Primeira Leitura: Apocalipse 7,2-4.9-14
Salmo Responsorial: 23(24)R-É assim a geração dos que procuram o Senhor!
Segunda Leitura: 1 João 3,1-3
Evangelho: Mateus 5,1-12a (Bem-aventuranças).
Proclamação do evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus – Naquele tempo, 1vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, 2e Jesus começou a ensiná-los: 3“Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus. 4Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. 5Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. 6Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. 9Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. 10Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. 11Bem-aventurados sois vós quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós por causa de mim. 12Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus”. – Palavra da salvação.
Quem pode se considerar feliz na época dos Evangelhos? O perfil de uma pessoa feliz é descrito pela Escritura. Seria um homem adulto de boa saúde, casado com uma mulher honesta e fecunda, com filhos homens e terras férteis, observante da religião e respeitado em seu povoado. Tendo tudo isso, o que mais poderia pedir?
Como podemos descrever o perfil de uma pessoa feliz nos tempos de hoje? Faça um exercício interior e trace um perfil de uma pessoa feliz. Descrever os traços de uma pessoa feliz nos ajuda a tomar consciência do que nós consideramos como felicidade.
Jesus foi feliz?
Ele se apresentou muito deferente do ideal de felicidade de seu tempo: sem esposa e sem filhos, sem terra e sem bens; um itinerante que percorria a Galileia. A vida de Jesus não corresponde ao ideal de felicidade de seu tempo. Será que corresponde ao nosso? A vida de Jesus está mais distante do ideal de felicidade de seu tempo ou do nosso?
Pois bem, Jesus não só se contentou em viver pobre, casto e obediente. Ele nos ensina a viver da mesma maneira: esse é o senso das bem-aventuranças, um programa de felicidade que choca a sensibilidade atual. Cada vez mais pessoas se levantam contra esse programa de felicidade, acusando os católicos de inimigos da alegria, da prosperidade, da riqueza. Cada vez mais pessoas acusam os católicos de uma moral repressiva que infantiliza, de uma culpabilização fanática do prazer, de uma demonização atrasada da riqueza. Não demora muito, vamos ser acusados pelo atraso econômico do Brasil.
Jesus é feliz sem se preocupar com a própria felicidade. Sua vida girava em torno da felicidade dos infelizes e dos sofredores. Não buscava seus interesses. Procurava sobretudo criar as condições para a felicidade alheia e de um mundo mais justo e fraterno.
Ele, portanto, não proclama: felizes os ricos porque são abençoados por Deus. Seu clamor desconcerta a todos: felizes os pobres, os famintos, os que choram, porque Deus será a felicidade deles.
Celebramos hoje a solenidade de todos os santos. Eles viveram as bem-aventuranças em seu tempo e em suas condições concretas. Se quisermos saber como viver concretamente as bem-aventuranças, temos os santos que são a exegese das palavras de Jesus.
A festa deste domingo nos diante de uma infinidade de santos e santas anônimos(as), esses(as) que não foram oficialmente canonizados(as), nem estão nos calendários litúrgicos, mas cujas vidas deixaram transparecer a santidade de Deus e viveram, com radicalidade, as bem-aventuranças proclamadas por Jesus; ao mesmo tempo, esta festa desperta nossa sensibilidade para perceber que estamos continuamente rodeados de muitos(as) santos(as), homens e mulheres que, no escondimento do cotidiano, revelam uma presença aberta e comprometida, inspirada e mobilizadora; uma vida carregada de fidelidade e de alegria evangélica.
Que tem todos eles(elas) em comum? Que suas vidas apontam para Deus de maneira clara; aquilo que vivem, que fazem e que dizem manifesta que são conduzidos(as) pelo Espírito de Deus. E, por isso, quando os(as) vemos ou encontramos com eles(as), intuímos que é possível o amor, a misericórdia, a compaixão, a justiça, a bondade, a mansidão, a pureza de coração...
Em que se diferenciam? Em tudo o mais: seguramente há jovens e anciãos, instruídos e analfabetos, mulheres e homens; haverá tímidos e extrovertidos, hiperativos e calmos... Uns vivem o evangelho no contato constante com as pessoas; há outros que consagram suas vidas à ciência, na solidão de um laboratório ou de uma biblioteca. Dançam, rezam, abraçam, choram, amam, se equivocam, acertam..., porque, afinal de contas, são todos humanos. E ser santo(a) é ser humano por excelência.
A santidade não é a busca de um perfeccionismo autocentrado, nem um cumprimento virtuoso de leis para receber medalhas de mérito. É uma maneira original de viver o amor: radical, possível, definitiva.
A santidade não é buscada para que cada um possa sentir-se orgulhoso; é vivida porque é uma forma de melhorar o mundo, a própria vida e a dos outros.
Os(as) santos(as), de ontem e de hoje, nos confirmam que todos podem ser transparência da santidade de Deus neste mundo. Certamente, muito perto de nós existe alguém que é janela aberta que aponta para essa direção. Não há santos(as) de primeira grandeza e outros de segunda, mas uma só santidade que se revela e se expressa na comunhão de todos.
Santa Teresa D’Ávila afirmava que a santidade não é um privilégio de poucos; é uma responsabilidade de todos nós; ser santo(a) é ser inteiro(a), é ser simples, é ser transparente, é ser original.
Nossa vocação é a santidade da Vida para além de todo sistema moral, para além de toda crença, para além de toda religião, porque fora da Igreja há salvação ou santidade.
A santidade é, pois, um dom recebido de Deus, que alimenta em nós o desejo e a disposição de “sair de nós mesmos” para viver a experiência do amor na relação com o mesmo Deus, no encontro com os outros e no cuidado e proteção da Casa Comum.
O evangelho indicado para esta festa nos revela que Jesus, no alto da Montanha, mostrou o grande caminho para nos conectar com a santidade de Deus: as bem-aventuranças. Nelas, Jesus proclama que o verdadeiro segredo para uma humanidade totalmente re-criada é a força expansiva do amor e da misericórdia, cimentadas no comum denominador da humildade.
Só entrando na dinâmica da transcendência podemos descobrir o sentido das bem-aventuranças. Muitas vezes, a Igreja se esqueceu que ela deve estar a serviço de um projeto de felicidade, e acabou se convertendo num rebanho de “sofredores” (“neste vale de lágrimas”), sob a guia de “experts” pastores da dor, do sacrifício, do medo e do juízo.
Mas, como cristãos, somos seguidores(as) d’Aquele que foi um “expert” na felicidade. Por isso, é chegado o momento de recuperar o evangelho da felicidade, na linha das bem-aventuranças.
O Deus que Jesus anunciou sempre esteve comprometido com a vida plena dos seus filhos e filhas, oferecendo um caminho de felicidade para todos, começando pelos pobres. É um Deus que ama os pequenos e perdidos, assumindo com e para a humanidade um projeto de felicidade e vida plena.
Nesta festa de “Todos os Santos e Santas”, é inspirador revisitar as bem-aventuranças: elas nos despertam, nos desvelam e, inclusive, nos inquietam, porque, se as assumimos como estilo de vida, elas nos desinstalam e nos ajudam a compreender a vida de uma maneira diferente. Com o impacto das bem-aventuranças em nosso coração, deixam de estar na primeira linha a violência, o ódio, o poder, a vaidade, a intolerância, o negacionismo..., que ficam substituídos pela paz, solidariedade, bondade, humildade, justiça...
Os(as) santos(as), de ontem e de hoje, fizeram das bem-aventuranças o centro e a pauta de seu viver; todos(as) eles(as) colocaram à frente de suas vidas não o Decálogo escrito em tábuas de pedra, mas as bem-aventuranças, escritas em seus corações. Elas já estão presentes no mais profundo de todos os seres humanos; o que Jesus fez ao proclamá-las foi desvelar o que é mais nobre e mais humano em cada pessoa.
O(a) santo(a) é, de certa forma, um(a) especialista na arte, muitas vezes árdua, de “transgredir”, de liberar, de abrir os espaços ocupados pelas certezas efêmeras, para dar lugar à vida do Espírito. É um(a) profeta(tisa) do retorno ao essencial, um(a) espeleólogo(a) das profundezas do ser humano, na busca do que realmente importa. E essa capacidade de ir mais longe permite-lhe colher as sementes da eternidade já no “chão da vida”, de viver com o coração projetado para a “terra prometida” da plenitude. Imerso(a) no presente, sim, mas sem se deixar sobrecarregar, sabendo que cada um é parte do mundo, sem ser o seu centro.
Sua presença contagia a alegria do Evangelho pois só ele(ela) é capaz de remover obstáculos que impedem o humor de viver como ressuscitados(as).
Não é coincidência que "humildade" e "humor" têm uma origem comum, ambos derivam de "húmus", terra.
A alegria vincula-se ao estado de plenitude humana, à criatividade, ao entusiasmo, ao prazer, ao contentamento, à satisfação, ao regozijo, à felicidade. “Bem-aventurados os que sabem rir de si mesmos: nunca cessarão de se divertir”.
“O(a) santo(a) é capaz de viver com alegria e sentido de humor. Sem perder o realismo, ilumina os outros com um espírito positivo e rico de esperança. Ser cristão é ‘alegria no Espírito Santo’” Rom. 14,17) " (Papa Francisco – GE. n. 122)
Os Evangelhos revelam que Jesus vivia sereno, feliz, alegre. As bem-aventuranças são o fiel reflexo de sua vida. Seu íntimo trato com o Pai, sua paixão pelo Reino, suas relações pessoais, suas amizades, seu modo de enfrentar a “hora”, sua aceitação da vontade do Pai, sua paixão e morte são vividas em paz.
Diante dos prodígios e milagres que vai realizando em sua vida pública, Jesus exulta de alegria no Espírito Santo. Ele nos revela que Deus é alegria em si mesmo e para nós, e que a salvação definitiva é “entrar na alegria do seu Senhor” (Mt 25,21).
Portanto, o modo de proceder do(a) santo(a) no mundo é imagem fiel do modo de proceder do próprio Jesus, que é princípio e garantia da Verdade, do Bem, da Justiça, da Misericórdia, da Compaixão...
Olhemos, contemplemos, sintamos, observemos, deixemo-nos conduzir pela santidade do Espírito. Descobriremos as paisagens interiores e panorâmicos que nunca descobriríamos por nós mesmos; descobriremos, sobretudo, que cada um(a) de nós é um(a) “santo dos Santos”, um sacrário da santidade de Deus. O “santo dos santos” é o coração mesmo de cada pessoa e a santidade de Deus se identifica com a vida de cada um(a).
- Sua presença junto às pessoas do seu cotidiano deixa transparecer a “santidade” de Deus?
- Contemplar saboreando o significado de cada uma das bem-aventuranças: em que medida elas se visibilizam no seu dia-a-dia? Há algo petrificado em seu interior que trava o fluxo das bem-aventuranças?
No Evangelho de Mateus, escrito para as comunidades de judeus convertidos da Galileia e Síria, Jesus é apresentado como o novo Moisés, o novo legislador.
No AT a Lei de Moisés foi codificada em cinco livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Imitando o modelo antigo, Mateus apresenta a Nova Lei em cinco grandes Sermões espalhados pelo evangelho:
1) O Sermão da Montanha (Mt 5,1 a 7,29);
2) O Sermão da Missão (Mt 10,1-42);
3) O Sermão das Parábolas (Mt 13,1-52);
4) O Sermão da Comunidade (Mt 18,1-35);
5) O Sermão do Futuro do Reino (Mt 24,1 a 25,46).
Entre os cinco Sermões temos as partes narrativas, que descrevem a prática de Jesus, mostrando como ele observava a nova Lei e a encarnava em sua vida.
*Mateus 5,1-2: O solene anúncio
Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia! Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus! Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus! Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus! Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós.
De acordo com o contexto do evangelho de Mateus, no momento em que Jesus pronunciou o Sermão da Montanha, havia apenas quatro discípulos com ele (cf. Mt 4,18-22). Pouca gente. Mas uma multidão imensa estava à sua procura (Mt 4,25). No AT, Moisés subiu o Monte Sinai para receber a Lei de Deus. Como Moisés, Jesus sobe a Montanha e, olhando o povo, proclama a Nova Lei.
É significativa a maneira solene como Mateus introduz a proclamação da Nova Lei: “Ao ver as multidões Jesus subiu o monte e, como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos; e ele passou a ensiná-los, dizendo: Felizes os pobres em Espírito, pois deles é o Reino do Céu”
As oito Bem-Aventuranças formam a solene abertura do "Sermão da Montanha". Nelas Jesus define quem pode ser considerado feliz, quem pode entrar no Reino. São oito categorias de pessoas, oito portas de entrada para o Reino, para a Comunidade. Não há outras entradas! Quem quiser entrar no Reino terá que identificar-se ao menos com uma destas oito categorias.
*Mateus 5,3: Felizes os pobres em espírito
Jesus reconhece a riqueza e o valor dos pobres (Mt 11,25-26). Define sua própria missão como “anunciar a Boa Nova aos pobres” (Lc 4,18). Ele mesmo, vive como pobre. Não possui nada para si, nem mesmo uma pedra para reclinar a cabeça (Mt 8,20). E a quem quer segui-lo ele manda escolher: ou Deus, ou o dinheiro! (Mt 6,24). No evangelho de Lucas se diz: “Felizes vocês pobres!” (Lc 6,20). Então, quem é o “pobre em espírito”? É o pobre que tem o mesmo espírito que animou Jesus. Não é o rico. Nem é o pobre com cabeça de rico. Mas é o pobre que, como Jesus, acredita nos pobres e reconhece o valor deles. É o pobre que diz: “Eu acredito que o mundo será melhor quando o menor que padece acreditar no menor”.
1. Felizes os pobres em espírito - deles é o Reino dos Céus
2. Felizes os mansos - herdarão a terra
3. Felizes os aflitos - serão consolados - serão saciados
5. Felizes os misericordiosos - em espírito”. É o pobre que tem o mesmo espírito que animou Jesus. Não é o rico. Nem é o pobre com cabeça de rico. Mas é o pobre que, como Jesus, acredita nos pobres e reconhece o valor deles.
6. Felizes os de coração puro - verão a Deus
7. Felizes os promotores da paz - serão filhos de Deus
8. Felizes os perseguidos por causa da justiça – deles é o Reino dos Céus
*Mateus 5,4-9: O novo projeto de vida
Cada vez que na Bíblia se tenta renovar a Aliança, se recomeça restabelecendo o direito dos pobres e dos excluídos. Sem isto, a Aliança não se refaz! Assim faziam os profetas, assim faz Jesus. Nas bem-aventuranças, ele anuncia o novo Projeto de Deus que acolhe os pobres e os excluídos. Ele denuncia o sistema que exclui os pobres e persegue os que lutam pela justiça. A primeira categoria dos “pobres em espírito” e a última categoria dos “perseguidos por causa da justiça” recebem a mesma promessa do Reino dos Céus. E a recebem desde agora, no presente, pois Jesus diz “deles é o Reino!” O Reino já está presente na vida deles. Entre a primeira e a última categoria, há três duplas ou seis outras categorias de pessoas que recebem a promessa do Reino. Nestas três duplas transparece o novo projeto de vida que quer reconstruir a vida na sua totalidade através de um novo tipo de relacionamento: com os bens materiais (1ª dupla); com as pessoas entre si (2ª dupla); com Deus (3ª dupla). A comunidade cristã deve ser uma amostra deste Reino, um lugar onde o Reino começa a tomar forma desde agora.
*As três duplas:
Primeira dupla: os mansos e os aflitos: Os mansos são os pobres de que fala o salmo 37. Eles foram privados de suas terras e vão herdá-las de novo (Sl 37,11; cf Sl 37.22.29.34). Os aflitos são os que choram diante da injustiça no mundo e no povo (cf. Sl 119,136; Ez 9,4; Tob 13,16; 2Pd 2,7). Estas duas bem-aventuranças querem reconstruir o relacionamento com os bens materiais: a posse da terra e o mundo reconciliado.
Segunda dupla: os que tem fome e sede de justiça e os misericordiosos: Os que tem fome e sede de justiça são os que desejam renovar a convivência humana, para que ela esteja novamente de acordo com as exigências da justiça. Os misericordiosos são os que temo coração na miséria dos outros porque querem eliminar as desigualdades entre os irmãos e irmãs. Estas duas bem-aventuranças querem reconstruir o relacionamento entre as pessoas através da prática da justiça e da solidariedade.
Terceira dupla: os puros de coração e os pacíficos: Os puros de coração são os que tem um olhar contemplativo que lhes permite perceber a presença de Deus em tudo. Os que promovem a paz serão chamados filhos de Deus, porque eles se esforçam para que a nova experiência de Deus possa penetrar tudo e realize a integração de tudo (Shalôm). Estas duas bem-aventuranças querem reconstruir o relacionamento com Deus: ver a presença atuante de Deus em tudo e ser chamado filho e filha de Deus.
*Mateus 5,10-12: Os perseguidos por causa da justiça e do evangelho
As bem-aventuranças dizem exatamente o contrário do que diz a sociedade em que vivemos. Nesta, o perseguido pela causa da justiça é visto como um infeliz. O pobre é um infeliz. Feliz é quem tem dinheiro e pode ir no supermercado e gastar à vontade. Feliz é quem tem fama e poder. Os infelizes são os pobres, os que choram! Na televisão, as novelas divulgam este mito da pessoa feliz e realizada. E sem nos se dar conta, as novelas acabam se tornando o padrão de vida para muitos de nós. Será que na nossa sociedade ainda há lugar para estas palavras de Jesus: “Felizes os perseguidos por causa da justiça e do evangelho! Felizes os pobres! Felizes os que choram!”? E para mim, que sou cristão ou cristã, quem é feliz de fato?
O caminho da felicidade
Celebra-se hoje a Solenidade de Todos os Santos e Santas. Lembra-se, com espírito agradecido, tantas pessoas que ao longo da história contribuíram para o crescimento da vida, da dignidade humana, da justiça. Pessoas, homens e mulheres, que dedicaram sua vida para semear sua semente de mostarda e contribuir na construção de uma humanidade mais justa e mais fraterna. Seu testemunho nos encoraja e anima a transitar por caminhos novos e até desconhecidos.
Antes de adentrar-nos na leitura e meditação do evangelho, pensemos: o que significa a santidade para cada um e cada uma de nós?
Quando penso numa pessoa santa, qual é a figura que aparece na minha imaginação? Suponho um rosto triste, opaco, que vive quase isolado num mundo próprio, que lentamente apaga seu sorriso e sua alegria das pequenas coisas que acontecem no viver diário?
Ou imagino uma pessoa ou uma comunidade com uma alegria contagiante, criativa, entusiasta? Pessoas que não têm medo da vida e da novidade que ela traz, que encaram os problemas e dificuldades que podem aparecer, comunicando-se continuamente com os que estão ao seu redor?
Qual é a minha imagem da santidade? Posso reconhecer as sementes de santidade que Deus plantou na minha vida?
No texto do Evangelho de Mateus, lemos que Jesus viu as multidões, subiu à montanha e sentou-se.
Na sua subida, Jesus é seguido por uma multidão. Quem são essas pessoas que o procuram ou desejam segui-lo?
Nos versículos anteriores, Mateus disse que “doentes atingidos por diversos males e tormentos: endemoninhados, epilépticos e paralíticos, numerosas multidões da Galileia, da Decápole, de Jerusalém, da Judeia e do outro lado do rio Jordão começaram a seguir Jesus” (Mt 4, 24-25). Não são pessoas
importantes nem poderosas, são os marginalizados e até desconsiderados pela sociedade.
É a procissão dos que sofrem, que procuram ser curados do mal e da doença que os atingem. Eles vão à procura de Jesus desde diferentes lugares: da Galileia, da Decápole, de Jerusalém, da Judeia... Para eles não há fronteiras e há um denominador comum que é a busca da liberdade, da saúde, de uma vida plena.
Sem se conhecerem se gera um vínculo profundo que constrói uma nova fraternidade. Entrelaçados por uma mesma realidade, em busca de trabalho, vida, justiça, paz, liberdade... Este é o grupo dos que seguem Jesus!
Jesus viu as multidões, subiu à montanha e sentou-se.
Jesus tem uma meta no seu caminho, mas destaca-se seu olhar sobre este grupo de pessoas que o seguem.
Para situar-nos no cenário descrito no evangelho, é preciso lembrar que a Montanha é um lugar de revelação de Deus para o povo. Assim como Moisés sobe a Montanha e recebe os Dez Mandamentos (Ex 20,1-17) que “proclamam os deveres da humanidade em relação aos direitos de Deus”, Jesus comunica as Bem-aventuranças que são o sentir de Deus Pai para os que serão chamados Filhos de Deus.
As bem-aventuranças manifestam os direitos da humanidade em relação aos deveres de Deus: receber o consolo, possuir a terra, ser saciados, achar misericórdia, ver a Deus!
Jesus senta-se para falar e assume, assim, a atitude dos rabinos quando ensinam. Diferente do que tinha acontecido na subida de Moisés no Sinai, que devia “traçar um limite ao redor da montanha e dizer ao povo que não suba à montanha, nem se aproxime da encosta; quem tocar na montanha deverá ser morto” (Ex 19, 12), neste momento os discípulos ficam perto de Jesus. Não é o mundo do medo, da distância ou até da morte. Pelo contrário, os discípulos se aproximam dele para escutar suas palavras, e Jesus começa a ensiná-los.
Como disse o Papa Francisco referindo-se as Bem-aventuranças: "Esta é a nova lei, esta que nós chamamos as bem-aventuranças”. É a nova lei do Senhor para nós. “São o mapa, o itinerário, são os navegadores da vida cristã. Justamente aqui vemos, neste caminho, segundo as indicações deste navegador, que podemos seguir adiante em nossa vida cristã”. Texto completo: Francisco: “As Bem-Aventuranças são o ‘GPS’ da vida cristã”
Os discípulos e discípulas que estão junto de Jesus recebem o direito ao Reino de Deus, a serem consolados, à misericórdia. Nas bem-aventuranças manifesta-se o coração de Deus Pai, seu Amor.
A bem-aventurança pertence a um gênero literário conhecido no Antigo Testamento. Aparece no mundo grego para comunicar o estado de felicidade dos deuses que estão acima das penas e fadigas. No decorrer do tempo evolui, mas sempre ressalta o motivo da felicidade de uma pessoa.
As bem-aventuranças propõem um valor que toda pessoa deseja e até procura! Mas Jesus proclama felizes as pessoas que a sociedade considera desgraçadas, desfavorecidas, desventuradas!
Pensemos, como seria a reação de cada uma dessas pessoas que escuta as palavras de Jesus? Que entende cada um e cada uma delas?
Nas palavras de Jesus percebe-se a natureza da mensagem do Reino. A felicidade é um direito de toda pessoa humana, mas para muitas pessoas é uma busca contínua, uma procura que traz riscos, perigos e até sofrimento.
Jesus anuncia bem-aventurados e felizes os que a sociedade considera desgraçados e infelizes! O teólogo e biblista Gianfranco Ravasi, no livro Beati i poveri in spirito, perché di essi è il regno dei cieli (Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus), evidencia o caráter paradoxal das Bem-aventuranças: "A felicidade é declarada lá onde se manifesta a infelicidade". Texto completo: Bem-aventurados os últimos? Um diálogo sobre a libertação dos pobres
Neste texto Jesus nos anuncia o caminho que leva à felicidade e à santidade. É um caminho que convida a viver com esperança, sem desistir, sem ficar na impotência. As pessoas que se reconhecem pobres diante de Deus são as que sabem que precisam da ajuda dos demais. Assim como os aflitos, os mansos, os necessitados são os que conhecem a dor e o sofrimento e isso gera neles a possibilidade de acolher e entender a riqueza da mensagem da Boa Nova do Reino que Jesus anuncia.
Eles constituem o novo povo de Deus e recebem de Jesus o ânimo para continuar na sua luta pela vida e dignidade. Jesus não nega as dificuldades que aparecem no caminho, mas oferece o consolo de uma esperança que só é compreendida por aqueles e aquelas que na sua pobreza acolhem sua Vida.
Falando na celebração de Todos os Santos, Francisco disse que “As Bem-aventuranças de Jesus, que também mencionam as bênçãos aos que são mansos e que têm fome de justiça, são o caminho [dos santos] rumo ao seu destino, rumo à pátria”. E continua dizendo: “Somos chamados a ser bem-aventurados, seguidores de Jesus, enfrentando os sofrimentos e angústias do nosso tempo com o espírito e o amor de Jesus”, continuou, acrescentando: “Neste sentido, poderíamos assinalar novas situações para as vivermos com espírito renovado e sempre atual”. Texto completo: Da Suécia, Francisco propõe seis novas Bem-aventuranças para a era moderna.
Neste dia somos convidados e convidadas a acolher e fazer crescer pela perseverança o reino de Deus no mundo: este é o caminho a percorrer na rota da santidade!
A festa de Todos os Santos apresenta-nos a variedade de expressões que há para viver a santidade, mas todas elas têm um traço comum que é o mandamento do amor por cima de tudo. Somos convidados a gerar confiança ao nosso redor, a viver com um coração limpo e entregue aos demais, procurando o bem de cada pessoa apesar dos sofrimentos que isso possa trazer.
Nesta semana, abramos nosso coração para reconhecer as sementes de santidade que estão ao nosso redor, nas nossas comunidades. Pessoas silenciosas, que não são conhecidas, mas que na sua vida semeiam continuamente o bem, a vida, a alegria.
Oração
Neste momento de oração meditemos as seis novas bem-aventuranças que propôs Francisco para a era moderna:
• Felizes os que suportam com fé os males que outros lhes infligem e perdoam de coração;
• Felizes os que olham nos olhos os descartados e marginalizados fazendo-se próximo deles;
• Felizes os que reconhecem Deus em cada pessoa e lutam para que também outros o descubram;
• Felizes os que protegem e cuidam da casa comum;
• Felizes os que renunciam ao seu próprio bem-estar em benefício dos outros;
• Felizes os que rezam e trabalham pela plena comunhão dos cristãos