20/10/2024
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1ª Leitura: Isaías 53,10-11
Salmo Responsorial 32(33)R- Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, pois em vós, nós esperamos.
2ª Leitura: Hebreus 4,14-16
Evangelho Marcos 10,35-45 (ou 42-45)
35 Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se de Jesus e lhe disseram: “Mestre, queremos que faças por nós o que te vamos pedir”. 36 Ele perguntou: “Que quereis que eu vos faça?” 37 Responderam: “Permite que nos sentemos, na tua glória, um à tua direita e o outro à tua esquerda!” 38 Jesus lhes disse: “Não sabeis o que estais pedindo. Podeis beber o cálice que eu vou beber? Ou ser batizados com o batismo com que eu vou ser batizado?” 39 Responderam: “Podemos”. Jesus então lhes disse: “Sim, do cálice que eu vou beber, bebereis, com o batismo com que eu vou ser batizado, sereis batizados. 40 Mas o sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não depende de mim; é para aqueles para quem foi preparado”. 41 Quando os outros dez ouviram isso, ficaram zangados com Tiago e João. 42 Jesus então os chamou e disse: “Sabeis que os que são considerados chefes das nações as dominam, e os seus grandes fazem sentir seu poder. 43 Entre vós não deve ser assim. Quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve, 44 e quem quiser ser o primeiro entre vós seja o escravo de todos. 45 Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos”.
Mc 10,35-45
Tiago e João se aproximam de Jesus com um pedido que revela a ambição não somente deles, mas também dos outros discípulos. Eles pedem para ocupar lugar de honra junto a Jesus.
Tiago e João não pensam em seguir Jesus, pensam em se sentar nos primeiros lugares.
Fixemos nosso olhar no comportamento de Cristo em relação aos discípulos que lhe fazem um pedido inoportuno. 1. Jesus está com os discípulos. 2. Jesus escuta o pedido deles. 3. Jesus provoca um discernimento nos discípulos.
1. Jesus está com os discípulos. Mesmo sendo um pedido inoportuno, mesmo sendo um pedido descabido, Jesus ouve com paciência e atenção o pedido de Tiago e João: “Queremos que nos faças o que vamos te pedir”. Jesus pergunta: “Que quereis que eu vos faça?”. A mesma pergunta Jesus faz para nós! Podemos pedir o que quisermos, pois ele está conosco. Devemos pedir o que o nosso coração realmente deseja. Mesmo que seja a coisa mais absurda, Jesus não perde a paciência porque quer que expressemos nossos desejos. Ele nem sempre fará o que desejamos, mas partirá de nosso desejo para nos dar o melhor para nós.
Os discípulos Tiago e João, encorajados com a pergunta de Jesus, pedem com cara de pau: “concede-nos que nos sentemos, na tua glória, um à tua direita e o outro à tua esquerda!”. Que pedido inoportuno! Jesus sempre se apresenta como aquele que serve, e os dois não tem vergonha de pedir a Jesus um lugar de honra.
2. Jesus ouve os discípulos. Não perde a paciência, ouve com atenção. O ouvir de Jesus é sinônimo do serviço. Jesus serve a todos, Jesus ouve a todos. São dois lados da mesma moeda: Jesus escuta sempre, Jesus serve sempre e a todo momento. Jesus não tem medo de escutar com o coração. Por isso, a resposta de Jesus não é uma crítica, mas um convite ao seguimento: “Não sabeis o que pedis, Podeis beber o cálice que eu vou beber, ou ser batizados com o batismo com o qual serei batizado?”.
Prontamente aqueles dois respondem: “Podemos”. De fato, eles não sabem o que significa beber o cálice e ser batizado com o batismo de Jesus.
Jesus confirma o desejo dos dois discípulos mas os abre para uma promessa que eles ainda não compreendem: “Sim, do cálice que eu vou beber, beberei, o com batismo com que serei batizado, sereis batizados; mas o sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não depende de mim, é para aqueles a quem foi preparado”. Entendamos bem: ser batizado e beber do cálice de Jesus é infinitamente melhor do que sentar à direita e à esquerda de Jesus; é a honra mais sublime, pois é a participação pessoal na morte e ressurreição de Jesus. Tiago e João achavam que sentar à direita e à esquerda era a coisa mais importante, mas Jesus lhes promete algo muito superior.
Privilégio para o discípulo de Jesus não é mandar, mas obedecer a Deus; não é dominar as pessoas, mas servir a todos; não é ter lugar de honra, mas seguir Jesus na morte e na ressurreição.
3. Jesus provoca discernimento nos discípulos. Quando os outros dez discípulos ficaram sabendo desse pedido, eles ficaram revoltados. A indignação deles não era motivada pelo desejo de servir, mas pelo desejo de mandar nos outros. Também eles tinham a mesma ambição, mas foram deixados para trás por aqueles dois que tinham sido mais rápidos. É por isso que Jesus os reúne e faz um discernimento. Discernimento é a ação de compreender em profundidade uma situação, de saber o que é conforme a vontade de Deus e o que não é.
Eis o discernimento que Jesus faz com os discípulos: “Sabeis que os que são considerados chefes das nações, as dominam, e os grandes impõem sua autoridade. Entre vós não seja assim. Quem quiser ser o maior, no meio de vós, seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o primeiro, no meio de vós, seja o servo de todos; pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate de muitos”.
Estas três atitudes de Jesus nos inspiram três atitudes nossas: 1. estar junto com, de 2. ouvir e de 3. discernir como Jesus fez.
1. Procuremos estar na companhia dos irmãos e irmãs próximos e distantes, daqueles que amamos e daqueles que não amamos bastante.
Para quê? 2. Para ouvir com o coração. Uma vez que o Espírito Santo fala a todos, procuremos ouvir nas palavras dos irmãos e irmãs a voz do Espírito. Como faremos para ouvir o Espírito nas falas e opiniões das pessoas?
Para isso é preciso 3. discernir entre tantas vozes a voz do Espírito. É preciso ouvir os lamentos e tirar deles os apelos do Espírito. É preciso ouvir as críticas (mesmo as mais injustas) e discernir nelas as intuições dos novos caminhos do Espírito. É preciso até mesmo ouvir os palpites inconvenientes para discernir neles as provocações do Espírito. Não tenhamos medo de ouvir. Não tenhamos medo de nos expor ao que o Espírito nos fala.
O que nos garante um bom discernimento? O discernimento deve ser
1. espiritual, ou seja, deve ser precedido e acompanhado da oração. É no ambiente vital da oração que ouvimos melhor o que o Espírito nos fala. Além de ser discernimento espiritual, deve ser
2. discernimento à luz do Evangelho, por isso precisamos da Bíblia. Ler a Palavra de Deus; confrontar o que ouvimos com os Evangelhos!
Por fim o discernimento deve ser 3. eclesial.
29° Domingo do Tempo Comum -Mc 10, 35-45 - Ciclo B – 20-10-24
“Quem quiser ser grande seja vosso servo” (Mc 10,43)
Enquanto fazem o caminho de subida a Jerusalém, Jesus vai anunciando aos seus discípulos o desenlace trágico de sua missão na capital. Mas os discípulos não o compreendem, pois estão disputando entre eles os primeiros lugares. Tiago e João, discípulos de primeira hora, se aproximam d’Ele para pedir diretamente que, no Reino, pudessem sentar-se “um à sua direita e outro à sua esquerda”.
Tiago e João pedem privilégios a Jesus e, diante deste pedido atrevido, os outros dez discípulos ficam indignados contra eles. O grupo está mais agitado que nunca. A ambição está dividindo o grupo.
Ninguém no grupo dos discípulos entende que seguir Jesus de perto, colaborando em seu projeto de vida, jamais será um caminho de poder, de grandezas e ambição, mas de doação e compromisso fiel. Por isso, Jesus reúne a todos para deixar claro seu modo de ser e pensar.
Recorda-os que aqueles que são reconhecidos como chefes utilizam seu poder para “tiranizar” os povos, e os grandes “oprimem” seus súditos. Jesus é taxativo: “entre vós, não deve ser assim”.
Jesus dá tanta importância ao que está dizendo que se apresenta a si mesmo como exemplo, pois não veio ao mundo para exigir que lhe sirvam, mas “para servir e dar sua vida em resgate de muitos”. Ele não ensina ninguém a triunfar em sua nova comunidade, nem alimentar uma ambição que acaba envenenando as relações entre seus seguidores. A atitude essencial no seu Reino é o serviço, desgastando-se em favor dos mais fracos e necessitados.
O ensinamento de Jesus não é só para os dirigentes religiosos. A partir das funções e responsabilidades diferentes, todos devemos nos comprometer a viver com mais entrega no serviço de seu projeto. Na Igreja, não precisamos de imitadores de Tiago e João, mas de seguidores(as) de Jesus. Quem quiser ser importante, que desça do pedestal do poder e se coloque no lugar mais baixo, para trabalhar e colaborar com o Reino.
É muito próprio do ser humano o impulso egoico por sobressair sobre os outros, ter privilégios, conquistar fama. Esta é uma das grandes tentações que afloram, sobretudo em muitos membros das comunidades cristãs, ou seja, o avassalador desejo de serem protagonistas, de se imporem sobre os outros, de subirem o pedestal para serem o centro das atenções; essa é a desejada posição onde possam ser vistos, serem obedecidos e receberem algum tipo de bajulação. Todos estamos expostos à tentação de nos sentirmos indispensáveis, insubstituíveis e únicos.
E grande parte das tensões nos relacionamentos nas comunidades cristãs surge da confusão que fazemos entre “poder” e “autoridade”.
Poder: é a faculdade de forçar, coagir ou pressionar alguém a fazer sua vontade, por causa de sua posição ou força; exige submissão ou obediência cega.
Autoridade: é a capacidade de convencer, atrair, seduzir..., pelo seu modo de ser e viver, pelos seus valores, pela sua causa mobilizadora. Desperta “seguimento”.
O poder é definido como uma “faculdade”, enquanto autoridade é definida como uma “habilidade”. Uma pessoa pode estar num cargo de poder e não ter autoridade sobre as pessoas. Ou, ao contrário, uma pessoa pode ter autoridade sobre os outros sem estar numa posição de poder.
Outro modo de diferenciar “poder” e “autoridade” é lembrar que o poder pode ser vendido e comprado, dado e tomado. A autoridade, por sua vez, não pode ser comprada nem vendida, nem dada ou tomada. A autoridade diz respeito àquilo que a pessoa é em sua essência, em sua identidade original; diz respeito ao seu caráter, à sua interioridade nobre e à sua presença inspiradora junto aos outros.
Acontece que, muitas vezes, aqueles que não vivem a autoridade descentrada apoiam-se no poder. Deixam de convencer e passam a se impor; perdem o apreço pelos outros e se mantêm à base de força e opressão.
O poder é uma tentação permanente, inclusive nas comunidades cristãs; isso se manifesta pela quantidade de vezes que encontramos no Novo Testamento advertências às lideranças eclesiásticas para que não corrompam sua autoridade, convertendo-a em poder (1Ped 5,1-4).
O poder encontra sua expressão visível e sua força numa instituição de estrutura piramidal, hierárquica. Neste paradigma “de cima para baixo”, todos estão olhando para cima, tentando agradar aqueles que ocupam cargos, e não dirigem o olhar para os lados, onde a verdadeira realidade de uma instituição está acontecendo.
A estrutura hierárquica-piramidal fortalece a estrutura de poder, controle, vigilância, supervisão...; tal estrutura acaba por afetar e asfixiar a liberdade interna, a motivação e o compromisso dos membros da instituição; além disso, ela suprime iniciativas, criatividade e incentivos, em relação aos novos projetos.
O poder religioso é o mais tóxico, pois manipula consciências, alimenta culpa e medo de Deus, centraliza as decisões, é incapaz de escuta e de discernimento... Quão distante está da “sinodalidade”, modo original de ser e proceder das primitivas comunidades cristãs!
Na Igreja não há poderes, e sim funções diferentes. Nela, a autoridade é exercida como um serviço fraterno. Assim sendo, Jesus não se situou, diante de seus discípulos como o superior que exige “obediência” de seus súditos, mas como o amigo exemplar que desperta “seguimento” de seus fiéis “amigos” (Jo. 15.15).
Jamais se disse dos discípulos ou de qualquer outro ser humano que se relacionasse com Jesus mediante a obediência ou a sujeição, que é a resposta obediente a uma ordem. Portanto, os Evangelhos não falam de “obediência” a um poder que se impõe, submete e manda. A relação que se estabelece entre os discípulos e Jesus é a do “seguimento”.
De fato, nos evangelhos o verbo “obedecer” nunca é aplicado a indivíduos ou grupos que se submetem a um superior. Com efeito, o verbo “obedecer” aparece nos Evangelhos apenas três vezes: quando se diz que “o vento e o mar obedecem” a Jesus (Mc. 4,41); quando o próprio Jesus diz aos discípulos que, se tiverem fé, até uma amoreira silvestre lhes obedeceria (Lc. 17,6); e, quando as pessoas ficam espantadas ao verem que Jesus “manda até nos espíritos impuros e eles lhe obedecem” (Mc. 1,27).
No entanto, o verbo “seguir” aparece 67 vezes para expressar a relação entre Jesus e aqueles(as) que creem e confiam n’Ele.
A autoridade de Jesus, portanto, não se fundamenta na submissão e nem se sustenta no poder que manda, que controla e que dá ordens, mas suscita seguimento, pois Ele se apresenta numa atitude exemplar que atrai e dá sentido à vida das pessoas que o circundam.
A partir deste pano de fundo, o evangelho deste domingo aparece como um manual de uma Igreja de servidores (as), onde a vida adquire seu mais profundo sentido, onde surgem relações novas, fundadas na gratuidade, na compaixão, na acolhida...
Já é tempo de uma revolução. Há de ser uma revolução original e não violenta que brota do evangelho. Uma revolução de gente boa, simples, inteligente, sábia, que pratica a empatia, a ética e o sentido comum, que valoriza o silêncio e a palavra, que acolhe a todos, brancos ou negros, homens ou mulheres...
Falamos da revolução do serviço. Jesus não atua por meio do poder, mas do serviço. Por isso, seus seguidores devem renunciar o poder (isto é, a imposição sobre os outros). Aqui se expressa a Nova Comunidade que nasce do coração do Compassivo e Servidor, invertendo o desejo de poder dos “filhos de Zebedeu” e dos outros dez que queriam organizá-la a partir de cima.
Por isso, frente à manipulação messiânica dos “filhos de Zebedeu”, Jesus estabeleceu as bases de uma fraternidade onde não existe poder, senão serviço, exercido pelo “diakonos” (servidor livre).
Para meditar na oração
Diante de Jesus servidor deixe que Ele des-vele sinais de “zebedeus” presentes em sua vida, quando busca poder, alimenta vaidade, tem desejos de imposição e controle sobre os outros, manipula consciências...
- Na sua comunidade (paroquial, religiosa, familiar...) predomina o poder que cria subservientes ou a autoridade que alimenta subsidiariedade (partilha, confia serviços e ministérios...).
Tiago e João se aproximam de Jesus com um pedido estranho: ocupar os lugares de honra com ele. "Eles não sabem o que estão pedindo". Isso é o que Jesus lhes diz. Eles não entenderam nada de seu plano a serviço do reino de Deus e de sua justiça. Eles não pensam em "segui-lo", mas em "sentar-se" no topo.
Vendo sua posição, os outros dez "estão indignados". Eles também nutrem sonhos ambiciosos. Todos eles procuram obter algum poder, honra ou prestígio. A cena é escandalosa. Como acolher um Deus Pai e trabalhar por um mundo mais fraterno com um grupo de discípulos animados por este espírito?
O pensamento de Jesus é claro. "Não precisa ser assim". Temos que ir exatamente na direção oposta. É necessário arrancar de seu movimento de seguidores aquela "doença" de poder que todos conhecem no império de Tibério e no governo de Antipas. Um poder que não faz nada além de "tiranizar" e "oprimir".
Entre seu povo não deve haver essa hierarquia de poder. Ninguém está acima dos outros. Não há mestres ou proprietários. A paróquia não pertence ao pároco. A Igreja não pertence a bispos e cardeais. As pessoas não são dos teólogos. Quem quer ser grande deve começar a servir a todos.
O verdadeiro modelo é Jesus. Não governa, não impõe, não domina nem controla. Ele não aspira a nenhum poder. Ele não se arroga títulos honoríficos. Ele não busca seu próprio interesse. Sua coisa é "servir" e "dar a vida". É por isso que é o primeiro e maior.
Precisamos de cristãos na Igreja que estejam dispostos a gastar suas vidas pelo projeto de Jesus, não por outros interesses. Crentes sem ambições pessoais, que trabalham silenciosamente por um mundo mais humano e uma Igreja mais evangélica. Seguidores de Jesus que se "impõem" pela qualidade de sua vida de serviço.
Pais que se esforçam pelos filhos, educadores dedicados dia após dia à sua difícil tarefa, homens e mulheres que fizeram da sua vida um serviço aos necessitados. Eles são os melhores que temos na Igreja. O "maior" aos olhos de Jesus.
Leituras: Isaías 53, 10-11 - Salmo 32 (33) 45, 18, 19, 20, 22 R/ 22 -
Hebreus 4, 14-16
Marcos 10, 35-45 ou abreviada Marcos 1042 e 45 (os filhos de Zebedeu)
1 – Situando-nos
Ao afirmar que o Filho do homem veio para servir e não para ser servido, Jesus quer mostrar a necessidade de instrução permanente dos discípulos sobre a opção de vida para a qual foram chamados. Ela não pode ser diferente da opção do mestre.
Eles pedem para ocupar os primeiros lugares no reino. Jesus rejeita o pedido e exige segmento: beber seu cálice e ser batizado com seu batismo. Sem compreender, eles o prometem. Então Jesus lhes ensina que esta ambição tem que ser transformada, a partir de dentro, na perspectiva do serviço, da entrega, da cruz, do martírio em vista do resgate da humanidade.
A ambição apresentada é profundamente provocadora, pois seus melhores discípulos solicitam algo totalmente contrário ao que ele tentou ensinar-lhes tanto. Sinal de que não compreenderam nada. É um pedido tão vergonhoso, que o evangelista Mateus, ao relatar tal fato, preferiu dizer que foi a mãe deles quem pediu (Mt 20, 20). De fato só aprenderam mesmo depois da morte e ressurreição de Jesus. Mesmo diante da sua incompreensão, Jesus insiste na grandeza da lição final do dom e entrega de sua própria vida.
Esse episódio situa-se no contexto de Marcos 8,1-10,45 que é a grande instrução de Jesus a caminho de Jerusalém. Ele não poupa seus discípulos e lhes apresenta três anúncios da Paixão. O de hoje é o último. Estamos no fim da instrução.
O quarto cântico do servo sofredor apresenta o justo esmagado que, por seu sofrimento, assumiu a culpa de muitos e, é, por isso, duplamente amado por Deus: por ser justo e por levar os outros a serem justos por seu sofrimento.
Esse cântico tem seu correspondente na conclusão desse evangelho: o Filho do Homem veio para servir e dar a sua vida em resgate por muitos. Esta é uma das frases mais importantes dos Evangelhos. Junto com Marcos14, 24 é o único lugar onde Jesus anuncia claramente o motivo da sua morte violenta. É a tradução da profecia de Isaías 53, que expressa a dimensão do resgate, da libertação ou aquisição de uma pessoa, de um escravo.
Na perspectiva do resgate, está a dimensão da satisfação, do mistério da eficácia redentora da paixão, morte e ressureição de Cristo. Ela atinge o mal pela raiz na pessoa de Jesus que, fazendo-se obediente até a morte, e, morte de Cruz, nos libertou para a plenitude da vida.
Por suas chagas fomos curados (cfIs 53,5); Deus amou a humanidade, a ponto de enviar seu Filho ao mundo para reconciliar-nos consigo (cf 2 Cor 5, 19); Jesus, o primogênito de muitos irmãos (cfRm 8, 29); fez-se obediente até a morte (cfFl 28); cordeiro sem mancha (cfHb 8, 26); ele tomou sobre si os nossos pecados e se tornou nosso mediador (cf 1Tm 25); a morte é para ele o preço do pecado (cfRm 6, 23) e reparou aos olhos de Deus suas ofensas e mereceu que a graça divina fosse novamente derramada no coração da humanidade, pelo resgate realizado por meio do corpo de Jesus entregue por sua redenção.
A carta aos hebreus retoma a teologia do servo sofredor na pessoa de Jesus, elevando-o à dignidade sacerdotal. Supera-se o sacerdócio do Antigo Testamento, fundado nos descendentes de Aarão e o apresenta na dimensão da oferta a Deus da própria vida, em solidariedade com a humanidade.
Aliás, Jesus é o único sacerdote no Novo Testamento. Os que hoje chamamos de sacerdotes são na realidade presbíteros,ministros, servos de Jesus. Ministram no altar o sacrifício de Jesus, exercendo o sacerdócio ministerial.
Os fiéis cristãos leigos e leigas, renovam e atualizam o dom da entrega de Jesus, com o dom de sua própria vida exercendo, no cotidiano, o sacerdócio batismal do Povo de Deus, cumprindo o mandamento do apóstolo Paulo: “Eu vos exorto, irmãos, pela misericórdia de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: esse é o vosso verdadeiro culto” (Rm 12,1).
2- Recordando a Palavra
Primeira leitura- Isaías 53,10-11.O quarto cântico do servo sofredor apresenta um personagem anônimo, que cumpre a vontade divina, por meio de um profundo sofrimento. O servo, que também pode ser uma figura coletiva, se compraz em dar a sua vida como resgate por muitos, ele, a vítima de expiação, o justo esmagado, é que assume e resgata as faltas dos muitos, por isso Deus o exaltou.
Esse comprazer-se caracteriza a ação do próprio Deus e indica um amor forte e determinado, noservo sofredor.Isso corresponde à ação do servo exaltado em Filipenses 29,11 (por sua obediência pode justificar a muitos) e em Romanos 3, 26; 5,19 (tornando-se assim início de um povo novo).
Segunda leitura- Hebreus 4,14-16. Hebreus desenvolve a teologia do sacerdócio. Jesus, sacerdote misericordioso, por seu sacrifício, penetrou nos céus, pela solidariedade conosco, seus irmãos e irmãs. Ele se faz igual a nós em tudo, exceto no pecado.
Esta solidariedade não foi interrompida pela destruição do templo. Ele mesmo é sacerdote, templo e altar. Aliás, o único. Podemos continuar a ir a ele e, por ele, ao Pai. Esta palavra era confortadora para os seus destinatários que haviam perdido o templo, o sacerdócio e a terra.
Jesus ressuscitado, tendo subido ao céu, é o lugar do nosso encontro com o Pai. Afirmar que Jesus é o sumo sacerdote que entrou no santuário, que não foi edificado por mãos humanas, e que ele é igual a nós em tudo, sempre foi o grande alento para as comunidades cristãs, quando estas se sentiam abatidas por suas fraquezas, pela tentação ou pelas perseguições.
Jesus é o nosso sumo e eterno sacerdote, o pontífice que é capaz de se compadecer de nossas fraquezas, conhecedor das carências humanas, eleva nossa condição humana à santidade de Deus, e, em sua misericórdia, recupera, na comunidade cristã, a confiança na luta contra o mal e na busca da salvação.
Evangelho - Marcos 10, 35-45. Ao convidar a renunciar às riquezas, Jesus o faz na disponibilidade do seu seguimento na perspectiva do reino. A cruz, apresentada aos discípulos no horizonte de seu caminho, causa espanto e temor. Mesmo assim este terceiro anúncio da paixão não foi o suficiente para a mudança de mentalidade dos discípulos.
No pedido dos filhos de Zebedeu, para se assentarem à direita e à esquerda de Jesus, no seu reino e, na indignação que este pedido causou aos outros discípulos, revela que eles ainda não compreendem o significado do seguimento.
Somente depois de beberem do ‘Cálice de Jesus’, no dom da sua vida, o servo sofredor, despojado de todo poder, numa entrega total, e de serem batizados como o mesmo ‘batismo de Jesus’, acolheram plenamente o alcance de sua pregação: ‘entre vocês não pode ser assim’.
3- Atualizando a Palavra
Podemos gostar de crucifixos de marfim com gotas de sangue em rubis, como era comum nas missões populares em outras épocas. Difícil mesmo é amar uma pessoa que foi diminuída, quebrada, mutilada, ofendida e desonrada. Deus faz opção por esta pessoa, não por sadismo, como se precisasse castigar alguém ou necessitasse de tamanha dor. É que o verdadeiro amor, que é comunhão, só se reconhece no justo que foi esmagado por causa da Justiça.
O povo da Antiga Aliança aprendeu que o seu Deus faz essa opção, no exílio babilônico. Não se sabe quem foi o justo torturado pelos ímpios do qual fala Isaías 52, 13; 53,12, mas sabemos que esse povo dele aprendeu. Enquanto, diante dele cobriam-se o rosto, descobriram que ele carregou os pecados do povo e morreu por ele.
Choraram sobre aquele que transpassaram (cf Zc 12,10). Parece que a humanidade necessita ver em alguém o resultado de sua malícia, para dela se arrepender. As reivindicações sociais só são concedidas, após algumas ou muitas mortes. Os movimentos de emancipação só têm voz e vez, quando suscitam mártires.
Infelizmente a humanidade precisa de vítimas de injustiça para reencontrar o caminho da Justiça. A recente história da América Latina e do Brasil está repleta de mártires e testemunhas do reino que, com seu sangue, testemunharam o caminho da fraternidade. Ao lado destes temos ainda o martírio do dia-a-dia de muitos, que sacrificam sua juventude para cuidar de pais idosos, que abrem mão de carreiras lucrativas para se dedicar ao serviço dos empobrecidos. São estes que contribuem com a graça divina na santificação de nosso mundo cruel.
Por isso é que Deus ama os que são vitimados, não porque goste de vingança e sangue, mas porque eles são os seus melhores profetas e profetizas, seus porta-vozes. Deus se identifica com eles, associando-se à sua devoção, pois ao venerarem seus mártires, surge uma oportunidade de se arrependerem de suas faltas e alcançarem o perdão, que os liberta do medo e da covardia.
Deus ama duplamente o justo sacrificado, primeiro por ser justo e testemunhar a justiça, depois, porque seu sangue leva os outros a justiça.
O justo que dá sua vida pelos outros é chamado servo por servir-se de anti poder. Aos que desejam postos ambiciosos e ter os primeiros lugares no reino, Jesus aponta seu próprio exemplo: quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o primeiro entre vós seja escravo de todos. O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos (cfMc 10,45).
4- Ligando a Palavra com a ação litúrgica
A primeira leitura ascende uma luz sobre a morte e ressurreição de Jesus, ao nos levar a crer que sua vitória sobre a morte desautorizou qualquer forma de opressão entre as pessoas. Este acontecimento salvífico constitui-se no ponto de partida para a vitória dos humilhados e injustiçados na história.
O evangelho questiona a busca de privilégios dentro da comunidade e na sociedade. Quer eliminar as categorias de chefes/escravos, grandes/ servos. A Igreja deve ser um estandarte diante das nações, testemunhando uma vivência de sinodalidade na fraternidade evangélica.
Quais as relações que predominam em nossa comunidade?
A segunda leitura nos apresenta Jesus plenamente solidário conosco presente nas lutas justas do povo e em sua solidaria opção pelos pobres.
Onde já podemos sentir que a solidariedade que Jesus apresenta é possível ser vivida?
Ser solidário como Jesus, de que forma?
A Igreja celebra o mês missionário há mais de oito décadas, com o objetivo de despertar vocações e mobilizar os católicos em torno da campanha missionária. Faz-se hoje uma coleta em todas as celebrações para as Pontifícias Obras Missionárias e a Infância e adolescência missionárias.
Oportuna ocasião para este texto de Dom Hélder Câmara.
“Missão é partir, caminhar, deixar tudo, sair de si, quebrar a crosta do egoísmo que nos fecha no nosso eu. É parar de dar volta ao redor de nós mesmos, como se fôssemos o centro do mundo e da vida. É não se deixar bloquear nos problemas do pequeno mundo a que pertencemos: a humanidade é maior. Missão é sempre partir, mas não devorar quilômetros. É, sobretudo, abrir-se aos outros como irmãos, descobri-los e encontrá-los. E se para encontrá-los e amá-los é preciso atravessar os mares e voar lá nos céus, então, Missão é partir até os confins do mundo”.
padre Quebec, Canadá - tradução Susana Rocca.
No caminho até Jerusalém, após o primeiro anúncio da morte-ressurreição de Jesus (Mc 8,31), onde o Cristo servidor do evangelho de Marcos convida Pedro para segui-lo, mas Pedro se recusa a seguir o mesmo caminho que ele, e após o segundo anúncio da morte-ressurreição de Jesus (Mc 9,31), onde o Cristo servidor convida todos os discípulos a segui-lo, enquanto eles se questionam sobre quem é o maior entre eles... Ali estamos ainda hoje, a caminho, cada vez mais próximos de Jerusalém, onde o Cristo servidor, ou melhor: o Cristo escravo agora anuncia pela terceira vez o caminho que é o seu e o qual os Doze deverão seguir: “Eis que estamos subindo para Jerusalém, e o Filho do Homem vai ser entregue aos chefes dos sacerdotes e aos doutores da Lei. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos pagãos. Vão caçoar dele, cuspir nele, vão torturá-lo e matá-lo. E depois de três dias ele ressuscitará” (Mc 10,33-34). Novamente, seus discípulos mais próximos, Tiago, o irmão do Senhor, e João, o discípulo que Jesus amava, não compreendem bem a sua missão; eles querem o poder e exigem os primeiros lugares: “Quando estiveres na glória, deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda”(Mc 10,37). O que responder aos seus colaboradores mais próximos que não compreendem nada? “Vocês não sabem o que estão pedindo” (Mc 10,38). Por outro lado, a pergunta que devemos nos fazer hoje na nossa Igreja é a seguinte: Será que nós compreendemos verdadeiramente a nossa missão? Para respondê-la, precisamos redefinir a missão de Cristo hoje, através da nossa Igreja.
Uma Igreja pobre
O teólogo francês Gérard Bessière escreve: “Cada vez que eu vou, eu olho sobre a colina elevada o castelo de Mercuès que foi durante séculos a residência dos bispos. Um símbolo! Esses homens de Igreja eram também senhores, eles tinham terras e vassalos. Às vezes, tratava-se de homens santos. Mas como a palavra de Jesus parece distante: quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos. Eu sei, não devemos esquecer o contexto histórico, mas como não ficarmos indignados com o fato de que as palavras de Jesus tenham continuado assim?”. Mas o que acontece hoje? Será que como Igreja não estamos numa situação semelhante? Demasiado ricos! Demasiada riqueza nas nossas propriedades? Nos nossos museus? Nas nossas igrejas? Nas nossas basílicas? Nas nossas catedrais? No nosso poder? No nosso saber? Nas nossas possessões? Eu posso entender que nós herdamos uma longa tradição eclesial, mas como não ficarmos admirados de estar tão longe do evangelho, ainda hoje? São Marcos nos lembra: “Jesus chamou-os e disse: ‘Vocês sabem: aqueles que se dizem governadores das nações têm poder sobre elas, e os seus dirigentes têm autoridade sobre elas. Mas, entre vocês não deverá ser assim: quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês, e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos’” (Mc 10,42-44).
Eu não tenho certeza que esta palavra do evangelho se realize na nossa Igreja hoje. Gérard Bessière continua: “Que não se diga que é uma questão da mente! Jesus se opõe ao funcionamento do poder nas sociedades e o regime original da autoridade na comunidade cristã. Quantas vezes o governo da Igreja se inspirou na organização, nos métodos e nos costumes dos reinos! A palavra de Jesus é embaraçosa: Entre vocês não deverá ser assim. Deve-se então criar. Como seria isso? Eu não sei. O que eu tenho certeza é que o mundo inteiro respirará fundo o dia que os cristãos de todos os níveis, começando pelos mais proeminentes, se farão pequenos e servidores”.
Uma igreja de servidores (de escravos)
“O Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e para dar a sua vida como resgate em favor de muitos” (Mc 10,45). Se a missão de Cristo é de ser servidor, a missão dos discípulos que são seu corpo também deve ser assim. Então, por que o poder se uniu ao ministério na Igreja? Ministro e ministério, servidor e serviço, significam em grego diakonia. Não há lá um desvio no exercício do ministério dos ministros da Igreja? E se eu releio bem o trecho do evangelho que nós temos hoje é ainda mais que isso o que se nos pergunta: Devemos ser não somente servidores, em grego: diakonos, mas escravos, em grego: doulos: “Quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos” (Mc 10,44). Qual é a diferença entre um servidor e um escravo? Segundo o padre francês Léon Paillot, “a ideia de escravidão é mais forte que a de servidor. O serviço é um ato livre e voluntário, enquanto que o escrevo não tem vontade própria, ele é totalmente dependente”.
Será que o Deus de Jesus Cristo era escrevo? Sim, com certeza, porque ele depende de nós. Ele não pode ser reconhecido mais que pelas mulheres e pelos homens que ele criou por amor. Isso significa que nosso Deus é dependente do Amor que ele nos dá. Seu único poder é amar e ele não pode nada sem nós. Se Deus é criador, ele só pode sê-lo através de nós. E é por isso que a missão da Igreja consiste em dar a vida por amor aos outros, e o único modelo que nós temos é Cristo Ressuscitado. Então, a Igreja não tem que colocar obstáculos no caminho impedindo que os pobres, os feridos da vida, os que não são amados e os marginalizados passem; pelo contrário, a Igreja deve convidar os ricos, os intelectuais e os sãos a se despojar das suas posses, do seu saber e do seu poder, para ajudar os outros, os menos afortunados a avançar no caminho do Reino. A Igreja deve nos ensinar a amar na gratuidade; é a sua forma de falar de Deus e de servir ao homem.
Terminando, eu vos proponho essa bela reflexão de Gabriel Ringlet, cujo título é o seguinte: Deus em estado de serviço: “Quando Deus celebra a primeira missa, e quando ele quer adorar: é meu corpo e é meu sangue, ele cai de joelhos aos pés de homem e lhe lava os pés... O serviço religioso só é serviço de Deus, quando é serviço do homem. Não somente ao serviço da sua alma, mas também dos seus pés, de todo seu corpo, de todo ele, da cabeça até os pés. Tratar-se-á de servir mais ao homem do que à missa”.
(pode conter alguns erros de tradução porque usamos o tradutor automático do Google e não a corrigimos).
DOMINGO XXIX DO ANO – CICLO “B”
Primeira Leitura (Is 53,10-11):
Nos capítulos 40 a 55 do livro do profeta Isaías (conhecido como Deutero Isaías) foram identificadas quatro canções que têm como protagonista um personagem misterioso que se chama em hebraico 'ebed, ou seja, servo ou serva . Daí o nome “canções do Servo de Yahweh” com que são chamados. Neles parece que Deus tira o peso do pecado do povo e o descarrega com todas as suas consequências sobre os ombros do servo (Is 53,4-6), que é o verdadeiro discípulo (Is 50,4-7), que aceita e se oferece para interceder em favor do mesmo povo (Is 53,10-12). A sua inocência declarada (Is 53,9b) transcende os limites da justiça estrita para entrar no misterioso campo da redenção como obra de solidariedade ou de substituição vicária.
O texto que hoje lemos é o epílogo do quarto canto do Servo, que é o poema por excelência do servo paciente e glorificado porque canta o sentido soteriológico do seu martírio e da sua exaltação. Precisamente nestes últimos versículos é proclamada a exaltação do servo. O horizonte se expande no tempo e no espaço até a universalidade da sua vitória. O triunfo do servo é a realização do plano do Senhor na história.
Evangelho (Mc 10,35-45):
No evangelho de hoje podemos distinguir duas partes ou subseções: a) 10,35-40 que contém o diálogo de Jesus com Tiago e João; eb) 10:41-45 que traz o ensinamento de Jesus aos seus doze discípulos. Ambas as cenas estão claramente relacionadas entre si e com o terceiro anúncio da paixão que as precede (cf. 10,32-34).
Como nas duas ocasiões anteriores, também depois do terceiro anúncio da paixão de Jesus, onde fala muito claramente das humilhações e maus-tratos que vai sofrer, segue-se imediatamente um “desvio” por parte dos discípulos. Neste caso trata-se de dois deles, irmãos, filhos de Zebedeu, Tiago e João, que se aproximam de Jesus para fazer um pedido pessoal. A sua abordagem ao assunto é muito diplomática, razão pela qual não expressam directamente a sua intenção desde o início. Jesus, com sua resposta, mostra que, apesar da questão, está disposto a ouvir e atender ao pedido desses irmãos. Por isso, são encorajados a pedir: “Concede-nos que nos sentemos, um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória”.
O que Tiago e João desejam são posições de honra e poder ao lado de Jesus . Vê-se que imaginam um destino de glória para Jesus, embora Ele lhes tenha acabado de anunciar o caminho da humilhação e do desprezo. A verdade é que estes discípulos partilham da gloriosa expectativa sobre o messianismo que circulava no meio ambiente. Na verdade, esperava-se uma irrupção, uma manifestação repentina ao mundo de um descendente de David, que viria para julgar o mundo e punir aqueles que pisoteavam Israel; e então estabelecer um reino glorioso.
A resposta de Jesus a este ambicioso pedido hoje soaria assim para nós: “eles não têm ideia do que estão pedindo”. Aparentemente, a ambição de participar da glória de Jesus cegou-os para o caminho que leva até lá, que não é outro senão a paixão. Isto é o que Jesus lhes diz quando fala sobre beber o cálice e receber o batismo que beberá e receberá.
No Antigo Testamento, o cálice que Deus oferece a alguém para beber é uma imagem do destino ou destino, bom ou mau, que se abaterá sobre ele. Em particular, fala-se da taça drogada que era dada ao condenado à morte antes de sua execução e, portanto , o cálice ou taça tornou-se uma figura da ira divina contra as nações pagãs; contra o mesmo povo de Israel que foi infiel; ou contra os ímpios da terra (cf. Jr 25,15-16; Is 51,17; Sl 75,9) .
O tema da taça ou cálice (ποτήριον) reaparece em Marcos na cena do Getsêmani, onde simboliza claramente a próxima paixão e morte de Jesus apresentada como a vontade do Pai para a salvação dos homens (cf. Marcos 14:36). Como sabemos, Jesus aceita sofrer a paixão, beber o cálice que o Pai lhe oferece e, na última ceia, o cálice com o vinho se tornará o sinal sacramental da sua vida dada por muitos (cf. Marcos 14,23- 25).
O verbo baptízomai (βαπτίζομαι) , ser batizado ou imerso, significa na LXX molhar-se ou banhar-se (cf. 2 Reis 5,14; Jdt 12,7; Sir 34,25). Em Marcos deve ser entendido metaforicamente com um significado semelhante ao do cálice, pois se referiria a ver-se submerso, coberto ou vencido por infortúnios como quem está no meio de águas profundas. De facto, como nos informa J. Gnilka[1]: «a metáfora foi construída sobre aquelas expressões do Antigo Testamento que comparavam o sofrimento, a perseguição e a desgraça com uma corrente de água na qual o homem está prestes a cair (cf. 2Sm 22, 5;
Portanto, podemos concluir que tanto o cálice que Jesus e seus discípulos devem beber como o batismo com que devem ser batizados são uma clara referência à paixão e à morte. Então, a resposta de Jesus é um convite a partilhar o seu destino e a percorrer um caminho cuja direção vai numa direção completamente oposta às ambições ou aspirações de Tiago e João. Pediram os cargos de honra, Jesus lhes oferece o caminho da cruz, da humilhação , que é o seu próprio caminho tal como ele lhes anunciou.
E aceitam o convite sem hesitar: “Nós podemos”. Possivelmente, e como demonstra o seu comportamento durante a paixão de Jesus, eles também não têm muita ideia do que aceitam aqui. Jesus encerra o diálogo de uma forma bastante paradoxal, pelo menos para os dois discípulos. Com efeito, Jesus termina assegurando-lhes que participarão na sua paixão, que deverão beber o cálice e ser baptizados como Ele, mas nega-lhes o direito a posições de honra, pois estão reservadas àqueles que Deus quiser.
A segunda parte (10,41-45) começa com a descrição da reação dos outros dez apóstolos ao “avanço” de Tiago e João: estavam cheios de indignação, de raiva . Aparentemente, a ambição dos dois irmãos por posições privilegiadas gerou inquietação e divisão entre os discípulos. Diante deste conflito incipiente dentro do grupo, Jesus chega à encruzilhada com um ensinamento sobre o significado do poder e da autoridade na Igreja .
Em primeiro lugar, o ensinamento de Jesus descreve como se exerce a autoridade no mundo, entre os poderosos e entre os que governam: impondo a sua vontade, abusando do poder . A primeira ação, a dos governantes, é descrita com o verbo katakurieuô (κατακυριεύω) que significa dominar completamente, daí a tradução da Bíblia de Jerusalém “eles dominam como senhores absolutos”. Ou seja, governam autonomamente como se fossem a última instância de poder, como se o poder se baseasse neles próprios e não em Deus. A ação dos "grandes" (μεγάλοι) é descrita com o verbo katexousiazô (κατεξουσιάζω) que significa " exercer poder sobre " e que não é usado nem na LXX nem na literatura grega secular - nem no NT, exceto no texto paralelo de Mt 20,25 -; portanto, é difícil especificar se tem uma nuance negativa refletida nas traduções. O mesmo seria deduzido da comparação com o verbo anterior.
O que está claro é que o exercício do poder e da autoridade na comunidade cristã não pode ser inspirado nem assemelhar-se àquele que governa o “mundo ” . Pelo contrário, na sua proposta Jesus compara o desejo de ser grande ( mégas ) com o desejo de ser o primeiro (prōtós) ; ao qual ele contrasta as exigências de se tornar servo ( diakonos ) e escravo ( doulos ) de todos: "quem quiser ser grande, torne-se seu servo; e quem quiser ser o primeiro, torne-se escravo de todos, que O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mc 10,43-45).
Esta última afirmação que Jesus faz sobre a orientação fundamental da sua vida deve ser entendida à luz do cântico do quarto servo de Is 53, que lemos hoje como primeira leitura. Aí vemos que a aceitação do sofrimento e a entrega da vida se realizam como uma substituição vicária dos pecados do povo, como o seu resgate. E aqui em Marcos o termo grego traduzido como “resgate” – lútron (λύτρον) – era usado para designar o preço pago para resgatar um escravo, para resgatá-lo e libertá-lo.
A segunda parte do evangelho de hoje esclarece duas coisas para nós. Em primeiro lugar, Jesus pergunta aos discípulos o que ele mesmo vive: não para ser servido, mas para servir . Em segundo lugar, entendemos que a pretensão de ser o primeiro implica a pretensão de ser servido, de receber honras e atenção; e que, pelo contrário, o convite de Jesus a ser servo implica dar a vida pelos outros, preocupando-se mais com o bem dos outros do que com o próprio.
ALGUNS PENSAMENTOS:
Nos últimos domingos vimos como a novidade do Evangelho pode transformar o significado do casamento e da posse de bens. Neste domingo acontece o mesmo com o tema do poder e da autoridade. São ensinamentos de Jesus que compõem o cotidiano dos discípulos e fazem parte da essência de ser cristão e de ser igreja. O facto de o ensinamento sobre o poder ser repetido, com pequenas variações, duas vezes (cf. Mc 9,35-37 e Mc 10,35-45), indica que estamos perante uma questão difícil de assumir, transformar e viver.
Pode ser útil para nós confrontar a questão do poder desde as suas origens no nível humano e depois iluminá-la com a luz da revelação cristã, como faz R. Guardini com a sua habitual clareza no seu livro “Poder”[2]. Em primeiro lugar, este autor especifica que "por si só o poder não é bom nem mau; só adquire sentido pela decisão de quem o utiliza. Além disso, por si só não é construtivo nem destrutivo, mas apenas uma possibilidade para qualquer coisa, pois é essencialmente governado pela liberdade […] O poder significa, consequentemente, tanto a possibilidade de fazer coisas boas e positivas como o perigo de produzir efeitos maus e destrutivos. Este perigo cresce com o aumento do poder.”[3] .
A revelação cristã, por sua vez, ensina-nos que a origem do poder está em Deus, o único Todo-Poderoso, que comunica esta capacidade ao homem desde o momento da criação (cf. Gn 1, 26-28). Segundo este texto, Deus deu ao homem poder sobre a natureza e sobre a sua própria vida. Mais ainda, «a semelhança natural do homem com Deus consiste neste dom de poder, na capacidade de usá-lo e no domínio que dele brota»[4]. Mas como é um exercício de poder que depende de Deus como origem e fonte permanente, o poder torna-se obediência e serviço .
Agora, a história de Gn 2-3 nos alerta que não se trata de um poder absoluto e autônomo, pois cabe a Deus estabelecer o bem e o mal para que o homem tenha o caminho marcado para o bom uso do poder. Segundo esta história, a tentação original e o pecado original consistiram na autoafirmação do homem em si mesmo, na absolutização da sua própria vontade de poder contra a vontade do Criador. Em outras palavras, o homem queria ter “poder absoluto”, isto é, sem relação com a verdade e a ordem moral objetiva.
Esta é a condição do homem, ferido pelo pecado, que exerce o seu poder no mundo da forma que o próprio Jesus descreve no evangelho de hoje: como submissão, como opressão, como domínio . Esta é a condição dos apóstolos e a nossa mesma condição ou situação diante do poder. Desejamo-lo porque é essencial à nossa natureza querer ser mais para ser mais . Neste sentido, Jesus convida-nos, como fez aos seus discípulos no evangelho de hoje, a acolher o nosso desejo de querer ser grande, de querer ser o primeiro. Mas alerta-nos imediatamente para o perigo iminente de cair, como os nossos primeiros pais, nas redes do orgulho que nos faz desejar o poder absoluto , sem limites e desligados de Deus, que termina, mais cedo ou mais tarde, na tirania sobre os outros. É por isso que Jesus nos ensina que o antídoto para o orgulho do poder é a humildade que se expressa no serviço .
A este respeito, Santo Agostinho disse, comentando a cena evangélica de hoje: “O que eles desejam é uma grande coisa, e não são repreendidos pelo desejo, mas são chamados à ordem. Neles o Senhor vê o desejo de grandes coisas e aproveita a oportunidade para ensinar o caminho da humildade. Os homens não querem beber o cálice da paixão, o cálice da humilhação. Você deseja coisas sublimes? Deixe o humilde amar. Para subir ao topo é necessário, na verdade, começar de baixo. Ninguém pode construir um edifício alto sem primeiro lançar os alicerces” ( Sermão 20A , 5-8).
Portanto, à tentação do poder como busca de privilégios e domínio ou posse sobre outros; Jesus apresenta a sua opção de vida como uma renúncia a este modo de poder, não procurando ser servido, mas servir; não procurando dominar ou possuir os outros, mas dando a vida por eles; não buscando a si mesmos, mas o bem dos outros.
A este respeito, o Papa Francisco no Angelus de 17 de outubro de 2021 disse: "Olhamos para o Senhor Crucificado, profundamente imersos na nossa história ferida, e descobrimos o modo de Deus fazer as coisas. Vemos que Ele não ficou lá em cima nos céus, para nos olhar de cima a baixo, mas desceu para lavar os nossos pés. Deus é amor e o amor é humilde, não sobe, mas desce, como a chuva que cai sobre a terra e traz vida. Mas o que devemos fazer para nos colocarmos na mesma direção de Jesus, para passar do emergir ao submergir, da mentalidade do prestígio, aquela mundana, à do serviço, a cristã? Requer compromisso, mas não é suficiente. Sozinho é difícil, senão impossível, mas temos dentro de nós uma força que nos ajuda. É a do Batismo, daquela imersão em Jesus que todos nós recebemos pela graça e que nos orienta, nos impulsiona a segui-la, a não procurar o nosso próprio interesse, mas a colocar-nos ao serviço. É uma graça, é um fogo que o Espírito acendeu em nós e que deve ser alimentado. Hoje peçamos ao Espírito Santo que renove em nós a graça do Batismo, da imersão em Jesus, no seu jeito de ser, de sermos mais servos, de sermos servos como Ele tem sido conosco”.
Finalmente, este domingo, 20 de outubro, é o Dia Mundial Missionário com o lema “Vá e convide todos para o banquete (cf. Mt 22,9)”. Comentando este lema, o Papa Francisco diz na sua mensagem: “Os dois verbos que expressam o cerne da missão – “ir” e “chamar” com o sentido ou significado de “convidar” – são colocados no início da ordem do rei aos seus servos. Quanto ao primeiro, devemos recordar que anteriormente os servos já tinham sido enviados para transmitir a mensagem do rei aos convidados (cf. vv. 3-4). Isto nos diz que a missão é um caminho incansável em direção a toda a humanidade para convidá-la ao encontro e à comunhão com Deus. Incansável! Deus, grande em amor e rico em misericórdia, está sempre ao encontro de cada homem para o chamar à felicidade do seu Reino, apesar da indiferença ou da rejeição […] Ir é inseparável do chamado ou, mais precisamente, do convite: «Venha para as bodas" (Mt 22,4). Isto revela outro aspecto não menos importante da missão confiada por Deus... a missão de levar o Evangelho a cada criatura deve necessariamente ter o mesmo estilo daquele a quem é anunciado. Ao anunciar ao mundo «a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo, morto e ressuscitado», os discípulos missionários fazem-no com alegria, magnanimidade e benevolência, fruto neles do Espírito Santo (cf. Gl 5, 22). ; sem forçar, coerção ou proselitismo; sempre com proximidade, compaixão e ternura, aspectos que refletem o modo de ser e agir de Deus […] A missão de Cristo é a da plenitude dos tempos, como Ele declarou no início da sua pregação: «O tempo está cumprido: o Reino de Deus está próximo» (Mc 1,15). Assim, os discípulos de Cristo são chamados a continuar esta mesma missão do seu Mestre e Senhor... Esta plenitude de vida, dom de Cristo, é antecipada desde agora no banquete da Eucaristia que a Igreja celebra por ordem do Senhor e em memória Dele. E assim, o convite ao banquete escatológico, que levamos a todos através da missão evangelizadora, está intrinsecamente ligado ao convite à mesa eucarística, onde o Senhor nos alimenta com a sua Palavra e com o seu Corpo. e o seu Sangue... Portanto, todos somos chamados a viver cada Eucaristia mais intensamente em todas as suas dimensões, particularmente na dimensão escatológica e missionária. A este respeito, reitero que “não podemos aproximar-nos da Mesa Eucarística sem nos deixarmos levar por aquele movimento da missão que, a partir do próprio coração de Deus, tende a chegar a todos os homens”... Nesta perspectiva, no ano dedicado à oração em preparação ao Jubileu de 2025, desejo convidar todos a intensificar, sobretudo, a participação na missa e a oração pela missão evangelizadora da Igreja”.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
Mestre, queremos que você nos conceda
Ouvindo a frase perfeita de seus lábios:
"O que você quer que eu faça por você?"
Você vai nos surpreender com sua pergunta
E não teremos a resposta
Porque o seu olhar, cheio de generosidade
Isso nos fará levantar as mãos para você
Bem, à sua direita, à sua esquerda, já está reservado
Sozinho e sem palavras, sem direitos e sem vantagens
Esperamos por essa oferta, quando você olha para nós
"O que você quer que eu faça por você?"
É que você fez tudo e ainda mais
Sua infinita bondade superou a mente estreita
E vemos você agora, ao lado do Pai à sua direita
No altar aniquilado, na custódia: ressuscitado
Naquele que sofre, espera, e na sua Igreja, missionária
Só lhe pedimos hoje, Senhor, que esteja ao seu lado. Amém
[1] El evangelio según san Marcos Vol. II (Sígueme; Salamanca 1993) 118.
[2] Nos referimos concretamente a R. Guardini, El poder (Cristiandad; Madrid 1981).
[3] R. Guardini, El poder, 18-19.
[4] R. Guardini, El poder, 27.
[5] Papa Francisco, Discurso en la conmemoración del 50 aniversario de la institución del Sínodo de los Obispos, Roma, 17 de octubre de 2015.