03/08/2025
AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO
1ª Leitura: Eclesiastes 1,2;2,21-23
Salmo Responsorial 89(90)- Vós fostes, ó Senhor, um refúgio para nós
2ª Leitura: Colossenses 3,1-5.9-11
Evangelho de Lucas 12,13-21
Proclamação do evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas – Naquele tempo, 13alguém, do meio da multidão, disse a Jesus: “Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo”. 14Jesus respondeu: “Homem, quem me encarregou de julgar ou de dividir vossos bens?” 15E disse-lhes: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens”. 16E contou-lhes uma parábola: “A terra de um homem rico deu uma grande colheita. 17Ele pensava consigo mesmo: ‘O que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita’. 18Então resolveu: ‘Já sei o que fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir maiores; neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. 19Então poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tu tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, aproveita!’ 20Mas Deus lhe disse: ‘Louco! Ainda nesta noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?’ 21Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico diante de Deus”. – Palavra da salvação
Lc 12,13-21
“Onde está o teu tesouro, aí está o teu coração”. Vivemos em uma sociedade que põe a busca da felicidade no dinheiro, nas posses, no prazer. Pior do que isso: vivemos em um mundo que não tem coragem de pôr Deus no centro da existência. “Vaidade das vaidades” (Ecl 1,2).
São Paulo, por sua vez, nos dá um conselho precioso: “aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo, em Deus” (Cl 3,2). O que são essas coisas celestes? É uma vida que se afasta dos vícios da “imoralidade, impureza, paixão, maus desejos, cobiça, idolatria, mentira”. É uma vida que se dispõe à pratica da verdade, do amor a Deus e ao próximo, do perdão.
Quem age assim já encontrou o seu tesouro. Esse tesouro não cabe em celeiros, mas só pode ser contido no coração.
18º domTComum – Lc 12,13-21 – Ano C – 03-08-25
“... a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12,15)
Jesus, no evangelho deste domingo, nos situa no horizonte do sentido da vida e revela que o ser humano está direcionado para um fim (“ser rico para Deus”). Assim diz o poeta Elliot: “do fim é que partimos”. É este fim que ilumina e inspira todo o seu percurso existencial; é o “fim” que determinada nosso modo de viver, que ilumina e plenifica nossas opções e compromissos.
De fato, uma das enfermidades mais graves de nosso tempo, sem dúvida, é o “vazio existencial”. Essa verdadeira enfermidade afeta milhares de pessoas em nosso mundo, gera depressões, inseguranças e neuroses. Viktor Frankl descreveu este vazio como uma frustração existencial, como um sentimento de falta de sentido da própria existência. A crise pós-moderna que vivemos deixa transparecer este traço sinistro: as pessoas não têm mais razões e causas pelas quais se entregar, pelas quais investir a vida. E assim não encontram igualmente motivações para viver com intensidade e inspiração.
A questão do “sentido da vida” ou a “vida com sentido” é fundamental na existência humana.
- Por que vivemos? Para que vivemos? Quanto vale uma vida e o que vale na vida?
- Quem não aspira preencher a própria vida de relatos, encontros, paixões, gestos, lições, projetos, ideias e sentimentos?
O vazio interior, cedo ou tarde, desemboca no tédio e no cansaço da vida. Não se trata de uma situação passageira, mas de um mal-estar contínuo, que provém de dentro e que envolve toda a existência de ceticismo, indiferença e desânimo. Tudo parece insípido. Nada vale a pena.
O indivíduo vive num deserto interior.
Podemos dizer que o coração do ser humano é feito de “matéria nobre” e de profundas “carências existenciais”. Sua matéria nobre provém de sua capacidade de amar, de sua disposição à comunhão, de sua abertura à transcendência. Não esqueçamos que o ser humano é imagem e semelhança de Deus...
Suas “carências” provêm de suas limitações e fragilidades, enquanto criatura. Essas “carências” do coração tomam o nome de insegurança, temor, desconfiança, medo do futuro, da morte...
Que saída buscar diante da ferida existencial, da insegurança do próprio eu, da indigência do coração?
No evangelho deste domingo, Jesus denuncia que, para muitos, o que acalma e apaga a angústia existencial é a riqueza. Ao se cercarem de muitos bens (sejam materiais, como dinheiro, posses... ou espirituais, como as qualidades pessoais e os saberes), creem que se acaba toda insegurança, todo medo ou qualquer tipo de angústia. Trata-se de um engano nada evidente.
O mal radical está, portanto, na “insaciável cobiça do coração pervertido”.
O engano acontece quando o coração se apega pulsionalmente às riquezas até depender delas; nesse caso, elas deixam de ser mediações do Reino para se converterem em ídolos do próprio coração. Deles se espera a salvação, e não dos outros e muito menos de Deus.
O “afeto desordenado” às riquezas se apresenta não somente como problema ético, mas também como problema de fé. A fidelidade ao Deus único fica interditada e o seguimento de Jesus fica fragilizado.
Como todo ídolo, a “riqueza” provoca o fascínio, a adoração e as identificações mais perniciosas. O apego aos “bens” apresenta-se como uma das tentações mais maléficas para todo seguidor de Jesus. A busca da própria segurança é a base da tentação pela “riqueza”.
De fato, o apego idolátrico aos bens tem suas raízes fundadas no pânico produzido pela insegurança. O dinheiro, os bens, as posses apresentam-se, então, como solo firme sob os próprios pés.
Mais ainda: a riqueza é algo mais do que solo firme e apoio; é carapaça protetora, é um objeto interno, corpo do corpo, ou coisa com a “qualidade do eu”. A dinâmica acumulativa, possessiva, própria do apego aos bens, possui toda a força do narcisismo e de uma carência infantil não integrada, com a ilusão de agradar e abastecer o próprio ego.
Além disso, a riqueza tem um caráter “pegajoso”, possui uma sinistra aderência que, na medida em que mais se fixa, maior vai sendo sua força para atrair novas necessidades.
Finalmente, acaba-se por criar uma dura cortiça que defende e isola a pessoa do entorno e que a aliena numa insensibilidade para com tudo aquilo que não seja sua própria realidade.
Aqui estamos diante de uma "embriaguez existencial" na qual toda alteridade desaparece. A consequência mais lógica numa pessoa que se habitua a ter tudo ou querer tudo é que ela chega a bastar-se a si mesma, desprezando ou desvalorizando os outros, inclusive a própria graça do Senhor.
A raiz de tudo é uma profunda autossuficiência, que, sem se dar conta, leva-a a considerar-se forte porque tem tudo.
No apego “perverso” aos bens e riquezas, não se trata já de “ter algo”, mas de “ter-se a si mesmo” numa tendência de orientação marcadamente centralizadora. A pessoa fecha-se sobre si mesma, rompendo todo impulso em direção aos outros, pensando conquistar uma segurança. Mas, na realidade, a pessoa está se situando na posição mais insegura que se possa imaginar, pois “se sou o que tenho e o que tenho se perde, então quem sou?” (E. Fromm).
O problema da relação com as riquezas se intensifica se levamos em consideração que, junto a estes fatores pessoais, é preciso acrescentar a influência e a manipulação tão fundamental que vem do meio ambiente socioeconômico. O desejo não é alheio, certamente, às dinâmicas ambientais nas quais este necessariamente se desenvolve, cresce e pode encontrar seus objetos de satisfação.
Por isso, a dinâmica econômica de nossos dias deve ser levada muito em conta à hora de compreender as vias pelas quais circulam nossos vínculos com o dinheiro e com os bens.
A armadilha de nossa sociedade de consumo está no fato de não descobrirmos que quanto maior capacidade temos de satisfazer necessidades, maior número de novas necessidades nós criamos; e isso, sem possibilidade alguma de marcar um limite.
Na criação da nova comunidade dos seguidores de Jesus, a atitude de compartilhar deve substituir a acumulação e se apresenta como alternativa àquilo que a sociedade de consumo impõe; aqui está configurada uma das propostas mestras na proclamação do Reino de Deus.
Contra a tendência a querer apropriar-nos de tudo como busca de segurança e como defesa hostil diante dos outros, Jesus nos convida a compartilhar, como abertura aos outros e como possibilidade para a criação da “nova comunidade”, uma alternativa às relações interpessoais de exploração e exclusão.
Na partilha, a primitiva tendência egoísta e agressiva dá lugar a uma atitude aberta, acolhedora e benevolente frente ao outro. Além disso, onde há partilha, há superabundância.
Só assim seremos “ricos para Deus”.
E “ser rico diante de Deus” não quer dizer armazenar méritos para a outra vida, mas administrar nossos bens inspirado no modo de ser e de viver de Jesus que, sendo rico se fez pobre para nos enriquecer.
É decisivo cuidar e investir no enriquecimento da vida interior, e reavivar “o amor criador” que, segundo S. Tomás de Aquino, é o contrário do vazio ou do tédio vital.
Para o cristão, o seguimento de Jesus Cristo, “caminho, verdade e vida”, é o melhor estímulo para recuperar o verdadeiro sentido da existência. A partir dessa identificação o cristão vai se “enriquecendo” interiormente.
Em seu centro está o amor e somente o amor pode justificar nossa existência.; a partir do amor gera-se uma vida que se caracteriza pela alegria e pela paz, que dá origem a atitudes de bondade, paciência, lealdade, compaixão, presença solidária... O amor é a última palavra na explicação do sentido da vida.
Para meditar na oração:
Que paixão move o seu coração? seu coração está livre? seus afetos estão ordenados?
Temos muitas atitudes, posses, ideias, cargos, posições, bens... que consideramos como Vontade de Deus; na realidade é tudo “projeção” de nossos desejos, de nossa vontade, de nós mesmos...
- Que apegos estão travando sua vida e impedindo-o aderir a Cristo incondicionalmente?
- Que “riquezas” estão travando o fluxo de sua vida? Onde você está “investindo” seus melhores recursos?
Texto extraído do livro "O AVESSO É O LADO CERTO – Círculos Bíblicos sobre o Evangelho de Lucas".
Autoria de Carlos Mesters e Mercedes Lopes. CEBI Publicações.
O texto de hoje traz a seguinte afirmação de Jesus: "Olhem os passarinhos! Olhem as flores! Não se preocupam com comida e roupa! Busquem o Reino de Deus, e estas outras coisas lhes serão dadas em acréscimo". Será que conseguimos colocar essa frase em prática?
CHAVE DE LEITURA
O texto de hoje é provocado pela pergunta de um rapaz que queria que Jesus o ajudasse para conseguir a herança. Na resposta, Jesus usa três parábolas ou comparações: uma do homem rico, outra de passarinhos e outra de flores. Durante a leitura, sugerimos prestar atenção no seguinte: "Qual é a característica de cada uma destas três parábolas?" (Lc 12,13-32).
SITUANDO
No início do capítulo 12, Lucas diz que milhares de pessoas se reuniam ao redor de Jesus. Era tanta gente que uns pisavam nos outros (Lc 12,1). Que tipo de povo procurava Jesus? Muitos deles eram vítimas do "fermento dos fariseus" (Lc 12,1). Era gente censurada e controlada pelas autoridades, pois eles eram obrigados a falar às escondidas (Lc 12,3). Era gente explorada pelos impostos dos romanos e pelas taxas do Templo e, por isso mesmo, muitas vezes, amedrontada e ameaçada de morte (Lc 12,4). Jesus anima o povo a não ter medo (Lc 12,4-12).
No meio desta multidão, havia uma pessoa que não estava ali por causa dos ensinamentos de Jesus sobre o Reino de Deus. Ela queria que Jesus a ajudasse a receber a herança. Sua preocupação central eram os bens materiais. É neste contexto que Jesus passa a ensinar sobre o perigo das riquezas, contando três parábolas.
COMENTANDO
Lucas 12,13-15: Cuidado com a cobiça!
Do meio da multidão alguém toma a palavra. Ele quer envolver Jesus em brigas familiares. Quer que Jesus atue como juiz na repartição de uma herança. Jesus não aceita a provocação, pois não tem mandato legal como juiz. Então, dirigindo-se à multidão, ele passa a ensinar sobre o relacionamento com os bens materiais: "Tomem cuidado com toda cobiça. A acumulação da riqueza não assegura a vida!" Em seguida, para esclarecer o seu pensamento, conta a parábola do homem rico.
Lucas 12,16-21: A parábola do homem rico: não acumular!
Jesus conta a parábola do homem que, com muita sorte e boa administração, conseguiu acumular uma grande riqueza. Mas, a riqueza não conseguiu impedir sua morte prematura e inesperada. Justamente quando ele pensava poder gozar com tranquilidade da riqueza acumulada, a morte chegou! No versículo 21, Jesus nos dá a chave para entender o objetivo da parábola: "assim acontece com quem junta tesouros para si mesmo e não é rico para Deus!"
ALARGANDO
Jesus disse: "Não tenham medo, pequeno rebanho, porque o Pai de vocês tem prazer em dar-lhes o Reino!" O Reino de Deus deve ser o centro de toda a nossa preocupação. O Reino pede uma convivência onde não haja acumulação e sim partilha, para que todos tenham o necessário. O Reino é a nova convivência fraterna, em que cada pessoa se sente responsável pela outra. Esta maneira de ver o Reino ajuda a entender melhor as parábolas dos passarinhos e das flores, pois, para Jesus, a Providência Divina passa pela organização fraterna. Preocupar-se com o Reino e sua justiça é o mesmo que preocupar-se em aceitar Deus como Pai e ser irmão e irmã uns dos outros.
Isto traz consigo uma boa ordem econômica e social, em que já não é necessário acumular. Se houver preocupação pelo Reino, todos terão o necessário, pois a comunidade estará organizada a partir da solidariedade e da partilha. A solidariedade é um tema preferido de Lucas (Lc 3,11; 6,30; 11,41; 12,33-34; 14,14; 16,9; 18,22; 19,8; At 9,36; 10,2.4.31). Tema fundamental para os nossos dias. Frente ao crescente empobrecimento, causado pelo neoliberalismo econômico, a saída concreta, que o evangelho nos apresenta e os pobres encontraram para sua sobrevivência, é a solidariedade.
Aprender das flores e dos passarinhos não é muito comum na nossa cultura. Nosso saber é por demais racional. No entanto, Jesus nos apresenta aqui um caminho para adquirir sabedoria: observar a natureza. Contemplar e admirar o meio ambiente que nos envolve e que é fonte de saúde e de alegria.
Um homem pede a Jesus para intervir a respeito de uma briga entre ele e seu irmão sobre a herança. De novo no evangelho tem alguém que chama Jesus para resolver um conflito. Este alguém não tem nome próprio no texto. Provavelmente porque cada um, cada uma de nós é chamado a identificar-se com esta personagem. Na pergunta sobre a divisão da herança aparece uma grande ilusão. A pergunta ilusória é sobre a divisão da riqueza. Este texto nos diz que a riqueza não dividida divide.
Jesus recusa, neste texto, o papel de mediador do conflito. Na perspectiva da grande ilusão da qual estes dois irmãos são vítimas, a de pensar que a riqueza que divide e violenta possa ser dividida, Jesus não quer ser considerado o juiz conciliador, mas o companheiro de caminhada que quer ajudar a entender e indicar os motivos que determinam o empobrecimento e os conflitos entre as pessoas. Estes motivos se juntam concretamente ao redor do egoísmo e da ganância.
São estes os dois sentimentos que habitam os irmãos deste texto do evangelho. Jesus fala deste sentimento de desejo sem entender o que é necessário desejar. A ilusão, de quem não conhece o que é verdadeiramente necessário e por isto pensa de encontrar no possuir a sua segurança.
Qual é nossa necessária necessidade? Esta é uma pergunta de fundo para a nossa vida.
Desde os tempos antigos da caminhada de libertação no Êxodo, nossos pais e nossas mães na fé tiveram que responder a esta pergunta. No tempo do deserto, no tempo da divisão do poder e da profunda defesa da Vida, seguindo o Deus Libertador, o Povo das tribos no caminho de libertação teve que aprender como dividir algo que não sabiam nomear e por isto chamaram "maná". Tiveram que aprender a partilhar "segundo a necessidade".
Lembramos também que, no Primeiro Testamento, uma tribo, a de Levi, a tribo dos homens e mulheres errantes e mendicantes de tenda em tenda, esta tribo não recebia nenhuma herança, nenhuma terra, exatamente para poder testemunhar, na transparência do corpo e das relações, que a única herança é Javé libertador.
Também no Segundo Testamento o contrário da ganância é a plenitude em Deus. Por isto, Paulo, na carta aos Colossenses 3,5, nos diz que a ganância é idolatria!
A ganância faz o nosso coração se dividir entre diferentes desejos. E um coração dividido é um coração idólatra, uma alma, transparência de corpo, que perdeu o necessário, isto é, o testemunhar em todo o respiro da Vida que a única herança é Javé Libertador!
Os bens não nos livram da morte
Neste texto do evangelho de Lucas, Jesus faz uma afirmação muito séria: "sua vida não depende de seus bens". Como para dizer que uma pessoa não é segundo o que possui. Uma pessoa não é humana por causa de seus bens! A dignidade das pessoas não tem nada a ver com os bens que possuem! Para Jesus e seu movimento, existe uma condição profundamente humana que é "outra" em relação ao possuir.
Viver do necessário, ter a capacidade de dividir para poder multiplicar, ser transparência comunitária e ecumênica na nossa única herança que é Javé libertador de tod@s @s pequen@s e empobrecid@s, esse é o nosso caminhar no seguimento de Jesus!
Para mostrar como a prática da ganância é negativa, Jesus nos conta a parábola de um rico sem sabedoria, isto é, sem a capacidade de olhar com os olhos do essencial, que são os olhos de Deus no meio da História da Humanidade.
Este rico sem sabedoria acredita estar seguro por muitos anos, tendo acumulado muitos bens. Porém, na mesma noite lhe é pedida de volta sua própria vida. Nesta parábola, a abundância é muito presente. O homem é rico e a colheita é abundante. O homem rico pensa individualmente sobre o que irá fazer da colheita abundante. Mas só pensar consigo mesmo e não partilhar o pensamento leva a uma decisão egoísta e insensata, que faz da bênção da abundância da colheita uma maldição. A bênção não pode ser de uso individual.
Uma reflexão individual que não é partilhada em comunidade pode nos levar, como no caso da parábola, a um programa de vida esvaziado de amor. Os bens não nos livram da morte e da nossa finitude. Aliás, podem nos impedir de viver na partilha, de aprender a viver do necessário para que ninguém passe necessidade.
Os bens podem não permitir que sejamos o que é nossa profunda vocação desde os mitos bíblicos de criação da Humanidade, isto é, sermos gente nua e sem vergonha deste "estado" primordial, a nudez, o que nos faz reconhecer o que gaguejamos com o nome de Deus, nossa única e verdadeira riqueza. Amém e amem, isto é, continuemos amando.
Para tratar do tema “Seguir Jesus, desafio que exige compromisso”, nos apoiaremos na 1ª parte da Viagem Lucana: Lc 9,51-13,21, que está inserida na coluna mestra do Evangelho de Lucas: Lc 9,51–19,27, onde estão os relatos da viagem de Jesus – e do seu Movimento (discípulos e discípulas) – para Jerusalém. Ao longo de quase dez capítulos, o autor da obra lucana relata, em uma típica apresentação, o “êxodo” (= saída, subida) de Jesus como uma grande viagem da Galileia a Jerusalém. Bem mais ampliado do que nos evangelhos de Marcos e Mateus, o relato ocupa a parte central do evangelho de Lucas. O trecho de Lc 9,51–18,14 é próprio de Lucas, o restante (Lc 18,15–19,27) provém do evangelho de Marcos e é semelhante à narrativa do evangelho de Mateus.
O autor do Evangelho de Lucas interpreta a vida, ações e ensinamentos de Jesus ao longo de uma grande caminhada da Galileia até Jerusalém, ou seja, da periferia geográfica e social ao centro econômico, político, cultural e religioso da Palestina. A Palavra, em Lucas, é a palavra de um leigo, de um camponês galileu, “alguém de Nazaré”, pessoa simples, pequena, alguém que vem da grande tribulação. Não é palavra de sumo sacerdote, nem do poder.
Nessa grande viagem, subida para Jerusalém, Jesus prioriza a formação dos discípulos e discípulas. Ele percebe que não tem mais aquela adesão incondicional da primeira hora. Jesus descobriu que para consolar os aflitos era necessário também incomodar os acomodados e denunciar pessoas e estruturas injustas e corruptas. Assim, o homem de Nazaré começou a perder apoio popular. Era necessário caprichar na formação de um grupo menor que pudesse garantir os enfrentamentos que se avolumavam. Jesus sabia muito bem que em Jerusalém estava o centro dos poderes religioso, econômico, político e judiciário. Lá travaria o maior embate.
Na época de Lucas – década de 80 do 1º século -, segundo a cultura helenista, o centro do mundo era a cidade de Roma, a capital do Império Romano. Todas as outras cidades do Império (Jerusalém, Antioquia, Alexandria etc) eram periféricas em relação a Roma. Logo, Jerusalém é cidade periférica em relação a Roma. Mas para o autor da obra lucana, Jerusalém, local da morte e ressurreição de Jesus, é o centro de irradiação da Palavra, pois é capital da Palestina. Jerusalém, a cidade de Davi, é centro em relação a Nazaré, na Galileia, onde Jesus iniciou sua missão pública, após viver uns 30 anos na região.
O Evangelho de Lucas diz: Jesus, cheio do Espírito, em uma proposta periférica alternativa, vai, em uma caminhada, de Nazaré a Jerusalém; ou seja, vai da periferia para o centro, caminhando no Espírito. Em Jerusalém acontece um confronto entre o projeto de Jesus e o projeto oficial. Este tenta matar o projeto de Jesus (e de seu movimento) condenando-o a pena de morte, na cruz. Mas o Espírito é mais forte que a morte. Jesus ressuscita. No final do Evangelho de Lucas, Jesus ressuscitado diz aos discípulos e discípulas: “Permaneçam em Jerusalém até a vinda do Espírito Santo” (Lc 24,49).
Segundo o livro de Atos dos Apóstolos, as comunidades cristãs, testemunhas da ressurreição de Jesus e cheias do Espírito Santo, levam a Palavra de Jerusalém a Roma, o coração do Império. Assim a palavra faz caminho da periferia do Império Romano até o seu centro, a cidade de Roma. Quando o apóstolo Paulo, cheio do Espírito Santo, chega a Roma, como prisioneiro, estando em uma casa alugada e anunciando o reino de Deus, o livro de Atos dos Apóstolos termina. De casa em casa a Palavra faz estrada.
Quais foram os antecedentes da subida de Jesus e seu movimento para Jerusalém? Após enviar os discípulos em missão (Lc 9,1-6), Jesus começa a inquietar inclusive o governador Herodes (Lc 9,7-9). Vários discípulos querem se esquivar da responsabilidade diante da fome dos pobres: “Despede a multidão. Assim eles podem ir aos povoados e campos vizinhos para procurar alojamento e comida, pois estamos em um lugar deserto” (Lc 9,12). Mas Jesus começa a mostrar que segui-lo é um desafio que exige compromisso: “Vocês é que têm de lhes dar de comer.” (Lc 9,13). E mostra o caminho: organizar os pobres, reconhecer a bênção do Deus da vida que envolve tudo e partilhar o pão com a participação de todos no processo (Lc 9,10-17).
Lucas faz questão de mostrar que Jesus é o Messias, mas não do jeito que muitos interpretavam. Nascido de mulher (Gálatas 4,4), Jesus se torna messias, mas como servo sofredor. Por isso, não basta aceitar Jesus. É preciso, também, abraçar o projeto de Jesus e se comprometer com a luta por justiça, o que implica consolar os aflitos e afligir os consolados. Já se sentindo ameaçado de morte – e de ressurreição -, segundo uma eloquente narrativa, Jesus se transfigura no meio de conflitos e ameaças de morte, na presença memorial de Elias e Moisés, dois profetas representantes da profecia e do que há de melhor na Lei mosaica (Lc 9,28-36).
Ameaçado de morte, Jesus expulsa espíritos impuros (Lc 9,37-43) e alerta: “Prestem atenção ao que eu vou dizer: O Filho do Homem vai ser entregue na mão dos homens”. (Lc 9,44). Jesus sendo perseguido e discípulos disputando para ser “o maior” (Lc 9,46). Que contradição! Nesse contexto, Lucas faz questão de mostrar que não dá para continuar só com solidariedade, com religião de panos quentes, isto é, religião burguesa, aquela que, como calmante, tranquiliza a consciência, mas se omite diante de muitas injustiças. É preciso subir para Jerusalém. Jesus não vai só, vai com seu movimento.
Assim, Jesus de Nazaré nos ensina a caminhar da periferia ao centro, da solidariedade à justiça!
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br – www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis – facebook: Gilvander Moreira
Obs.: Esse texto é a 1ª parte do artigo “Seguir Jesus, desafio que exige compromisso”, de Gilvander Luís Moreira, publicado no livro “RECRIAR O CAMINHO com as Comunidades de Lucas, uma leitura do Evangelho de Lucas feita pelo CEBI-MG, São Leopoldo, CEBI, 2013.
(Traduzido pelo tradutor Google sem nossa correção. Para conferir, use o texto em espanhol logo após o texto em português).
18º DOMINGO DO TEMPO COMUM – CICLO “C”
1ª Leitura (Eclesiastes 1,2; 2,21-23):
"Vaidade, pura vaidade!" diz o sábio Qohélet. "Vaidade, pura vaidade! Nada além de vaidade!"
Esta frase proverbial que inicia o livro de Eclesiastes ou Qohelet é tão conhecida quanto incompreendida. A razão para este último ponto pode ser devido ao significado pejorativo e moralmente carregado que costumamos atribuir ao termo " vaidade ", que é traduzido pelo hebraico hebel 1. O dicionário da Real Academia Espanhola oferece os seguintes significados para a palavra "vaidade": 1. f. Qualidade de ser vão (falta de realidade; oco, vazio); 2. f. Arrogância, presunção, vaidade; 3. f. A transitoriedade das coisas deste mundo; 4. f. Uma palavra inútil ou vã e insubstancial; 5. f. Uma representação vã, ilusão ou ficção de fantasia.
Para nós, o termo vaidade geralmente evoca o segundo significado: arrogância, presunção ou vaidade. Assim, associamos o vaidoso ao orgulhoso, àqueles que ostentam seu orgulho. Mas este não é o significado que ele tem em Qohélet, mas sim o terceiro: decadência . É assim que os especialistas, aos quais devemos prestar atenção a esse respeito, nos explicam:
Qual é o significado exato desta palavra tão qohelética que se tornou quase um emblema seu? A resposta não é fácil, pois o termo se refere a uma realidade fluida e inconsistente, como a névoa da aurora dissolvida pelo sol ou como uma nuvem varrida pelo vento, ou ainda como uma gota de orvalho que se evapora com o primeiro calor, ou ainda como o rastro espumante da quilha de um navio no mar, imediatamente acalmado .
Considerando que o espectro de significados em hebraico e aramaico antigos varia de hálito quente, vapor, fumaça, respiração e nada, G. Ravasi acaba optando por traduzir o termo hébel como "vazio". Outros preferem respiração, nada, expiração ou inutilidade.
A discussão não é trivial, pois esta expressão é uma espécie de síntese da mensagem deste escrito, provavelmente datado do século III a.C. O autor, um homem sábio e idoso, faz um balanço de sua vasta experiência de vida e descobre que, no final, à medida que a morte se aproxima, tudo passa e nada permanece. Não apenas as realidades materiais, mas também os esforços e as muitas ansiedades que a vida acarreta se esvaem no final, perdendo seu peso e consistência. Não se trata de niilismo ou ceticismo ácido, mas sim de relativizar tudo, exceto as pequenas alegrias da vida (cf. Eclesiastes 8:15).
É importante lembrar que ainda estamos no Antigo Testamento, e a esperança da vida eterna ainda não surgiu no horizonte. Aceitar essa limitação inerente a este momento de Revelação Divina também pode nos ajudar, pois sua visão da realidade permanece "real": por mais que tentemos nos apegar à vida, ela flui dentro de nós e diante de nós em uma jornada inevitável rumo à morte . Não podemos interromper para sempre a passagem do tempo. Aceitar isso é sábio, sejamos velhos ou não. Ao mesmo tempo, em contraste, podemos valorizar mais nossa fé na ressurreição, que confere peso eterno até mesmo aos menores e mais insignificantes atos da vida, se forem realizados com amor e por amor .
Evangelho (Lc 12,13-21):
O texto consiste em um breve diálogo entre Jesus e uma pessoa anônima que aparece no caminho, o que dá origem ao ensinamento de Jesus como uma advertência, que ele então ilustra com uma parábola.
O diálogo começa com um pedido de "alguém" na multidão a Jesus para atuar como árbitro em uma disputa familiar sobre herança. A. Rodríguez Carmona 3 nos informa que os mestres da lei ou rabinos, devido ao seu conhecimento da legislação bíblica, eram considerados competentes para resolver essas questões de herança. Portanto, o pedido não é "desnecessário"; contudo, Jesus não aceita esse papel de juiz ou distribuidor de heranças e rejeita o pedido do homem, encerrando assim a questão. No entanto, ele então aproveita essa intervenção de "alguém" para proferir uma "catequese ocasional" dirigida aos seus discípulos em um sentido mais amplo ("contou-lhes uma parábola").
Primeiro, Jesus nos dá um sábio aviso, convidando-nos a nos precavermos ou a nos preservarmos da avareza ou da cobiça. O termo grego pleonexia (pleonexi,a) indica o desejo de ter mais do que os outros, seja em posses ou privilégios, e também o desejo de usurpar e a sede de dominar . Aparece frequentemente nas listas de vícios do Novo Testamento (cf. Mc 7:21; 1 Co 6:9; Gl 5:19; Ef 4:19; 5:3; Cl 3:5; 1 Ts 2:5; 2 Pe 2:3, 14). O texto de Cl 3,5 (segunda leitura de hoje) é muito interessante: onde se afirma que “a avareza é uma forma de idolatria” (πλεονεξίαν, ἥτις ἐστὶν εἰδωλολατρία). Ora, uma vez que se trata do desejo desordenado, não só de bens materiais, mas de poder e dominação, o seu significado é então mais de “ganância” (desejo insaciável de querer ter mais) do que de “avareza” (a inclinação de guardar para si o que se tem) 4 . Recordemos que o termo “ganância” vem do latim “cupiditas”, que significa “desejo” ou “anseio” e é um derivado do verbo “cupere”, que significa “desejar ardentemente”. A origem latina do termo o relaciona ao deus Cupido, que é a personificação do desejo amoroso.
A segunda parte da frase em 12:15 explica o perigo da ganância e contém a mensagem central do texto: "Mesmo que alguém possua riquezas abundantes, isso não garante a vida." Portanto, Jesus vai à raiz, ao que motiva a atitude cobiçosa. F. Bovon observa isso bem : "Por trás da pleonexi, a "ganância", está um medo que nos faz acumular mais do que os outros têm e mais do que o necessário para viver. E por trás desse medo está uma convicção equivocada: a saber, que a existência depende do ter e, ainda mais grave, que a vida se sustenta e desafia a morte pelo desejo de atribuir tudo a nós mesmos. Como se a nossa vida encontrasse e recuperasse o fôlego apenas nas nossas posses."
Este ensinamento é exemplificado a seguir com uma parábola que narra a atitude de um homem rico e afortunado, mas tolo ou insensato (ἄφρων). Seus campos produziam muitos frutos e seus celeiros eram muito pequenos, então ele decidiu construir outros maiores. É importante notar que a forma como este homem obteve sua riqueza não parece ser condenável e que ele obteve ganhos legítimos. Portanto, o que é condenável é sua atitude em relação à vida, que se reflete em seu monólogo interior: "Minha alma, tens bens acumulados para muitos anos; descansa, come, bebe e alegra-te." Este é um projeto de vida egoísta e hedonista . Precisamente a intervenção de Deus na parábola condena essa atitude como insensata, pois o homem pensa que sua vida é garantida pelos muitos bens que possui, esquecendo-se de sua "permanência " .
Quando essa atitude é confrontada com a iminência da morte, seu erro se torna evidente, pois não se pode desfrutar indefinidamente de seus bens, que serão deixados para outro. Em outras palavras, riquezas abundantes não conferem à vida um significado transcendente e, portanto, não podem ser a motivação fundamental para a existência; não podem ser o firme suporte sobre o qual a vida de uma pessoa repousa.
O comentário final de Jesus reforça esse julgamento ao enfatizar a condenação de "acumular riquezas para si mesmo (ὁ θησαυρίζων ἑαυτῷ)". A figura da parábola pensava apenas em si mesma, egocentricamente, e ignorava sua relação com Deus, o Único que pode ser o sustento seguro e permanente da vida humana. Portanto, ele é contrastado com o que teria sido a atitude correta: "ser rico para com Deus" (εἰς θεὸν πλουτῶν). Esta última expressão será explicada por Lucas a seguir, e a veremos no próximo domingo.
ALGUMAS REFLEXÕES:
Uma primeira e necessária observação é a amplitude do tema, que será continuada e completada com o Evangelho do próximo domingo, que nos apresentará mais claramente o significado do uso cristão da riqueza . Com isso em mente, é melhor limitar este domingo ao tema da vaidade das riquezas e da transitoriedade da vida humana neste mundo, sugerido pela primeira leitura de hoje . Em outras palavras, neste domingo devemos nos concentrar na advertência/denúncia de Jesus sobre o perigo da ganância e sua consequente loucura; deixando para o próximo domingo o anúncio de como se tornar rico aos olhos de Deus e ser sábio com a sabedoria do Evangelho.
A ganância é frequentemente definida como o desejo insaciável de ter mais, sejam riquezas, glória ou poder. Evágrio Pôntico nos alerta sobre os perigos da avareza em seu "Tratado dos Oito Vícios Malignos": "A avareza é a raiz de todos os males e alimenta as outras paixões como arbustos malignos, não permitindo que sequem as que dela florescem. Quem quiser repelir as paixões, que erradique a raiz; se podares os ramos para o bem, mas a avareza permanecer, de nada te servirá, porque estes, mesmo reduzidos, florescem rapidamente. O mar nunca se enche completamente, apesar de receber a grande massa de água dos rios; da mesma forma, o desejo de riquezas do avarento nunca se sacia; ele as duplica e imediatamente deseja quadruplicá-las, e essa multiplicação nunca cessa, até que a morte ponha fim a essa pressa sem fim."
Ora, na raiz da ganância estão o medo e a insegurança, que nos levam a buscar nos bens materiais a segurança que a vida não nos proporciona. E todo medo é, em última análise, um medo da morte. E nada pode impedir a morte, nada pode nos assegurar a vida para sempre. A vida humana é mortalmente ferida, e é próprio daqueles que desejam viver uma existência autêntica aceitar essa realidade. E a posse dos meus bens dura tanto quanto a minha vida nesta terra. Quando morremos, partimos, e todos os nossos bens permanecem aqui. Sem dúvida, este não é um pensamento agradável; mas, quer gostemos ou não, é a realidade. Mais perto ou mais longe, a morte sempre paira no horizonte da vida humana. Posso negá-la, tentar fugir dela; mas, mais cedo ou mais tarde, terei de enfrentá-la.
Segundo o Cardeal J. Tolentino Mendonça 6, é a “dor da sede” que nos faz escapar ao consumismo, que acaba por matar o próprio desejo. Em sua opinião, “nossas sociedades, que impõem o consumo como padrão de felicidade, transformam o desejo em uma armadilha. O desejo tem as dimensões de uma vitrine e promete uma satisfação plena e imediata que, obviamente, não pode proporcionar. Vemos um objeto iluminado em uma vitrine e, naquele momento, parece-nos que ele contém o brilho da estrela distante que tanto almejamos. Chegamos a pensar nessa mesma estrela enquanto caminhamos em direção à caixa registradora, extasiados com tal ato de satisfação simbólica. Mas, uma vez adquirido, o objeto não parece o mesmo; perdeu algo que considerávamos irresistível, não tem mais a consistência da promessa, como se possuí-lo implicasse uma desvalorização. E com isso, cresce em nós um vazio que nos faz retornar, repetidamente, ao ponto de partida. A desilusão nos arrasta para o circuito insone do consumo, onde nosso desejo doloroso se torna um desejo por nada, uma pura metonímia da nossa falta. O objeto do nosso desejo é uma entidade ausente, um objeto que sempre sentimos falta. Assediados pelo... Em um "transe" comercial, desejamos... tanto que não somos mais capazes de desejar. No entanto, o Senhor nunca cessa de nos dizer: "Quem tem sede, venha; e quem quiser, beba de graça da água da vida."
Diante dessa realidade, o melhor é tentar estar o mais preparado possível, sabendo que nada humano pode nos garantir vida indefinida ou nos dar esperança na eternidade . Nesse sentido, e sob essa perspectiva, a afirmação de Qohélet é bastante verdadeira: tudo é vaidade, sopro, decadência, vazio. O legado desse sábio é que a ideia da morte deve nos ajudar a viver melhor; a valorizar nossas escolhas de vida mais plenamente, a alocar nosso tempo de forma mais eficaz.
Essa intuição se realiza na fé cristã na Encarnação do Filho de Deus, pois por meio dela Deus redimiu o tempo, abrindo-o para a eternidade. Assim, com a Encarnação do Verbo, o tempo adquire um significado sacramental na medida em que se abre Àquele que é Eterno: a Deus. Por meio da Encarnação, nosso tempo e nossa história passam a ser preenchidos por Deus. Cada instante e cada momento são como um sacramento que nos permite entrar em comunhão com Aquele que é eterno e, assim, preencher e dar sentido à nossa vida com uma dimensão transcendente. Com essa abertura a Deus por meio da comunhão com Cristo, o homem é santificado e, por sua vez, santifica o tempo. A Igreja experimenta isso objetivamente quando, celebrando a liturgia ao longo do ano, atualiza o mistério da Encarnação e da Redenção na história, transformando o calendário civil na "plenitude do tempo".
Em relação à parábola evangélica de hoje, lembremo-nos de que ela destaca a loucura a que conduz a ganância por posses, uma vez que nos faz esquecer a finitude e a transitoriedade da vida humana. Precisamente porque a segurança que a riqueza proporciona é tão facilmente absolutizada, São Paulo nos diz na segunda leitura de hoje que a ganância é uma forma de idolatria (τὴν πλεονεξίαν, ἥτις ἐστὶν εἰδωλολατρία em Cl 3,5). Essa atitude idólatra contrasta com a verdadeira fé que faz de Deus o único sustentáculo sólido da vida humana.
Tanto que, em hebraico, o termo que expressa a atitude de fé é he'min, e sua raiz significa apoiar-se em algo sólido e, portanto, seguro e confiável. Até mesmo o adjetivo derivado ne'eman significa sólido, firme, confiável. Daí vem o nosso "amém": é firme, é sólido, é verdadeiro, é crível! 7
A este respeito, o Papa Francisco disse no Angelus de 31 de julho de 2022: “Jesus nos ensina hoje que, na raiz de tudo isso, não existem apenas alguns poderosos ou certos sistemas econômicos: no centro está a ganância que está no coração de cada um de nós . Então, perguntemo-nos: como está o meu desapego das posses, das riquezas? Lamento o que me falta ou estou contente com o que tenho? Sou tentado, em nome do dinheiro e das oportunidades, a sacrificar relacionamentos e sacrificar tempo pelos outros? E também, sacrifico a legalidade e a honestidade no altar da ganância? Digo “altar”, altar da ganância, mas por que disse altar? Porque os bens materiais, o dinheiro, as riquezas podem se tornar um culto, uma verdadeira idolatria. É por isso que Jesus nos adverte com palavras fortes. Ele diz que não se pode servir a dois senhores , e — prestemos atenção — não diz Deus e o diabo, nem mesmo o bem e o mal, mas Deus e as riquezas (cf. Lc 16,13). Um Esperava-se que ele dissesse que não se pode servir a dois senhores, Deus e o diabo. Em vez disso, ele diz: Deus e riquezas . Servir-se das riquezas, sim; servir às riquezas, não: é idolatria, é ofender a Deus.
HU Von Balthasar 8 está certo quando afirma que “No Evangelho, Jesus distingue entre ser e ter. Ser é a vida e a existência do homem; ter são as posses, grandes ou pequenas, que lhe permitem continuar vivendo. A advertência de Jesus é simplesmente que o homem não deve fazer dos meios o fim, nem identificar o sentido do seu ser com o aumento dos seus meios.”
Em suma , ao longo do caminho de discipulado que nos é apresentado no Evangelho de São Lucas, nenhuma dimensão da vida humana pode ficar de fora deste seguimento. Tudo, absolutamente tudo, deve passar por Jesus, e é por isso que, no Evangelho de hoje, ele nos ensina a nos conectarmos com os bens materiais. Embora Jesus aceite que precisamos de bens materiais para viver uma vida digna, ele nos alerta sobre os perigos da ganância, pois, como diz o Papa Francisco, "o desejo de poder e de posses não conhece limites" (EG 56). Portanto, é importante estarmos vigilantes e lúcidos para não cairmos na ganância e na idolatria do dinheiro.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM DUAS ORAÇÕES):
Acumule em seus celeiros
Em nome do Senhor, da Providência e da infinita generosidade
Viemos implorar, implorar, abrir as mãos
Solte-se, comece a navegar livremente
Sem nos mostrarmos muito, desejamos ser ricos em Verdade,
Sem nos mascararmos ou fingirmos ser o que não somos
E pouco a pouco, desaparece da sua vista…
Muitas vezes nos perdemos em prazeres e ninharias
Só Ele é a bússola que nos guia para o novo amanhecer
Nossa esperança vive na terra prometida
Quanta coisa ainda precisamos entender! E "quando"?
Porque o tempo é propriedade apenas de Quem É
Desde sempre e para sempre, e somente no presente.
O que possuímos tem o valor que damos a ele.
Recebido de suas mãos para que possamos administrar
Nisto somos estudantes que aprendem lentamente
Até chegar o dia em que ele vem nos perguntar
A herança forjada no trabalho e para o sustento
Compartilhados na dor e no amor, com os olhos no céu
Um juiz justo de disputas desconhecidas será sua glória.
Aquele que brilha para seus filhos naquele último momento
Ensina-me hoje a armazenar em teus celeiros o que pedes. Amém.
1 Os estudiosos acreditam que a conotação moral de hebel foi introduzida na tradução grega do Antigo Testamento (LXX), que, ao traduzi-la como mataios, refere-se tanto à inadequação moral quanto à criatura. Segue-se posteriormente a tradução cristã da Vulgata, que a traduz para o latim vanitas , cf. J. Vilchez, Eclesiastes ou Qohelet (Verbo Divino; Estella 1994) 435.
2 G. Ravasi, Qohélet (Paulinas; Bogotá 1991) 17. A. González Núñez, por sua vez, não exclui totalmente a nuance moral da desilusão ou da decepção, mas depende da essencial ou ontológica: "Se subtraímos do valor de uma coisa o que custou, o lucro é zero; o que resta é hebel , sopro, vento, vapor, no sentido de inconsistência e vaidade, de engano e decepção. Um julgamento que não é apenas moral, mas essencial e ontológico", Qohelet, o sábio desiludido (EGA; Bilbao 1996) 67. Para J. Crenshaw, o termo hebel em Eclesiastes mostra duas nuances: uma temporal (algo efêmero) e outra existencial (fútil ou absurdo). Para este autor, ambos devem ser mantidos, embora a segunda nuance predomine, e ele traduz Eclesiastes 1:2: "Total inutilidade! Diz Qohelet, total inutilidade! Tudo é inútil!"; Eclesiastes. Um comentário (SCM Press; Londres 1988) 57.
3 Evangelho segundo São Lucas (BAC; Madrid 2014) 242.
4 Cf. F. Bovon, O Evangelho segundo São Lucas II (Segue-me; Salamanca 2002) 344.
5 Evangelho segundo São Lucas II (Segue-me; Salamanca 2002) 345.
6 Elogio da Sede (Sal da Terra; Argentina 2018) 41-42.
7 Cf. Y. Congar, Fé e Teologia (Herder; Barcelona, Espanha, 1981) 112; e CATIC, 1061–1064. 8 Luz da Palavra. Comentário sobre as Leituras Dominicais (Encuentro; Madri, Espanha, 1998) 274.
DOMINGO XVIII DURANTE EL AÑO – CICLO "C"
1ra. Lectura (Eclesiatés 1,2; 2,21-23):
"¡Vanidad, pura vanidad!, dice el sabio Cohélet. ¡Vanidad, pura vanidad! ¡Nada más que vanidad!"
Esta proverbial frase con que comienza el libro del Eclesiastés o Qohelet es tan conocida como mal entendida. La causa de esto último tal vez se deba al sentido peyorativo y con carga moral que le damos habitualmente al término vanidad, que traduce el hebel hebreo1. El diccionario de la Real Academia Española ofrece los siguientes significados del vocablo vanidad: 1. f. Cualidad de vano (falto de realidad; hueco, vacío); 2. f. Arrogancia, presunción, envanecimiento; 3. f. Caducidad de las cosas de este mundo; 4. f. Palabra inútil o vana e insustancial; 5. f. Vana representación, ilusión o ficción de la fantasía.
En general para nosotros el término vanidad evoca el segundo sentido: la arrogancia, presunción o envanecimiento. Así al vanidoso lo vinculamos con el orgulloso, con el que hace ostentación. Pero no es este el sentido que tiene en el Qohelet, sino más bien el tercero: caducidad. Así nos lo explican los especialistas a quien debemos prestar atención al respecto:
"¿Cuál es el significado exacto de esta palabra tan qohelética que se ha convertido casi en un emblema suyo? La respuesta no es fácil porque el término remite a una realidad fluida e inconsistente como la niebla del alba disuelta por el sol o como una nubecilla barrida por el viento, o también como una gota de rocío que se evapora con el primer calor o todavía como la huella espumante de la quilla de una nave en el mar, inmediatamente aquietado"2.
Teniendo en cuenta que el espectro de significados en hebreo y arameo antiguos abarca desde soplo caliente, vapor, humo a aliento y nada, G. Ravasi opta finalmente por traducir el término hébel por "vacío". Otros prefieren soplo, nada, caducidad, inutilidad.
La discusión no es banal porque esta expresión es como una síntesis del mensaje de este escrito datado probablemente en el siglo III a. C. El autor, sabio y anciano, hace una especie de balance de su amplia experiencia de vida y descubre que al final, ante la proximidad de la muerte, todo pasa y nada queda. No sólo las realidades materiales, sino también los esfuerzos y las muchas angustias que conlleva la vida se desdibujan hacia el final, pierden su peso y su consistencia. No se trata de nihilismo ni de ácido escepticismo. Más bien de relativizar todo, salvo los pequeños goces de la vida (cf. Qo 8,15).
Importa recordar que estamos aún en el Antiguo Testamento y no ha aparecido todavía en el horizonte la esperanza de la vida eterna. Aceptando esta limitación propia de este momento de la Revelación Divina, igualmente puede ayudarnos pues su visión de la realidad no deja de ser "real": por más que nos esforcemos por aferrarnos a la vida, esta fluye en nosotros y ante nosotros en un inevitable recorrido hacia la muerte. No podemos detener para siempre el paso del tiempo. Aceptar esto es de sabios, seamos ancianos o no tanto. Al mismo tiempo, por contraste, podemos valorar más nuestra fe en la resurrección que da un peso eterno aún a los actos más pequeños e insignificantes de la vida, si son hechos con amor y por amor.
Evangelio (Lc 12,13-21):
El texto se compone de un breve diálogo de Jesús con un personaje anónimo que aparece en el camino, el cual da pie para que Jesús diga una enseñanza a modo de advertencia que luego ilustra con una parábola.
El diálogo inicia con el pedido que "alguien, uno" de entre la multitud le hace a Jesús para que actúe de árbitro en una disputa familiar acerca de la herencia. Nos informa A. Rodríguez Carmona 3 que los maestros de la ley o rabinos, por su conocimiento de la legislación bíblica, eran considerados competentes para resolver estos asuntos de herencia. Por tanto, el pedido no es “desubicado”; sin embargo Jesús no acepta este rol de juez o repartidor de herencias y rechaza el requerimiento del hombre dando por terminado así el asunto. Pero a continuación aprovecha esta intervención de "alguien" para hacer una "catequesis ocasional" dirigida a sus discípulos en sentido amplio ("les dijo una parábola").
En primer lugar, Jesús hace una advertencia de tono sapiencial invitando a cuidarse o preservarse de la avaricia o codicia. El término griego pleonexía (pleonexi,a) señala el deseo de tener más que los demás, sea en posesiones o privilegios, y también el deseo de usurpar y la sed de dominar. El mismo aparece con frecuencia en las listas de vicios del Nuevo Testamento (cf. Mc 7,21; 1Cor 6,9; Gal 5,19; Ef 4,19; 5,3; Col 3,5; 1Tes 2,5; 2Pe 2,3.14). Es muy interesante el texto de Col 3,5 (segunda lectura de hoy); donde se afirma que “la avaricia es una forma de idolatría” (πλεονεξίαν, ἥτις ἐστὶν εἰδωλολατρία). Ahora bien, visto que se trata del deseo desordenado, no sólo de bienes materiales, sino de poder y dominio, su sentido es entonces más bien de "codicia" (deseo insaciable de querer tener más) que de "avaricia" (la inclinación a conservar lo que se tiene sólo para sí) 4. Recordemos que el término "codicia" proviene del latín "cupiditas", que significa "deseo" o "anhelo" y es un derivado del verbo “cupere” que significa “desear vivamente”. Este origen latino del término lo relaciona con el dios Cupido que es la personificación del deseo amoroso.
La segunda parte de la frase de 12,15 da razón del peligro de la codicia y contiene el mensaje central del texto: "aunque alguien posea abundantes riquezas, éstas no le garantizan la vida". Por tanto, Jesús va a la raíz, a lo que motiva la actitud codiciosa. Bien lo nota F. Bovon5: "Detrás de la pleonexi ,a, "codicia", se esconde un miedo que nos hace acumular más de lo que tienen otros y más de lo que se necesita para vivir. Y tras este miedo, hay una convicción errónea: a saber, que el ser depende del tener y, más grave todavía, que la vida se mantiene y desafía a la muerte, por la voluntad de referirlo todo a nosotros mismos. Como si nuestra vida no encontrase y recobrase su aliento más que en nuestros bienes".
Esta enseñanza es ejemplificada a continuación con una parábola que narra la actitud de un hombre rico y afortunado pero necio o insensato (ἄφρων). Sus campos dieron mucho fruto y los graneros le quedaban chicos, por lo que decidió construir otros más grandes. Importa notar que la forma en que obtuvo la riqueza este hombre no parece ser condenable y se trataría de ganancias legítimas. Por tanto, lo condenable es su actitud de vida que aparece reflejada en su monólogo interior: "Alma mía, tienes bienes almacenados para muchos años; descansa, come, bebe y date buena vida". Se trata de un proyecto egoísta y hedonista de la vida. Justamente la intervención de Dios en la parábola condena esta actitud como insensata por cuanto el hombre piensa que su vida está garantizada por los muchos bienes que tiene, olvidándose de la "caducidad" de la misma.
Al confrontar esta actitud con la inmediatez de la muerte aparece lo equivocado de la misma pues no podrá disfrutar indefinidamente de sus bienes, que quedarán para otro. En otras palabras, las muchas riquezas no dan un sentido trascendente a la vida, por lo que no pueden ser la motivación fundamental de una existencia; no pueden ser el apoyo firme donde descanse la vida de una persona.
El comentario final de Jesús refuerza este juicio al poner el acento en la condena de "acumular riquezas/atesorar para sí (ὁ θησαυρίζων ἑαυτῷ)". El personaje de la parábola sólo pensó en sí, de modo egocéntrico, y no tuvo en cuenta la relación con Dios, el único que puede ser el apoyo seguro y permanente de la vida humana. Por eso se le contrapone lo que hubiera sido la actitud correcta: "ser rico para con Dios" (εἰς θεὸν πλουτῶν). Esta última expresión la explicará Lucas a continuación y lo veremos el próximo domingo.
ALGUNAS REFLEXIONES:
Una primera y necesaria observación es la amplitud del tema, el cual se continuará y completará con el evangelio del próximo domingo, que nos presentará más claramente el sentido del uso cristiano de los bienes. Teniendo en cuenta esto es mejor ceñirse en este domingo al tema de la vanidad de las riquezas y la caducidad de la vida del hombre en este mundo, que nos sugiere la primera lectura de hoy. En otras palabras, este domingo centrarse en la advertencia/denuncia de Jesús sobre el peligro de la codicia y su consecuente insensatez; dejando para el próximo el anuncio sobre cómo llegar a ser rico a los ojos de Dios y ser sabio con la sabiduría del evangelio.
La codicia suele definirse como el deseo insaciable de querer tener más, sean riquezas, gloria o poder. Sobre la peligrosidad de la avaricia nos advierte Evagrio Póntico en su “Tratado sobre los ocho vicios malvados”: "La avaricia es la raíz de todos los males y nutre como malignos arbustos a las demás pasiones y no permite que se sequen aquellas que florecen de ésta. Quien desea hacer retroceder a las pasiones, que extirpe la raíz; si efectivamente podas para el bien las ramas pero la avaricia permanece, no te servirá de nada, porque éstas, a pesar de que se hayan reducido, rápidamente florecen. El mar jamás se llena del todo a pesar de recibir la gran masa de agua de los ríos, de la misma manera el deseo de riquezas del avaro jamás se sacia, él las duplica e inmediatamente desea cuadruplicarlas y no cesa jamás esta multiplicación, hasta que la muerte no pone fin a tal interminable premura."
Ahora bien, en la raíz de la codicia está el miedo y la inseguridad, que es lo que nos impulsa a buscar en los bienes materiales esa seguridad que la vida no brinda. Y todo miedo es, en última instancia, miedo a la muerte. Y nada puede impedir la muerte, nada puede asegurarnos la vida para siempre. La vida humana está herida de muerte y es propio de quien quiere vivir una existencia auténtica asumir esta realidad. Y la posesión de mis bienes dura lo que dura mi vida en esta tierra. Al morir partimos y todas nuestras posesiones quedan aquí. Sin lugar a dudas no es nada agradable el pensar en esto; pero nos guste o no, es la realidad. Más cercana o más lejana, la muerte siempre aletea en el horizonte de la vida humana. Puedo negarla, intentar huir de ella; pero antes o después tendré que enfrentarla.
Según el Cardenal J. Tolentino Mendonça6es el “dolor de la sed” lo que nos hace escapar hacia el consumismo, el cual termina matando el mismo deseo. En su opinión, “nuestras sociedades, que imponen el consumo como norma de felicidad, transforman el deseo en una trampa. El deseo tiene las dimensiones de un escaparate y promete una satisfacción plena e inmediata que, obviamente, no puede cumplir. Vemos un objeto iluminado en una vitrina, y en ese momento nos parece que contiene el brillo del astro distante que tanto ansiamos. Incluso en ese mismo astro vamos pensando a medida que avanzamos hacia la caja registradora, extasiados con semejante acto de satisfacción simbólica. Pero, una vez adquirido, el objeto no parece el mismo, ha perdido algo que considerábamos irresistible, no encierra ya la consistencia de la promesa, como si poseerlo implicara una devaluación. Y con ello crece en nosotros un vacío que nos hace volver, una y otra vez, al punto de partida. La desilusión nos arrastra al circuito insomne del consumo, donde nuestro dolorido deseo se convierte en deseo de nada, pura metonimia de nuestra carencia. El objeto de nuestro deseo es un ente ausente, un objeto que echamos siempre en falta. Asediados por el «trance» comercial, deseamos tanto que ya no somos capaces de desear. Sin embargo, el Señor no deja de decirnos: “El que tenga sed, que se acerque, y el que quiera, que beba gratuitamente del agua de la vida”.
Ante esta realidad, lo mejor es tratar de estar preparados, en la medida de lo posible, sabiendo que nada de lo humano puede garantizarnos la vida indefinida ni darnos la esperanza de lo eterno. En este sentido, y desde esta perspectiva, es bien cierta la afirmación del Qohelet: todo es vanidad, soplo, caducidad, vacío. La herencia de este sabio es que el pensamiento de la muerte debe ayudarnos a vivir mejor; a valorar más nuestras opciones de vida, a distribuir mejor nuestros tiempos.
Esta intuición se plenifica con la fe cristiana en la Encarnación del Hijo de Dios, pues por medio de ella Dios ha redimido el tiempo, lo ha abierto a la eternidad. Así, el tiempo adquiere con la Encarnación del Verbo un sentido sacramental en cuanto se abre a Aquel que es Eterno: a Dios. Por la Encarnación, nuestro tiempo y nuestra historia están ahora llenos de Dios. Cada instante y cada momento son como un sacramento que nos permiten entrar en comunión con Aquel que es eterno y, de este modo, plenificar y dar sentido a nuestra vida con una dimensión trascendente. Con esta apertura a Dios mediante la comunión con Cristo, el hombre es santificado y, a su vez, santifica el tiempo. De modo objetivo esto lo vive la Iglesia cuando, al celebrar la liturgia a lo largo del año, actualiza en la historia el misterio de la Encarnación y Redención convirtiendo en ‘plenitud de los tiempos’ el calendario civil.
En cuanto a la parábola del evangelio de hoy, recordemos que pone en evidencia la insensatez a la que lleva la codicia de los bienes pues hace olvidar la finitud y caducidad de la vida humana. Justamente, porque la seguridad que brinda la riqueza es tan fácilmente absolutizable, San Pablo en la segunda lectura de hoy nos dice que la codicia es una forma de idolatría (τὴν πλεονεξίαν, ἥτις ἐστὶν εἰδωλολατρία en Col 3,5). A esta actitud idolátrica se le contrapone la verdadera fe que hace de Dios el único apoyo sólido de la vida del hombre.
Tan es así que en hebreo el término que expresa la actitud de creer es he'min y en su raíz significa apoyarse en algo sólido y, por tanto, seguro y confiable. Incluso el adjetivo derivado ne'eman significa sólido, firme, digno de confianza. De aquí deriva justamente nuestro "amén": ¡es firme, es sólido, es verdadero, es creíble!7
Al respecto decía el Papa Francisco en el ángelus del 31 de julio de 2022: “Jesús nos enseña hoy que, en el fondo de todo esto, no hay sólo unos pocos poderosos o ciertos sistemas económicos: en el centro está la codicia que hay en el corazón de cada uno. Así que preguntémonos: ¿cómo es mi desprendimiento de las posesiones, de las riquezas? ¿Me quejo de lo que me falta o me conformo con lo que tengo? ¿Estoy tentado, en nombre del dinero y las oportunidades, a sacrificar las relaciones y sacrificar el tiempo por los demás? Y también, ¿sacrifico la legalidad y la honestidad en el altar de la codicia? Digo “altar”, altar de la codicia, pero ¿por qué he dicho altar? Porque los bienes materiales, el dinero, las riquezas pueden convertirse en un culto, en una verdadera idolatría. Por eso Jesús nos advierte con palabras fuertes. Dice que no se puede servir a dos señores, y ―prestemos atención― no dice Dios y el diablo, no, ni siquiera el bien y el mal, sino Dios y las riquezas (cf. Lc 16,13). Uno espera que diga que no se puede servir a dos señores, a Dios y al diablo. En cambio, dice: a Dios y a las riquezas. Servirse de las riquezas sí; servir a la riqueza no: es idolatría, es ofender a Dios”.
Tiene razón H. U. Von Balthasar8cuando afirma que “Jesús distingue en el evangelio entre ser y tener. El ser es la vida y la existencia del hombre; el tener son la posesiones grandes o pequeñas que le permiten seguir viviendo. La advertencia de Jesús consiste simplemente en que el hombre no debe convertir el medio en el fin, ni identificar el significado de su ser con el aumento de sus medios”.
En síntesis, a lo largo del camino discipular que nos presenta el evangelio de san Lucas, ninguna dimensión de la vida humana puede quedar fuera de este seguimiento. Todo, absolutamente todo, debe pasar por Jesús, por eso en el Evangelio hoy nos enseña a vincularnos con los bienes materiales. Si bien Jesús acepta que tenemos necesidad de los bienes materiales para vivir una vida digna, nos advierte sobre los peligros de la codicia pues como dice el Papa Francisco “el afán de poder y de tener no conoce límites” (EG 56). Importa, por tanto, estar vigilantes y lúcidos para no caer en la codicia y en la idolatría del dinero.
PARA LA ORACIÓN (RESONANCIAS DEL EVANGELIO EN DOS ORANTES):
Acumular en tus Graneros
En el Nombre del Señor, de Providencia y generosidad infinita
Venimos a rogar, a implorar, abrir las manos
Soltar amarras, empezar a navegar en libertad
Sin mostrarnos demasiado, ricos en la Verdad deseamos ser,
Sin enmascararnos ni aparentar lo que no somos
Y poco a poco a su Vista, desaparecer…
Nos perdemos con frecuencia en placeres y naderías
Solo Él es la brújula que nos guía hasta el nuevo amanecer
Nuestra Esperanza viva en la tierra prometida
¡Cuánto nos falta comprender! Y “cuándo”?, también.
Porque el tiempo es solo propiedad de Quien Es
Desde siempre y para siempre, y solo en el presente.
Lo que poseemos tiene el valor que le demos
Recibido de sus manos para que administremos
En esto somos alumnos que lentamente aprendemos
Hasta que llegue el día en que venga a pedirnos
El patrimonio forjado en el trabajo y para el sustento
Compartido en el dolor y el Amor, con la mirada en el cielo
Juez justo, de desconocidos pleitos, será la Gloria tuya
La que brille para tus hijos en aquel último momento
Enséñame hoy a acumular lo que pides, en tus graneros. Amén
1 Los estudiosos piensan que el matiz moral de hebel se introdujo ya en la traducción griega del AT (LXX), que al traducirlo por mataios piensa tanto en la insuficiencia creatural como en la moral. Le sigue después la traducción cristiana de la Vulgata que lo vuelca al latín vanitas, cf. J. Vilchez, Eclesiastés o Qohelet (Verbo Divino; Estella 1994) 435.
2 G. Ravasi, Qohélet (Paulinas; Bogotá 1991) 17. A. González Núñez, por su parte, no excluye totalmente el matiz moral de desengaño o decepción, pero dependiente del esencial u ontológico: "Si al valor de una cosa se le resta lo que costó, el provecho es nulo; lo que queda es hebel, soplo, viento, vapor, en el sentido de inconsistencia y de vanidad, de engaño y decepción. Un juicio no sólo moral, sino esencial y ontológico", Qohelet, el sabio desengañado (EGA; Bilbao 1996) 67. Para J. Crenshaw el término hebel en el Eclesiastés muestra dos matices: uno temporal (algo efímero) y otro existencial (fútil o absurdo). Para este autor ambos deben mantenerse, aunque predomina el segundo matiz y traduce Ecl 1,2: "Utter futility! Says Qohelet, Utter futility! Everything is futile!"; Eclesiastés. A commentary (SCM Press; London 1988) 57.
3 Evangelio según san Lucas (BAC; Madrid 2014) 242.
4 Cf. F. Bovon, El Evangelio según San Lucas II (Sígueme; Salamanca 2002) 344.
5 El Evangelio según San Lucas II (Sígueme; Salamanca 2002) 345.
6 Elogio de la sed (Sal Terrae; Argentina 2018) 41-42.
7 Cf. Y. Congar, La fe y la teología (Herder; Barcelona 1981) 112; y CATIC 1061-1064. 8 Luz de la Palabra. Comentario a las lecturas dominicales (Encuentro; Madrid 1998) 274.