Deus só quer que creiam em Jesus Cristo pois é a grande dádiva que Ele enviou ao mundo. Esta é a nova exigência. Nisto têm de trabalhar. O resto é secundário.
Depois de vinte séculos de cristianismo, não necessitaremos de descobrir de novo que toda a força e originalidade da Igreja estão em crer em Jesus Cristo e segui-Lo? Não necessitamos passar da atitude de adeptos de uma religião de “crenças” e de “práticas”, a viver como discípulos de Jesus?
A fé cristã não consiste primordialmente em ir cumprindo corretamente um código de práticas e observâncias novas, superiores às do antigo testamento. Não. A identidade cristã está em aprender a viver um estilo de vida que nasce da relação viva e confiada em Jesus, o Cristo. Vamo-nos fazendo cristãos na medida em que aprendemos a pensar, sentir, amar, trabalhar, sofrer e viver como Jesus.
Ser cristão exige hoje uma experiência de Jesus e uma identificação com o Seu projeto que não se requeria anos atrás para ser um bom praticante. Para subsistir no meio da sociedade laica, as comunidades cristãs necessitam cuidar mais que nunca da adesão e do contacto vital com Jesus, o Cristo.
Neste domingo, continuamos com a leitura do capítulo 6 do Evangelho de João. Novamente há uma multidão procurando por Jesus, mas não o encontram no lugar esperado, onde ele “sempre esteve”.
O Senhor não está mais no lugar “habitual”. O texto, sobre o qual meditamos hoje, nos convida a sair de nossa
“vida religiosa cotidiana” e a ir um pouco mais longe no caminho de seguir Jesus.
Quando a multidão viu que Jesus não estava ali, nem os seus discípulos, subiram às barcas e foram à procura de Jesus, em Cafarnaum. Movidos pela vida que receberam do Mestre, eles vão ao seu encontro mais uma vez. E, nessa jornada, possivelmente alimentam novos desejos e preocupações e também um questionamento sobre Jesus, pois se sentem abandonados por ele desde que partiu sem “avisá-los”.
Quando o encontraram no outro lado do mar, perguntaram-lhe: "Quando chegaste aqui?'
No início do Evangelho, a multidão procura Jesus e faz o que for preciso para chegar até ele. Nos versículos seguintes, o Evangelho nos diz que também há uma multidão que percebe que Jesus não está mais com eles e vai procurá-lo. Na pergunta que fazem a Jesus, quando é que ele chegou? Na pergunta que fazem a Jesus quando o encontram, há uma certa queixa. Ela pode ser lida como uma preocupação de um grupo de pessoas que se sentiam abandonadas, desprotegidas, ou como um questionamento em que possivelmente outras motivações estão misturadas. Eles estão pedindo, ou melhor, exigindo uma explicação para sua partida para outro lugar.
Aquela multidão que antes o procurava porque ouvia tudo o que ele fazia, agora também está procurando por ele, mas talvez suas motivações sejam diferentes. Onde ele está? Como ele foi embora? Ou alguns podem pensar: “Como Ele pôde nos deixar assim sem nos avisar?”. “Estamos ao Seu lado, caminhamos até aquele lugar porque estávamos procurando por Ele e agora Ele está indo embora e não sabemos...”!
Talvez eles se sintam desamparados e um pouco desiludidos porque estavam seguros ao lado dele. A jornada para encontrá-lo foi longa, mas a recompensa que receberam foi ainda maior: desfrutaram da presença dele, compartilharam o que carregavam, foram alimentados com o pão partido e compartilhado. Eles estavam à vontade com ele e agora, sem aviso, ele os deixa....
Diante da reclamação deles, Jesus responde: "Estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos”. Mais uma vez, Jesus nos mostra que ele é, acima de tudo, um viajante, um peregrino compassivo e terno, que está com seu povo, mas não é propriedade de ninguém. Estar com Ele e segui-Lo é caminhar ao Seu lado nos caminhos que Ele quer nos levar. Seu seguimento implica uma vida em movimento que traz consigo a disponibilidade contínua de estar ao Seu lado.
O Papa Francisco repetiu em várias ocasiões, especialmente para os jovens, a necessidade de uma igreja em movimento: “precisamos e queremos uma mudança”, sem se deixar levar pela lógica do “sempre foi assim”. É por isto que é “tempo de ousar o risco de favorecer e estimular modelos de desenvolvimento, de progresso e de sustentabilidade em que as pessoas, e especialmente os excluídos, entre os quais a irmã terra, deixem de ser uma presença meramente funcional, para se tornar protagonistas de sua vida, assim como de todo o tecido social. (…) Não pensemos por eles, mas com eles” (Texto disponible em: Papa aos jovens da “Economia de Francisco”: é preciso ousadia, não tenham medo).
A resposta de Jesus é clara e convida aqueles que o buscam a dar um novo passo: Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará. Pois este é quem o Pai marcou com seu selo". Com essas palavras, Jesus abre uma nova porta que convida aqueles que o seguem a entrar no mistério de sua vida entregue. Seu gesto de multiplicar os pães e saciar nossa fome e sede de algo mais, como aconteceu com a multidão que o seguia, é um sinal, uma primeira aproximação de sua pessoa, que nos enche de vida e alegria, porque satisfaz as expectativas mais profundas daqueles que o buscam. Mas não é suficiente e é por isso que ele nos convida a buscar outro alimento, ele nos chama a conhecê-lo melhor.
O que devemos fazer para realizar as obras de Deus? Jesus respondeu: “A obra de Deus é que vocês creiam naquele que ele enviou”.
Uma nova pergunta: o que deve ser feito? E a resposta de Jesus mais uma vez nos choca: acreditar nEle! Crer em Jesus é moldar a vida a partir Dele, de tal forma que procuramos moldar nossos sentimentos e nossas ações a partir Dele. Não se trata de uma mera adesão externa, imitando-o ou repetindo seus gestos, como poderia ter sido distribuir pão às multidões, que sempre serão atos grandiosos e importantes. Jesus nos convida a entrar em um relacionamento de intimidade com Ele, de modo que Sua presença em nossa vida se torne um verdadeiro alimento que satisfaça nossas preocupações e necessidades mais profundas. Eles perguntam sobre a obra e Jesus responde com uma obra íntima e profunda que é acreditar Nele.
Como diz José Antonio Pagola em seu comentário sobre esse Evangelho: “Acreditar em Jesus é viver e trabalhar por algo último e decisivo: lutar por um mundo mais humano e justo; tornar a paternidade de Deus mais real e mais crível; não esquecer aqueles que correm o risco de serem evitados por todos, até mesmo pelas religiões”.
Nestes tempos difíceis, muitas pessoas deixam nas “mãos de Deus” decisões de verdade e justiça que correspondem àquelas que estão confortavelmente sentadas em espaços políticos, sociais ou religiosos. Estamos vivenciando isso na lenta reconstrução do Rio Grande do Sul, em tantos desterrados ambientais devido a problemas que poderiam ter sido evitados, mas que os interesses pessoais e egoístas abafaram o bem comum, vimos isso nas recentes eleições na Venezuela e assim por diante em todas as áreas onde os interesses de poucos predominam sobre o bem comum.
Jesus nos chama a acreditar Nele e a agir como Ele. Não há um código definido. De maneira especial, este mês nos unimos à intenção do Papa Francisco para o mês de agosto em relação aos líderes políticos. Ele disse: “atualmente a política não tem boa fama: corrupção, escândalos, está distante do dia a dia das pessoas”. “Mas será que podemos avançar na direção da fraternidade universal sem uma boa política? Não”, responde o Papa.
E por isso ele nos convida a nos unirmos na construção do bem comum: “Os cristãos, especialmente os leigos, são chamados a participar da vida política, para poder construir uma sociedade mais justa e solidária”. “Um indivíduo pode ajudar a uma pessoa necessitada, porém quando se une a outros para gerar processos sociais de fraternidade e de justiça para todos, entra no campo da mais ampla caridade, a caridade política”, reflete o Papa Francisco sobre este tema na encíclica Fratelli Tutti.
Durante esta semana, deixamos que a resposta de Jesus ressoe em nossas vidas e em nossas comunidades, convidando-nos a mudar o que for necessário para sermos mais parecidos com ele e a acreditar verdadeiramente nele, a quem o Pai marcou com seu selo.
Tradução Moisés Sbardelotto
Depois do sinal da multiplicação-partilha dos pães, Jesus, rejeitando a aclamação mundana por parte da multidão que queria fazê-lo rei, porque ele lhe tinha fornecido alimentos, fugiu em solidão para o monte (cf. Jo 6,14-15), deixando os discípulos que tentavam retornar de barco para a outra margem do mar, rumo a Cafarnaum (cf. Jo 6,16-17). Mas já era noite, e uma violenta tempestade havia se desencadeado sobre o lago.
Naquela situação de dificuldade, os discípulos entreveem Jesus caminhando sobre as águas do lago, vindo na direção deles e são tomados pelo medo. Mas ele diz: “Egó eimi, Eu sou, não tenham medo!”, depois desembarca com eles na terra firme e entra em Cafarnaum (cf. Jo 6,18-21).
E eis que, “no dia seguinte” (Jo 6,22) a multidão, que havia comido o pão, põe-se no seu rastro, alcança-o atravessando o lago, por sua vez, em diversas barcas e lhe pergunta com respeito: “Rabi, mestre, quando chegaste aqui?”. Mas Jesus, conhecendo as motivações daquela busca, não responde à curiosidade da multidão, mas revela com autoridade como ela é insuficiente, ambígua e enganosa: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais (semeîa), mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos”.
Essa busca faz de Jesus aquele que satisfaz as necessidades humanas e preenche a falta, mas desconhece a sua verdadeira identidade, aquela de quem veio não para dar um alimento que tira a fome material, mas para dar aquilo que nutre para a vida eterna.
Aqueles galileus viram o prodígio, mas não leram nele o sinal, ou seja, aquilo que aquela ação de Jesus significava. Sentiram a saciedade, mas não compreenderam que aquele pão era o dom da vida de Jesus.
Revelada, portanto, a atitude da multidão, na sinagoga de Cafarnaum, Jesus faz um longo discurso, anunciando o seu tema nas suas primeiras palavras: “Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará. Pois este é quem o Pai marcou com seu selo”.
Jesus pede aos seus ouvintes um compromisso, revela o dom que ele, como Filho do homem, dá às pessoas e se manifesta como aquele sobre o qual o Pai colocou a sua bênção. Portanto, é preciso se esforçar, pôr-se em ação por um alimento que nutre para a vida eterna. É verdade que é preciso se esforçar para receber do Pai o pão de cada dia (cf. Mt 6,11; Lc 11,3), alimento para o corpo destinado à morte; mas, ao mesmo tempo, Jesus exorta a desejar, isto é, a trabalhar com igual intensidade e convicção em vista daquele alimento que só ele pode dar, o alimento que dá a vida para sempre, a vida que permanece além da morte.
Preste-se atenção: Jesus não despreza o alimento material, mas, sabendo que “não só de pão vive o homem” (Dt 8,3; Mt 4,4), ele exorta a trabalhar com convicção e intensidade em vista daquele alimento que dá a vida para sempre, alimento que só ele, o Filho do homem, pode dar.
De fato, enviando-o ao mundo, o Pai o marcou com o seu selo, pôs nele a sua marca (cf. Hb 1,3), sendo ele “a imagem do Deus invisível” (Col 1,15), o rosto da sua glória, palavra e relato que narra o verdadeiro e único Deus (cf. Jo 1,18).
Mas, mesmo diante dessa revelação da sua identidade, aqueles galileus não compreendem e, então, perguntam a Jesus: “O que fazer? Que devemos fazer para realizar as obras de Deus? Qual mandamento devemos cumprir?”. Jesus, em resposta, revela a obra, o agir por excelência, que também parece uma não ação, algo que, segundo o sentimento humano, carece de concretude: a ação das ações, a ação por excelência que Deus quer e pede é crer, aderir àquele que ele mandou.
A única obra é a fé, diz Jesus. É obra de Deus, porque permite que Deus opere no ser humano, na história, na vida de quem crê. Sim, aqui está a diferença cristã: no coração da vida do fiel, não está a lei, mas sim a fé. Nunca se repetirá isso o suficiente, e não nos esqueçamos de que o primeiro nome dado aos discípulos de Jesus no Novo Testamento após a ressurreição foi precisamente “os crentes” (At 2,44; 4, 32). A fé faz os cristãos, molda os cristãos, salva os cristãos.
Essa verdade central, porém, deve ser bem compreendida: a fé não é um ato intelectual, gnóstico, mas é uma adesão vital a Jesus Cristo, é um estar no seu seguimento, envolvidos com a sua própria vida. Desse modo, são varridas as contraposições intelectuais entre fé e ações-obras, entre contemplação e ação. A obra do cristão é crer, é acolher o dom da fé para assumir a própria responsabilidade, a própria obra, a própria luta, a própria custódia. Só assim se reconhece o primado da graça, do amor gratuito e sempre antecipado do Senhor, que é um dom a ser acolhido com espírito de estupor e de agradecimento, por ser capaz de gerar no fundo do coração responsabilidade e desejo de responder ao dom ou, melhor, ao Doador.
Crer em Jesus Cristo, o Enviado de Deus ao mundo, significa estar onde ele está (cf. Jo 12,26; 14,3; 17,24), compartilhando com ele a mesma vida, “aonde quer que ele vá” (Ap 14,4), radicalmente e “até o fim” (eis télos: Jo 13,1).
Mas aquela multidão revela a própria identidade: para crer, quer um sinal! Tinham visto o sinal da multiplicação-partilha dos pães, mas, como ele não havia desembocado naquilo que eles queriam, na proclamação de Jesus Rei e Messias mundano, agora exigem outro sinal, como aquele feito por Moisés através do dom do maná (cf. Sl 78,24).
Desse modo, mostram que não são sequer capazes de ler a Torá, porque nela – explica-lhes Jesus – “não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo”.
E assim Jesus revela que se sente chamado não a dar algo, mas a dar tudo de si mesmo! Então, eles pedem a Jesus que lhes dê esse pão e que o dê para sempre. E ele responde com a revelação inédita: “Egó eimi, eu sou o pão da vida”. Portanto, o pão para a vida eterna não é um simples dom da parte de Jesus, mas é Jesus mesmo, que dá toda a sua pessoa.
O que significa essa linguagem que corre o risco de ser compreendida por nós de modo abstrato? Significa que Jesus é alimento, e, nessa primeira parte do seu longo discurso, ele se apresenta como alimento como Palavra, Palavra do Pai, Palavra feita carne (cf. Jo 1,14), Palavra descida do céu, Palavra enviada por Deus aos humanos.
A Palavra de Deus sempre foi lida no Antigo Testamento como alimento, pão que dá a vida à humanidade (cf. Is 55,1-3, Pr 9,3-6 etc.); mas agora essa Palavra, dita muitas vezes e de diversos modos nos tempos antigos aos seres humanos através de Moisés e dos profetas (cf. Hb 1,1), é um homem: é Palavra de Deus humanizada em Jesus de Nazaré. Nesse sentido, Jesus se entrega aos humanos como “pão da vida”, pão que traz a vida.
Essa linguagem é tão vertiginosa que não é possível comentar tais palavras de Jesus: elas devem ser apenas acolhidas em adoração. Jesus, sim, justamente Jesus, um homem, um judeu marginal da Galileia, o filho de Maria e de José, proveniente de Nazaré, é na verdade a Palavra de Deus e, como tal, é alimento, pão para a nossa vida de crentes nele.
Quem pode dizer que é capaz de entender e de sustentar essas palavras? De todos os modos, talvez o Senhor nos peça apenas que tentemos acolher essas palavras; e que façamos isso sabendo que o seu dom, a sua graça nos permite torná-las palavras acolhidas por cada um de nós de modo muito pessoal, isto é, como somente o Senhor pode nos fazer conhecê-las e entendê-las.
Assim, assimilamos o alimento para a vida eterna, segundo a promessa de Jesus: “Quem vem a mim não terá mais fome, e quem acredita em mim nunca mais terá sede” (Jo 6,35). Uma promessa paralela àquela feita por Jesus à mulher da Samaria: “Aquele que beber a água que eu vou dar, esse nunca mais terá sede” (Jo 4,14).
1. Introdução
Esse texto não pode ser compreendido isoladamente; ele é desencadeado pelo que acontece anteriormente. Jesus havia alimentado uma multidão (6.1-15), e essa multidão reconhece, sente e degusta esse seu poder e, sendo assim, quer estar perto dele. Onde está Jesus? Para onde foi aquele que saciou nossa fome? O povo procura pelo Mestre (6.24). Nesse encontro, Jesus dá uma nova dimensão a essa procura, a essa inquietação, a esse seguir. Não é mais só uma busca pelo pão que sacia a fome, mas por uma mudança de vida que pode, de uma vez por todas, suprir toda e qualquer fome.
O texto de Êxodo lembra-nos que Deus liberta da escravidão e do mal e liberta para a vida. Deus liberta e também sustenta esse povo livre quando o alimenta. Interessante contrapor com o evangelho no sentido de que em Êxodo o povo já reconheceu o Deus que liberta e agora clama por pão diante da fome no deserto. No evangelho, Jesus alimentou a multidão com pão, e ela ainda não reconheceu o Deus que liberta.
2. Da mensagem à prédica
Jesus, o pão da vida
João 6.24-35 é uma continuação do milagre da multiplicação dos pães. A multidão segue Jesus para ver novos milagres, para alimentar-se. Querem comer mais do pão que Jesus ofereceu. Precisamos lembrar que a comunidade de João é formada por pessoas pobres, carentes de muitas necessidades, entre elas o alimento diário. Jesus critica a multidão e diz que ela simplesmente o segue sem entender qual a sua missão. No momento da multiplicação dos pães, Jesus alerta-nos para a fome que existe ao nosso redor e convida-nos para gestos de partilha. Assim todas as pessoas caminham alimentadas pela solidariedade, pelo amor, pelo pão que se reparte. Mas Cristo mesmo nos diz: “Eu sou o pão da vida, quem vem a mim nunca terá fome, quem crê em mim nunca terá sede”. Ao lado do pão que sacia nossa fome, Jesus mesmo se compara a esse pão e nos diz que ele é o pão da vida. Assim, Jesus quer saciar a fome e a sede que brotam do interior de cada pessoa. Ao enviar seu filho ao mundo, Deus reconhece a nossa fome e sede e quer nos alimentar. Dessa forma, não permite que ninguém morra sem ter comido do pão da vida. Ambos os pães precisam ser repartidos. Jesus deu um sinal claro de sua preocupação com ambos. Ofereceu o pão real que pode ser degustado e ofereceu a si mesmo como o pão da vida (que pode ser degustado na Santa Ceia). Ao oferecer o primeiro, reconhece nossa humanidade e necessidade do alimento para sobreviver. Ao oferecer o segundo, lembra que somos pessoas vocacionadas para ser mais solidárias, mais humanas, mais atentas às necessidades das pessoas ao nosso redor, necessidades essas que vão desde o pão até o abraço que reconforta e reanima. Quando sentimos que estamos perdendo essas qualidades, é hora de novamente nos alimentarmos do pão de Cristo, o pão da vida.
Existem alguns caminhos a trilhar, e creio que a pregação poderia começar com um questionamento. A cada culto, a cada domingo, a cada atividade na comunidade de que participamos Jesus também nos questiona. Ele nos pergunta: O que estão procurando? Será que vocês de fato entenderam a mensagem e tudo o que aconteceu ou simplesmente estão procurando por mais pão (Batismo, Casamento, Confirmação, Cemitério...)? Acho que poderia ser impactante começar perguntando as pessoas sobre o que elas estão buscando, não somente restringindo-se à celebração, mas participando de uma comunidade cristã. Questionar o grupo para que pense sobre o que de fato o move e impulsiona para o seguimento a Cristo. Isso pode ser um começo para uma mudança. Uma reação. Um olhar para nossa fome e uma busca do “verdadeiro pão”: Jesus Cristo.
Independentemente das respostas que as pessoas derem a si mesmas, é hora de olhar ao nosso redor e perguntar como estamos vivendo no mundo esse “ser pessoa cristã”. E eis que aí as palavras de Jesus também serão para nós fogo: “Eu afirmo a vocês que isto é verdade: Vocês estão me procurando porque comeram os pães e ficaram satisfeitos e não porque entenderam os meus milagres”. Procuramos Jesus para “momentaneamente” nos saciar, sem querer nos “aprofundar” nele. E acabamos nem sequer compreendendo para que ele veio, o que ele fez e espera de nós. Jesus é o verdadeiro “pão”, e quando as pessoas compreenderem isso e se alimentarem dele, não faltará nenhuma comida. Pois onde Jesus reina, ali há abundância de amor, solidariedade e partilha. Deus mesmo nos alimenta em Jesus Cristo; ele é o pão da vida.
18º DOMINGO DO TEMPO COMUM – CICLO “B”
Primeira leitura (Ex 16,2-4; 12-15)
Este texto faz parte da secção das provações no deserto, no caminho do povo para o Monte Sinai depois de ter fugido do Egipto (Ex 16-18). É chave o verbo hebraico nazah , que significa tentar, testar, e que aparece em Êx 15:25 e 16:4, tendo Deus como sujeito e os israelitas como objeto da prova. O outro tema central relacionado à tentação é a murmuração, expressa com o verbo hebraico lûn , que sempre tem como sujeito o povo e o encontramos em Êx 15,24; 16,2,7 e 17,3.
Agora, a necessidade de alimento que provoca a rebelião do povo era real e, por isso, Deus responde enviando codornizes à tarde e maná pela manhã. “O maná é uma substância natural que se parece com grãos brancos e doces: é a linfa que cai da casca dos galhos de uma espécie de tamargueira picada por certos insetos que dela se alimentam. A comida do deserto «tinha gosto de bolo de mel» (Ex 16,31)»[1].
O importante, em relação ao evangelho de hoje, é o versículo final onde Moisés explica o que é e significa esse alimento: “Quando os israelitas o viram, perguntaram uns aos outros: O que é isto?” Porque eles não sabiam o que era. Então Moisés explicou-lhes: “Este é o pão que o Senhor vos deu como alimento” (Ex 16,15).
Evangelho (Jo 6,24-35):
Para seguir o fio da narrativa evangélica de hoje, é preciso notar que em Jo 6,16-23 (que a leitura litúrgica omitiu) se diz que ao pôr do sol os discípulos descem à praia e embarcam em direção a Cafarnaum, que está do outro lado. Ao escurecer, Jesus caminha sobre as águas e chega ao barco com os discípulos que chegava à outra margem. Na manhã seguinte, «quando a multidão percebeu que Jesus e os seus discípulos não estavam ali, entraram nos barcos e foram para Cafarnaum em busca de Jesus» (Jo 6,24). Portanto, a cena evangélica de hoje acontece “na outra margem”, em Cafarnaum, onde a multidão finalmente encontrou Jesus. E como não o tinham visto sair no barco com os seus discípulos, quando o encontraram, a primeira coisa que lhe perguntaram foi: “Mestre, quando chegaste?” (6.25).
LH Rivas[2] informa-nos que o título de Mestre ou Rabino aparece no Evangelho de João nos lábios de pessoas que têm uma fé muito fraca (cf. 1,38.49; 3,2; 4,31; 9,2; 11,8;20,16). Como vimos no domingo passado, depois da multiplicação dos pães, alguns pensaram que ele era o profeta que deveria vir; outros queriam torná-lo rei; Agora eles o consideram outro “mestre” entre os judeus.
Jesus não responde à sua pergunta, mas antes questiona a motivação que o levaram a procurá-lo: não porque tivessem visto o sinal, mas porque «comeram os pães e ficaram satisfeitos»; isto é, porque resolveram o problema da alimentação diária. A retirada de Jesus quando pensavam em torná-lo rei revelou o seu descontentamento com esta falta de fé por parte dos judeus, enquanto agora ele lhes diz abertamente: eles não sabiam ver e interpretar a multiplicação dos pães como um sinal . Como observa G. Zevini, a multidão: “deu mais valor ao pão do que a quem lhe deu esse pão. Procura vantagens materiais e passageiras em vez de ocasiões de resposta e amor”[3].
Em última análise, como aparecerá ao longo do discurso de Jesus, trata-se de uma questão de fé, porque é precisamente o olhar crente que nos permite ver os atos de Jesus como sinais reveladores da sua pessoa. Lembremos as características da fé no evangelho de João segundo o Card. Martini[4]: «a fé, tal como João a descreve, não atinge o seu objetivo senão através do testemunho ou dos sinais; portanto, cumpre, na sua estrutura essencial, duas condições: a capacidade de interpretar correctamente os sinais como tais, e a capacidade de ir além dos sinais”.
Portanto, os judeus não interpretaram corretamente o sinal nem foram capazes de ir além dele. Eles se concentraram no fato externo e no efeito subjetivo favorável que isso produzia sobre eles: comiam e ficavam satisfeitos. E ponto.
Jesus completa o questionamento anterior com uma proposta: agir não pelos alimentos perecíveis, mas pelos que duram até a vida eterna . Aqui aparece algo típico do Evangelho de João, como falar em dois níveis de realidade e significado. Por um lado, temos o alimento comum , que se refere tanto ao que se ganha com o trabalho como ao que foi recebido milagrosamente das mãos de Jesus: é perecível, é destruído, não dura para sempre, como o próprio vida que nutre . Mas por outro lado existe outro alimento que não se destrói, que não perece, mas permanece até a Vida eterna .
E quem lhes dará esta comida? O “filho do homem”, título que João reserva para se referir a Jesus em sua condição gloriosa. E Ele pode dá-lo porque foi “selado” pelo Pai, Ele tem o selo de Deus que O certifica. O verbo aqui usado ( sfragizein ) significa primeiro marcar com o selo; mas João a usa em 3:33 no sentido de certificar, isto é, dar certeza : “Aquele que recebe o seu testemunho certifica que Deus é verdadeiro”. Portanto, o significado aqui seria que o Pai nos dá a certeza de que Jesus é verdadeiro e pode nos dar o alimento que dura até a Vida eterna.
Jesus lhes havia falado sobre trabalhar ou trabalhar (verbo ergázomai ) por alimento que não perece. Agora “eles” lhe perguntam: “O que devemos fazer para realizar ( ergázomai ) as obras ( érga ) de Deus?” Se lermos esta questão no contexto do mundo judaico daquela época, ela poderia referir-se, como sustenta LH Rivas[5], às obras da Lei, ou seja, às obras ordenadas por Deus na sua Lei ou Torá. E como a resposta de Jesus se refere à fé, teríamos então no evangelho de João um reflexo da controvérsia entre as obras da lei e a fé tão presente em São Paulo e no cristianismo primitivo. J. Ratzinger[6] também pensa na referência ao Direito, mas pela sua relação simbólica com o pão porque “no desenvolvimento interno do pensamento judaico tornou-se cada vez mais claro que o verdadeiro pão do céu, que alimentou e alimenta Israel, é precisamente a Lei, a palavra de Deus”. E também concorda com L. Rivas que na discussão em torno das obras “está presente em toda a teologia paulina”.
A verdade é que a resposta de Jesus nos orienta claramente para a fé Nele, pois “a obra de Deus é que vocês acreditem (πιστεύω) naquele que ele enviou” (6:29).
Continuando com o duplo nível de significado, vemos então que existe um pão, uma vida e uma obra ou ação humana destinada a perecer, não durável; ao mesmo tempo que há também um pão, uma vida e uma obra ou ação humana duradoura e não perecível. Atenção, ambos vêm de Deus, mas o último é o dom superior e definitivo que o Pai nos dá em Jesus.
Jesus pediu aos judeus que acreditassem nele como “aquele enviado pelo Pai”. Então, eles querem ver um sinal e uma obra da parte de Jesus como condição para poder acreditar nele (“Que sinais você faz para que possamos ver e crer em você? Que obra você faz?” Jo. 6:30). E dão como exemplo de sinal e de obra o maná que Deus deu aos seus antepassados para comerem por intercessão de Moisés, como nos diz a primeira leitura de hoje. Em São João a referência a este fato presente é citada no Salmo 78:23-24 (“Ele ordenou às nuvens do alto, abriu as comportas do céu; fez chover maná para eles comerem, enviou-lhes trigo do céu .”). O tema do maná como alimento celestial, dado por Deus, era proverbial em Israel. Por exemplo, “no Livro da Sabedoria recolhe tradições rabínicas, que cantavam a excelência do maná, a sua variedade de sabores ao gosto de quem o consumia: «Você alimentou o seu povo... com a comida dos anjos, fornecendo-lhes gratuitamente, do céu, pão pronto, com mil sabores, ao gosto de todos; Este teu sustento demonstrou a tua doçura para com os teus filhos, pois serviu ao desejo de quem o tomou e se tornou o que se queria” (Sabedoria 16:20-21)”[7]. Por isso é possível afirmar que “em Israel todos sabiam que no tempo do Messias esta doação do maná por Deus se repetiria e os judeus esperavam aquele alimento celestial prometido para a era messiânica [...] Em tradição rabínica Moisés às vezes era apresentado como o tipo do Messias. Esperava-se, portanto, que tal como Moisés, o Messias no momento da sua vinda alimentasse o povo com maná e matasse a sua sede com água”[8].
Com esta última pergunta dos judeus voltamos ao início, ao tema do sinal e da obra . Pode haver uma certa ironia na forma como João apresenta o assunto, destacando a falta de entendimento entre Jesus e os seus interlocutores, algo também típico deste evangelista. O fato é que não existem apenas duas ordens de realidade, mas também de comunicação. Jesus fez um sinal claro : a multiplicação dos pães. Agora cabe aos judeus fazer o trabalho : simplesmente crer em Jesus enviado pelo Pai. Por sua vez, os judeus pedem para ver um sinal e uma obra de Jesus para acreditar nele .
Diante deste pedido dos judeus, Jesus se redobra e responde que não foi Moisés, mas seu Pai quem deu o verdadeiro pão do céu. Indiretamente, ele se proclamou filho de Deus, a quem se referiu como “seu” Pai. Ao mesmo tempo, notemos que o verbo dar está no presente ( δίδωσιν ) : o Pai é quem dá, ele está dando agora; e o que ele dá é o verdadeiro pão do céu . Portanto, o alimento que receberam no deserto (e na multiplicação dos pães) é apenas uma imagem-sinal do verdadeiro pão de Deus que desce do céu e dá Vida ao mundo.
Com este último Jesus alcançou o objetivo de fazê-los desejar este pão de Deus porque o pedem usando o vocativo “Senhor” ( kurie ); e eles pedem que eu sempre dê para eles.
Este pedido é seguido pelo anúncio da identidade entre o pão e Jesus: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim nunca terá fome; quem crê em mim nunca terá sede” (6,35).
Temos aqui uma das apresentações cristológicas típicas de João, com a expressão “eu sou”, que se refere ao nome de Javé revelado por Deus a Moisés (cf. Ex 3, 14). Além disso, a referência ao pão da vida que tira toda a fome retoma vários temas do Antigo Testamento: «as palavras de Jesus em 6,35 reúnem a expectativa do maná, o novo Êxodo, o banquete da Sabedoria e a banquete escatológico"[9].
Ora, mais especificamente, dado tanto no Deuteronômio como no Livro da Sabedoria, o maná como pão tem um valor simbólico que remete à Palavra de Deus como alimento do crente (Cf. Dt 8,3; Sb 16,20.26); e tendo em conta os textos da tradição rabínica, T. Castellarín conclui que “As palavras de Jesus seguem essas mesmas linhas. Se ele multiplica os pães, como uma réplica do maná, é para sugerir que suas palavras e seus ensinamentos são um alimento melhor. Ele realiza o milagre para que acreditem nele, que é enviado pelo Pai como “o verdadeiro pão do céu” (6,32) […] Para Jesus o banquete oferecido aos cinco mil homens (6,10), um poucos dias antes da Páscoa (6:4), tinha um caráter messiânico que as pessoas não conseguiam perceber. Tratava-se da presença em pessoa da Sabedoria, que estava ali para se dar como alimento”10. Isto é, neste momento do discurso Jesus apresenta-se como o pão da Vida porque ele mesmo é a Palavra e a Sabedoria de Deus que sacia a fome mais profunda dos homens.
ALGUNS PENSAMENTOS:
O evangelho do domingo passado centrou-se na apresentação do sinal milagroso da multiplicação dos pães e na interpretação incorreta dele pelos “comensais”. Este último parecia claro tanto no reconhecimento de Jesus como um “profeta que havia de vir” (Moisés ou Elias) como na pretensão de torná-lo rei. Como vimos, Jesus retira-se para a montanha rejeitando estas atribuições, particularmente a do messianismo temporal.
O evangelho deste domingo retoma estes temas e avança um pouco mais até chegar ao anúncio de Jesus como Pão da Vida. Vale dizer que a mensagem deste domingo está centrada em Jesus, na Vida que Ele quer comunicar e no que “é preciso fazer” para recebê-la: acreditar .
Seguindo a pedagogia do Evangelho de São João, seria conveniente recomeçar com o que foi sublinhado no domingo passado: o pão como símbolo de vida e a fome como expressão do desejo de viver . O sinal milagroso da multiplicação dos pães, assumindo a tradição do Antigo Testamento, ajudou-nos a descobrir o pão material e a vida natural como dádivas de Deus.
Agora, no evangelho de hoje somos convidados a ir mais longe, a descobrir que existe um outro pão e uma outra vida superior , que é também Dom de Deus. Aqui é necessária a fé tal como São João a entende, isto é, como interpretação correta dos sinais de Deus e como capacidade de ir além dos sinais até a realidade significada .
Para conseguir isso, é necessário primeiro reconhecer a insuficiência do pão material para satisfazer o desejo de viver que reside em cada coração humano. Jesus nos convida a isso dizendo que tanto o pão material como a vida que ele nutre são perecíveis , ou seja, tendem a desaparecer, tendem à destruição. A título de comparação podemos dizer que temos uma vida com prazo de validade . Segue-se então o convite a passar da necessidade do alimento terreno ao desejo profundo do alimento que dure para sempre , que não pereça. E então Jesus vem ao nosso encontro com a oferta de pão e de uma vida que nos permite superar o prazo de validade , que nos abre à esperança da vida eterna.
Devemos tomar consciência desta realidade da nossa vida que é a morte; e também que a nossa vontade de viver ultrapassa esse limite. Então a esperança cristã chega à encruzilhada do nosso desejo , permitindo-nos esperar algo mais de Deus. Na verdade, existe outro pão que nos alimenta para uma vida que não perece, mas é eterna. É uma vida que não pode ser comprada nem é o resultado do esforço humano, mas sim um puro dom de Deus como as codornizes e o maná que Deus deu ao povo no deserto. É por isso que, no evangelho de hoje, quando os judeus perguntam o que devem fazer, Jesus lhes diz que não precisam fazer nada, apenas crer, aceitar, receber . É o desafio da fé que nos convida a uma atitude receptiva diante de Deus. Esta é uma acentuação do Evangelho de João como explica J. Casabó[11]: “A posição inevitável em que o confronto com Deus coloca o homem obriga-o a definir-se. Mas Deus não se apresenta para ser aceite ou rejeitado. vem com as mãos cheias de presentes e só quer que o homem estenda as mãos para recebê-los. O que ele quer não é a opção num sentido ou outro, mas a sua livre aceitação, a sua aquiescência voluntária ao encontro”.
J. Ratzinger[12] também observa isto: “quem escuta está disposto a trabalhar, a agir, a fazer obras para receber esse pão; mas ele não pode ser conquistado apenas através do trabalho humano, através do próprio esforço. . como um dom de Deus, como uma obra de Deus […] Não podemos alcançar sozinhos a realidade mais elevada e mais essencial, temos que permitir que ela nos seja concedida e, por assim dizer, entrar na dinâmica dos dons; que nos são concedidos “isto acontece na fé em Jesus, que é diálogo e relação viva com o Pai, e que quer voltar a ser palavra e amor em nós”.
Afirmemos também que o evangelho de hoje dá nome a este Dom do Pai: Jesus Cristo, pão que sacia a fome de vida eterna que reside em nossos corações .
Em conclusão, a fé nos leva a reconhecer que Jesus é o pão da vida que pode satisfazer os nossos desejos mais profundos, a ponto de, tendo-O, não termos mais fome nem sede. E a condição necessária para isso é acreditar em Jesus, recebê-lo. A este respeito, o Papa Francisco disse no Angelus de 1º de agosto de 2021: "Que significa Pão de vida? Para viver você precisa de pão. Quem tem fome não pede alimentos refinados e caros, pede pão. Quem não tem emprego não pede altos salários, mas sim o “pão” do emprego. Jesus revela-se como o pão, ou seja, o essencial, o necessário para a vida quotidiana, sem Ele não funciona. Não e pão entre muitos outros, mas ele Pão de vida Ou seja, sem Ele, mais do que viver, sobrevivemos: porque só Ele alimenta a nossa alma, só Ele nos perdoa daquele mal que sozinhos não conseguimos vencer, só Ele nos faz sentir amados mesmo que todos nos decepcionem, só Ele nos faz sentir-se amado. Ele dá força para amar, só Ele nos dá força para perdoar nas dificuldades, só Ele dá ao coração aquela paz que ele busca, só Ele dá a vida para sempre quando a vida aqui na terra acabar. É o pão essencial da vida”.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
Não há mais fome
Não há mais fome neste mundo
Vamos nos preencher juntos
Eu te ofereço o pão e o vinho
O banquete pronto
Imagino sua pressa.
Para ser o primeiro
Ao deixar de lado o jejum
Venha comemorar, vibrar de alegria
Levante suas vozes em coro
Levante a fumaça do incenso
Eu abro as portas do meu palácio para você
Eu sou o Rei, venho te receber
Aqui tudo é abundância
Eu me apresento a você
Cheio de toda graça
Eu te invoco, eu te atraio...
Obrigado Senhor pela sua bondade
Convite da sua pura generosidade
Quantos aceitarão isso?
Irmãos, trabalhemos por este Pão,
A desejada Delicadeza dos Anjos.
O próprio Deus nos alimenta
Com seu Corpo e com seu Sangue. Amém.
[1] G. Zevini – P. G. Cabra, Lectio divina para cada día del año. Domingos del tiempo Ordinario. Ciclo B (Verbo Divino; Estella 2002) 160.
[2] El evangelio de Juan (San Benito; Buenos Aires 2006) 217.
[3] G. Zevini, Evangelio según san Juan (Sígueme; Salamanca 1995) 183.
[4] El Evangelio de San Juan. Ejercicios espirituales sobre San Juan (Paulinas; Bogotá 1986) 92.
[5] El evangelio de Juan (San Benito; Buenos Aires 2006) 218. De opinión semejante es G. Zevini, Evangelio según san Juan (Sígueme; Salamanca 1995) 184.
[6] Jesús de Nazaret. Primera parte (Planeta; Buenos Aires 2007) 316.
[7] J. Vilchez, El don de la vida (DDB; Bilbao 2007) 132-133.
[8] T. Castellarín, “Homilía sapiencial de Jesús en Cafarnaúm”, en La Palabra está muy cerca de ti, en tu boca y en tu corazón… (Ed. J. L. D’Amico – C. Mendoza), ABA – PPC, Buenos Aires, 2015, 294.
[9] L. H. Rivas, El evangelio de Juan (San Benito; Buenos Aires 2006) 225.
[10] T. Castellarín, “Homilía sapiencial de Jesús en Cafarnaúm”, en La Palabra está muy cerca de ti, en tu boca y en tu corazón… (Ed. J. L. D’Amico – C. Mendoza), ABA – PPC, Buenos Aires, 2015, 295-296.
[11] La teología moral en San Juan (Fax; Madrid 1970) 83.
[12] Jesús de Nazaret. Primera parte (Planeta; Buenos Aires 2007) 316.