25/08/2024
LINK AUXILIAR:
1ª Leitura: Josué 24,1-2a.15-17.18b
Salmo Responsorial 33(34)R – Provai e vede quão suave é o Senhor!
2ª Leitura: Efésios 5,21-32
Evangelho de João 6,60-69
Naquele tempo: 60muitos dos discípulos de Jesus que o escutaram, disseram: 'Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?' 61Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa disso mesmo, Jesus perguntou: 'Isto vos escandaliza? 62E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes? 63O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. 64Mas entre vós há alguns que não creem'. Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de entregá-lo. 65E acrescentou: 'É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai'. 66A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele. 67Então, Jesus disse aos doze: 'Vós também vos quereis ir embora?' 68Simão Pedro respondeu: 'A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. 69Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus'. Palavra da Salvação.
Jo 6,60-69
Há uma lei que governa a nossa relação com Deus: o amor de Deus é gratuito e se antecipa às nossas escolhas ou aos nossos méritos (“fui eu que vos escolhi”). Mas, mesmo sendo eleitos sem nosso merecimento, não podemos ficar inertes e passivos frente à escolha de Deus. A escolha de Deus espera e reclama a nossa acolhida. A lei da vida cristã consiste nisso: dom e responsabilidade.
O Evangelho mostra como, para os apóstolos, chegou o momento de dar a resposta ao chamado de Jesus: “vós também quereis ir embora?” Os discípulos não eram obrigados a permanecer com Jesus e, de fato, muitos abandonaram Jesus. Ficaram os Doze que formarão a Igreja, mas eles não podem mais permanecer como antes, sem compromisso. De agora em diante eles devem ter consciência de que escolheram Jesus para a vida ou para a morte: “Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos e sabemos firmemente que tu és o Santo de Deus”.
A partir dessa escolha, os discípulos sabem que o coração não é mais livre para todos os afetos. Há afetos que não vêm de Deus, mas do maligno, pois são afetos que desviam de Deus, são amores desordenados que dividem o coração. Uma vez que escolhemos Jesus, o nosso coração não pode mais estar dividido por afetos que não nos conduzam a Deus.
Todos os dias encontramos alguém dos que “se afastaram e não mais andam com Jesus” porque julgam sua palavra muito dura. Por exemplo: acham que a exigência da indissolubilidade matrimonial é muito dura e antiquada; acham que o carregar a cruz não deve ser levado assim tão a sério; julgam que a proibição de não poder servir a Deus e ao dinheiro é resquício “de uma moral católica atrasada”; consideram a exigência da fidelidade (quem olhar com cobiça para uma mulher já cometeu adultério com ela) muito exagerada.
Nossa época cobra de nós um cristianismo consciente e responsavelmente assumido. Nós vivemos em tempo diferente do de nossos pais: não é possível mais viver como cristão por uma tradição herdada. Por isso a interpelação de Jesus é feita a nós: “vós quereis também ir embora”?
Vemos mais do que nunca quão urgente é escolher, decidir-se, posicionar-se de um lado ou de outro, antes que seja tarde demais, antes que sejamos nós postos pelo Senhor à sua esquerda!
Nós já escolhemos Deus no batismo. Essa nossa escolha precisa ser sempre de novo reafirmada nos sacramentos e no testemunho da vida.
“Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la” (Jo 6,60).
O ser humano precisou de milhares de anos para desenvolver um sistema de comunicação tão complexo como a escrita e a palavra que manejamos hoje em dia, muito provavelmente, como parte de sua busca de transcendência, de seu interesse por deixar pegadas, por sobreviver em sua memória. Essa memória falada e escrita, pessoal e coletiva, é riqueza para continuar avançando. Somos o que somos pelo que falamos e pelo que escrevemos.
As palavras, por sua natureza, são ambíguas; podem brotar das profundezas mais sadias de nosso ser (palavras de vida) ou das regiões mais petrificadas e fétidas de nosso interior (palavras de morte); com elas nos humanizamos ou nos desumanizamos; através da palavra criamos ou destruímos, nomeamos ou eliminamos. Com a palavra podemos estabelecer um diálogo construtivo ou envenenar toda possibilidade de encontro e acolhida. As palavras elevam e afundam, constroem e destroem. Com elas se movem os sentimentos, os corações, as vontades. Podem ser usadas para formar ou deformar, para informar, manipular ou coagir. As palavras reforçam e fazem o outro sentir forte ou aumentam a fragilidade e o sentimento de vulnerabilidade. As palavras aproximam as pessoas construindo pontes ou afastam construindo muros e abismos.
As palavras podem ser um canto que embeleza e estimula o coração ou podem provocar consequências devastadoras nas relações.
Com as palavras acompanhamos o outro em processos de pacificação e reconstrução de si mesmo, ou alimentamos o rancor e o ressentimento. Com pouco arsenal, as palavras são uma arma com imenso poder de destruição como as “fake news”, o ódio, a intolerância e o preconceito.
Hoje as palavras estão se enfraquecendo cada vez mais, feridas de morte. Palavras como participação, ética, democracia, povo, liberdade, amor, justiça... são usadas e abusadas tanto, conferindo a elas significados tão diversos, dispares e interessados que terminam convertendo-se em meros fetiches, palavras infladas e ocas, sem nada dentro. Quê quantidade de palavras costumamos dizer para, em muitas ocasiões, não dizer nada!
Vivemos cercados por uma aluvião de palavreado crônico que tem seus efeitos colaterais, ou seja, não só a palavra do outro acaba perdendo seu valor, como também a nossa própria palavra, que passa a ser uma a mais em meio a este oceano de vozes e palavras; torna-se “palavra líquida”, pois escapa pelos dedos sem deixar marcas. Palavras que sobram, palavras que faltam, palavras que dizem, palavras que escondem.
Há palavras que é melhor não dizer, porque não são necessárias, porque julgam sem tentar compreender, porque são falsas; palavras de maledicência ou de crítica injusta, de fofoca e de condenação; palavras desnecessárias, ou conversa-fiada para preencher silêncios que assustam; palavras de zombaria que ignoram a dor do mais frágil; palavras que apunhalam pelas costas.
Para que a palavra dê fruto, não podemos nos contentar só com o fato de purificar a motivação quando a usamos, pronunciá-la no momento adequado, torna-se oportuna para aliviar, lubrificar, confrontar...; mas, também é preciso também apurar os ouvidos para escutá-la, acolhê-la com respeito, abrir espaço para que desperte ressonâncias em nosso interior. A palavra deve ser acolhida com disposição para deixá-la que se faça fecunda. E escutar, princípio de toda palavra, pede tempo, paciência, ausência de protagonismo e levar a sério o outro.
Como dizia Amado Nervo, “o sinal mais evidente de que se encontrou a verdade é a paz interior”, ou, como dizia Jesus, “a verdade vos libertará”. A verdade liberta das próprias falsidades e arrogância, dos medos e ataduras.
O Evangelho de hoje pode ser uma estupenda ocasião para esquecer velhas palavras desgastadas pelo uso, pronunciadas para afirmar nosso ego ou para conseguir aprovações alheias... e substitui-las por palavras essenciais, nascidas do espírito, que saem do coração e se dirigem ao coração dos outros, fazendo ressoar neles um eco da expressão proferida por Pedro: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna”.
Ele sente que as palavras de Jesus não são palavras vazias nem enganosas. Junto a Jesus descobriram a vida de outra maneira. Sua mensagem lhes abriu à vida eterna. Com que poderiam substituir o Evangelho de Jesus? Onde poderiam encontrar uma Notícia melhor de Deus?
Pela primeira vez Jesus experimenta que suas palavras não têm a força desejada. No entanto, não as retira senão que reafirma mais ainda: “As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não creem” (Jo 6,63). Suas palavras parecem duras, mas transmitem vida, fazem viver, pois contém Espírito de Deus.
Jesus não perde a paz; o fracasso não lhe inquieta. Dirigindo-se aos Doze, faz uma pergunta decisiva: “Vós também quereis ir embora?”. Não os quer reter pela força; deixa-lhes a liberdade de decidir. Seus discípulos não devem ser servos, mas amigos. Se quiserem, podem voltar às suas casas.
Também hoje, as palavras de Jesus continuam nos provocando, nos chamando, desvelando nossas incoerências e contradições internas. Elas podem nos assustar quando nos sentimos incapazes de segui-lo com mais intensidade; elas nos inquietam quando pedem renúncia de nosso próprio ego. São palavras que falam de seguimento e radicalidade, de paixão e entrega, de morte e de Vida. Palavras inspiradoras e, ao mesmo tempo, provocativas, pois nos arrancam de uma vida estreita e petrificada.
Palavras que despertam o melhor que há em nosso interior, humanizando-nos e humanizando nossas relações. Palavras que fazem brotar uma “palavra nova e original” de nosso ser profundo, revelando nossa verdadeira identidade. Por isso, as palavras nobres de Jesus não podem ser domesticadas e manipuladas segundo nossos interesses. É preciso valentia para deixar que cada palavra d’Ele cale fundo, para vivermos com mais seriedade, para deixar que nos desnude um pouco mais, para revestir-nos do modo de proceder d’Ele.
É no encontro com as palavras de Jesus que temos a chance de recuperar a força e o sentido de nossas palavras, de torná-las oblativas, abertas e portadoras de vida. “Palavras cristificadas”, pois revelam a força da cura, do cuidado, da benção, do perdão... É preciso unir Palavra e silêncio, para que cheguem ao mais profundo de nosso núcleo essencial, sempre insondável, buscando a Fonte que mana em abundância e sai à superfície, cantarolando e fecunda.
Assim, nossa palavra, viva em Jesus, sussurrada pelo mesmo Espírito d’Ele, torna-se como um rio caudaloso que salta qualquer obstáculo, leva vida às margens e nos impulsionam em direção ao Grande Oceano. Uma palavra que se revela como um bálsamo relaxante, remédio doce que acalma, embeleza e faz recordar sadiamente, que insufla ânimo e vida no nosso próprio corpo. Palavra que se manifesta como um grito de envio que nos lança em direção às pessoas, para partilhar, amar, curar...; uma revelação que ilumina nossas incertezas ou que nos enche de alegria. Só assim, o Evangelho se torna sempre boa notícia que fala dos outros, de nós, de Deus, de tudo...
Para meditar na oração:
Cave palavras nas minas do seu silêncio, palavras carregadas de sentido e de ânimo.
Silêncio para poder dialogar com seu eu profundo, para ver o que há por detrás de suas palavras, de seus sentimentos, de suas intenções... Silêncio para tentar ir ao coração de sua verdade.
Pois somente o silêncio poderá germinar as palavras portadoras de vida.
- Em que me inquieta, me sacode e me provoca a Palavra de Jesus?
Neste domingo, concluímos nossa meditação sobre o capítulo 6 do Evangelho de João. Jesus está cercado por um grupo de discípulos que o seguem, que o ouvem com certa desconfiança porque suas palavras já não são tão fáceis de receber e menos ainda de viver. Ele se apresentou como o pão descido do céu, o pão da vida eterna, falou-lhes sobre comer sua carne e beber seu sangue, continuou a aprofundar a necessidade de ficar perto dele, de assimilar sua mensagem com toda a riqueza e complexidade que ela traz consigo. Suas palavras estavam gerando desconforto, desconforto por causa das consequências que traziam.
Antes do texto que lemos hoje, na sinagoga de Cafarnaum, Jesus havia dito: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56) e depois acrescentou: “Assim como vive o Pai que me enviou e eu vivo por causa do Pai, assim também quem me come viverá por causa de mim” (Jo 6,57). Diante dessas palavras, o grupo de discípulos que as recebeu ficou surpreso e o advertiu por suas palavras, acusando-o de usar uma linguagem dura, difícil de ouvir e, portanto, de aceitar: "Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?".
Lembremo-nos de que foram as pessoas ao seu redor que o procuraram porque sabiam que ele curava os doentes e Jesus teve compaixão delas e alimentou a multidão com os cinco pães e dois peixes oferecidos por uma criança que estava entre eles. Então Jesus vai para outro lugar e eles ficam confusos e perguntam como ele chegou lá. Em seguida, começam a duvidar de suas palavras, que se tornam cada vez mais comprometidas e implicam mudanças profundas em suas vidas. Ele se oferece como o alimento da salvação, aqueles que o seguem são convidados a comer sua carne e beber seu sangue, a permanecer nele, a se deixar preencher por sua própria vida, que será o alimento que lhes dará a Vida que não morre.
É uma linguagem difícil, como dizem os discípulos ao redor dele. Lembre-se de que, na concepção dos judeus na época de Jesus, sentar-se à mesma mesa implicava compartilhar uma profunda unidade e fraternidade entre aqueles que comiam juntos. Esse vínculo ficava cada vez mais forte a cada refeição compartilhada, o que reforçava a fraternidade e fortalecia ainda mais o relacionamento. Uma mesa compartilhada é também uma comida compartilhada, que provoca uma transformação conjunta no que é comido!
A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele. Então, Jesus disse aos doze: "Vós também vos quereis ir embora?"
Jesus os convida a serem como ele, a compartilharem seu corpo e sangue e a se deixarem transformar por ele, formando uma nova comunidade por meio da qual sua vida e suas ações fluem. Os discípulos ficam escandalizados e começam a murmurar, a desconfiar de suas palavras, que consideram muito provocativas, e lentamente se separam do mestre que tanto desejavam. Mas Jesus não renuncia à verdade de sua vida dada como pão partido e distribuído. Ele não ajusta sua mensagem para torná-la mais suportável, mas continua a convidar aqueles que querem segui-lo com autenticidade a caminhar.
"Vós também vos quereis ir embora?"
Jesus se volta para os doze, para o pequeno grupo que ele havia chamado pelo nome para segui-lo, para aqueles que ele ensinou e que o acompanharam em seu caminho, e os convida a uma nova decisão. Um novo passo a ser dado, uma nova maneira de segui-lo que não será apenas acompanhá-lo, estar ao seu lado, mas permitir-se ser moldado por ele de tal forma que sua presença seja visível na vida daqueles que o seguem. Ser um corpo dado e um sangue derramado, à sua maneira, a partir de uma profunda ação de graças ao Pai que nos escolheu. Jesus faz a pergunta a todo o grupo, à comunidade em geral, e embora Pedro responda em nome de todos, a resposta de adesão a Ele é pessoal e única para cada discípulo.
Ser cristão é uma decisão pessoal e livre que será renovada em função da realidade sociocultural e religiosa de cada comunidade. Como lembra profeticamente o Papa Francisco, fazendo referência a um seguimento muitas vezes pesado e apagado, reduzido a uma realidade epidérmica e exterior, de aparato e de tradição, tendencialmente devocional: “assistimos à repetição às vezes mecânica de um alfabeto feito de palavras, de ritos, de liturgias, dentro de um sistema que parece obsoleto, intimista, pouco apaixonado e apaixonante”. Um mundo em que a conservação das “coisas” que expressariam uma suposta identidade cristã há muito tomou o lugar daquela alegria do Evangelho da qual o papa argentino fala como a primeira e essencial realidade com a qual é preciso entrar em contato, deixar-se surpreender, tocar e mudar. Continua ele dizendo: “existe um cristianismo reduzido a tradição cultural, a visão moral, a um conjunto de práticas devocionais que aplacam as angústias da alma, mas o risco é o de levar adiante um 'cristianismo sem Cristo'” (Disponível em: Ser cristão hoje. Artigo de Francesco Cosentino).
Seguir Jesus não é imitar suas atividades, nem repetir suas palavras, nem participar de grupos ou comunidades, o que, sem dúvida, fortalece a vida de fé, mas não é suficiente. Hoje Jesus pergunta novamente àqueles de nós que querem segui-lo se estão dispostos a deixar que seu Espírito nos transforme, soltando o leme de nossas vidas e deixando-o novamente em suas mãos. Que ele seja aquele que nos molda à sua maneira para sermos pão partido e compartilhado.
Pedimos ao Senhor que nos conceda fazer nossas as palavras do Apóstolo Paulo à comunidade de Éfeso: “Que Cristo habite em seus corações pela fé, que vocês estejam enraizados e alicerçados no amor, para que possam compreender, juntamente com todos os consagrados, a largura e o comprimento, a altura e a profundidade, em uma palavra, possam conhecer o amor de Cristo, que excede o conhecimento” (Efésios 2,1).
Durante estes anos multiplicaram-se as análises e estudos sobre a crise das Igrejas cristãs na sociedade moderna. Esta leitura é necessária para conhecer melhor alguns dados, mas resulta insuficiente para discernir qual há de ser a nossa reação. O episódio narrado por João pode-nos ajudar a interpretar e viver a crise com maior profundidade evangélica.
Segundo o evangelista, Jesus resume assim a crise que se está a criar no Seu grupo: «As palavras que vos disse são espírito e vida. E, contudo, alguns de vós não crêem». É certo. Jesus introduz em quem o segue um espírito novo; as Suas palavras comunicam vida; o programa que propõe pode gerar um movimento capaz de orientar o mundo para uma vida mais digna e plena.
Mas, não é por estar no Seu grupo, que está garantida a fé. Há quem resista a aceitar o Seu espírito e a Sua vida. A sua presença no entorno de Jesus é fictícia; a sua fé Nele não é real. A verdadeira crise no interior do cristianismo é sempre esta: acreditamos ou não acreditamos em Jesus?
O narrador diz que «muitos recuaram e não voltaram a ir com Ele». Na crise revela-se quem são os verdadeiros seguidores de Jesus. A opção decisiva sempre é essa: quem recua e quem permanece com Ele, identificados com o Seu espírito e a Sua vida? Quem está a favor e quem está contra o Seu projeto?
O grupo começa a diminuir. Jesus não se irrita, não pronuncia nenhum juízo contra ninguém. Só faz uma pergunta aos que ficaram junto Dele: «Também vós quereis partir?». É a pergunta que se nos faz hoje, a quem segue na Igreja: Que queremos nós? Por que ficamos? É para seguir Jesus, acolhendo o Seu espírito e vivendo ao Seu estilo? É para trabalhar no Seu projeto?
A resposta de Pedro é exemplar: «Senhor, a quem vamos acudir. Tu tens palavras de vida eterna». Os que ficam, devem-no fazer por Jesus. Só por Jesus. Por nada mais. Comprometem-se com Ele. O único motivo para permanecer no grupo é Ele. Ninguém mais.
Por muito dolorosa que nos pareça, a crise atual será positiva se os que ficarmos na Igreja, muitos ou poucos, nos formos convertendo em discípulos de Jesus, ou seja, em homens e mulheres que vivemos das Suas palavras de vida.
Aqui temos a conclusão do grande discurso sobre o Pão da Vida. Mais uma vez, o Evangelho de João deixa claro que diante de Jesus e das palavras d’Ele, o ouvinte tem que tomar uma decisão radical. Os versículos do nosso texto não escondem o fato que nem todos conseguem optar por Jesus.
As primeiras palavras de hoje, “depois de ter ouvido isso”, demonstram que a divisão nasceu a partir de algum ensinamento de Jesus, sem explicitar o motivo exato da discussão. As preocupações comunitárias dos versículos anteriores, a afirmação de Jesus de que Ele dá o seu corpo como pão da vida e o fato que o texto se dirige aos discípulos, indicam que provavelmente foi o discurso eucarístico a fonte de divisão. Porém, a afirmação de Jesus de que Ele “dá a vida” – o que causou já uma divisão em 5,19-47, e a identificação da sua palavra reveladora com “o pão vindo do céu” na primeira parte do discurso, talvez tenham criado a controvérsia. De qualquer maneira, é importante notar que a divisão não se dá entre “os judeus”, no sentido das autoridades judaicas, mas entre os próprios discípulos, muitos dos quais abandonam Jesus neste momento. Sem dúvida, essa história reflete a experiência da Comunidade do Discípulo Amado na década de 90, quando estava sentindo na pele as dores de divisão, pois muitos dos seus membros estavam abandonando-a (essa divisão é o pano do fundo das três Cartas Joaninas).
Muitos discípulos se retiram
É muito interessante a reação de Jesus diante do abandono da maioria dos seus discípulos. Ele não arreda o pé, mas com toda calma, até convida os Doze para saírem se não podem aceitar a sua Palavra. Jesus não se preocupa com números – mas com a fidelidade ao Pai. Talvez, até fique sozinho, mas não vai diluir em nada as exigências do seguimento da vontade do Pai. Um exemplo importante para nós, pois muitas vezes caímos na tentação de julgar o êxito pelos números: igrejas cheias indicam sucesso! Mas, nem sempre é assim – é mais importante ser coerente com o Evangelho, custe o que custar, do que “fazer média” com a sociedade, às vezes através de uma pregação tão insossa, que reduz a religião a mero sentimentalismo, sem consequências sociais.
O Espírito é o que vivifica
Devemos cuidar para não interpretar erroneamente as palavras de Jesus no v. 63 quando diz que “É o Espírito que vivifica a carne para nada serve”. Às vezes, usa-se essa frase (e outras de João) para justificar uma religião dualista, onde tudo que é “espírito” é bom e tudo que é material é do mal! Aqui, João não distingue duas partes do ser humano; mas, duas maneiras de viver! A “carne” é a pessoa humana entregue a si mesma, incapaz de entender o sentido profundo das palavras e dos sinais de Jesus; o “espírito” é a força que ilumina as pessoas e abre os seus olhos para que possam entender a Palavra de Deus que se pronuncia em Jesus.
Diante do desafio de Jesus, Pedro resume a visão dos que percebem em Jesus algo mais do que um mero pregador. A quem iriam? Só Jesus tem as palavras de vida eterna! Declaração atual, pois é moda na nossa sociedade correr atrás de tudo que é novidade: supostas aparições, videntes, esoterismo, religiões orientais, gnosticismo e tantas outras propostas, às vezes até esdrúxulas, enquanto se ignora a Palavra de Deus nas Escrituras.
O texto nos convida a nos examinarmos, a verificarmos se estamos realmente buscando a verdade onde ela se encontra, ou se a deixamos de lado, achando – como a multidão no texto – que o seguimento de Jesus “é duro demais”! No meio de tantas propostas de vida, estamos convidados a reencontrarmos a fonte da verdadeira felicidade e da verdadeira vida, fazendo a experiência de Pedro, que descobriu que Jesus “tem palavras de vida eterna”.
Leituras:
Josué 24,1-2a. 15-17.18b; Salmo 33 (34); Carta aos Efésios 5, 21-32;
João 6, 60-69 (“Senhor, a quem iremos?”).
Nesta páscoa semanal vemos que após os sinais, o anúncio e as propostas de Jesus sobre o pão da vida, alguns discípulos o abandonam, porque acham suas palavras duras e exigentes. Pedro responde decididamente a pergunta de Jesus. Ele representa a comunidade que se decide pelo seguimento do Mestre. Hoje, último domingo de agosto, comemoramos, de modo especial, a missão dos catequistas e de todas as pessoas que se dedicam à ação evangelizadora em nossas comunidades.
1. Situando-nos brevemente
É uma graça e uma benção estarmos reunidos, celebrando o mistério pascal de Cristo acontecendo em nossa vida e em nosso trabalho. Na Páscoa de Jesus, Deus revelou a sua opção pela humanidade. Jesus venceu, pela cruz, todos os limites que impedem a vida humana de ser feliz e divina.
No centro do Evangelho, está Pedro, que, questionado por Jesus, o identifica como Filho de Deus. E, falando em nome do grupo, decide seguir Jesus: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que Tu és o Santo de Deus”.
Damos graças por essa opção de Deus por nós e pela presença da páscoa libertadora. Abrimos o coração à interpelação que Jesus nos faz, como fez a Pedro, e, a exemplo dos apóstolos, queremos estar com ele no caminho e na luta por uma sociedade diferente, nova e fraterna. Ele nos encoraja a abandonar os ídolos, que nos levam à destruição e à morte.
No último domingo de agosto, lembramos a missão dos catequistas e de todas as pessoas que se dedicam à ação evangelizadora em nossas comunidades e no mundo.
2. Recordando a Palavra
A leitura de Josué lembra que estamos nos anos que se seguiram à entrada do povo na Terra Prometida. Moisés já havia morrido. Josué assume a liderança. Tempos difíceis e com muitas incertezas, por causa do contato do povo com muitos deuses no tempo de escravidão, conservando muitas simpatias no coração por alguns deles.
Josué, depois das conquistas e organizações iniciais, reúne o povo para conservar com ele sobre qual Deus seria o deus oficial. E para não ficarem dúvidas e muito menos inseguranças, exige uma resposta clara, firme e definitiva do povo.
Isso, à primeira vista, parece estranho, uma vez que, no Egito e durante o êxodo, Javé se manifestara libertador, amigo do povo, selando com ele uma aliança no Sinai. Mas os tempos mudaram. A situação econômica era outra, a realidade política tão diferente e as ambições começaram afetar as relações sociais e religiosas. Muitos se perguntavam se Javé deveria continuar sendo o Deus único e capaz de ajudar Israel.
Josué, diante da nova situação, organiza a assembléia de Siquém, reunião constitutiva do povo. É o ponto de partida de um movimentado que tem raiz no êxodo. Todos devem aceitar sua nova identidade de povo da aliança, com repercussões na vida social e política, bem como cultural e religiosa. Exige uma escolha sem rodeios: “Se vos desagrada servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir… Porque, quanto a mim, eu e minha casa serviremos ao Senhor”.
E o povo respondeu sem hesitação: “Longe de nós abandonarmos o Senhor; temos certeza que não há Deus melhor do que Ele”.
As palavras “nos tirou, a nós e a nossos pais…” , tantas vezes repetidas, se referem ao povo reunido em Siquém que não esteve no Egito e, em sua maioria, não passou pelo deserto. Mas todos estavam lá, na casa da escravidão, e todos foram libertos. É a fé em Deus aliado dos pobres, e não o sangue que nos une nessa aliança tribal.
O tema central da assembléia de Siquém é fazer a opção consciente de quem o povo deseja servir. Opta pelo Deus do êxodo: aquele que vê a opressão do povo, que ouve o grito de dor e conhece seus sofrimentos; que está decidido a descer para libertá-lo do poder dos opressores (Ex 3, 7-8). É o Deus de seus pais, o Deus da história. Os deuses “estranhos”, imagens corrompidas de Deus, geram escravidão e morte.
O Salmo 33 (34) constitui uma ação de graças, pela presença e ação libertadora de Deus. Ele escuta a oração dos simples e se faz próximo dos seus sofrimentos. Ensina-lhes sabedoria, mata a sua fome e defende a vida de todos. Por isso, nada falta aos que o procuram e seguem os seus passos. Ele é a paz e salvação dos justos. O salmista convida-nos a louvar a Deus com ele e, aludindo ao grande perigo de que foi libertado, diz-nos como o Senhor é bom e tudo dá aos que o procuram e temem.
Aos Efésios, Paulo sugere orientações para a vida em família e no relacionamento marido-pessoa. Inserido na cultura do tempo, considera o marido cabeça da mulher. Entende o relacionamento homem-mulher na perspectiva da teologia da Igreja, onde Cristo é a sua cabeça.
Ninguém duvida de que a Igreja deva se submeter e obedecer a Cristo-cabeça. E se não fizer isso, perde a sua identidade e razão de ser. Obviamente que, hoje, o mesmo não se pode afirmar na relação marido-esposa.
Mas qual o significado da expressão: “Sejam submissos uns aos outros por temor a Cristo”? Cristo, na verdade, é o ponto de partida para todo o tipo de relacionamento entre as pessoas. E a carta aos Filipenses (2,5-11) explica o sentido do temer a Cristo; Ele se pôs a serviço de todos, desceu ao nível social último e se fez servo obediente até a morte, e morte de cruz.
Nesse contexto, fica clara a missão e a tarefa do marido: “Que os maridos amem as suas esposas como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela. Assim devem os maridos amar suas esposas como a seus próprios corpos. Quem ama sua esposa, ama a si mesmo”.
Não esqueçamos que o autor, nesta carta, desenvolve uma teologia da Igreja: Deus revelou todo o mistério de sua vontade de unir em Cristo todas as coisas.
O Evangelho, conclusão do capítulo 6 de João, mostra como a encarnação e a eucaristia andam de mãos dadas, mexem com as pessoas e as levam a um posicionamento: aceitam Jesus e se abraçam com Ele, ou se chocam e escandalizam com Ele e se afastam do seu projeto de vida e liberdade.
Diga-se de passagem: Jesus, de fato, frustrou as expectativas e esperanças de muitos. Depois dos milagres, sinais e prodígios, concluem: “Este é o profeta que devia vir ao mundo…” e querem agarrá-lo para fazê-lo rei, mas Jesus foge sozinho para a montanha.
Nem todos entenderam a proposta de Jesus, e Ele passa a atualizar o sentido dos acontecimentos. José Bortolini resume a explicação de Jesus: “Na pessoa de Jesus, Deus oferece à humanidade um pão que sustenta para sempre. Esse pão é a pessoa de Jesus, o maior presente que o Pai fez ao mundo. Quem recebe o pão e o assimila (Eucaristia), descobre que Deus lhe confia uma tarefa, que é a adesão a Jesus, tornando-se, também, pão partilhado para a vida de todos (encarnação). Não há meio-tempo: quem recebe Jesus como pão não pode eximir-se da responsabilidade de ser, como Ele, pão para a vida dos outros. A Eucaristia e a encarnação põem as pessoas diante de uma decisão. E aqui surgem muitas crises e abandonos.” (José Bortolini, Roteiros Homiléticos, Anos A, B,C – Festas e Solenidades; Paulus, São Paulo, 2008, p.429).
De fato, a tentação é buscar uma religião fácil, sem compromissos nem maiores conseqüências. Mas, no plano de Deus, essa religião e liturgia não existem. A verdadeira religião é assumir a prática e a doação de Jesus em favor dos menos favorecidos. Liturgia é memória e mergulho no mistério do pão partilhado, a Páscoa de Jesus.
Por causa disso, Jesus decepcionou muita gente. Ele não procurou a glória das pessoas nem prometeu glória aos seus seguidores. A realeza e a glória de Jesus consistem em doar-se radicalmente até esgotar a própria vida.
Eucaristia e glória. O pão não tem fim em si mesmo. Existe para ser consumido e devolver as forças para quem passa fome. Os que amam sabem que a vida não tem sentido se não se traduzir em pão, em dom a ser partilhado com os outros.
E Jesus mostra que a vida é para ser partilhada, e a morte pode se tornar a maior expressão de amor. Ele não dispensa ninguém de dar a vida até a morte, se for preciso. Judas, aquele que entregou Jesus, não entendeu a vida como oferta para os outros. Mas viu a vida como um bem a ser conservado egoisticamente. Em vez de doar a sua vida, entregou Jesus à morte. Ou seja, faz a opção pela morte.
Jesus, antes de elevar-se para a glória de Deus, assume a cruz, numa oferta total de sua vida. Sua “subida” é o gesto supremo de serviço à humanidade que precisa de paz, de reconciliação e de alegria. Muitos o entenderam. Outros não, e, por isso, deixaram de segui-lo, porque sua proposta foi tornando-se muito exigente, humanamente inaceitável.
Confessar que Jesus é o “santo de Deus” e reconhecer que não há outro caminho significa aderir a Ele, continuando e realizando o que Ele fez como peregrino e missionário do Pai.
3. Atualizando a Palavra
Há uma pergunta nos bastidores da Igreja e na consciência dos cristãos: o que significa e implica servir ao Deus verdadeiro, nos dias de hoje?
É duro admitir que a fé na Eucaristia não seja unicamente crer na presença de Jesus nas espécies do pão e vinho, mas também no pobre, no aleijado, no espoliado, no maltrapilho, e que Ele encarna-se na realidade concreta das pessoas.
O que significa ser pão para os outros? Por que muita gente se escandaliza e cai fora quando mostramos os compromissos da Eucaristia? Aparece hoje um certo “espiritualismo eucarístico” que esconde e escamoteia a encarnação de Jesus no contexto histórico.
A fé exige decisão e adesão sem reservas àquele cujas palavras prometem e comunicam a vida eterna. Jesus é efetivamente o enviado que Deus consagrou. A escolha para segui-lo não suprime a liberdade e não impede a possibilidade de traição. Seguir Jesus impõe condições que nem todos aceitam. Servir o Senhor da vida é penoso e exigente, e podemos sucumbir à tentação de “ir embora” e largar o seguimento.
Hoje existem formas discretas de nos retirar da caminhada sem dar muito na vista: ficar na comunidade sem assumir ou sem se importar com o projeto de Jesus, vivendo uma religião como rotina, para ter a consciência em paz; escolher trechos mais convenientes do Evangelho e fingir não ver as exigências cristãs da caridade, da justiça e da ação transformadora da sociedade; inventar um Jesus a nosso gosto, que nos incomode pouco, ou nada, e faça sempre a “nossa vontade”.
Será que é possível se dizer cristão, freqüentar a igreja, sem de fato ter tomado uma decisão verdadeira de seguimento a Jesus e de compromisso com o seu projeto?
4. Ligando a Palavra e a Eucaristia
Na celebração, nos abrimos ao convite que o Senhor nos faz pela Palavra a uma opção decisiva por Ele, superando os estímulos da “carne” para viver no espírito. Professamos nossa fé inspirada na afirmação de Pedro. “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o santo de Deus”.
Na liturgia eucarística, fazemos memória da doação e entrega de Jesus por nós. Rendemos graças por tamanho gesto de bondade e generosidade. Agradecemos ao Pai, que, em Jesus, fez uma opção amorosa e comprometedora pela humanidade. Ao celebrar o “mistério da fé”, somos provocados a superar as aparências e olhar com os olhos da fé o mistério de nossa vida e da vida dos irmãos e irmãs.
Suplicamos que Ele nos ensine a não fugirmos dos conflitos e a não perdemos a alegria de viver, apesar das dificuldades encontradas em nosso caminho. Buscamos forças e inspiração para a nossa maior e mais radical doação em prol de um projeto de vida para todos.
A Eucaristia nos coloca diante de Cristo e nos pede uma opção pronta e decisiva. A Palavra proclamada é luz, e o pão que recebemos é força e alimento, em vista de uma resposta positiva e responsável.
Enviado por D. Vilson Dias de Oliveira, DC – Bispo da Diocese de Limeira
No Quarto Evangelho, não aparecem os inúmeros milagres de Jesus como nos outros evangelhos, e nenhum relato de um gesto de expulsão de demônios. O Evangelho de João chama estes acontecimentos de “sinais” e não de “milagres”, como nos outros evangelhos. Por que esta diferença? É que, para João, estes sinais de Jesus exigem uma tomada de posição por parte das pessoas.
Os sinais de Jesus podem provocar fé. Em Caná, diante do sinal do vinho, os discípulos tiveram fé em Jesus (Jo 2,11). Também em Jerusalém os sinais provocam adesão e fé (Jo 2,23). Movido por estes mesmos sinais, Nicodemos busca saber quem é Jesus (Jo 3,2). O funcionário real e sua família se convertem diante do sinal feito por Jesus (Jo 4,54). Mas Jesus exige algo mais. Ele desconfia de uma fé que vive pedindo sinais (Jo 2,18; 2,23-25; 4,48). Os sinais nem sempre suscitam fé em Jesus (Jo 6,26; 12,37).
Para Jesus não é necessário “ver para crer!” (Jo 20,29). Talvez por isso João relata apenas sete sinais. Ele destaca estes sinais para que as pessoas que buscam a glória de Deus possam penetrar no mistério da vida de Jesus e descobri-lo como verdadeiro Messias e Filho de Deus (Jo 1,14; 2,11; 20,30-31).
Os sinais feitos por Jesus são expressão do amor de Deus pela Humanidade. Desta forma João busca ligar Jesus com as manifestações da glória de Deus no Antigo Testamento. No AT “glória” é a manifestação visível do Deus invisível através de atos e feitos extraordinários (Ex 16,7-10; 24,17; Nm 14,11-22; Dt 7,19-29; 29,1-3). Através destes sete sinais extraordinários de Jesus, a comunidade pode ter a certeza de que Deus continua junto com o povo, num novo êxodo para a liberdade.
Elenco dos sete sinais que aparecem no evangelho de João:
1 - Bodas de Caná. João 2,1-11
2 - Cura de um filho de um funcionário real. João 4, 46-54
3 - Cura de um enfermo na piscina de Betesda. João 5,1-18
4 - Multiplicação dos pães. João 6, 1-15
5 - Caminha sobre o mar. João 6, 16-21
6 - Cura do cego de nascença. João 9,1-41
7 - Ressurreição de Lazaro. João 11,1-44
Capitulo 6
No Situando do 8º Círculo Bíblico deste mesmo livro, vimos o esquema das sete festas e dos sete sinais. Aqui, neste novo círculo, estamos na festa da Páscoa, a 4ª festa (Jo 6,4). Nela acontecem dois sinais: a multiplicação dos pães (4º sinal) e a caminhada sobre as águas (5º sinal). Em seguida, vem o longo diálogo sobre o Pão da Vida (Jo 6,22-71). O enfoque central é o confronto entre a antiga Páscoa do Êxodo e a nova Páscoa que se realiza em Jesus:
Jo 6,1-15: Multiplicação dos pães – Como Moisés, Jesus dá de comer ao povo no deserto;
Jo 6,16-21: Caminhada sobre as águas – Como o povo, Jesus atravessa o mar;
Jo 6,22-71: Diálogo sobre o Pão da Vida – Esclarece a nova Páscoa que se realiza em Jesus.
(Traduzido pelo tradutor Google sem correção nossa)
DOMINGO XXI DO ANO – CICLO “B”
Primeira leitura (Josué 24:1-2:15-17:18)
O texto de Jos 24, com clara conotação deuteronomista, apresenta-nos a fé como resposta ao dom de Deus e como opção de vida. Na verdade, a terra é apresentada tanto como uma dádiva de Deus como como uma conquista de Israel. Deus deu a terra prometida aos israelitas, que, apoiados pela força do Senhor, tomaram posse dela. Deus deu-lhes o dom e também a possibilidade real de possuí-lo. Por sua vez, os israelitas acompanharam, com a sua fiel obediência, a acção do Senhor. Chegamos assim ao final desta epopeia, quando Josué, seu líder, sucessor de Moisés e instrumento de Deus, convoca todas as tribos de Israel para uma assembleia em Siquém. Aqui ele os convida a tomar uma decisão importante: a quem eles vão servir/seguir, os deuses dos seus antepassados ou o Senhor? Além de apresentar claramente a opção que devem fazer, dá-lhes o seu testemunho pessoal: ele e a sua família servirão ao Senhor. Então os israelitas se lembram de todas as ações do Senhor em seu favor, começando com a libertação do Egito, e decidem servir/seguir ao Senhor.
Evangelho (Jo 6,60-69):
A primeira novidade do evangelho de hoje é a mudança de “audiência”: Jesus agora dialoga com os seus discípulos. São os mesmos que estiveram presentes e atuantes na narração da multiplicação dos pães; e depois foi feita referência à sua transferência para a outra margem onde aconteceu o discurso de Jesus sobre o pão da vida (6,22,24). Por isso, estiveram presentes em todo o discurso de Jesus, mas permanecendo em segundo plano. Agora o evangelho nos traz a sua reação às palavras de Jesus: “Esta linguagem é dura! Quem pode ouvi-la?” "Duro" (sklērós σκληρός) aqui tem o significado de pesado, difícil de suportar ou aceitar. Isto é, as palavras de Jesus são inaceitáveis para eles; Especificamente, eles os rejeitam, não aderem a eles.
Jesus, por sua vez, interpreta esta queixa como murmuração. Esta é a mesma atitude que ele condenou entre os judeus neste mesmo capítulo (cf. 6,41.43). Lembremo-nos de que a murmuração está enraizada na não compreensão da obra de Deus. É, num certo sentido, o oposto da fé como aceitação do mistério de Deus.
Jesus também fica surpreso ao ver que eles ficam escandalizados com suas palavras. No NT o que escandaliza é algo que se choca e que provoca indignação ou protesto, murmuração. No contexto destes versículos, significa que as palavras de Jesus sobre comer a sua carne e beber o seu sangue são um obstáculo à sua fé. Eles não conseguem aceitá-los, param, bloqueiam. Portanto, escandalizar-se é a atitude oposta de acreditar-confiar-aceitar.
Em 6:62 Jesus se redobra ao afirmar que ainda não viram nem ouviram tudo, pois ele deveria subir até onde estava antes, ou seja, ao lado de Deus. Talvez o significado desta expressão seja esclarecido se lembrarmos o que Jesus disse a Nicodemos: “Se você não acredita quando eu lhe falo das coisas da terra, como você acreditará quando eu lhe contar das coisas do céu? subiu ao céu, mas aquele que desceu do céu, o Filho do homem que está no céu, assim como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do homem seja elevado ao alto, para que todos os que crêem. nele, tenha a vida eterna” (Jo 3,12-15). Aqui ele alude também à dificuldade de acreditar quando Jesus fala das coisas de Deus, do céu; e a ascensão ao céu do Filho do Homem, que é então identificada com a sua elevação ao alto, isto é, com a sua crucificação.
Por isso, Jesus diz aos seus discípulos que a sua paixão será motivo de escândalo maior do que o seu discurso sobre o pão da vida; que a realidade da sua morte na cruz para a salvação dos homens será mais difícil de aceitar do que a sua atualização sacramental na Eucaristia.
Continuando com o tema da dificuldade de acreditar que afeta os discípulos, Jesus os convida a mudar a sua perspectiva, a sua perspectiva, porque aqui está a raiz da dificuldade. Neste contexto, a expressão: "É o espírito que vivifica; a carne não serve para nada. As palavras que vos tenho dito são espírito e são vida" (6,63) significa que as palavras de Jesus não podem ser compreendidas. com a única capacidade humana (a carne), mas apenas com o Espírito. A revelação que Jesus traz é uma vida que só pode ser compreendida a partir do Espírito, e somente o Espírito comunica essa vida. Jesus já dizia algo semelhante a Nicodemos quando não entendia o significado de “nascer de novo”: “O que nasce da carne é carne, o que nasce do Espírito é espírito” (Jo 3,6).
Os versículos seguintes (6,64-65) confirmam esta interpretação porque Jesus, depois de se referir à incredulidade de alguns dos seus discípulos e à traição de Judas, insiste mais uma vez que a fé é um dom do Pai. Já em 6:44 Jesus havia dito aos judeus que “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer”; Portanto, também nisto a atitude dos discípulos é comparável à dos judeus: resistem à atração de Deus.
O resultado deste diálogo é que muitos dos seus discípulos deixaram de segui-lo. Literalmente diz que eles voltaram e não andavam mais com ele (v. 66).
Em suma: muitos dos discípulos de Jesus tiveram, em última análise, a mesma atitude dos judeus, seus anteriores interlocutores. Em particular, partilham com eles a murmuração e a falta de fé, que não souberam receber como dom do Pai.
Em 6:67 aparece identificado um novo grupo e público: o dos doze. No evangelho de João, fora do capítulo 6, somente em Jo 20,24 esse termo é usado para se referir aos seguidores mais próximos de Jesus; enquanto seu uso é muito mais abundante e preciso nos sinópticos, onde conhecemos seus nomes e sua condição de apóstolos. A verdade é que os “doze” são apresentados como um grupo à parte dos discípulos; e para eles em particular Jesus dirige agora a sua atenção. E faz isso de uma forma um tanto chocante, como se lesse a expressão em seus rostos: “Você também quer ir embora?”
Pedro assume a liderança do grupo e fala: "Senhor, para quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos e sabemos que tu és o Santo de Deus" (6:68-69)
Em primeiro lugar, Pedro mostra que compreendeu a mensagem de Jesus porque reconhece que as suas palavras são de vida eterna (ζωῆς αἰωνίου). Várias vezes ao longo do discurso Jesus falou de vida eterna e Pedro confessa que só Jesus tem palavras de vida eterna; Portanto, não há mais ninguém a quem recorrer. Notemos que aqui a questão é acima de tudo seguir alguém e não ideias. Assim, indiretamente, Pedro expressa a intenção dos doze de continuar com Jesus. Além disso, de acordo com a expressão seguinte de Pedro, os doze acreditaram em Jesus e o reconheceram como o Santo de Deus. Esses verbos estão no tempo “perfeito”, que em grego é usado para uma ação do passado que continua no presente. Sua tradução literal seria: “acreditamos e continuamos a acreditar; “Nós sabíamos e continuamos a saber.” Lembremos também que o verbo conhecer em João não se refere tanto a um ato intelectual, mas a uma comunhão de vida. Isto é, pela fé “eles foram até Jesus” e pelo conhecimento “eles entraram em comunhão com a sua divindade”. Na verdade, a expressão “santo de Deus”, única vez que aparece em João, significa que Jesus pertence à esfera ou dimensão do divino, pois santo é tudo o que é consagrado a Deus.
O texto de Jo 10,37-38 pode iluminar a necessidade de acreditar para conhecer:
"Se eu não faço as obras de meu Pai, não acredite em mim; mas se eu as faço, acredite nas obras, mesmo que você não acredite em mim. Assim você saberá e saberá que o Pai está em mim e eu no Pai."
E sobre a relação entre a vida eterna e o conhecimento-comunhão com Deus Jo 17,3:
“Esta é a Vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e o teu Mensageiro, Jesus Cristo.”
Concluindo: apenas este terceiro grupo, o dos doze, respondeu bem ao sinal e ao subsequente ensinamento de Jesus. Reconheceram nas palavras de Jesus a revelação da vida eterna que o Pai oferece a todos os homens; e aceitaram, acreditaram que Jesus é o enviado do Pai para comunicar esta vida, que ele é o Santo de Deus.
MEDITAÇÃO
O exercício de nos colocarmos no mesmo lugar de seus personagens ou protagonistas costuma nos ajudar na apropriação do Evangelho.
Portanto, se nos identificamos com os discípulos de Jesus, temos que reconhecer que muitas vezes nos é difícil acreditar, perseverar na fé. As palavras de Jesus são difíceis para nós, especialmente quando queremos concretizá-las na vida cotidiana e vão contra o pensamento da maioria. São tempos difíceis, de angústia e de tentação, em que a rebelião nos domina, caímos na murmuração e queremos abandonar o seguimento do Senhor.
Estas crises só podem ser superadas com oração e paciência, pedindo muito ao Pai a graça da fé como atrativo para poder seguir Jesus sempre, mesmo que tantos “porquês” da vida permaneçam sem resposta. É o conselho que Santo Agostinho nos dá: “Você ainda não se sente atraído? Reze para se sentir atraído”. Se conseguirmos perseverar, depois da tempestade negra, grande luz e paz virão até nós. Saímos fortalecidos e crescidos na fé, porque aprendemos que a fé é uma luta constante. B. Forte[1] também explica muito bem: “Acreditar não é antes de tudo concordar com uma demonstração clara e óbvia ou com um projeto desprovido de incógnitas e conflitos: não se acredita em algo que possa ser possuído e usado para si mesmo. segurança ou prazer. Acreditar é confiar em Alguém, consentir ao chamado do Estrangeiro que convida, colocar a vida nas mãos de Outro, para que ele seja o único Senhor verdadeiro Segundo uma sugestiva etimologia medieval,. “acreditar” significaria “cor ousar”, entregar o coração, colocá-lo incondicionalmente nas mãos de Outro: crê quem se deixa aprisionar pelo Deus invisível, quem aceita ser possuído por ele na escuta obediente e na docilidade da parte mais profunda do coração. A fé é entrega, entrega, abandono, não posse, garantia ou segurança. o dia: não se acredita apesar do escândalo e do risco, mas precisamente desafiado por eles e neles quem acredita caminha na noite, peregrino rumo à luz”.
Por outro lado, se nos identificarmos com Pedro e os doze apóstolos, experimentaremos o triunfo da fé acima de toda dúvida. Embora ainda não compreendamos totalmente, vemos claramente que só Jesus tem “palavras de Vida Eterna”, que Ele e só Ele pode dar um sentido transcendente e definitivo à nossa vida. É dizer que encontraremos nas palavras de Jesus a resposta à fome e à sede de vida eterna que temos no coração. Possivelmente também como para eles a mensagem de Jesus pode parecer “dura”, de certa forma incompreensível; mas nos deixaremos atrair pelo Pai. O dom da fé vai além da compreensão, a ponto de levar ao amor, ao abandono, à confiança em Deus. Ou seja, a fé é um “ir em direção a Jesus” atraída pelo Pai e, neste caminho, a inteligência deve entregar-se ao mistério. Então o crente só tem uma fé confiante que o move a continuar no caminho, não tanto pelo que entende, mas porque se sente amado e confia que esse amor lhe dará o que promete. A este respeito, U. Hans von Baltasar[2] diz: «Crer é apenas amar, e nada pode e deve ser acreditado se não for amor. Este é o peso, a “obra” da fé: reconhecer que prius absoluto e intransponível Acreditar é amar, amar absolutamente E isso como um fim e sem nada por trás disso.
Ainda temos veja o texto da perspectiva de Jesus, isto é, em chave pastoral. Não podemos deixar de nos surpreender por Jesus não “relaxar” ou “diluir” a sua mensagem diante da possibilidade real de ser abandonado pelos seus discípulos. Mostra uma fidelidade incorruptível e inegociável à Verdade. H. U. von Balthasar observa isso muito bem.2ao comentar este texto:
"Jesus não só não retira nada do que disse, razão pela qual parece “inaceitável” aos seus ouvintes que sejam submetidos a uma prova tão dura, mas dá um peso ainda mais específico à sua afirmação quando se dirige aos seus discípulos. ao prever a sua ascensão ao Pai e reivindica para todas as suas palavras a qualidade de ser "espírito e vida" [...] Para Jesus o número não é importante, e é por isso que ele coloca os doze especialmente antes da escolha: Você também quer ir embora?".
1 Cf. Só o amor é digno de fé (Siga-me; Salamanca 1990) 93-94.
2 Luz da palavra. Comentário às leituras de domingo (Reunião; Madrid 1998) 188
4
Fica evidente neste texto que Jesus parece não se importar com o número, com a quantidade, pois o resultado da sua pregação não é muito animador: começou a falar para cinco mil homens e apenas doze permaneceram com ele. O tema é muito atual e é muito bem ilustrado pelo Padre Molinié3: "É doloroso para um apóstolo não atrair os homens, se o próprio Pai não os atrai. É tentador atraí-los por todos os meios, recorrer a algo diferente da vida trinitária. Deus não nos impede de usar tais meios, pois o próprio Jesus o fez; mas, mesmo para ele, era perigoso, os homens sempre querendo ficar ali. Um apóstolo não tem o direito de ficar lá. É difícil, é difícil aceitar não poder atrair ninguém de forma duradoura por outro incentivo que não seja a vida divina. Para sermos fiéis a esta exigência, o nosso primeiro dever é compreendê-la bem, não confundir o natural com o sobrenatural. Na corrida para aquele que melhor seduzirá o coração humano, o sobrenatural começa com uma terrível desvantagem: não se vê, enquanto se veem os valores naturais, eles se impõem aos sentidos e à inteligência.".
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
Abra nosso entendimento
Senhor,
Tenha compaixão do seu povo!
Para você para o Pai no céu
Pedimos que você envie seu Espírito,
Abra nosso entendimento.
levante o coração
O servidor também é solicitado
Sem esse gesto abençoado
A Unção não é recebida.
Para aceitar a verdade
Fazer-nos crianças é o caminho,
Contemple a beleza, o simples
Antes de você, nos encha de espanto.
Os traidores serão deixados para trás
Aqueles satisfeitos com tudo.
Eles vão olhar para cima e para baixo
Eles não levantarão os olhos.
A fé hoje nos mantém de pé
À sombra da Cruz permanecemos
A vida veio até nós de lá
Comunidade e Sacramentos.
Senhor, para quem iremos?
O Apóstolo perguntou, sem rodeios
Ele aprendeu na sua companhia
Para saborear o Eterno.
E se às vezes nos afastamos...
Muitos mais de nós retornamos.
Chamados à mesa do “Pão para todos”
Deixe-nos receber o seu Sangue e o seu Corpo. Amém.
[1] Breve introducción a la Fe (San Pablo; Madrid 1994) 16
[2] Cf. Solo el amor es digno de fe (Sígueme; Salamanca 1990) 93-94.
[3] Luz de la palabra. Comentario a las lecturas dominicales (Encuentro; Madrid 1998) 188
[4] El coraje de tener miedo. Variaciones sobre espiritualidad (San Pablo; Madrid 1979) 26.