02/03/2025
1ªLeitura: Eclesiástico 27,5-8
Salmo91(92 )-R-Como é bom agradecermos ao Senhor!
2ª Leitura:1Cor 15,54-58
Evangelho de São Lucas 6,39-45
"39.Propôs-lhes também esta comparação: Pode acaso um cego guiar outro cego? Não cairão ambos na cova? 40.O discípulo não é superior ao mestre; mas todo discípulo perfeito será como o seu mestre. 41.Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão e não reparas na trave que está no teu olho? 42.Ou como podes dizer a teu irmão: Deixa-me, irmão, tirar de teu olho o argueiro, quando tu não vês a trave no teu olho? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e depois enxergarás para tirar o argueiro do olho de teu irmão. 43.“Uma árvore boa não dá frutos maus, uma árvore má não dá bom fruto. 44.Porquanto cada árvore se conhece pelo seu fruto. Não se colhem figos dos espinheiros, nem se apanham uvas dos abrolhos. 45.O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração, e o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro, porque a boca fala daquilo de que o coração está cheio."
Lc 6,39-45
Todos nós precisamos ser educados para a maturidade, ser instruídos e ensinados, ser corrigidos de nossos erros e abastecidos de coisas boas para viver em plenitude. De fato, é da nossa natureza a educação, a instrução, a correção, a aquisição de recursos e de virtudes. Diferente dos animais, não somos guiados unicamente pelos instintos. Ao reconhecer essa necessidade própria do ser humano, reconhecemos que precisamos também de quem nos eduque, nos ensine e nos guie.
O Evangelho de hoje, com os seus aforismos telegráficos e diretos, se insere exatamente nessa necessidade básica que faz humana a nossa vida.
Aquele que deseja guiar os cegos deve enxergar. Se um cego guia cegos todos cairão no buraco. Para ver o caminho e o destino é preciso que quem guia tenha os olhos de Cristo. Os que não veem com os olhos de Cristo e pretendem ser guias conduzem os outros ao buraco. Para educar para a vida eterna é preciso enxergar com os olhos de Cristo.
Todos nós somos discípulos de Cristo, por isso nunca seremos superiores ao mestre, que é Cristo. O discípulo não deve pensar que pode superar Cristo. Por outro lado, uma vez instruído deve também ensinar outros. O discípulo, que é instruído por Cristo, não pode guardar para si o que recebeu; deve ser como o Mestre; deve transmitir o que dele recebeu e deve transmitir só o que recebeu.
A educação exige também a correção. A correção pode parecer desagradável, mas é um gesto de amor e é constitutivo da autêntica educação. Para corrigir os outros, no entanto, é preciso se corrigir. Muitas vezes, somos hábeis em ver os erros alheios, mas cegos para ver os próprios erros: vemos o cisco no olho dos outros, mas não vemos a trave no nosso. É preciso ter cuidado com os que se creem exemplares e perfeitos.
Devemos nos perguntar sempre se aquilo que detestamos nos outros – a vaidade, o egoísmo, a avareza, a falsidade, a mesquinhez – não se encontra em medida muito maior e em formas muito mais graves em nós mesmos. De novo, é preciso voltar ao primeiro aforismo: um cego não pode guiar outro cego.
Uma árvore boa produz frutos bons. Há uma relação estreita entre a árvore e os seus frutos, da mesma forma como há uma relação estreita entre a bondade de uma pessoa e os atos bons que ela pratica. Os seus atos revelam o seu coração, mas é verdade também que se a bondade do coração não se manifestar em atos bons, podemos duvidar da própria bondade do coração.
Outra imagem dessa estreita relação é a do tesouro. O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração. O bom tesouro do coração é como o depósito ou a despensa da casa. No homem esse tesouro é a sua intimidade, o seu coração, que é a sede da vida consciente e livre.
Completa essas imagens da árvore e do tesouro a imagem da boca que fala do que o coração está cheio. Associadas essas imagens nos revelam a necessidade de ir assimilando e acumulando coisas boas para partilhá-las com os outros no momento oportuno.
Pergunte a si mesmo: vejo com os olhos de Cristo? Procuro me corrigir antes de querer corrigir os outros? Tenho o cuidado de me alimentar, de assimilar o que é verdadeiro, bom, belo para partilhá-lo com os outros? Ou de minha boca só sai fofoca, maledicência, crítica amarga, ironia azeda, palavra que destrói?
A eucaristia é uma educação que nos faz ver com os olhos de Jesus. A eucaristia julga o nosso comportamento e nos corrige. A eucaristia nos ensina a louvar e a agradecer Deus (nosso dever e salvação).
8° DomTComum- Lc 6,39-45 - Ano C
”sua boca fala do que o coração está cheio” (Lc 6,45)
Contam que o fabulista Esopo esteve um tempo a serviço de Xantu. Este o enviou ao mercado para que comprasse o melhor que encontrasse. Esopo foi e comprou uma língua.
- Esta língua é o melhor que encontraste?
- Sim, com a língua podemos expressar amor, verdade, louvor, ânimo... A língua permite às pessoas se comunicarem, se entenderem.
Passado um tempo, o patrão tornou a enviar Esopo ao mercado e lhe pediu que, desta vez, lhe trouxesse o pior que pudesse encontrar. Esopo foi e voltou com outra língua.
- Isso foi o pior que encontraste?
- Sem dúvida. Com a língua podemos caluniar, mentir, ofender, injuriar, odiar...
De fato, com as palavras podemos fazer rir ou chorar, afundar ou levantar, confundir ou iluminar. Uma palavra pode ser uma carícia ou uma bofetada. Há palavras que doem mais que golpes e causam feridas interiores muitos difíceis de serem curadas.
Precisamos aprender a “bendizer” (bene-dicere: dizer bem), falar positivamente, evitando toda palavra desestimuladora, ofensiva, cortante, que separa ou semeia discórdia. Lamentavelmente, estamos nos acostumando com a violência verbal, sobretudo através das redes sociais. Cada vez mais, o falar cotidiano e o falar político deixam transparecer uma agressividade que habita no coração das pessoas. Das bocas, brotam com fluidez uma linguagem dura, implacável e destruidora. Palavras ofensivas e cortantes, ditas com a intenção de ridicularizar e desprezar, desqualificar e destruir.
Por isso, em nosso contexto atual, as palavras, em vez de serem pontes de comunicação e encontro, estão se transformando em muros que nos separam e nos dividem. Palavras histéricas que causam espanto, gritos ou bofetadas que buscam ferir. Palavras, uma amontoados de palavras mortas, retóricas, sem conteúdo, mera ginástica verbal, sem verdade. Ditas sem o menor respeito a si mesmo e aos outros, para confundir, para arrancar aplausos, para ganhar seguidores, para acusar o outro, sem necessidade de provas, mesmo sabendo que o outro é inocente, para escapar da própria responsabilidade.
Todo genocídio começa sempre com a desqualificação verbal do adversário, que cria as condições para o desprezo, o maltrato e inclusive o desaparecimento físico. Os colonizadores europeus chamaram os índios de selvagens e irracionais; os escravagistas qualificaram os negros de bestas; os nazistas denominavam os judeus e ciganos de ratos e porcos; os comunistas soviéticos qualificavam os dissidentes como hienas; os torturadores só veem em suas vítimas como bestas subversivas... Um esgoto verbal para semear ódio, divisão, intolerância, preconceito, impossibilidade de encontro; expressões de um coração apodrecido e contaminado pelos piores venenos.
Nunca chegaremos à paz nem à convivência provocando o desprezo e a mútua agressão. Que paz se poderá conseguir entre pessoas que se insultam e não respeitam mutuamente suas ideias diferentes? Por que temos de desprezar, ofender e considerar como inimigo a alguém que pensa de maneira diferente?
Somente aqueles que buscam, com espírito desarmado e lúcido, formas abertas de convivência, se aproximarão da paz. Com posturas dogmáticas e humilhantes nunca construiremos uma sociedade próspera e criativa; nunca chegaremos à paz se continuamos alimentando fanatismos e ofensas, se coagimos as pessoas com graves ameaças e insultos, se buscamos reduzir ao silêncio a quem pensa diferente.
Quando numa sociedade as pessoas têm medo de expressar o que pensa e sente, destrói-se a convivência democrática.
É preciso evangelizar nossa interioridade para dominar nossa agressividade e pronunciar palavras positivas, que animem, que entusiasmem, evitando toda palavra ofensiva ou irônica. É preciso, antes de tudo, fazer chegar a mensagem da Boa Nova até as extremidades mais profundas de nosso ser que costuma expelir veneno e palavras ácidas, fomentando conflitos, intrigas e separações.
O próprio Jesus já nos alertou sobre isso: “é do coração que saem as más intenções: homicídios, adultérios, prostituições, roubos, falsos testemunhos e calúnias” (Mt 15,19)
Precisamos, com urgência, recuperar uma palavra próxima e sincera que possibilite e favoreça a autêntica comunicação. Comunicar-se é abrir a própria interioridade, iluminada pelo Espírito.
A tecnologia moderna tornou mais importante o meio que a mensagem. Nem os celulares, nem os correios eletrônicos, nem os blogs, nem as redes sociais, nem as páginas web..., estão ajudando a nos comunicar-melhor. Pelo contrário, estão se tornando ferramentas de conflitos e violências, onde os covardes disparam ofensas e se escondem.
Como consequência, apesar de possuírem os mais sofisticados aparelhos de comunicação, as pessoas estão vivendo cada vez mais sozinhas, sem ninguém a quem compartilhar seus medos, suas angústias e problemas. Elas estão se tornando estranhas dentro da própria casa, repetindo rituais vazios, conversando com personagens distantes e desconhecidos, sem comunicar-se com os membros da própria família.
Igualmente instigantes são as imagens do “cisco” e da “trave” usadas por Jesus. O afã de corrigir os outros é uma constante, sobretudo no campo religioso (legalismo, moralismo...); não há nada mais perigoso na vida real que essa prática, não só porque nunca podemos estar seguros do que é melhor para o outro, mas porque tendemos a corrigir o outro a partir de nossa superioridade moral que acreditamos ter. No momento em que nos sentimos superiores, seja moral ou intelectualmente, estamos incapacitados para ajudar.
A atitude de superioridade nasce sempre da superficialidade, ou seja, está em estreita relação com nosso falso ser. A couraça que nos envolve é o único que consideramos e nos interessa. Em termos de interioridade, cremos que é suficiente com aquilo que aprendemos dos outros.
Quem se sente perfeito e olha os defeitos ou limites do outro com atitude julgadora é, para Jesus, um hipócrita, pois está tão focado em ver o “cisco” no olho do irmão que ignora a “trave” que está no seu. Hipócrita é aquele(a) que está tão ocupado em demonstrar que cumpre as normas e em velar para que sejam cumpridas que se torna incapaz de ver seus próprios erros e defeitos.
Faz-se urgente re-conectar-nos com a Fonte, onde o coração é continuamente gerado, sustentado, alimentado pelo amor de Deus que o irriga, que o restaura. O coração profundo pode estar desprezado, adormecido, fechado, mas não pode morrer.
“O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração”.
O coração de cada um está habitado de sonhos de vida, de futuro, de projetos; aqui, todo ser humano sente-se seduzido pelo que é verdadeiro, bom e belo; busca ardentemente a pacificação, a unificação interior, a harmonia com tudo e com todos...; sente ressoar o chamado da verdade, o magnetismo do amor, da plenitude; sente-se atraído por um desejo irreprimível de autotranscedência...
Quando nosso coração está centrado em Deus, ou seja, quando ele se percebe que vem d’Ele, vive para Ele e para Ele retorna, tudo está em seu lugar, tudo vai bem. É “árvore boa que dá bons frutos”. As “coisas” não são obstáculos, e as pessoas muito menos. Nem sequer o nosso próprio e ambíguo “eu” é tentação.
Até nossos instintos mais primários ficam integrados nessa corrente de amor recebido e amor entregue.
Para meditar na oração:
Se a nossa oração for um autêntico face-a-face com Deus, ela deverá fazer emergir à nossa consciência as profundidades desconhecidas do nosso ser.
Deus libera em nós as melhores possibilidades, recursos, capacidades, intuições... e nos faz descobrir em nós, nossa verdade mais verdadeira de pessoas amadas, únicas, sagradas, responsáveis... É ele que “cava” no nosso coração o espaço amplo e profundo para nos comunicar a sua própria interioridade.
É do coração iluminado pela Graça que brotarão palavras redentoras, sadias e cheias de sabedoria.
- Qual é o peso que as palavras tem no seu cotidiano? É “palavreado crônico” ou comunicação inspirada?
Nossas vilas e cidades hoje oferecem um clima pouco propício para aqueles que querem procurar um pouco de silêncio e paz para encontrar-se consigo mesmo e com Deus. Não é fácil libertar-nos do barulho permanente e do assédio constante de todo o tipo de chamadas e mensagens. Por outro lado, as preocupações, os problemas e as pressas de cada dia nos levam de um lado para outro, sem nos permitirmos ser donos de nós mesmos.
Nem sequer no nosso próprio lar, invadido pela televisão e cenário de múltiplas tensões, é fácil encontrar o sossego e o recolhimento indispensáveis para nos encontrarmos conosco mesmo ou para descansarmos alegremente diante de Deus.
Pois bem, precisamente, nestes momentos em que necessitamos mais do que nunca de lugares de silêncio, recolhimento e orações, nós crentes, mantemos frequentemente os nossos templos e igrejas fechados uma boa parte do dia.
Esquecemos o que é pararmos, interromper por uns minutos a nossa pressa, libertar-nos por alguns instantes das nossas tensões e deixar-nos penetrar pelo silêncio e a calma de um lugar sagrado. Muitos homens e mulheres ficariam surpreendidos ao descobrir que, com frequência, basta parar e ficar em silêncio por algum tempo, para acalmar o espírito e recuperar a lucidez e a paz.
Quanto precisamos, os homens e mulheres de hoje, encontrar esse silêncio que nos ajude a entrar em contato com nós mesmos para recuperar a nossa liberdade e resgatar de novo toda a nossa energia interior.
Acostumados ao barulho e à agitação, não suspeitamos do bem-estar do silêncio e da solidão. Ávidos por notícias, imagens e impressões, esquecemo-nos de que só nos alimenta e enriquece verdadeiramente aquilo que somos capazes de ouvir no mais profundo do nosso ser.
Sem esse silêncio interior, não se pode escutar Deus, reconhecer a sua presença na nossa vida e crescer a partir de dentro como seres humanos e como crentes. De acordo com Jesus, a pessoa «retira o bem a partir da bondade que está no seu coração». O bem não brota de nós espontaneamente. Temos que o cultivar e fazer crescer no fundo do coração. Muitas pessoas começariam a transformar as suas vidas se pudessem parar para escutar todo o bem que Deus desperta no silêncio dos seus corações.
Jesus continua o discurso da planície dirigido às pessoas que foram até esse lugar para escutá-lo. Fazendo um pouco de história da narrativa dos diferentes episódios descritos no capítulo 6 de Lucas, aprecia-se a liberdade de Jesus a respeito da Lei. Num primeiro momento ele desatende e liberta o ser humano da lei: “O Filho do Homem é senhor do sábado” (Lc 6, 5).
A seguir, “em outro sábado” (6,6) tinha entrado na sinagoga para ensinar e realiza a cura do homem que tinha a mão seca. Isso gera raiva entre os doutores e fariseus que “o espiavam” e “começaram a conversar sobre o que poderiam fazer contra Jesus” (6,11). Logo ele dirige-se à montanha para rezar e ao amanhecer escolhe doze discípulos (Lc 6, 12-16).
Ao descer se detém num lugar plano e “promulga seu programa ‘com’ vida, fundado não numa ética de “deveres e obrigações”, mas numa ética de ‘felicidade e ventura’”. (Texto completo: Felicidade escondida nas bem-aventuranças)
Sua mensagem é aparentemente contraditória, mas há nela uma “proposta libertadora na qual são exaltados os pobres, os desfavorecidos, os desvalidos. Ser bem-aventurado e feliz pelo evangelho não é ter ou não ter muitos bens ou riquezas. Ser bem-aventurado é ser discípulo do Senhor, é viver o Espírito de Reino que é justiça, paz, igualdade e fraternidade. (“Felizes de vocês, os pobres, porque o Reino de Deus lhes pertence”).
No domingo anterior meditamos a proposta de amor que traz Jesus que é realmente desconcertante: amar aos inimigos, fazer o bem aos que nos odeiam, desejar o bem aos que nos amaldiçoam, dar sem esperar receber! Um chamado a amar como Deus nos ama e um convite para ser misericordioso como o Pai é misericordioso.
Nos versículos seguintes Jesus expressa uma necessidade substancial que é o fundamento da Boa Notícia do Reino: “Não julguem, e vocês não serão julgados; não condenem, e não serão condenados; perdoem, e serão perdoados”; e também dirá que: “a mesma medida que vocês usarem para os outros, será usada para vocês”.
Neste domingo continua-se a leitura do capítulo 6 de Lucas e Jesus segue dando orientações para os que desejam viver a Boa Notícia do Reino. A narrativa inicia-se com uma parábola em forma de pergunta: pode um cego guiar a outro cego?
É uma pergunta que pode parecer quase sem sentido porque sua resposta é quase óbvia. Então podemos perguntar-nos o que está apresentando Jesus? Qual é a forma de viver nosso relacionamento com os irmãos e irmãs? Qual é meu olhar a respeito das outras pessoas? Como me considero a mim mesmo? Acho-me superior porque imagino que sei mais, que conheço mais do que os outros, que tenho mais experiência?
Jesus deixa claro que se uma pessoa considera-se maior e até melhor que as outras, ou pensa que é mestre porque seus critérios são mais adequados e justos, está caindo num“buraco”, está caminhando como um cego. É uma pessoa que não vê a realidade, que sua soberba gera cegueira e do seu interior contaminado pelo orgulho só germinam frutos maus: “Não existe árvore boa que dê frutos ruins, nem árvore ruim que dê frutos bons; porque toda árvore é conhecida pelos seus frutos”.
Cada ser humano é um mistério, uma pessoa desconhecida por cada um e cada uma de nós. Muitas vezes olham-se as pessoas que nos rodeiam a partir de critérios pobres e até com desprezo. Jesus pergunta de novo: “Por que você fica olhando o cisco no olho do seu irmão, e não presta atenção na trave que há no seu próprio olho?”.
Uma pessoa que age assim é alguém que não vê, porque sua cegueira impede-o. Essa cegueira está constituída por diversas situações ou ações que geram um olhar a si mesmo como superior. Alimentam a ideia e o orgulho interior de considerar-nos com capacidade para julgar ao outro/a e até sugerir caminhos como se fôssemos mestres que sabem a necessidade profunda de cada pessoa.
Jesus conclui seu relato afirmando que “a boca fala daquilo de que o coração está cheio”. As atitudes, as falas, as conversas, os pareceres ou mensagens de uma pessoa expressam o que há no seu coração. Seu interior não permanece encoberto porque fica manifesto nas expressões e na vida de cada ser humano, no seu relacionamento com as outras pessoas.
Neste domingo somos convidados a perguntar-nos como é nosso olhar sobre as pessoas que estão perto de nós. Somos capazes de descobrir cada dia uma novidade no meu vizinho, nas pessoas que formam minha comunidade, naqueles/as que trato periodicamente? Posso descobrir o mistério que em cada pessoa se esconde e que vai se revelando ao longo da sua vida?
Peçamos ao Senhor ter uma mirada cheia de compaixão e ternura que perceba a novidade e originalidade de cada pessoa!
Oração
Quem me dera ver
Quem me dera ver
quanto tem de mendigo,
o ouro no pulso,
a maquiagem no espelho,
a assinatura no cheque,
o título emoldurado na parede.
Quem me dera ver
quanto tem de mendigo,
o ouro no pulso,
a maquiagem no espelho,
a assinatura no cheque,
o título emoldurado na parede.
Quem me dera ver
quanto tem de infinito,
uma mão esgotada,
um rosto atrás das grades,
um sorriso sem retribuição,
o aroma partilhado do café.
Quem me dera olhar
com olho simples
as pessoas
e as coisas
como são!
Quem me dera ver
Benjamin González Buelta SJ
Salmos para sentir e saborear as coisas internamente
O tema central da liturgia deste domingo convida-nos a refletir sobre esta questão: aquilo que nos enche o coração e que nós testemunhamos é a verdade de Jesus, ou são os nossos interesses e os nossos critérios egoístas?
O Evangelho dá-nos os critérios para discernir o verdadeiro do falso “mestre”: o verdadeiro “mestre” é aquele que apenas apresenta a proposta de Jesus gerando, com o seu testemunho, comunhão, união, fraternidade, amor; o falso “mestre”, ao contrário, é aquele que manifesta intolerância, hipocrisia, autoritarismo e cujo testemunho gera divisões e confusões: o seu anúncio não tem nada a ver com o de Jesus.
A primeira leitura, na mesma linha, dá um conselho muito prático, mas muito útil: não julguemos as pessoas pela primeira impressão ou por atitudes mais ou menos teatrais: deixemo-las falar, pois as palavras revelam a verdade ou a mentira que há em cada coração.
A segunda leitura não tem, aparentemente, muito a ver com esta temática: é a conclusão da catequese de Paulo aos coríntios sobre a ressurreição. No entanto, podemos dizer que viver e testemunhar com verdade, sinceridade e coerência a proposta de Jesus é o caminho necessário para essa vida plena que Deus nos reserva. Do nosso anúncio sincero de Jesus, nasce essa comunidade de Homens Novos que é anúncio do tempo escatológico e da vida que nos espera.
Continuamos ainda no ambiente do “discurso da planície”, onde Jesus apresenta os elementos fundamentais da existência cristã. Provavelmente, Lucas concentrou aqui um conjunto de frases ou de ditos de Jesus que, originalmente, tinham um contexto diverso e foram pronunciados em alturas diversas. A unidade temática do nosso texto ressente-se, pois, desse facto. Apesar disso, pode perceber-se que Lucas está preocupado com os “falsos mestres”. O texto de hoje começa com um provérbio (“poderá um cego guiar outro cego?” – vers. 39) que Mateus coloca num contexto completamente diferente do de Lucas: enquanto que em Mateus (cf. Mt 15,14) ele aparece num contexto de crítica aos fariseus, aqui é uma advertência contra os falsos mestres na comunidade cristã. Provavelmente, Lucas quer pôr a comunidade de sobreaviso em relação a esses mestres pouco ortodoxos que, na década de 80, começam a aparecer nas comunidades e cujas doutrinas apresentam desvios sérios em relação ao essencial da mensagem de Jesus Cristo.
Segundo Lucas, o verdadeiro mestre será sempre um discípulo de Jesus, o mestre por excelência; e a doutrina apresentada não poderá afastar-se daquilo que Jesus disse e ensinou (vers. 39-40). Quando alguém apresenta a própria doutrina e não as propostas de Jesus está, muito provavelmente, a desorientar os irmãos. A comunidade deve ter isto presente, a fim de não se deixar conduzir por caminhos que a afastem do verdadeiro caminho que é Jesus.
Um segundo desenvolvimento, diz respeito ao julgamento dos irmãos (vers. 41-42). Há na comunidade cristã pessoas que se consideram iluminadas, que “nunca se enganam e raramente têm dúvidas”, muito exigentes para com os outros, que não reparam nos seus telhados de vidro quando criticam os irmãos… Apresentam-se muito seguros de si, às vezes com atitudes de autoridade, de orgulho e de prepotência e são incapazes de aplicar a si próprios os mesmos critérios de exigência que aplicam aos outros. Esses são (a palavra é dura, mas não a podemos “branquear”) “hipócritas”: o termo não designa só o homem dissimulado, falso, cujos atos não correspondem ao seu pensamento e às suas palavras, mas equivale ao termo aramaico “hanefa” que, no Antigo Testamento, significa, ordinariamente, “perverso”, “ímpio”. Pode o verdadeiro discípulo de Jesus ser “perverso” e “ímpio”? Na comunidade de Jesus não há lugar para esses “juízes”, intolerantes e intransigentes, que estão sempre à procura da mais pequena falha dos outros para condenar, mas que não estão preocupados com os erros e as falhas – às vezes bem mais graves – que eles próprios cometem. Quem não está numa permanente atitude de conversão e de transformação de si próprio não tem qualquer autoridade para criticar os irmãos.
Finalmente, Lucas apresenta o critério para discernir quem é o verdadeiro discípulo de Jesus: é aquele que dá bons frutos (vers. 43-45). Neste contexto, parece dever ligar-se os “bons frutos” com a verdadeira proposta de Jesus: dá bons frutos quem tem o coração cheio da mensagem de Jesus e a anuncia fielmente; e essa mensagem não pode gerar senão união, fraternidade, partilha, amor, reconciliação. Quando as palavras de um “mestre” geram divisão, tensão, desorientação, confrontação na comunidade, elas revelam um coração cheio de egoísmo, de orgulho, de amor próprio, de autossuficiência: cuidado com esses “mestres”, pois eles não são verdadeiros.
Considerar, para reflexão, as seguintes indicações:
• Todos nós, de uma forma ou de outra, somos chamados a dar testemunho da nossa fé e da proposta de Jesus. Esta reflexão sobre os verdadeiros e falsos “mestres” não é, portanto, algo que apenas diga respeito à hierarquia da Igreja, mas a todos os cristãos. Trata-se, portanto, de uma reflexão sobre a verdade ou a mentira do nosso testemunho. Como é o nosso testemunho? Identifica-se com a proposta de Cristo?
• Pode acontecer que a radicalidade do Evangelho de Jesus seja viciada pela nossa tendência em “suavizar”, “atenuar”, “adaptar”, de forma a que a mensagem seja mais consensual, menos radical, mais contemporizadora… Não estaremos, assim, a retirar à proposta de Jesus a sua capacidade transformadora e a escolher um caminho de facilidade?
• Também pode acontecer que anunciemos as nossas teorias e as nossas perspectivas, em lugar de anunciar Jesus e as suas propostas. Mais grave ainda: é possível atribuir a Jesus mandamentos e exigências que desvirtuam totalmente o sentido global das propostas que Jesus fez. Isso constitui uma grave perversão do Evangelho; e daí resulta, tantas vezes, opressão, medo, escravatura, em nome de Jesus. Isto tem acontecido, com frequência, ao longo da história da Igreja… É preciso, pois, um permanente confronto do nosso anúncio com o Evangelho e com o sentir da Igreja, a fim de que anunciemos Jesus e não traiamos a verdade da sua proposta libertadora.
• Podemos também correr o risco de deixar que o sentimento da nossa importância nos suba à cabeça; então, tornamo-nos arrogantes, exigentes, intolerantes, convencidos de que somos os únicos senhores da verdade. Com alguma frequência ouvem-se nas nossas comunidades cristãs frases como “aqui quem manda sou eu” ou “eu é que sei; tu não percebes nada disto”. Sempre que isso acontecer, convém interrogarmo-nos acerca da forma como estamos a exercer o nosso serviço à comunidade: estaremos a veicular a proposta de Jesus?
• A história da trave e do cisco convida-nos a refletir sobre a hipocrisia… É fácil reparar nas falhas dos outros e enveredar pela crítica fácil que, tantas vezes, afeta a reputação e fere a dignidade das pessoas; é difícil utilizar os mesmos critérios de exigência quando estão em causa as nossas pequenas e grandes falhas… Somos tão exigentes conosco como somos com os outros? Temos consciência da nossa necessidade permanente de conversão e de transformação?
Neste Evangelho, Jesus nos faz recomendações importantíssimas para o nosso crescimento humano e espiritual! Tudo o que desejarmos das pessoas com quem nos relacionamos deverá ser regra de vida para nós.
Somos convidados (as) a nos ajudar mutuamente na caminhada que fazemos em busca da perfeição. A nenhum de nós cabe o papel de “mestre” e de “senhor” da situação, apenas ditando preceitos e normas para que os outros cumpram.
É nosso dever, em primeiro lugar, examinar como estamos vivendo e qual o testemunho que estamos oferecendo ao mundo para que as outras pessoas sejam guiadas por nós. Se não reconhecemos as nossas próprias falhas e não buscamos emendar o que está torto em nós, somos como aquele homem que tem uma trave no olho e nunca poderemos aconselhar, exortar ou admoestar alguém que também é passível de erro.
A trave nos nossos olhos nos impede de enxergar as nossas fraquezas e limitações. Para tirá-la, nós precisamos pedir ao Espírito Santo que purifique os nossos pensamentos, sentimentos e as nossas atitudes.
Do contrário, Jesus nos lembra, nós poderemos cair no barranco e levar muita gente conosco. Porque não fazemos isso, é que muitos se decepcionam conosco e têm a sua fé enfraquecida se afastando do convívio da Comunidade e culpando a Deus pelas nossas incoerências.
Isto para nós será uma regra de vida, pois, somente assim poderemos nos assemelhar a uma árvore que dá, verdadeiramente, bons frutos ou como um homem bom que tira coisas boas do bom tesouro do seu coração.
Enquanto ainda é tempo, urgentemente, precisamos repensar nossa maneira de ser e de viver. Precisamos mostrar ao mundo as coisas boas que existem no nosso coração!
– Você é responsável na condução de alguém?
– Como pessoa comprometida você tem conseguido ser um exemplo a ser seguido?
– Ou você é daqueles que dizem “façam o que digo e não faça o que eu faço”?
– Você tem sido uma árvore boa ou má? – O que está no seu coração?
No Evangelho de hoje vamos refletir sobre o trecho do Evangelho de Lucas, Capítulo 6. 39-45, ocasião em que Jesus faz a pedagogia da comparação, da árvore infrutífera e de um cego que inutilmente guia outro cego, Jesus ensina a seus discípulos e discípulas a prática da espiritualidade libertadora, sem as algemas da hipocrisia religiosa, propõe um novo caminho de liberdade.
A denúncia de Jesus quanto a prática da hipocrisia religiosa do seu tempo foi um dos principais temas do ensino de Jesus junto aos seus discípulos e discípulas. Em várias ocasiões, quando Jesus ajuntava o povo para ensinar sobre as boas novas de libertação, o assunto da hipocrisia dos religiosos estava em pauta. Jesus era sincero, amoroso e objetivo quando questionava a espiritualidade dos Fariseus, escribas e de outros grupos religiosos que existiam na região da Judeia, essa corajosa atitude de Jesus causava ódio aos seus opositores, que sempre, de maneira astuta procuravam motivos para lhe imputar crimes contra Deus e a religião.
A hipocrisia é amiga da falsidade. É percebida em uma espiritualidade fundada no rigor da lei, impregnada de legalismo, que impõe às pessoas regras obscuras, muitas delas impossíveis de cumprir. Por esta razão, Jesus observa que são cegos guiando outros cegos aos precipícios, sepulcro caiado, por fora, é admirável a sua beleza, contudo por dentro, exala o mau cheiro da podridão. É uma espiritualidade falsa, apenas de aparência, não se concretiza na vida, mas em meros discursos vazios, está dentro de nós! Como podemos perceber na fala de Jesus: O que contamina o homem não é o que entra, mas o que sai do seu coração, pois nele habita os mais perversos sentimentos.
A hipocrisia religiosa é contrária ao amor. Ora, é possível obedecer as muitas práticas de nosso seguimento religioso, oração, dízimo, culto, etc.. contudo ser vazio de compaixão. A parábola do bom Samaritano se resume a esse ensino. Certa vez Jesus questionou a espiritualidade dos Fariseus, que se achavam cumpridores fiéis da lei de Deus. Entregavam o dízimo e ofertas da colheita, mas desprezavam o mais importante: a justiça, a misericórdia e a fé, três pilares de relevância na caminhada de libertação com os pobres.
A contradição entre o discurso e a prática é a forte marca de uma espiritualidade legalista-hipócrita. É um discurso acusador, que não enxerga e deficiência e fragilidade de si mesmo. O discurso é bonito, contudo logo perde sua veracidade em uma prática contrária. Jesus optou por não trilhar por esse caminho, por isso, certa vez na sinagoga muitos ficaram maravilhados com seu ensino, pois não ensinava como os Fariseus. Jesus falava de amor, compaixão, partilha e serviço, o que viveu na vida, na prática diária, Não se aliou aos opressores, optou por caminhar com o povo em um caminho de libertação, foi sua oposição a esse sistema que o levou a prisão, tortura e morte como preso político.
Hoje, o seguimento de Jesus não pode ser diferente. Todos e todas são chamados para viver a espiritualidade do caminho, da partilha, da esperança, da fé. A maioria dos cristãos no decorrer da história da igreja foram ensinados a obedecer as leis, a viver sob regras legalista, pouco foi ensinado sobre uma espiritualidade libertadora, sem algemas, livre do velho julgo da lei. É preciso desconstruir, urge recomeçar por um novo caminho, não o da verdade absoluta, do exclusivismo, mas da liberdade, pois não há esse absolutismo no caminho de Jesus, ninguém é dono da verdade, os que se acham detentores da lei e da verdade de Deus, se perderão em seu próprio caminho contraditório.
A Espiritualidade do caminho é cheia de alegria e esperança. Em tempos sombrios em que vivemos hoje, se faz urgente a prática da partilha, do acolhimento e da compaixão, não somente de palavras, mas de uma prática concreta, libertos de toda hipocrisia.
(Texto traduzido pelo Tradutor Google sem nossa correção. Português de Portugal)
DOMINGO VIII DO ANO – CICLO “C”
1º. Leitura (Senhor 27,4-7):
Este texto confirma que “O homem é o eixo fixo sobre o qual gira todo o mundo sapiencial, é o ponto de partida de toda observação.”1. E de modo particular, os sábios concentram-se naquilo que é tão típico e exclusivo do homem, como a comunicação através das palavras. Nestes provérbios a ênfase é colocada na palavra como autocomunicação, pois é o meio através do qual o interior do homem se revela. Os três primeiros versículos expressam aquela certeza resultante da experiência; e a quarta tira uma conclusão para quem busca ser sábio: não elogie ninguém antes de ouvi-lo falar.
Segunda leitura: 1 Coríntios 15,51,54-58
Em 15:51 encontramos uma nova introdução que procura atrair a atenção dos ouvintes porque é a revelação de um mistério: “Nem todos morreremos, mas todos seremos transformados" (ou melhor, alterado).
Esta afirmação reforça a opinião de que Paulo estava pensando numa parusia iminente, como em 1 Tes. Mas em relação à escatologia desta carta, aparece aqui a novidade da mudança de estado, da passagem do corpo natural ao espiritual, da corrupção à incorrupção. O verbo está na passiva nos lembrando que essa transformação será obra de Deus, impossível para “carne e sangue”.
O versículo seguinte torna esta afirmação explícita e aparentemente reserva a ressurreição para os mortos e a transformação ou mudança de estado para todos, vivos e falecidos. Paulo recorre aqui a elementos apocalípticos, como o som da trombeta, procurando indicar a natureza instantânea deste acontecimento final.
Os versículos 53-57 desenvolvem ainda mais este processo de transformação final, mostrando a sua necessidade por parte dos homens, mas só possível através da intervenção divina através de Cristo, vencedor do pecado e da morte. Paulo celebra esta vitória com uma espécie de canto triunfal: “Onde está sua vitória, morte? Onde está o seu aguilhão, morte?“Ele então afirma a relação entre morte, pecado e lei, que desenvolverá extensivamente na carta aos Romanos.
O v. 58 é uma exortação, em tom afetuoso (“meus queridos irmãos”), a permanecermos firmes e acolhermos neles com generosidade a obra do Senhor. Assim se encerra esta subseção e todo o capítulo, pois continuando neste caminho o esforço não será em vão, respondendo à advertência com que havia começado em 15,2.-
Evangelho (Lucas 6:39-45):
Esta perícope faz parte do Sermão da Planície e tem o mesmo público indicado em 6,27, que são os discípulos mais todas as pessoas que vieram ouvir Jesus (cf. 6,17-18). Segundo A. Rodríguez Carmona2, começaria às 6h37 e “Trata da postura que deve ser adotada para com o irmão pecador”. E mais especificamente diz que as comparações referem-se às condições para a “correção fraterna”, que são a autocrítica saudável e a honestidade. Da mesma forma, LH Rivas3diz que “Através de três parábolas, Jesus ensina que ninguém deve assumir a posição de juiz diante de alguém que peca ou comete um erro, pois todos os seres humanos – e também os discípulos – são pecadores e precisam do perdão de Deus e de seus irmãos.”.
Portanto, através de comparações ou metáforas, Jesus nos ensina a atitude que seu discípulo deve ter diante dos defeitos ou falhas do irmão. De certa forma, eles são um desenvolvimento da ordem de Jesus em 6:37: “Não julgue e você não será julgado (não julgue e não seja julgado;) não condene e você não será condenado (não condene e não seja condenado.) perdoe e você será perdoado (dispare e seja demitido)”.
Sobre a tendência de julgar e “rotular” na cultura mediterrânica do século XX. Eu digo B. Malina4: “Nas sociedades que funcionam de acordo com o esquema honra-vergonha, “julgar” está em grande parte relacionado com estereótipos. Os rótulos impostos às pessoas (pecador, cobrador de impostos, mulher da rua, filho de artesão) são designações diretas que as classificam, descrevendo e determinando ao mesmo tempo o seu estatuto e honra. Ao mesmo tempo, eles fornecem aos outros um script que lhes permite interagir”.
A primeira comparação deixa bem claro que alguém que também é cego pode se colocar na posição de guiar um cego. Aqui a cegueira é uma metáfora para a falta de iluminação que a fé no Cristo ressuscitado proporciona. Como aponta F. Bovon5“Para Lucas, tornar-se cristão significa sair das trevas e construir uma nova realidade com novos olhos (cf. At 26,17-18). Até os discípulos tiveram que aceitar, depois da ressurreição, que o Senhor lhes abriu os olhos (Lc 24,31).”.
Quanto ao provérbio sobre a relação professor-discípulo, poderia referir-se àqueles discípulos que não aceitam plenamente os ensinamentos de Jesus, especialmente aqueles relacionados com não julgar ou condenar; sobre correção fraterna e perdão. Assim como o Senhor não veio para julgar ou condenar, o discípulo de Jesus, por mais treinado que seja, também não deve julgar seu irmão.
O ditado sobre a necessidade de tirar a trave do próprio olho antes de tentar tirar o cisco ou cisco do olho do irmão reforça o convite à autocrítica saudável e à honestidade. Ou seja, a primeira coisa é examinar-se; É uma conversão pessoal. Só então você poderá ajudar ou orientar outras pessoas. A este respeito, J. Fitzmyer comenta 6do que esta máxima: “pretende ilustrar a inclinação humana para a crítica e a reação espontânea que ela produz. A máxima enfatiza a necessidade de uma avaliação sincera das próprias limitações, a fim de melhorar seriamente as suas capacidades inatas; Só quem consegue superar os seus fracassos pessoais pode alcançar uma visão suficientemente nítida para ajudar os seus semelhantes. As palavras de Jesus não impõem aos seus discípulos a proibição de formar um juízo moral sobre a conduta dos seres humanos; O que condenam é qualquer tentativa de corrigir os outros antes de terem aplicado esse padrão de conduta a si próprios. Não há dúvida de que a máxima não pode ser interpretada como restrita aos responsáveis pela comunidade.”
Precisamente o oposto da honestidade é a hipocrisia; É por isso que ele é chamado de hipócrita (hipocritamente) aqui para quem olha para os defeitos dos outros sem antes prestar atenção nos seus. É a mesma coisa que Jesus censura insistentemente aos escribas e aos fariseus (cf. Mt 23).
Em resumo, para F. Bovon7A pedagogia de Jesus aqui proposta inclui cinco passos: “1. Renúncia a ser juiz dos outros; 2. Abertura às palavras de Jesus, que me desafia com amor e esperança; 3. Reconhecimento das minhas faltas graves (as vigas); 4. Compromisso de ser outro homem ou outra mulher (remover a trave); 5. Só então, a possível imitação de Jesus (v. 40b) e a permissão para me tornar professor do outro (já que antes sou seu irmão ou irmã)”.
A última comparação, sobre conhecer a árvore pelos seus frutos, oferece um critério de discernimento claro e sábio que desmascara a hipocrisia ou o engano. Assim como uma árvore é conhecida pelos seus frutos, o coração do homem é conhecido pelos seus atos e pelas suas palavras. No final, assumindo a tradição sapiencial, Jesus insiste que são as palavras que revelam o verdadeiro conteúdo do coração do homem.
ALGUNS PENSAMENTOS:
O evangelho de hoje nos convida a meditar sobre o nosso modo de agir diante dos defeitos ou das falhas dos outros, dos nossos irmãos.
Isto primeiro O que Jesus nos diz é que não precisamos nos colocar rapidamente no lugar dos guias dos outros. Como diz LH Rivas8“Assim ele vai ao encontro da simplicidade de quem acredita que os maus são sempre os outros e quer ser professor dos outros.”.
Isto segundo O que Jesus ensina é que somente aqueles que primeiro se examinam e reconhecem e confessam seu pecado ou condição pecaminosa serão capazes de ter clareza de visão para ajudar outros a superar suas quedas. O discípulo de Jesus deve ter percorrido um longo caminho de purificação interior antes de alcançar as condições necessárias para guiar os outros. E uma das convicções que ele deve ter é que sempre será um discípulo e que Jesus é o único verdadeiro mestre.
A este respeito, o então Padre Jorge Bergoglio sj escreveu um artigo comentando o livro de Doroteo de Gaza “A Acusação de Si Mesmo” e aí diz: “Quem se acusa deixa espaço à misericórdia de Deus; É como o publicano que não ousa levantar os olhos (cf. Lc.18,13). Quem sabe acusar-se é um homem que sempre se «fechará» dos outros, como o Bom Samaritano, e – nesta abordagem – o próprio Cristo conseguirá o acesso ao seu irmão.”(Boletim de Espiritualidade 87, maio-junho de 1984, 6-7).
Isto terceiro É que nada incomoda tanto Jesus quanto a hipocrisia, a falsidade ou a duplicidade de quem se coloca como juiz dos outros e acaba cometendo coisas piores do que aquelas que neles condena. Nunca vamos nos colocar no lugar do juiz. Podemos bem recordar a frase devastadora de Jesus diante daqueles que queriam apedrejar a mulher pecadora: “Aquele que está livre de pecado atire a primeira pedra” (Jo 8,7).
O Papa Francisco disse no Angelus de 27/02/2022 que “Estamos muito atentos aos defeitos dos outros, mesmo os pequenos como um canudo, e ignoramos com calma os nossos, dando-lhes pouco peso. O que Jesus diz é verdade: sempre encontramos motivos para culpar os outros e nos justificar. E muitas vezes reclamamos de coisas que não funcionam na nossa sociedade, na Igreja, no mundo, sem primeiro nos questionarmos e sem primeiro nos comprometermos com a mudança – toda mudança frutífera e positiva deve começar por nós mesmos; Caso contrário, não haverá mudança— […]. Queridos irmãos e irmãs, o Senhor convida-nos a limpar nossos olhos. Em primeiro lugar, pede-nos que olhemos para dentro de nós mesmos para reconhecermos as nossas misérias. Porque se não conseguirmos ver os nossos defeitos, sempre tenderemos a exagerar os dos outros. Por outro lado, se reconhecermos os nossos erros e as nossas misérias, a porta da misericórdia abre-se para nós. E, depois de olharmos para dentro de nós mesmos, Jesus nos convida a olhar para os outros como Ele olha – este é o segredo: olhar para os outros como Ele olha – que não vê o mal antes de nada, mas o bem. Deus olha-nos assim: não vê em nós erros irremediáveis, mas vê filhos que cometem erros. O ponto de vista muda: não se concentra nos erros, mas nas crianças que erram. Deus sempre distingue a pessoa de seus erros. Sempre salve a pessoa. Sempre acredite na pessoa e esteja sempre disposto a perdoar os erros. Sabemos que Deus sempre perdoa. E convida-nos a fazer o mesmo: não procurar o mal nos outros, mas o bem.”.
Enfim, sigamos o conselho de Santo Antônio de Pádua: “Somente em caso de necessidade e depois de nos corrigirmos, podemos corrigir os outros.”
Jesus também neste evangelho nos convida a sermos homens de discernimento para não sermos enganados. A bondade de um homem não está na sua eloquência ou no que ele prega sobre si mesmo; mas nas suas boas obras e na sua fala sensata. Se há caridade nas suas ações e no seu falar, então ele é um homem de Deus. Caso contrário, ele é um hipócrita ou um falso profeta.
Embora estas normas evangélicas sejam dirigidas a todos nós que queremos ser e viver como discípulos de Jesus, podemos encontrar nelas “Cinco dicas para uma boa liderança na comunidade, segundo o espírito do evangelho”, como propõe F. Oñoro:
(1) Lembre-se sempre de que o ponto de referência é o próprio Jesus: “O discípulo não está acima do professor”(6,40a).
(2) Não forme grupos e pessoas em torno do seu carisma pessoal, leve-os todos a Jesus. Cuide para ser “como o Mestre”(6,40b), compartilhando com ele a abnegação da Cruz e remetendo tudo à plenitude do Pai.
(3) Antes de empreender um projeto, certifique-se de ter a visão do evangelho – e não apenas a sua – porque “Pode um cego guiar outro cego?” (6,39ª).
(4) Procure treinar bem e estar à frente naquilo que propõe aos outros viverem, caso contrário “Ambos cairão no mesmo buraco“(6,39b).
(5) Avalie-se constantemente, reconheça e peça perdão pelos seus pecados, “tire o feixe” e então verá com misericórdia as faltas de seus irmãos; mas você também não permite que escrúpulos bloqueiem a correção fraterna (6:41-42). Você não pode se eximir dessa responsabilidade; Portanto, procure permanecer constantemente reconciliado com o Senhor”.9.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO): Da abundância do Coração
Senhor,
Da abundância do seu coração
Recebemos todos os presentes
Cure nosso interior
Com seu bálsamo de amor
Somos cegos e tão teimosos
Confiamos em nossa força
E quando os perdemos...
Tudo fica escuro,
Cubra uma venda
E estamos tateando, procurando apoio
Pela graça será visto primeiro,
A trave do próprio olho.
E não o dos outros
Remova-o rapidamente e peça a Luz
Clame ao céu…
A resposta virá com o tempo
Depressa, você que é uma árvore
Tente ser um dos bons
E não dar frutos amargos
Deixe o Senhor da história
Fertilize sua terra
Podar suas ervas daninhas
Que sua riqueza brote em você
Do seu fogo interior
Atrás da sua casca. Amém
1J. Vílchez Lindez, Sabiduría y Sabios en Israel, Verbo Divino, Estella, 1995, 134.
2 Evangelio según san Lucas, BAC, Madrid, 2014, 125.
3 La obra de Lucas I. El Evangelio, Agape, Buenos Aires, 2012, 78.
4Los evangelios y la cultura mediterránea del siglo I. Comentario desde las Ciencias Sociales; Verbo Divino, Estella, 1996, 244.
5 El Evangelio según san Lucas. Vol. I, Sígueme, Estella, 1995, 471.
6 El evangelio según Lucas Vol. II, Cristiandad, Madrid, 1986, 620.
7 El Evangelio según san Lucas. Vol. I, Sígueme, Estella, 1995, 475.
8Jesús habla a su pueblo. Ciclo C. Domingos durante el año, CEA, Buenos Aires, 2000, 50.
9“Pistas para la Lectio Divina. San Lucas”, en http://www.homiletica.org/fidelonoroLUCAS.htm