23/02/2025
1ª Leitura: 1Samuel 26,2.7-9.12-13.22-23
Salmo 102 (103) R- O Senhor é bondoso e compassivo.
2ª leitura:- 1 Coríntios 15,45-49
Evangelho de Lucas 6,27-38
Proclamação do evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas – Naquele tempo, falou Jesus aos seus discípulos: 27“A vós que me escutais, eu digo: amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam, 28bendizei os que vos amaldiçoam e rezai por aqueles que vos caluniam. 29Se alguém te der uma bofetada numa face, oferece também a outra. Se alguém te tomar o manto, deixa-o levar também a túnica. 30Dá a quem te pedir e, se alguém tirar o que é teu, não peças que o devolva. 31O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles. 32Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Até os pecadores amam aqueles que os amam. 33E se fazeis o bem somente aos que vos fazem o bem, que recompensa tereis? Até os pecadores fazem assim. 34E se emprestais somente àqueles de quem esperais receber, que recompensa tereis? Até os pecadores emprestam aos pecadores, para receber de volta a mesma quantia. 35Ao contrário, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar coisa alguma em troca. Então, a vossa recompensa será grande, e sereis filhos do Altíssimo, porque Deus é bondoso também para com os ingratos e os maus. 36Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso. 37Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. 38Dai e vos será dado. Uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante será colocada no vosso colo, porque, com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos”. – Palavra da salvação.
Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, e rezai por aqueles que vos caluniam.
Essa ordem de Jesus continua nos causando impacto e escândalo. O que fazer? Cancelá-las do Evangelho? Apagá-las da nossa consciência? Deixá-las para tempos melhores?
Em um contexto de violência e de grande insegurança social, em meio ao terrorismo e a criminalidade crescente, no contexto da agressividade verbal incontida e disseminada da internet, as palavras de Jesus parecem fadadas ao fracasso e à indiferença com algo ultrapassado ou romântico.
Diante do inimigo não mudou muito a tendência normal das culturas do passado e do presente: “Considero como norma estabelecida que alguém deve procurar prejudicar seus inimigos e se pôr a serviço dos seus amigos” (Lísias, séc. V a.C).
Em relação aos amigos e às pessoas benevolentes não mudou também a tentação e o perigo do egoísmo disfarçado: amar os outros apenas na medida e que representam um ganho e uma vantagem para a minha vida.
Se amais os que vos amam, que recompensa tereis? Também os pecados amam os que os amam. E se fazeis o bem aos que vos fazem o bem, que recompensa tereis? Também os pecadores agem assim. E se emprestais somente àqueles de quem esperais receber, que recompensa tereis? Até os pecadores emprestam a pecadores para receberem o equivalente.
Em outras palavras: somente quando nos sacrificamos pelo outros sem esperar nada em troca, somente quando amamos sem que o outro mereça, somente quando perdemos para que o outro ganhe, somente assim atingiremos o mistério do amor de Cristo que morreu por nós quando éramos seus inimigos.
Esse amor é tão revolucionário e novo que os primeiros cristãos criaram uma palavra nova para exprimir esse amor de Cristo por nós e o amor dos cristãos pelos outros: Ágape. Por isso, é preciso manter o mandamento de Cristo como monumento visível para os tempos de hoje.
Precisamos entender bem: o mandamento de Cristo não é lei: é Evangelho! É próprio da lei impor obrigações e nos deixa sozinhos na luta de cumprir com tais obrigações. A lei é boa para nos impor o que devemos fazer, mas não nos dá a força para cumprir com tais obrigações. Fazendo assim ou ela dá ocasião para a nossa vanglória quando conseguimos cumpri-la ou evidencia a nossa fraqueza e a nossa queda.
O mandamento de Cristo de amar o inimigo, porém, não é uma lei, mas o Evangelho! Para entender essa diferença, somos ajudados por São Paulo: O que era impossível para a Lei, visto que a carne tornava impotente, Deus o fez! Enviando o seu próprio Filho, condenou o pecado na carne (Rm 8,3).
Amar o inimigo não é um dado marginal da vida cristã. Amar o inimigo está no centro do Evangelho, porque Deus nos amou quando éramos seus inimigos. Jesus fez o bem a quem o odiava, perdoou a quem o crucificava, deu a quem não tinha com o que lhe pagar.
Amar o inimigo é Evangelho, porque Jesus é o Evangelho! Querem saber o que é o Evangelho, olhe para Jesus; veja como ele amou os inimigos; contemple que todos os dias ele continua a ser bom para com os ingratos e maus, continua perdoando quem não merece, continua se entregando por quem não corresponde ao seu amor: eu!
Amar o inimigo é Evangelho porque Jesus não só dá o exemplo, mas também dá a força, dá a graça para quem enfrenta as mesmas dificuldades que Ele enfrentou, para os que são caluniados, são odiados, são feridos injustamente. Se nos entregarmos à graça de Cristo, poderemos imitar o amor de Jesus.
Amar o inimigo não é lei, mas Evangelho, porque o mandamento de Cristo não é a condição para estar próximo de Deus; é, pelo contrário, o resultado e a consequência da proximidade de Deus. Amo não para estar próximo de Deus; amo porque fui transformado pela proximidade de Deus!
No fim das contas, amar o inimigo equivale a imitar em nosso amor, o amor de Deus por nós. Amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar nada em troca. Então sereis filhos do Altíssimo, porque Ele é generoso também para com os ingratos e maus.
Algumas indicações práticas
1. Amar o inimigo não é primeiramente um sentimento de afeto e de carinho para com ele. Ante o inimigo, o cristão mantém uma atitude de respeito pela sua dignidade por mais desfigura que ela se apresente.
2. Não pagar o mal com o mal: se sou odiado, não retribuo com ódio; se sou caluniado, não respondo com calúnia; se sou prejudicado economicamente, não pago na mesma moeda; se alguém me amaldiçoa, não o amaldiçoo.
3. Transformar a ofensa em compaixão. Compaixão não é desprezo! É reconhecer que o mal faz mais dano ao autor do que à vítima do mal. Se sou vítima do mal, reconheço que o meu inimigo é muito mais prejudicado do que eu.
4. Agir procurando o bem concreto de quem me odeia, ou seja, vencer o mal com o bem: fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, e rezai por aqueles que vos caluniam.
5. Há situações que esse amor aos inimigos parece impossível. Na realidade o amor ao inimigo é impossível sempre, se não formos ajudados pela graça divina. De qualquer forma, é exatamente quando nos sentimos mais feridos pelo inimigo é que devemos nos lembrar de que nós vivemos do perdão de Deus. Ele nos salvou quando éramos seus inimigos. Somente quem reconhece com verdade quanta ferida já provocou ao coração de Jesus e mesmo assim continua sendo amado, pode, com a ajuda do mesmo Jesus ferido, amar aqueles que nos ferem gravemente.
7º DomTComum - Lc 6,27-38 - Ano C
“... e sereis filhos do Altíssimo, porque Deus é bondoso também para com os ingratos e os maus”
No domingo passado, Jesus proclamou as bem-aventuranças como atitude inspirada dos seus seguidores(as). Neste domingo, podemos dizer que Jesus desce ao chão da vida para explicitar a vivência das bem-aventuranças. Como vivê-las? Basta ativar as atitudes oblativas presentes no evangelho indicado para este dia.
O “modo de proceder” do seguidor(a) de Jesus está centrado no coração, ou seja, viver a “cordialidade”, com todos e com tudo. Coração cristificado! A falta de cordialidade está matando nossa sociedade, nossas famílias e comunidades; quando não vivemos a partir do coração, petrificamos nossas relações, emitimos juízos de morte sobre os outros, envenenamos toda possibilidade de encontro.
Jesus não está preocupado em fundar uma nova religião, com seus ritos, doutrinas, leis. Ele inicia um “movimento de vida” e este está centrado na maneira de viver a relação com os outros: “amai os vossos inimigos”, “fazei o bem aos que vos odeiam”, “bendizei os que vos amaldiçoam”, “rezai por aqueles que vos caluniam”. Tudo isso é expressão da bondade, a marca divina presente nas profundezas de nosso ser.
A bondade é o atributo divino que nos diviniza.
“A bondade é mais profunda que o mal mais profundo” (Paul Ricoeur). Todos entendemos o que quer dizer “bondade”: uma pessoa boa, uma atitude boa, uma ação boa, uma palavra boa... Não é preciso definir a bondade, pois as definições tornam-na estreita; a bondade é concreta e expansiva.
A bondade alarga a vida. A humildade, a ternura, a compaixão, a tolerância, a confiança... são atributos que dilatam nosso interior, proporcionam ao próximo amplitude e alívio, abrem nele as fontes do bem, tornam-no livre para fazer emergir o melhor de si.
Pelo contrário, a inimizade, o ódio, a vingança, a insensibilidade, a soberba... nos atrofiam e nos afogam, asfixiam no próximo seu alento vital, o bem-estar indispensável para ser bom. Nisto consiste a verdadeira espiritualidade, independente de praticar ou não uma religião. A bondade não equivale a conformidade com cânones e leis; estas só valem se ajudam as pessoas a serem boas. Não é preciso dogmas, ritos e nem leis religiosas para ser bom. Pelo contrário, o valor de uma religião se mede por sua capacidade de alimentar a bondade, uma bondade feliz.
Insistir na bondade em um mundo tão injusto e violento dá a impressão de ser algo irresponsável. No entanto, só ela é criativa e criadora, subversiva. Que mundo global novo podemos construir sem essa bondade como base inspiradora? Não conseguiremos vencer o mal com o mal, aumentando as penas, afogando liberdades, fechando fronteiras aos refugiados e abrindo-as aos fluxos financeiros, endurecendo o controle sobre as pessoas, alimentando atitudes preconceituosas, racistas e xenófobas... Nada conseguiremos se não somos movidos e inspirados pelo princípio bondade. Falamos da bondade não de maneira abstrata, mas em ato: a bondade do olhar, a bondade do gesto, a bondade do samaritano, a bondade da fé no outro.
A bondade é sempre “relacional”. É na forma de relacionar-se com os outros, sobretudo com aqueles que menos podem corresponder, que melhor se pode detectar a presença da bondade, que não atua por interesse, mas por pura gratuidade; a bondade é o melhor que brota espontaneamente das entranhas quando não é abafada. Há uma prova muito simples para ver até onde chega a bondade de uma pessoa. “O espelho do comportamento ético não é a minha própria consciência, mas o rosto daqueles que convivem comigo. Quando este rosto expressa paz, esperança, alegria e felicidade, porque meu comportamento gera tudo isso, então é evidente que minha conduta é eticamente correta” (José Maria Castillo).
E uma bondade que não está edificada sobre a verdade, a justiça, a honradez, a sinceridade e a transparência, não é bondade, mas hipocrisia. Quando desaparece a bondade como conduta libertadora e solidária, então se congela a convivência e a desumanização revela suas consequências trágicas.
Não se prega a bondade, nem se ensina, nem se impõe. A bondade flui, contagia. Quem é bondoso(a), cria um clima e um ambiente de bondade. E isso muda a vida, a de si mesmo e a dos demais. Ser sempre bondoso(a), reconhecendo os próprios limites e as próprias contradições. Só assim poderemos viver melhor, passe ou não passe por crises. E nos sentiremos melhores.
O seguidor ou seguidora de Jesus vive sempre orientado(a) e guiado(a) pela mais desconcertante bondade. Porque, de fato, a bondade é a que mais nos assusta e nos desconcerta. Esta é a experiência que devemos buscar e expressar como atitude permanente, onde cada um(a) busca, no mais profundo de si mesmo, a bondade infinita que ali se aninha.
Só a bondade como atributo divino nos capacita para amar o inimigo”. E o amor ao inimigo é a única garantia de que está em nós o amor e a bondade de Deus; a falta de amor para com um só dos seres humanos é a certeza de que nosso Amor (ágape) é vazio; se ainda se esconde um resquício de ódio a uma só pessoa, então é evidente que estamos no lado oposto do evangelho. Tudo o mais, sem esse amor ao inimigo, é egoísmo camuflado, e nossa vida espiritual será uma farsa. Tudo o que normalmente chamamos amor não passa de ser apenas instinto, paixão, interesse, amizade, que buscamos para potenciar o eu periférico, superficial.
Neste assunto, não serve para nada enganar-nos a nós mesmos.
Da mesma forma, só a bondade cristalina nos possibilita “bendizer”, ou seja, “dizer bem” das pessoas, dos acontecimentos, do cotidiano... Fazer da vida uma benção.
É “pensar e dizer” a cada pessoa:“Que bom que você existe!” É alegrar-se por ela: pelo mistério de sua vida e a beleza de suas capacidades; é dar graças por sua existência; é desejar-lhe todo bem.
A benção está intimamente unida à gratidão. Não é possível viver uma sem a outra. E, como diz um conto oriental, a gratidão é o melhor antídoto contra o desânimo. Ativar a gratidão, vivendo a partir deste sentimento tão nobre, nos põe em caminho para assumir a vida a partir de benção.
A benção pode ser vivida também no sofrimento, como também a gratidão. Não se agradece o mal, agradece-se a vida que nos permite enfrentar o mal. Ou, em termos de fé, não se dá graças a Deus pelo mal, mas porque, em meio ao mal, Ele está ao nosso lado, como nosso melhor amigo e aliado.
Segundo Jesus, a benção deve alcançar também àqueles que nos causam danos: “Bendizei aos que vos amaldiçoam”. Isto requer viver a partir de nosso eu profundo, iluminado e cristificado.
Outro modo de proceder que tem sua fonte na bondade é o do perdão. Vivemos em um contexto social e religioso que está em clara contradição com este princípio evangélico, ou seja, há um discurso do ódio que campeia pelas redes sociais e que não tem nada a ver com a orientação libertadora, igualitária e acolhedora do outro, das pessoas diferentes. A construção do discurso do ódio está possibilitando o nascimento de uma nova religião, a da morte. Ódio que se expressa nas atitudes petrificadas contra pessoas migrantes, refugiadas, deslocadas, LGBT+, negras, pobres... Não são reconhecidos seus valores, sua cultura, sua laboriosidade e, menos ainda, sua situação de marginalização social e discriminação cultural.
E o mais escandaloso é que tal discurso está sendo propagado por pessoas que se dizem seguidoras de Jesus. Quanta contradição!
A mensagem de Jesus é clara e retumbante: “Amai os vossos inimigos, fazei bem àqueles que vos odeiam”. É possível viver nesta atitude? O que se nos está a pedir? Podemos amar o inimigo? Talvez devamos começar por saber melhor o que significa perdoar.
É importante, em primeiro lugar, entender e aceitar os sentimentos de ira, rebelião ou agressividade que nascem em nós. É normal. Estamos feridos. Para não nos magoarmos ainda mais, precisamos de recuperar o mais possível a paz interior que nos ajuda a reagir de forma sadia.
A primeira decisão de quem perdoa é não vingar-se. Não é fácil. A vingança é a resposta quase instintiva que nos nasce de dentro quando nos feriram ou humilharam. Procuramos compensar o nosso sofrimento fazendo sofrer aquele que nos fez mal. Para perdoar é importante não gastar energias imaginando a vingança.
É decisivo, acima de tudo, não alimentar o ressentimento. Não permitir que o ódio se instale no nosso coração. Temos direito a que se nos faça justiça; o que perdoa não renuncia aos seus direitos. Mas o importante é ir sarando do dano que nos fizeram.
Perdoar pode exigir tempo. O perdão não consiste num ato de vontade, que arranja rapidamente tudo. Em geral, o perdão é o fim de um processo em que intervêm também a sensibilidade, a compreensão, a lucidez e, no caso do crente, a fé num Deus de cujo perdão vivemos todos.
Para perdoar é necessário por vezes partilhar com alguém os nossos sentimentos. Perdoar não significa esquecer o mal que nos fizeram, mas recordá-lo da forma menos prejudicial para o ofensor e para nós próprios. O que chega a perdoar volta a sentir-se melhor.
Quem vai entendendo assim o perdão compreende que a mensagem de Jesus, longe de ser algo impossível e irritante, é o caminho certo para ir curando as relações humanas, sempre ameaçadas pelas nossas injustiças e conflitos.
No texto do evangelho que se lê na missa de hoje, continua-se com o capítulo 6 do evangelho de Lucas. A cena situa-se na planície onde Jesus tinha descido depois de ter escolhido os discípulos. Jesus apresenta um estilo de vida diferente da dinâmica do mundo. Nas suas palavras o amor é prioritário e coloca-o acima de tudo. Jesus apresenta um grande desafio; para viver sua proposta é preciso uma mudança de critérios e atitudes.
“Não julguem, e vocês não serão julgados; não condenem, e não serão condenados; perdoem, e serão perdoados. Deem, e será dado a vocês; colocarão nos braços de vocês uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante. Porque a mesma medida que vocês usarem para os outros, será usada para vocês.”
“Amem os seus inimigos, e façam o bem aos que odeiam vocês. Desejem o bem aos que os amaldiçoam, e rezem por aqueles que caluniam vocês.” É uma proposta que vai além da tradição judia. Não há justificativa para o amor ao próximo. Pelo contrário, o chamado de Jesus é amar aos inimigos e fazer o bem aos que nos odeiam. Nas suas palavras apresenta a necessidade de gestos concretos. Não é simplesmente tentar esquecer a pessoa que me fez mal e excluí-la da minha vida. Jesus exorta a ter outra atitude que excede os limites da justiça proclamada em várias oportunidades no Antigo Testamento. É um convite a estar sempre disposto a acolher o outro, além da sua atitude.
Jesus propõe não responder com a mesma moeda, senão pelo contrário, acolher ao outro como um irmão mesmo quando fomos feridos e injuriados. Jesus sugere um estilo de vida em que a violência e o ódio não tenham espaço, mas sejam eliminados e desapareçam. Jesus está convidando a viver o amor como ele o viveu, amando e perdoando até quando está na cruz, junto aos criminosos que estavam crucificados com ele, como descreve Lucas: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que estão fazendo!”
As atitudes de Jesus descritas nos evangelhos são um claro testemunho deste amor sem limites, onde não existe a discriminação, onde não há fronteiras, nem raiva ou rancor que justifiquem a distância ou a rejeição.
Nesta passagem Jesus convida-nos a viver um amor diferente. Ainda que o ódio, a distância, a crítica possam ser justificados, Jesus indica uma transformação profunda: mudar o que seria lógico e até justificado por uma conversão de vida onde não tenha espaço para violência ou agressividade.
“O que vocês desejam que os outros lhes façam, também vocês devem fazer a ele.” Conhecida como a regra de ouro, Jesus apresenta não somente aquilo que não devem fazer, senão também o que deve ser realizado. A pergunta que se transforma em medida do amor é a própria pessoa: o que você deseja que outros lhe façam, faça-o também. A seguir Jesus apresenta a novidade do amor que é o núcleo da Boa Nova: um amor gratuito, desinteressado, que não está esperando a recompensa. Fazer o bem não somente àqueles que fazem o bem, como uma retribuição, mas fazer o bem a todos e todas os que estão ao nosso lado.
A proposta de Jesus é exigente e austera. Uma das motivações que Jesus oferece para atuar assim é ser diferente dos pecadores. Os que recebem as palavras de Jesus são convidados a superar a atitude dos pecadores. No seu modo de se comportar e nas suas atitudes com as outras pessoas o cristão está chamado a viver um amor diferente que supera a generalidade das pessoas.
Um amor que não tem limites, e sua medida é a gratuidade. “Se vocês amam somente aqueles que os amam, que gratuidade é essa? Até mesmo os pecadores amam aqueles que os amam. Se vocês fazem o bem somente aos que lhes fazem o bem, que gratuidade é essa?”
Neste convite de viver fazendo o bem, superando uma justiça baseada em critérios puramente humanos, Jesus faz uma proposta exigente que só pode ser entendida desde o amor e a misericórdia de Deus para cada pessoa. Atuando dessa forma se recebe uma recompensa que, como disse Jesus, será grande: “Vocês serão filhos do Altíssimo, porque Deus é bondoso também para com os ingratos e maus. Sejam misericordiosos, como também o Pai de vocês é misericordioso”.
Quem atua de forma gratuita, sem cálculos e sem aguardar recompensa será chamado filho de Deus. Esta é a mensagem central da Boa Nova de Jesus: acolher um amor que supera a lógica da justiça e viver com bondade e compaixão. Um amor que supere a violência!
Como escreve José Antonio Pagola em palestra proferida no Congresso Internacional de Ávila, "Misericordiosos como o Pai”: “As várias tradições evangélicas indicam na mesma direção: a atividade profética de Jesus é colocada em movimento, motivada e dirigida pela misericórdia de Deus. Sua paixão por Deus traduz-se em compaixão pelo ser humano. É a misericórdia de Deus que atrai Jesus para os últimos: as vítimas, os que sofrem, os maltratados pela vida ou pelas injustiças dos poderosos, os pecadores e as pessoas repulsivas, desprezadas por todos. O Deus da lei e da ordem, o Deus da adoração e dos sacrifícios, o Deus do sábado, nunca poderia dar vida à atividade profética de Jesus, tão sensível ao sofrimento dos inocentes e à humilhação dos excluídos. (Texto completo: Jesus, misericórdia encarnada de Deus. Conferência de José Antonio Pagola)
As palavras de Jesus convidam-nos a perguntar-nos: Como vivemos nossa vida cristã em relação às diferentes atitudes das pessoas que estão ao nosso lado? Mantemos um secreto espírito de vingança, procurando devolver o mal com o mal? Se pensarmos nas nossas atitudes, achamos a proposta de Jesus desmedida e até exagerada?
Há misericórdia no nosso interior? Em que circunstâncias?
Cruz
Uma meta a longo prazo
nos exige esforço
duro e prolongado.
Mas um cálculo
nos dá a confiança de que vale a pena.
talvez a cruz
seja somente um investimento.
Por amor a outra pessoa,
sacrificamos com gosto
tempo, força e dinheiro.
A cruz se chama
solidariedade com o outro
que sinto de algum modo
parte de mim mesmo.
Um golpe repentino,
pode fulminar-nos em um instante,
e nossa existência
fica ferida sem remédio.
Perde-se a saúde,
um ser querido,
ou a estima pública.
Arranca-se um galho verde,
uma parte viva do eu.
Quando esta mutilação
encontra seu repouso,
a cruz se chama
aceitação.
Existe a cruz livre
a que escolho
aquela da qual não fujo.
Mas uma vez nela pregado
já não posso descer
quando quero.
Entregam-se
os projetos aos cravos
a fantasia aos espinhos
o nome aos rumores
os lábios ao vinagre
e os bens à partilha.
Aqui a cruz se chama
fidelidade ao amor no amor,
que é canto e fortaleza
ressuscitando pela ferida.
Este discurso de Jesus é cheio de imperativos: "amem", "façam o bem", "emprestem", "façam". Assim, apesar de parecerem normas para regular a conduta, não o são.
Na verdade, traduzem o espírito que anima a partir de dentro a vida cristã. Para o cristão não vale "pagar o mal com o mal", aplicar a Lei de talião ou pena de talião, do "tal qual", da retaliação. Esta lei é frequentemente expressa pela máxima olho por olho, dente por dente.
É uma das mais antigas leis existentes. Indícios da lei de talião foram encontrados no Código de Hamurabi, em 1780 a.C., no reino da Babilônia. Jesus Mestre propõe outra lei: o amor. Insiste no "fazer", na ação concreta, porque o amor cristão não é apenas sentimento.
E vai à raiz da ética. Pode-se fazer o bem para receber agradecimento. Isto não tem nenhum mérito. Fazer o bem sem interesses, sem esperar troca. Isto é generosidade.
Pode-se fazer o bem amando os inimigos, emprestando sem pretender retorno. Isto é cristão, isto demonstra que se é filho de Deus, Pai misericordioso para com todos. É ser misericordioso. "Tenham misericórdia dos outros como o Pai tem misericórdia de vocês", recomenda Jesus.
(Reflexões com base em Mt 5,38-48 e Lc 6,27-37)
“Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo:
Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam…”
A não violência e o amor ao inimigo são, com certeza, as maiores características dos discípulos de Jesus e, também, as mais discutidas. Foram, muitas vezes, entendidas de forma errada ou negadas, com força, não somente por não-cristãos, mas também por cristãos que querem tornar a mensagem de Jesus mais aceitável. Nietzsche considerava essa doutrina uma moral de escravos e a entendia como uma reação de rancor e ressentimento de derrotados que não querem enfrentar a situação. Seria a expressão da covardia. Claro está que ela pode ser invocada por pessoas que realmente são covardes e querem legitimar a covardia. No entanto, quando se tomam os textos no seu sentido original, não se trata de covardia. Cabe a cada um de nós e a cada comunidade examinar como essa doutrina se aplica nos conflitos da vida cotidiana.
O lugar social do amor ao inimigo e da renúncia à violência
No texto de Mateus (Mt 5,38-48), o contexto mostra que o texto convém no quadro das comunidades depois da guerra da Judéia (66-70). A derrota dos judeus foi completa. Estava tudo arrasado, as comunidades de Mateus, ligadas ao judaísmo, podiam sentir-se totalmente esmagadas. O que fazer, o que pensar ou sentir nessa oportunidade? O inimigo está triunfando, e desapareceu toda esperança de resistência. “Nessa situação de opressão, o texto de Mateus expressa a consciência da possibilidade de agüentar a situação com amor ao inimigo e renúncia à violência e, assim, estar em superioridade quanto aos adversários, os gentios. Olhar para eles torna-se compreensível no seguinte raciocínio: Há uma diferença entre olhar [para baixo] para aqueles aos quais, de qualquer modo, se é superior e entre o fato de a pessoa subjugada preservar a sua honra, sabendo-se interiormente superior ao vencedor. A idéia de um Deus que está acima do bem e do mal permite suspeitar que essa postura seja um ressentimento”.
Como textos que constituem esse contexto de um povo subjugado, citamos Mt 5,41 que se refere às prestações de serviço obrigatório impostas pelos soldados como serviço ao estado; também Mt 5,39 com os quatro exemplos de reações não-violentas, o que se explica diante do desastre do ano 70; também a comparação entre Mt 5,44 e 5,9.
Há duas particularidades no texto de Lucas (Lc 6,27-37). A primeira é a representação de uma sociedade urbana em que as relações de reciprocidade são comuns e respondem a uma ética tradicional. É preciso tratar os outros sem ódio se queremos ser tratados sem ódio. Essa regra de ouro, a regra da reciprocidade, já era comum entre os filósofos gregos. Não é novidade cristã.
A segunda particularidade é a grande insistência de Lucas no dinheiro. O princípio geral é : “Dá a todo o que te pede”. Perdoar é perdoar a dívida, não cobrar a dívida (Lc 6,37-38). Aqui o inimigo é o devedor. Amar o inimigo é perdoar a dívida.
Dessa maneira, tanto Mateus como Lucas aplicam as palavras de Jesus a casos particulares, dando-lhes sentidos bem específicos. Eles não inventaram as palavras de Jesus. Receberam-nas de uma tradição comum. Essa mesma tradição deriva de Jesus. Como saber o que havia na tradição comum e o que o próprio Jesus pensava?
A tradição primitiva dos textos e o pensamento de Jesus
O estudo dos textos insinua que a tradição comum dos ditos vem da Palestina antes da guerra. O grupo que mais freqüentemente se refere aos ditos seriam os missionários itinerantes. Eles são os que vão encontrar ladrões no caminho. As alusões ao sol e aos lírios provêm de pessoas que andam pelo campo. A falta de preocupação com comida e bebida também se refere a missionários itinerantes. O mesmo vale para a alusão às perseguições. Uma vez perseguidos, os missionários vão para outro povoado. Tudo se aplica muito bem às condições de vida dos missionários itinerantes.
Cabe-nos fazer a aplicação a nós mesmos, que, de modo geral, não somos missionários itinerantes (ainda que haja alguns).
A condição de missionário itinerante combina bastante bem com a condição do próprio Jesus. O amor ao inimigo deriva de Jesus e também a negação da violência. Os missionários itinerantes aprenderam esses temas de Jesus, da sua conduta e dos seus ditos.
A não-violência não é pura novidade de Jesus. Ele mesmo pôde inspirar-se em fatos da história de Israel. Por exemplo, no ano de 26/27, quando Jesus estava prestes a começar o seu ministério, houve um incidente esclarecedor na Judéia. Pilatos, assumindo o governo na Judéia, quis levar imagens de César para dentro de Jerusalém. Para os judeus, eram ídolos. Foi um alvoroço em Jerusalém. Milhares de judeus foram ao palácio de Pilatos em Cesaréia. Lá, de joelhos, ficaram cinco dias e cinco noites sem mover-se do lugar. Pilatos acabou permitindo que entrassem no palácio. Ele mandou cercar os judeus com três fileiras de soldados. Mesmo assim, os judeus negaram-se a aceitar as imagens. Pilatos descontrolou-se e os ameaçou de morte. Ordenou que os soldados sacassem suas espadas. Os judeus deitaram-se lado a lado no chão, ofereceram seus pescoços e gritavam que preferiam morrer a transgredir as leis dos pais. Profundamente impressionado, Pilatos ordenou que as imagens fossem retiradas de Jerusalém. Jesus devia conhecer esse fato ocorrido poucos meses antes que ele mesmo começasse a sua missão. Ali ele tinha um exemplo de não-violência, e, nesse caso, a não-violência tinha sido vitoriosa.
Jesus generalizou esse comportamento e definiu o amor aos inimigos em geral. O mandamento é geral. Não leva em conta as circunstâncias particulares, nem a eventual eficácia. Depois dele, os cristãos procuraram adaptar o mandamento às novas circunstâncias. Vieram os missionários itinerantes que tiveram um papel importante na transmissão dos ditos e fatos de Jesus. As comunidades de Mateus aplicaram os ditos à situação dos judeus esmagados pela guerra. As comunidades de Lucas relacionaram-nos com os problemas econômicos das cidades gregas, sobretudo com o problema fundamental das dívidas.
Agora o problema é nosso. Quais são os casos em que somos chamados a aplicar os mandamentos da não-violência e do amor aos inimigos? De que maneira se faz a aplicação?
1ª leitura: (1Sm 25,2.7-9.12-13.22-23) A misericórdia de Davi – Saul, perseguindo Davi, cai nas mãos deste. Mas Davi não quer tocar no ungido de Deus. Nós chamamos isso da magnanimidade. Davi o chama de justiça e fidelidade, pois é o que Deus quer (26,23). A quem Deus respeita, o homem também deve respeitar, mesmo tratando-se de um inimigo. *Cf. evangelho e Lc 23,24)
2ª leitura: (1Cor 15,45-49) A vida não é tirada, mas re-criada – A ressurreição de Cristo é a esperança dos homens. A morte não tem a última palavra. Os coríntios perguntam como será a ressurreição (15,35). Paulo responde: o que é semeado como carne perecível (vida humana destinada à morte), ressuscita como corpo espiritual (= animado pelo espírito de Deus). A ressurreição é uma nova criação, pertence ao Espírito de Deus. Assim como Cristo é com relação a Adão, assim é o homem novo com relação ao antigo: não apenas uma “edição atualizada”, mas uma obra nova!
Evangelho: (Lc 6,27-38) “Sede misericordiosos como vosso Pai celeste é misericordioso” – Na sua pregação “modelo” (Sermão da Planície ou da Montanha), Jesus ensina ocmo se pode viver desde já o Reino de Deus. O discípulo será diferente do espírito deste mundo: amará os que o odeiam, fará o bem além da medida. Caracterizar-se-á pela gratuidade, que melhor se manifesta no amor aos insignificantes e aos inimigos. Por quê? Porque é filho de Deus, e Deus ama de graça também. *6,27-28 cf Mt 5,44 *6,29-31 cf Mt 5,39-40.42; Lc 12,33; Mt 7,12 *6,23-35 cf Mt 5,46; Lc 14,12-14; Mt 5,45; Eclo 4,11[12] 8 6,36-38 cf. Mt 6,14; 7,1-2/ Mc 11,25-26; 4,24.
Jesus propôs a salvação aos pobres, como destinatários preferenciais. Pois é com relação aos pobres e pequenos que se manifesta a gratuidade da graça de Deus (cf 3º e 6º domingo T.C.). Já nas maravilhosas páginas que Lc consagra a Maria, no começo de seu evangelho, aparece esse modo de agir de Deus: ele é quem eleva os que não têm nada para oferecer, senão sua fé; e rebaixa os que estão cheios de si. No evangelho encontramos formulado com toda a clareza o princípio da gratuidade da graça e da salvação como modo de agir de Deus e de seus filhos. “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso”, eis o programa do cristão. Trata-se daquilo que o A. T. chamada a hésed de Deus, termo que inclui misericórdia, favor, graça, amizade, compaixão (cf. Ex 34,5 e também o salmo responsorial, Sl 103[102].
Esse amor gratuito manifesta-se no fato de não esperar nada de volta (cf. a admoestação de Lc 14,12-14). Leva o cristão a atitudes “estranhas”: amar os inimigos, abençoar os que amaldiçoam, rezar pelos perseguidores (cf. Jesus, em Lc 23,24; e Estêvão em At 7,60); dar o dobro de pedido, não pedir devolução do emprestado. Não fazer aos outros o que eles fazem a nós, mas o que desejaríamos que eles nos fizessem. Em tudo isso, o cristão se mostra diferente. Pois dar para receber de volta, pagar igual com igual, isso também os outros fazem. A vida cristã é, portanto, essencialmente uma imitação do amor gratuito de Deus. Só assim seremos dignos do nome de “filhos de Deus’. E se fizermos assim, Deus mesmo nos poderá tratar com sua imensurável hésed.
Não se trata aqui de uma mera liberalidade humana, ao modo do fazendeiro que oferece churrasco gordo para ser querido por seus peões. Trata-se de uma atitude teologal, um relacionamento com Deus, que determina nosso relacionamento com os homens. Encontramos já no A. T. uma sensibilidade refinada para este aspecto teologal: quando Saul, durante sua tentativa de prender e matar Davi, cai nas mãos deste, Davi não o mata mas poupa sua vida, não por liberalidade, mas por “justiça”, isto é, porque esta é a vontade de Deus. Pois Saul é um ungido, rei estabelecido por Deus (1ª leitura). Então, o homem não o pode tocar, sem ordem de Deus mesmo. A misericórdia, que nos leva a sermos loucamente generosos para com os nossos irmãos, é também uma forma de “justiça”, no sentido bíblico (i. é, aquilo que Deus quer). Se Deus quer que o bem seja feito com amor gratuito, quem seríamos nós para negar-lhe o que deseja?
Então, procurar a melhoria dos que estão na pior, não é apenas um favor, que depende de nossa liberalidade e necessidade de nos tornarmos simpáticos. Também os capitalistas são generosos para angariar fregueses ou atestados de filantropia. Agir preferencialmente em prol do que não tem nada é um dever de justiça, no sentido bíblico; é a realização mesma de nosso nome de cristãos.
A 2ª leitura continua com o assunto da ressurreição. No presente texto, o pensamento de Paulo chega a se expressa com plena maturidade. Liberta-se do nível de discussão dos coríntios (que pensam em voltar à vida física, o que não apreciam muito, visto a influência do dualismo, que despreza o corpo). Explica agora claramente que a ressurreição é outra realidade que aquela que vivemos empiricamente. Em termos filosóficos: é uma realidade transcendente. Em termos bíblicos: é uma realidade espiritual (pneumática), não carnal (material). É uma nova criação, uma realidade completamente nova. O que foi semeado na condição humana (“carne”), é ressuscitado na condição divina (“espírito”. A vida não é tirada ao fiel, mas também não continua como antes da morte; é transformada, pertence a uma outra realidade do que a das células e moléculas físicas. Cristo é o novo Adão, primogênito desta nova ordem, a ordem do Espírito de Deus.
Não é fácil explicar isso. Mas a mensagem do evangelho de hoje ajuda. Pois o Sermão da Planície exige que o cristão seja diferente. Ora, essa diferença significa: não ser determinado, em última análise, pelos critérios e interesses desta realidade mundana material (incluindo o cultural, o psicológico etc.). O cristão é orientado por uma realidade diferente: a realidade de Deus mesmo, que é de outra ordem. Disso, sua “diferença” deveria ser o sinal. Por isso, São João identificará a autêntica fé cristã, a adesão a Cristo atuante na caridade, com a vida eterna.
O SISTEMA DE DEUS E O HOMEM NOVO
O evangelho é a continuação do de domingo passado (o Sermão da Planície, de Lc). Aí Jesus anunciava aos pobres o Reino, o “sistema” de Deus; e lamentava os ricos, que colocam a sua esperança e noutras coisas. Hoje Jesus explica como funciona o sistema de Deus na prática. Amar os inimigos (a 1ª leitura dá um exemplo disso). Não resistir aos exploradores. Fazer aos outros o que gostaríamos que eles nos fizessem. Fazer o bem sem esperar nada em troca... Sermos misericordiosos como Deus é misericordioso! É isso que Jesus pede, pois assim seremos filhos de Deus e realizaremos aquilo para que fomos criados: a sua imagem e semelhança.
O sistema de Deus parece estranho. Não só aos olhos dos poderosos, também aos olhos do pobres e oprimidos, acostumados a deixar acontecer a exploração, a injustiça etc. Contudo, Deus está certo... o projeto de Deus é vencer o desamor pelo amor. O clamor dos pobres e oprimidos não é um grito de vingança, mas o primeiro passo para, pela justiça, transformar a exploração em fraternidade. A luta dos pobres não busca revanche, mas é o primeiro passo rumo a um novo sistema, em que todos serão beneficiados, por que todos participarão da fraternidade. Não exigir para do opressor, mas superar o sistema dele com o sistema de Deus. Não exigir retaliação (a lei do talião, do “tal qual”), mas provocar relações novas em que a exploração e a inimizade não cabem mais “Desinimizar” o mundo, eis a missão histórica dos pobres aos quais Jesus anunciou as bem-aventuranças.
Jesus não oferece receitas a seguir literalmente. Usa imagens para provocar nossa imaginação. Mas fala com bastante clareza para que percebamos em que direção ele nos que conduzir. Talvez nem sempre precisemos oferecer a outra face a quem nos bate, mas sempre devemos procurar superar o ódio. A superação do sistema iníquo pode às vezes exigir luta, mas que esta não sirva para vingança ou para mera inversão dos papéis (os oprimidos se tornam opressores...). Sirva para a nova realidade da justiça, amor e fraternidade. O povo dos pobres deve ser solidário, não contaminados pelo vírus da opressão. Então poderá desinfetar o mundo da violência e da exploração, praticando o contrário disso.
A imagem usada por Paulo na 2ª leitura pode no ajudar para aprofundar esses pensamentos: o Adão antigo pertence ao passado, somos chamados a assemelhar-nos ao “homem novo”, Jesus, confirmado para sempre na ressurreição. É o modelo definitivo do agir humano.
Esta porção do evangelho de Lucas inicia com a ênfase que Jesus dá ao ato de escutar! Ele diz claramente, “eu falo à vocês que me escutam…” Falar e ser ouvido, sem interferência nenhuma, sem as barreiras do preconceito ou da intolerância, ou sem o zumbido barulhento da vaidade presunçosa de quem se julga superior aos outros, é o princípio fundamental do diálogo. Neste sentido, diálogo é valor que nos define como seres humanos porque alicerça relações saudáveis para a vida em comunidade.
Falar e ser escutado, ouvir para depois ser ouvido, desde que exista o desejo honesto de abertura para o outro, faz nascer afetos que se tornam fontes poderosas de cura interior para todos os sujeitos envolvidos na relação. Isso é tão humano e humanizador em Jesus de Nazaré que o apelo seguinte, descrito no texto, não poderia ser outro que não fosse o de que seus ouvintes internalizassem a pedagogia do perdão, como parte essencial de suas humanidades.
Gosto de pensar no significado da palavra perdão em seu sentido etimológico em consonância com o sentido produzido por Jesus Cristo, nesta porção do Evangelho. Desta maneira, se perdão quer dizer mudança da mente ou expansão da mente, traduzido da palavra grega metanoia, também significa pensar diferente ou compreender a realidade para além si, evitando assim, a armadilha diabólica de imaginar que as pessoas e o mundo são projeções de si mesmo. Assim, na perspectiva do Evangelho, o perdão é a primeira expressão que surge como expansão da mente para aceitar, acolher e amar aqueles e aquelas que são diferentes e pensam diferente de nós. O contrário disso, não passa de expressões do medo, do ódio e da ojeriza da mente cauterizada pela incapacidade de amar alguém além de si mesmo.
O Evangelho anunciado por Jesus de Nazaré denuncia o amor endereçado exclusivamente aos iguais como negação do verdadeiro amor, simulacro de bem querer, alinhamento com a projeção doentia de Narciso que “acha feio o que não é espelho” como diz o poeta.
Para ilustrar este raciocínio resgato aqui uma das frases mais sintomáticas do ressentimento desumanizador usada nestes tempos de gabinetes de ódio para atacar a Declaração Universal dos Direitos Humanos como está expressa naquela fórmula infeliz “direitos humanos para humanos direitos,” como se houvesse uma classe de “humanos direitos”, melhores e mais perfeitos que os demais humanos. O Evangelho entra em rota de colisão com essa lógica perversa que desumaniza, exclui e mata seres humanos. Em sentido diametralmente oposto, o Evangelho aponta para o amor incondicional do Pai, assimilado pelo discípulo como fonte de cura de si mesmo e da sociedade em que o discípulo vive.
Ao convocar seus discípulos para a demonstração prática de amor pelos inimigos com o cuidado efetivo, em oração, para com a vida de seus algozes, Jesus revela, de maneira definitiva e afirmativa, a natureza libertadora do reino de Deus. Nesta proposta revolucionária, de nascimento de uma outra sociedade humana possível, a vida das pessoas tem valor e dignidade plenas. Não há espaço para a cultura do cancelamento e nem para o descarte de seres humanos como se fossem CPFs a serem deletados de uma base de dados.
Esta porção do Evangelho revela o comprometimento da comunidade de Lucas na aplicação dos ensinos de Jesus de maneira radical, histórica, centrada no resgate inegociável da dignidade humana. Neste sentido, a pregação lucana aponta para relações horizontais, de igualdade, solidariedade e fraternidade em substituição aos modelos hierárquicos do império romano incorporado ao estilo de vida dos líderes judeus, sediados no templo de Jerusalém.
A comunidade de Lucas diz não ao moralismo legalista da religião judaica que, naquele contexto de crise civilizatória generalizada, usava a tradição e a lei de Moisés para alienar o povo, insuflar a divisão entre as pessoas e promover julgamentos injustos, seguidos de expulsões sumárias dos que eram considerados inimigos do templo. Quem não rezava na cartilha do Sinédrio corria o risco de ser julgado, preso, excluído e morto!
Em Lucas, o evangelho radicaliza a ideia de horizontalidade na vida comunitária, onde todos e todas são filhos e filhas do mesmo Pai, que também é Mãe, Deus amoroso que resolveu armar a sua tenda entre nós, nunca como um ídolo acima de todos ou acima de nós.
É por isso mesmo o Evangelho enfatiza: Escutem! Não julgueis! O reino de Deus já está entre vós. Amem seus inimigos cuidando deles em oração conclama a comunidade lucana… Eis a fonte de cura para a nossa sociedade adoecida, que também é cura para a terra, vítima do diabólico narciso que se recusa a amar algo ou alguém além de si mesmo.
Que Jesus de Nazaré nos ajude a encarnar o perdão e o diálogo como fontes de cura para toda a criação, incluindo todas as tribos raças e nações. Que nossos olhos vejam a porção medida, calcada, sacudida e transbordante prometida neste Evangelho. Que assim seja. Amém, amém e amém.
(Traduzido automaticamente pelo Tradutor Google sem nossa correção. Português usado em Portugal)
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DOMINGO VII DURANTE O ANO – CICLO “C”
1º. Leitura (1 Samuel 26,2.7-9.12-13.22ss):
Esta narrativa, de grande beleza literária, destaca a grandeza de alma ou magnanimidade de David face ao seu perseguidor, o rei Saul. O livro de Samuel deixa claro que a culpa pela rivalidade entre Davi e Saul é deste último, que é invejoso (18:8s), tenta matá-lo (18:10-11; 19:1), arma armadilhas para ele, é seu inimigo (18:19), o persegue continuamente (c. 24 e 26). A prova é que em certos momentos ele reconhece a sua culpa (cf. 24.18-22; 26.21.25).
E ao mesmo tempo deixa claro que Davi nunca ousou atacar o “Ungido do Senhor”, Saulo, embora tenha tido a clara possibilidade de o fazer (cf. 1 Sam 24 e 26). Pelo contrário, Davi mantém sempre uma postura correta diante de Saul, limitando-se a fugir para não ser morto.
No contexto litúrgico de hoje, este texto dá-nos um exemplo concreto da experiência de amor pelos nossos inimigos, aqueles que nos perseguem e caluniam, que Jesus nos pede no Evangelho.
Segunda leitura: 1 Coríntios 15,45-49
A subseção de 1Cor 15,35-49 começa com a apresentação clara da questão que preocupa alguns coríntios: “como ressuscitam os mortos?; com que corpo?” Dessa forma, e seguindo os usos típicos da diatribe, Pablo começa a dialogar com seu interlocutor imaginário.
O primeiro argumento é feito com base na comparação com a natureza (36b 44a), pois esta nos ensina que a semente sofre um verdadeiro transformação (morte ressurreição) para se tornar uma planta (36-38). A comparação é possível porque na mentalidade da época o processo de germinação era entendido como uma obra de Deus, pois a semente apodrece e morre, mas depois brota por intervenção divina. O próprio Paulo afirma isso no v. 38: “E Deus dá um corpo à sua vontade: a cada semente o seu corpo”.
A demonstração continua, sempre olhando a natureza como obra de Deus, notando a diversidade de carne, corpos e brilho que existem (39-41). O argumento termina com a aplicação do que foi aprendido com os exemplos (a obra de Deus envolve transformação e diversidade) à realidade em questão. Assim, em 42-44a ele explica o processo de transformação real que ocorre na ressurreição, uma vez que a corrupção, a vileza, a fraqueza e um corpo natural são semeados (sw/não estruturado,n) e ressuscita incorrupção, glória, força e um corpo espiritual (sw/ma pneumático,n).
Como a afirmação destes dois tipos de corpos era muito difícil de aceitar pelo pensamento grego, em 44b ele recorre ao exemplo da diversidade para sustentar a possibilidade da existência de um corpo espiritual. Paulo reforça isso com um novo argumento (45-49, nosso texto), onde apela à autoridade das Escrituras (Gn 2:7). O texto de Gênesis utiliza-o para descrever a condição de cada homem, como descendente de Adão, como alma natural e vivente (yuch.n zw/san) e terrestre. Este primeiro homem é contrastado com o último ou definitivo homem, Cristo, qualificado como espiritual ou espírito que dá vida (pneu/ma zw|opoiou/n) e celestial.
Agora, os homens também são qualificados pela sua ligação com cada um desses homens originais. Paulo não os contrasta estritamente, mas insiste no processo que implica uma sucessão temporal: a primeira, a natural-terrena, que se transformará na segunda: a espiritual-celestial.
Evangelho (Lucas 6:27-38):
Esta seção do “sermão na planície” do evangelho de São Lucas contém uma série de exigências éticas que Jesus apresenta em relação à relação com o próximo, com os outros. Os verbos estão no imperativo, portanto possuem valor de exigência ou comando para quem quer viver como cristão, como discípulo de Jesus e filho do Pai. A este respeito, J. Fitzmyer diz1: “Jesus diz aos seus seguidores que devem dar testemunho da abertura mais radicalmente humana e do interesse mais vivo pelos próprios inimigos. Jesus não se limita a uma pura recomendação de carinho e afeto (vício), como se deve fazer com os membros da própria família, nem propõe uma dedicação apaixonada (Eros), como aquela que deve existir entre os cônjuges, mas exige uma benevolência ativa, desinteressada e extraordinária com relação às pessoas que se apresentam justamente como antagonistas”.
A ênfase é colocada na novidade da ação cristã que ultrapassa o comportamento natural e espontâneo. Especificamente, Jesus propõe amar também os nossos inimigos, e este amor se expressa fazendo o bem àqueles que nos odeiam, abençoando-os e orando por eles. Seguem-se então três exemplos de gestos fraternos que vão além do que é devido, convidando-nos a não retribuir o mal recebido, dando a outra face e dando a todos que nos pedem algo sem exigir retribuição. Esta subseção dos requisitos éticos é concluída Cristãos com uma “regra de ar” que os resume: “Trate os outros como você gostaria que eles tratassem você”(6,31).
J. Fitzmyer nos alerta sobre esta “regra de ouro”2que “O caráter de reciprocidade contido naquela máxima recebe uma modificação profunda nos versículos imediatamente seguintes (vv. 32-34): Jesus, embora cite essa regra, vai além e propõe um padrão de conduta que transcende a mera reciprocidade. O amor próprio não pode e não deve ser a única e suprema diretriz de comportamento do discípulo; Na verdade, esse parece ser o conteúdo implícito da máxima”. Ou seja, esta regra seria a base para as ações do cristão que é então convidado a ir além dela.
Segue-se uma tripla comparação com o amor “natural” ou espontâneo.taneum dos homens comuns que ele considera como “o pecadores” (os pecadores) e cuja função é evidenciar o que é característico do amor cristão que supera a tendência natural, pois exige sacrifício e dedicação; e é por isso que tem mérito diante de Deus. Aqui é importante esclarecer que a expressão “Que mérito eles têm?” que é repetido em 6.32.33.34 é uma tradução não literal do texto grego que diz que graça é para você. A palavra aparece aqui “engraçado” o “don gratuito” (graça); É por isso que mais do que um “mérito” ganho refere-se ao reconhecimento ou a um presente gratuito e imerecido recebido de Deus3. A Vulgata, mais fiel ao original grego, traduz: “Que graça existe para você?”; Ou seja, o que eles fazem de graça? onde está o dom da graça que supera a natureza.
Esta subseção termina com uma frase dupla (6,35-36).
Na primeira, o mandato do amor cristão é recapitulado em três ações: amor aos inimigos, fazer o bem e emprestar sem esperar retorno; seguida de uma dupla motivação: receber de Deus uma grande recompensa e ser filhos de Deus cujo amor pelos homens é imitado, «porque ele é bondoso com os ingratos e os maus.".
A segunda frase conclusiva, com o convite a ser «misericordioso como seu Pai é misericordioso» (6,36), está nos dando a motivação e a razão última do mandamento de amar nossos inimigos e de fazer o bem a quem os ofende: imitar o amor misericordioso do Pai. J. Fitzmyer nos conta sobre este versículo4que “É uma reformulação da última parte do v. 35. Na passagem correspondente de Mateus diz-se: «Deveis ser perfeitos como é perfeito o vosso Pai que está nos céus» (Mt 5,48). A formulação de Lucas não só radicaliza a máxima, colocando-a num imperativo, isto é, como uma ordem, mas, ao mesmo tempo, expressa-a em termos de “misericórdia”. É difícil determinar exatamente qual era a forma primitiva, tal como aparecia em “Q”: “perfeita” ou “misericordiosa”? Na verdade, o Evangelho segundo Mateus usa o adjetivo teleios em outra passagem (Mt 19,21); Portanto, ele pode ter ajustado a formulação original de “Q”. Por outro lado, Lucas nunca usa esse adjetivo; e além disso, oiktirmón (— “misericordioso”) só aparece nesta passagem. O que não se pode duvidar é que qualquer uma das duas formulações contém uma ressonância de Levítico 19:2: “Sede santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo”. A escrita de Lucas propõe uma imitação de Deus e, precisamente, de uma qualidade que, no Antigo Testamento, é frequentemente atribuída ao Deus de Israel. Em toda a literatura do Antigo Testamento o adjetivo nunca é aplicado a Deus teleios (— «perfeito») ou o sinônimo amamos (=sem defeito»); mas diz-se dele que ele é oiktirmón (= misericordioso»: cf. Éx 34,6; Dt 4,31; Jl 2,13; Jon 4,2)”.
O texto litúrgico acrescenta dois versículos que para alguns estudiosos pertencem à seguinte subseção5. Podemos considerá-los como uma explicação da frase sobre sermos misericordiosos como o Pai, pois nos convidam a não julgar nem condenar; e ser generoso em dar. A reciprocidade da parte de Deus para com aqueles que têm estas atitudes para com os outros também fica explícita aqui: se não julgarem o próximo não serão julgados por Deus; Se você perdoar o seu próximo, você será perdoado por Deus; Se você der generosamente, receberá mais de Deus.
Em resumo, como observa A. Rodríguez Carmona6: “Lucas abrevia a mensagem do Sermão da Montanha, centrando-a no amor gratuito, sinal da nova filiação”. Vale dizer que o cristão, discípulo de Cristo, não pode contentar-se com um amor natural ou espontâneo que ama apenas quem o ama e só dá a quem pode retribuir. Jesus pede que amemos como o Pai ama, com misericórdia e gratuidade, ou seja, olhando as necessidades dos outros acima dos seus méritos ou das suas possibilidades de nos retribuir.
ALGUNS PENSAMENTOS:
O evangelho de hoje convida-nos a meditar sobre o fundamento e a motivação do nosso modo de agir com os outros, incluindo todos os homens; principalmente aqueles que nos odeiam (os inimigos), nos amaldiçoam, nos atacam e nos incomodam com suas exigências. E desde o início o evangelho nos lembra que Deus ocupa um lugar fundamental no nosso relacionamento com os outros. Além disso, é na nossa relação com Deus que se encontra o início, o fundamento e a motivação da nossa relação com os outros, com o próximo.
Podemos formular isso como uma pergunta: “Quem eu imito quando atuo?” Ou também: “Sinto-me amado com misericórdia pelo Pai e por isso amo os outros da mesma forma?”. Porque é muito verdade O ditado: “As crianças não fazem tanto o que lhes mandamos”. como o que eles nos veem fazr”. Vale dizer que muitos dos nossos comportamentos aprendidos são consequência da “imitação”. Bem, Jesus Ele nos pede para imitarmos a Deus, para amarmos como Ele ama. E Jesus nos ensina que Deus, o Pai, ama todos os homens porque todos são seus filhos, ou são chamados a sê-lo. Ele não ama apenas os bons.porque ele é bondoso com os ingratos e os maus." (6,35).
Para Jesus, o que define Deus Pai é a misericórdia; e nos convida a ser misericordiosos como Ele é, isto é, assim como experimentamos o amor misericordioso do Pai em nossas vidas, embora não o mereçamos e não possamos retribuir; É assim que nós, cristãos, devemos amar os outros homens.
Quer dizer: "O Pai que Jesus nos revelou, portanto, não nos ama porque somos bons, porque fazemos a sua vontade e praticamos a virtude, nem deixa de nos amar porque somos maus e desobedecemos à sua vontade. Simplesmente, Ele nos ama porque nos ama, porque não pode fazer outra coisa, visto que Ele é Amor (1Jo 4,8.16), e Amor gratuito e incondicional. Cultivar esta imagem de Deus é decisivo para a nossa fé. Em primeiro lugar porque é ela quem deve orientar a nossa forma de nos relacionarmos pessoalmente com Ele, ajudando-nos a viver com a consciência do seu amor desmotivado e imutável; e, depois, porque essa imagem é o que deve inspirar a “perfeição” do nosso comportamento nas relações com os outros. Somente se fizermos seus imitadores também seremos capazes de amar o próximo “assimetricamente”. Só assim poderemos tornar-nos verdadeiramente «misericordiosos como o nosso Pai é misericordioso» e estaremos em condições de alcançar aquele «excesso» que Jesus nos propõe: querer o bem dos nossos inimigos, como vimos que fez David com Saulo na primeira leitura e, sobretudo, como ele próprio fez na cruz (Lc 23,34).”7
Na prática, amar a todos, inclusive aos inimigos, parece impossível; Mas é o caminho que devemos encorajar-nos a percorrer porque Jesus o marcou para nós. A este respeito, o Papa Francisco disse no Angelus de 20 de fevereiro de 2022: “é possível que uma pessoa passa a amar os próprios inimigos? Se dependesse apenas de nós, seria impossível. Mas lembremo-nos de que, quando o Senhor pede algo, ele quer dar. O Senhor nunca nos pede nada que Ele não nos dê primeiro. Quando ele me diz para amar meus inimigos, ele quer me dar a capacidade de fazer isso. Sem essa capacidade não seremos capazes, mas Ele lhe diz “ame o inimigo” e lhe dá a capacidade de amar. Santo Agostinho rezava assim - ouçam que linda oração -: Senhor, “dá o que mandas e manda o que queres” (Confissões, X, 29,40), porque você já me deu isso antes. O que pedir? O que é que Deus tem prazer em nos dar? O poder de amar, que não é uma coisa, mas é o Espírito Santo. O poder de amar é o Espírito Santo, e com o Espírito de Jesus podemos responder ao mal com o bem, podemos amar quem nos faz mal. Isto é o que os cristãos fazem”.
Agora, para receber a graça de Deus, é necessário que implementemos alguns meios, como destacou o Papa Francisco, comentando este evangelho ao convocar o ano da misericórdia: “O evangelista refere-se ao ensinamento de Jesus: “Sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36). É um programa de vida tão desafiador quanto rico em alegria e paz. O imperativo de Jesus dirige-se a todos os que ouvem a sua voz (cf. Lc 6,27). Para sermos capazes de misericórdia, portanto, devemos primeiro colocar-nos na escuta da Palavra de Deus. Isto significa recuperar o valor do silêncio para meditar a Palavra que nos é dirigida. Desta forma é possível contemplar a misericórdia de Deus e assumi-la como estilo de vida próprio.”(MV 9.13).
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
A medida apertada
Senhor,
Sempre preste atenção em quem dá
e a quem ele estende a mão
Faça-nos entender sua proposta,
E nos satisfazer com sua beleza
Buscamos seu rosto e você se mostra para nós
A cada passo que damos
Você só nos pede para acreditar no provedor
Do seu amor tão perto
O preço da rendição é alto
Somos possessivos e proprietários…
Destituição no amor
Isso é o quanto temos
Tudo em você é feito Justiça
Quando a intenção é certa
Você mesmo nos deu
Conhecendo nossa pobreza
Senhor e Mestre. Deus.
Você é a medida apertada
Agitando e transbordando
Nosso exemplo
Você só tem que estar atento
Ainda ingrato e mau,
Somos filhos do Altíssimo
E tudo foi doado para nós
Em Sua Misericórdia vivemos
Fornecido com o que é necessário
Basta olhar para o céu
Quando provamos sua bondade.
Amém.
1 El evangelio según Lucas Vol. II, Cristiandad, Madrid, 1986, 610-611.
2 El evangelio según Lucas Vol. II, Cristiandad, Madrid, 1986, 613-614
3 Cf. M. Zeerwick – M. Grosvenor, A Grammatical Analysis of the New Testamente, PIB, Roma, 1993, 197.
4 El evangelio según Lucas Vol. II, Cristiandad, Madrid, 1986, 616-417.
5 Cf. A. Rodríguez Carmona, Evangelio según san Lucas, BAC, Madrid, 2014, 125; quien siguiendo a Nestle Aland y el GNT considera que 6,36 pone fin a las enseñanzas sobre el amor a los enemigos. 6 Evangelio según san Lucas, BAC, Madrid, 2014, 122.
7 G. Zevini – P. G. Cabra, Lectio Divina para cada día del año Vol. 15, Verbo Divino, Estella, 2003, 60.