1ª Leitura: Sabedoria 9,13--18
Salmo Responsorial 89(90)-R- Vós fostes, ó Senhor, um refúgio para nós!
2ª Leitura: Filemon 9b-10.12-17
Evangelho Lucas 14,25-33
Proclamação do evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas – Naquele tempo, 25grandes multidões acompanhavam Jesus. Voltando-se, ele lhes disse: 26“Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo. 27Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim não pode ser meu discípulo. 28Com efeito, qual de vós, querendo construir uma torre, não senta primeiro e calcula os gastos, para ver se tem o suficiente para terminar? Caso contrário, 29ele vai lançar o alicerce e não será capaz de acabar. E todos os que virem isso começarão a caçoar, dizendo: 30‘Este homem começou a construir e não foi capaz de acabar!’ 31Ou ainda, qual o rei que, ao sair para guerrear com outro, não se senta primeiro e examina bem se, com dez mil homens, poderá enfrentar o outro que marcha contra ele com vinte mil? 32Se ele vê que não pode, enquanto o outro rei ainda está longe, envia mensageiros para negociar as condições de paz. 33Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!” – Palavra da salvação
Lc 14,25-33
O evangelho de hoje nos traz duas parábolas e três sentenças fundamentais. As parábolas são a do homem que constrói a torre e do rei que sai para guerrear com outro.
As parábolas insistem sobre a necessidade de planejar com cuidado os empreendimentos antes de começar e de calcular os custos desses mesmos empreendimentos. Quem constrói uma torre deve calcular os custos para ver se é capaz de suportá-los. Da mesma maneira o rei, antes de empreender uma guerra, precisa calcular se com os soldados à disposição pode alcançar a vitória contra outro rei.
Todos os empreendimentos humanos têm um custo a ser suportado, exigem um planejamento a ser feito, requerem planos e sacrifícios. Sem trabalho de planejamento e esforço na execução nenhum empreendimento chega a bom termo. Isso todos nós sabemos.
Se isso é verdade em relação aos empreendimentos humanos com muito mais razão ainda o seguimento de Cristo. Muitos pensam que ser cristão é algo que pode ser improvisado, que não exige esforço, comprometimento pessoal e trabalho responsável. Muitos acham que seguir Jesus pode ser feito de qualquer jeito e sem qualquer esforço e sem trabalho. Muito pelo contrário!
Ser cristão é um empreendimento muito mais custoso e muito mais exigente do que construir uma torre ou sair para a guerra! Como cristãos a nossa torre a ser construída é muito mais custosa do que qualquer outra: exige o investimento de nossa vida! A nossa guerra não é uma qualquer. Ela não pode ser ganha a não ser que estejamos dispostos a lutar com todas as forças e até o fim da nossa vida. Por isso, antes de tomar a decisão de ser cristão é preciso calcular os custos e reconhecer os esforços necessários.
Você está disposto a pagar o preço de ser cristão? Você está convencido de que vale a pela lutar essa guerra? Não responda ainda. Vejamos juntos os custos e os sacrifícios que nos esperam.
v. 26: Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo.
Não se trata de não amar a própria família. Trata-se de amar muito a própria família. Esse grande amor, no entanto, quando comparado ao amor que temos por Jesus, se torna pequeno. O amor à família deve ser grande, mas permanece sempre menor em comparação ao amor a Jesus.
O amor a Deus e o amor à família não são contraditórios. Não se trata de se por na alternativa de escolher um desses dois amores, mas a de amar a família em Deus.
Além disso, essa sentença de Jesus nos ensina a não amar somente a própria família e cuidar somente de seus interesses. Na realidade isso não é amor verdadeiro, pois é um amor fechado que exclui quem não pertence à própria família. Esse mesmo egoísmo exclusivista travestido de amor pode ocorrer em relação à pátria, ao partido, à raça. Despegar-se da família significa abraçar um amor como o de Jesus: que abate todas as barreiras.
v. 27: Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo.
Carregar a cruz significa que o discípulo vive como Cristo viveu: todo dedicado aos pobres, todo dedicado ao anúncio do Evangelho.
v. 32: qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!
Renunciar aos bens não significa prescindir do necessário para viver dignamente. Significa utilizar os bens deste mundo para o bem dos outros e em vista do Reino de Deus. Os bens deste mundo devem servir para alcançar os bens eternos! Fazemos isso quando os utilizamos para o bem dos mais pobres.
A liturgia deste domingo convida-nos a tomar consciência de quanto é exigente o caminho do “Reino”. Optar pelo “Reino” não é escolher um caminho de facilidade, mas sim aceitar percorrer um caminho de renúncia e de dom da vida.
É, sobretudo, o Evangelho que traça as coordenadas do “caminho do discípulo”: é um caminho em que o “Reino” deve ter a primazia sobre as pessoas que amamos, sobre os nossos bens, sobre os nossos próprios interesses e esquemas pessoais. Quem tomar contato com esta proposta tem de pensar seriamente se a quer acolher, se tem forças para a acolher… Jesus não admite meios-termos: ou se aceita o “Reino” e se embarca nessa aventura a tempo inteiro e “a fundo perdido”, ou não vale a pena começar algo que não vai levar a lado nenhum (porque não é um caminho que se percorra com hesitações e com “meias tintas”).
A primeira leitura lembra a todos aqueles que não conseguem decidir-se pelo “Reino” que só em Deus é possível encontrar a verdadeira felicidade e o sentido da vida. Há, portanto, aí, um encorajamento implícito a aderir ao “Reino”: embora exigente, é um caminho que leva à felicidade plena.
A segunda leitura recorda que o amor é o valor fundamental, para todos os que aceitam a dinâmica do “Reino”; só ele permite descobrir a igualdade de todos os homens, filhos do mesmo Pai e irmãos em Cristo. Aceitar viver na lógica do “Reino” é reconhecer em cada homem um irmão e agir em consequência.
O evangelho da liturgia deste final de semana apresenta Jesus colocando as condições fundamentais para quem quer segui-lo no caminho da cruz. Diante da prioridade do seguimento, todo o resto se torna relativo.
“Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33)
Novamente nos encontramos com um texto que faz parte da grande viagem de Jesus a Jerusalém. Acompanham-lhe seus discípulos e grande multidão, realizando um caminho como uma grande catequese itinerante.
Ao longo deste percurso, Jesus vai indicando novas exigências que vão modelando o estilo de vida de quem decide seguir seus passos. Jesus já é percebido como um grande líder que se faz “palavra” para transformar interiormente os seus ouvintes e seguidores. Não é uma palavra neutra, às vezes gera conflito, mas sim respeitosa; não impõe normas, mas sim propõe como situar-se frente os diferentes campos da existência humana. Vai crescendo a oposição entre aqueles que são questionados em sua maneira de viver e, especialmente, entre aqueles que vivem apegados ao poder e às riquezas: fariseus, mestres da lei e outros setores opressores.
Uma das interpretações equivocadas deste radicalismo é entender a mensagem de Jesus como que dirigida a um grupo privilegiado, que seriam os cristãos de primeira linha. Jesus não se dirige a uns poucos, mas à multidão que o acompanhava. No entanto, o seu apelo é dirigido a cada um pessoalmente: “se alguém vem a mim...” A resposta deve ser pessoal e adulta.
Não é uma palavra neutra, às vezes gera conflito, mas sim respeitosa; não impõe normas, mas sim propõe como situar-se frente os diferentes campos da existência humana – Adroaldo Palaoro
Para a primeira exigência a chave está na frase: “... inclusive da sua própria vida”. O amor a si mesmo pode ser nefasto quando se refere ao falso eu que desemboca no egoísmo. Esse falso eu também tem seu pai, sua mãe, seus filhos e irmãos.
O ego busca “os primeiros lugares”, sonha destacar-se, ser visto, sentir-se reconhecido; ama o aplauso e os gestos de admiração; encanta-se com roupas especiais e sinais distintivos de seu valor (títulos); quer sempre ter razão e impor-se aos outros... Frente a esta tendência, a palavra de Jesus não é só uma “receita”; Ele vai à raiz: o que Ele pede é o esvaziamento do ego com seus interesses e parentes; apoiando nossa existência no falso eu, falseamos toda nossa vida e a frustramos.
Aqui não se trata de uma rejeição da família, mas de considerá-la a partir de outra perspectiva, mais ampla e rica: nosso olhar e nosso coração centrado na pessoa de Jesus.
Também não se trata de comparar o amor a Deus e o amor aos membros de nossa família. O seguimento não é incompatível com o amor à família. Seguir Jesus implica um amor que vai mais além de um amor que nasce do sentimento familiar, mas não estará nunca contra. Seguir Jesus nos ensinará a amar mais e melhor também nossos familiares.
Para a primeira exigência a chave está na frase: “... inclusive da sua própria vida”. O amor a si mesmo pode ser nefasto quando se refere ao falso eu que desemboca no egoísmo – Adroaldo Palaoro
O seguimento de Jesus não pode consistir numa simples renúncia, ou seja, algo negativo, mas eleger o melhor para nós. Trata-se de uma oferta de plenitude.
É neste contexto que aflora uma compreensão mais profunda da expressão “carregar a sua cruz”.
Nós cristãos temos esvaziado a Cruz de seu verdadeiro significado. Há alguns que pensam que “carregar a cruz” é buscar pequenas mortificações, privando-se de satisfações para chegar – pelo sofrimento – a uma comunhão mais profunda com Cristo. Mas Jesus quando fala da Cruz não está convidando a uma “vida mortificada”. Para outros, “carregar a cruz” é aceitar passivamente as contrariedades da vida, as desgraças ou adversidades. Mas a Cruz é consequência de uma opção pelo Reino em favor dos últimos.
“Carregar a sua cruz”, portanto, significa acolher aquilo que diariamente cruza o nosso caminho; é acolher-nos com todas as nossas contradições.
Nós cristãos temos esvaziado a Cruz de seu verdadeiro significado. (...) A Cruz é consequência de uma opção pelo Reino em favor dos últimos – Adroaldo Palaoro
“Tomar a sua cruz” significa abraçar-nos com todas as forças e todas as fraquezas: os aspectos saudáveis e os doentios, as qualidades vistosas e os defeitos, as dimensões imaculadas e as manchadas, os sucessos e os fracassos, as coisas vividas e as coisas perdidas, o consciente e o inconsciente...
Se nos sacrificamos, para estar ao lado daquele que sofre, é para tirá-lo de seu sofrimento, mesmo que seja só para consolá-lo e acompanhá-lo. Nunca é sofrimento buscado, mas uma dor ou privação que brota do amor. Jon Sobrino afirma que “só podemos crer no crucificado se estivermos dispostos a tirar da Cruz aqueles que estão dependurados nela”.
As imagens que Jesus utiliza – desapegar-se de seu pai, mãe, mulher e filhos... e carregar a cruz – apontam para a radicalidade da entrega da vida, que se faz cada vez mais oblativa, aberta e comprometida; nesta entrega, deixamos transparecer nossa essência, aquilo que realmente somos.
Não se trata, portanto, de dolorismo, nem de renúncia voluntarista: ambas atitudes costumam inflar o ego.
Trata-se, uma vez mais, de compreensão e coerência. Como quero viver? Para o ego e seus interesses ou ancorado em minha verdadeira identidade, que está em profunda união com a Vida?
O cristão não ama e nem busca o sofrimento; não o quer nem para os outros e nem para si mesmo. Seguindo os passos de Jesus, luta com todas suas forças para arrancar o sofrimento do coração da existência. Mas, quando é inevitável, sabe “levar a Cruz” em comunhão com o Crucificado.
Carregar a cruz não é ir pelo mundo arrastando os pesares da vida a partir de uma resignação paralisante, mas a partir de uma acolhida consciente de tudo o que constitui nossa própria vida: consolação e desolação, vitórias e fracassos, avanços e recuos, plenitude e atrofia existencial... amarga. Saber integrar aquilo que humanamente é frustrante nos impulsiona a uma transformação e avanço na vida. Quando não enfrentamos passos a viver submetidos e nos situamos como vítimas. A resignação nos ata, nos bloqueia; a aceitação nos mobiliza para buscar outras opções e não nos desviar de nossa rota essencial.
A Cruz que devemos levar atrás de Jesus é a mesma que Ele levou: a Cruz como consequência da fidelidade até o fim. A Cruz nunca será um fim nem uma meta. Nem sequer um meio para algo. A Cruz de Jesus e daquele que o segue sempre é consequência de coerências e de fidelidades ao Evangelho.
É neste horizonte de fidelidade até o fim no seguimento que Jesus apresenta duas pequenas parábolas: a construção de uma torre e o rei que vai fazer uma guerra.
A Cruz que devemos levar atrás de Jesus é a mesma que Ele levou: a Cruz como consequência da fidelidade até o fim. (…) A Cruz de Jesus e daquele que o segue sempre é consequência de coerências e de fidelidades ao Evangelho – Adroaldo Palaoro
Com a imagem da construção da Torre, Jesus nos convida a descobrir o prazer de construir nossa própria vida no seu Seguimento, sem nos fixar em imagens falsas do nosso eu, mas sim na imagem interior que Deus tem de cada um de nós. Isso acontece quando desperdiçamos toda nossa energia na luta contra nós mesmos e contra aparentes erros e fraquezas. A força que desperdiçamos vai fazer falta para avançar na vida.
É comum iludir-nos com facilidade e lançar-nos rapidamente a qualquer empresa; também é comum que, com a mesma rapidez, abandonemos o empreendimento assumido e fracassamos. Tínhamos calculado mal nosso empenho ou nossa motivação. A isso se refere o dito popular que se aplica à pessoa que começa com força, mas que rapidamente empaca: tem “arrancada de cavalo e ritmo lento de burro”.
Que faltou aí? Provavelmente faltou realismo: o desejo e a motivação foram grandes, mas as condições e os meios necessários não foram suficientes. Tem mais força os medos do ego que fazem a pessoa girar em torno a si mesma. São os chamados “fervores indiscretos” (não discernido) ou “fogo de palha”, sem consistência; ou “ideais exagerados”, mas sem consistência real.
Discernimento, honestidade, coerência e profundidade: quatro pilares de nossa vida cristã no caminho do seguimento e da identificação com Jesus Cristo.
Para meditar na oração:
A pessoa se define por suas decisões; elas marcam a meta. É verdade que as decisões na vida são para as grandes ocasiões. Mas também o são para as pequenas.
O exercício constante da arte de decidir tem muita importância, não só pela extensão diária de suas oportunidades como também isto constitui a melhor preparação para o momento das “grandes viradas”. As pequenas decisões diárias são a trama mesma da vida, o clima da alma e a têmpera do espírito; elas definem, momento a momento, a atitude interna e criam o estado permanente que define a arte de viver, que é a arte de decidir.
- Suas decisões (pequenas e grandes) são tomadas pela emoção, pela pressão..., ou são frutos de um discernimento, à luz da ação do Espírito?
Há algo de escandaloso e insuportável para aqueles que se aproximam de Jesus a partir do clima de autossuficiência que prevalece na sociedade moderna. Jesus é radical ao exigir adesão à sua pessoa. Seu discípulo deve subordinar tudo ao seguimento incondicional.
Este não é um "conselho evangélico" para um grupo seleto de cristãos ou uma elite de seguidores dedicados. É a condição indispensável de todo discípulo. As palavras de Jesus são claras e enfáticas: "Quem não renuncia a tudo o que possui não pode ser meu discípulo."
Todos nós sentimos, profundamente, o anseio pela liberdade. E, no entanto, há uma experiência que continua a prevalecer geração após geração: os seres humanos parecem condenados a ser "escravos de ídolos ". Incapazes de ser autossuficientes, passamos a vida buscando algo que satisfaça nossas aspirações e desejos mais fundamentais.
Jesus é radical ao exigir adesão à sua pessoa. Seu discípulo deve subordinar tudo ao seguimento incondicional – José Antonio Pagola
Cada um de nós busca um "deus" pelo qual viver, algo que inconscientemente tornamos a essência de nossas vidas: algo que nos domina e assume o controle. Buscamos ser livres e autônomos, mas parece que não conseguimos viver sem nos render a algum "ídolo" que determina toda a nossa vida.
Esses ídolos são muito diversos: dinheiro, sucesso, poder, prestígio, sexo, paz de espírito, felicidade a todo custo... Cada um de nós conhece o nome do seu "deus particular", a quem secretamente entregamos o nosso ser. Portanto, quando, num gesto de "liberdade ingênua", fazemos algo "porque temos vontade", devemos nos perguntar o que nos domina naquele momento e a quem estamos realmente obedecendo.
O convite de Jesus é provocativo. Só existe um caminho para o crescimento na liberdade, e só o conhece quem ousa seguir Jesus incondicionalmente, colaborando com Ele no projeto do Pai: construir um mundo justo e digno para todos.
“Naquele tempo, grandes multidões acompanhavam Jesus”.
Com esta breve descrição, podemos imaginar Jesus continuamente rodeado de pessoas que o seguem, talvez por motivos diferentes: para serem curadas, para ouvir suas palavras, para lhe pedir algo, levadas pela multidão, para serem testemunhas diretas, e algumas também com o desejo de segui-lo. O texto mostra que ele está diante de uma grande multidão que o acompanha e precisa falar com elas, esclarecer o que significa ser seu discípulo. Hoje em dia, podemos pensar que é bem diferente ser fã de um time ou de uma pessoa do que realmente viver o estilo de vida desse grupo, com todas as exigências que isso traz.
Muitas pessoas se consideram “seguidoras” de alguém, seja de um grupo ou de uma pessoa, mas na verdade são seguidoras virtuais. Ou seja, não acompanham o ritmo, o jeito de viver ou o treinamento dessa pessoa ou grupo. Elas fazem parte daquele grande grupo que apoia, comenta e compartilha novidades, mas seu próprio modo de vida, com todas as suas implicações, segue por um caminho diferente. Muitos se aglomeram para estar perto de seu cantor ou jogador favorito, mas a selfie que obtêm é uma imagem que não traz nenhuma implicação na vida além do espanto, do comentário social e do compromisso de “segui-lo” nas novidades que ele vai postando.
É bem diferente ser fã de um time ou de uma pessoa do que realmente viver o estilo de vida desse grupo, com todas as exigências que isso traz – Ana Casarotti
O relato evangélico nos diz que Jesus era acompanhado por grandes multidões e acrescenta: Voltando-se, ele lhes disse: "Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo".
Podemos imaginar que, ao longo do caminho, Jesus ouvia opiniões, recebia perguntas e observava diferentes comportamentos das pessoas. Talvez houvesse quem tentasse ficar perto dele, os discípulos que se sentiam especiais por fazerem parte daquele grupo, aqueles que o acompanhavam em silêncio, os que ficavam felizes por terem sido curados e comemoravam, e também os doentes que estavam prostrados à beira do caminho... uma variedade de situações caminhava com Jesus durante a jornada. E, no meio de tudo isso, ele se vira para falar algo a eles. Parece que ele quer deixar bem claro o que realmente significa ser seu seguidor. Será que ele tinha ouvido algum comentário sobre isso?
Jesus fala de uma forma bem clara, a ponto de parecer até um pouco surpreendente. Ele diz: “Se alguém vem a mim”, colocando em primeiro plano uma escolha individual. Mesmo se dirigindo a uma multidão, ele destaca aquele “alguém que quer ir a ele”, mostrando que há uma diferença entre fazer parte de um grupo qualquer e decidir por si mesmo seguir Jesus. Ele olha para todos, mas deixa bem claro que seguir é uma decisão pessoal desde o começo. No meio de tanta gente, Jesus explica quais são as condições para esse seguimento, que dependem desse desejo sincero de se aproximar dele — algo diferente de simplesmente estar ali na multidão. É como se ele estivesse conversando com aquelas pessoas que, mesmo no meio daquele grande grupo, se perguntam o que realmente significa segui-lo, como fazer isso e o que é preciso para isso acontecer.
Ele quer deixar bem claro o que realmente significa ser seu seguidor – Ana Casarotti
"Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo”.
Jesus apresenta com total clareza como segui-lo, quais são as condições para isso. Desapegar-se do que é mais precioso, do mundo afetivo mais próximo: pai, mãe, esposa e filhos, irmãos e irmãs, e acrescenta também da própria vida. O que isso significa? Talvez ao longo da história tenham sido feitas interpretações que, sob o lema da radicalidade, levaram ao abandono de pessoas queridas – mesmo estando em situações de vulnerabilidade – e a um apego a outros laços que às vezes não eram muito saudáveis. Jesus fala do desapego desses laços e podemos comprovar isso em sua vida. Ele não renunciou à companhia de sua mãe, que o acompanhou ao longo de toda a sua vida, até a cruz. Mas Maria o seguiu em seu caminho, moldando sua própria vida e seus interesses a partir da novidade que seu filho trazia.
Renunciar aos grandes afetos significa colocá-los em segundo lugar, o que não é o mesmo que enterrá-los em vida. É viver livre daquilo que obscurece a vida de seguimento a Ele, aquilo que leva à dependência, que não permite à pessoa tomar outro rumo, caminhar para outros lugares. Quando um vínculo afetivo passa a ter prioridade sobre a liberdade que traz seguir Jesus, é quando estas palavras de Jesus adquirem o seu sentido fundamental: desprender-se, renunciar, ceder... Jesus fala de desapegar-se da própria vida, ou seja, não buscar a fama e segui-lo porque está na moda, não ir atrás dos meus próprios interesses senão libertar-se para ter a capacidade de acolher o novo, o diverso, o diferente.
Como dizia o Papa Francisco: Acolher significa redimensionar o próprio eu, corrigir a maneira de pensar, compreender que a vida não é minha propriedade privada e que o tempo não me pertence. É um lento desapegar-se de tudo o que é meu: meu tempo, meu descanso, meus direitos, meus programas, minha agenda. Quem acolhe renuncia a si mesmo e faz com que o tu e os nós entrem na vida (“Acolher não é apenas pôr-se a trabalhar, mas abandonar o que é meu”, diz Papa Francisco à Família Vicentina.)
Renunciar aos grandes afetos significa colocá-los em segundo lugar. É viver livre daquilo que obscurece a vida, aquilo que leva à dependência, que não permite à pessoa tomar outro rumo, caminhar para outros lugares – Ana Casarotti
Com dois exemplos muito claros, aquele que vai construir uma torre e calcula se pode fazê-lo ou o rei que enfrenta outro e examina se realmente pode enfrentá-lo, Jesus deixa claro que segui-lo é uma decisão. Não é fazer parte de um grupo ou caminhar com uma multidão, mas implica uma opção de vida que a reforça dizendo: “Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!"
Jesus convida assim a renunciar a tudo o que se tem, a desapegar-se daquilo que nos apropriamos. Jesus convida a uma nova liberdade que só pode ser compreendida a partir da experiência do seu Amor que preenche e transforma a nossa vida. Ele não convida a deixar de amar, mas, pelo contrário, é um chamado a um amor desapegado, onde o “eu” não ocupa o primeiro lugar. Como disse Adroaldo Palaoro:
Aquele que não é capaz de superar o 'ego' e não deixar de se preocupar com seu individualismo (centralidade em si mesmo), frustra toda sua existência; mas, aquele que, superando o egocentrismo, descobre seu verdadeiro ser des-centrado e atua em consequência, vivendo uma entrega aos outros, alcançará sua verdadeira plenitude humana. Caminho da cruz, caminho do esvaziamento do "ego".
O evangelho da liturgia deste final de semana apresenta Jesus colocando as condições fundamentais para quem quer segui-lo no caminho da cruz. Diante da prioridade do seguimento, todo o resto se torna relativo.
Jesus está a caminho de Jerusalém. Virando-se para a multidão que o seguia, ele deixa claro que o caminho do seguimento é exigente e demanda renúncias. É uma opção radical. Nesse sentido, a proposta do discipulado não é para a multidão, a “massa”. A militância por vida plena é uma decisão para pessoas livres de tudo o que escraviza. Jesus diria que as pessoas que optam pelo reino são como o “fermento” que transforma a massa (Lucas 13,21). A decisão pelo reino não é de facilidades. Talvez seja por isso que poucas pessoas decidam seguir pelo caminho proposto por Jesus.
1 Seguir Jesus exige renúncias
1.1 Renunciar a família (Lucas 14,26)
Uma das cláusulas que Jesus estabelece para as pessoas que o querem seguir é desapegar-se dos laços afetivos com a família, da segurança que a família proporciona. A prioridade é o seguimento. A família é secundária. Conforme a comunidade de Lucas, Jesus usa o verbo “odiar” em relação aos familiares (Lucas 14,26). É palavra forte. Aqui, no entanto, odiar quer dizer colocar em segundo plano diante de algo prioritário. Para Jesus, as relações familiares não podem impedir a adesão ao projeto do reino. Este é a prioridade.
É Jesus mesmo quem nos dá o exemplo, ao dar preferência à missão. Quando sua mãe e seus irmãos querem vê-lo, Jesus afirma ter uma família mais importante. É a família de quem, como ele, vive o projeto do Pai. “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a praticam” (cf. Lucas 8,19-21).
1.2 Renunciar os interesses pessoais (Lucas 14,26)
Outra condição exigida por Jesus é colocar os interesses pessoais, a própria vida, em segundo lugar diante da prioridade, que é o projeto do reino e sua justiça.
Nosso mundo estimula o individualismo, os desejos egoístas e o bem-estar individual. Jesus, no entanto, propõe como critério para segui-lo no caminho da cruz a busca do bem-viver coletivo, o serviço na gratuidade, a ajuda solidária na luta por uma sociedade justa. Em outras palavras, decidir pelas relações do reino é imitar o próprio mestre.
1.3 Renunciar os bens (Lucas 14,33)
Seguir Jesus supõe também ser totalmente livre diante dos bens. Exige estar desapegado de tudo, isto é, do orgulho e da competição, das seguranças e das ambições, de todas as formas de riqueza.
Optar pelo reino é colocar os bens a serviço da vida. E Jesus recorda mais de uma forma de como fazer com que os bens nos ajudem a ser “ricos para Deus” (cf. Lucas 12,21). Os bens geram vida quando partilhados (Lucas 12,33-34; 14,15-24; 18,18-23; 19,1-10) ou quando investidos a serviço do reino, isto é, de projetos que têm em vista a igualdade, tal como fizeram as mulheres que o seguiam desde a Galileia (Lucas 8,1-3).
Jesus quer ajudar-nos a não colocar os bens como o mais importante, transformando-os em ídolos que escravizam. “Não podeis servir a Deus e às riquezas” (Lucas 16,13). E servir a Deus, à vida, é ser verdadeiramente livre.
2 Seguir Jesus requer novas atitudes
2.1 Tomar a cruz e seguir (Lucas 14,27)
Seguir as relações do reino e da sua justiça é estar disposto a carregar a cruz. É tomar decisões que requerem desapego e geram conflitos que levam ao desprendimento, a sofrimentos. É uma opção de vida que supõe riscos e exige renúncias. Que renúncias? Aqui, podemos lembrar as recusas do próprio Jesus. Primeiro, deixou sua família em Nazaré, priorizando a missão conferida pelo Espírito do Senhor no anúncio de uma boa notícia para os pobres (Lucas 4,16-31). Para priorizar o projeto do Pai, Jesus renunciou aos valores oferecidos por este mundo injusto, simbolizado pela figura do diabo. Diante dele, o nazareno rejeitou as riquezas, recusou o poder real e não aceitou a oferta de prestígio (Lucas 4,1-13).
Isso significa que, para seguir Jesus na radicalidade, é necessário ser uma pessoa livre, que não se deixa escravizar pela propaganda consumista e pela oferta de bens, poder e fama como sentido de vida.
2.2 Ser prudente e realista (Lucas 14,28-32)
Seguir o projeto do reino requer novas atitudes, exige que sejamos pessoas recriadas. Então, Jesus conta duas parábolas que ilustram o desafio para quem opta em segui-lo no caminho.
Na primeira (Lucas 14,28-30), ele mostra que o seguimento não é fruto de uma opção que se faz de uma hora para outra, mas é resultado de decisões bem pensadas, amadurecidas. Elas devem estar de acordo com a realidade de cada pessoa que quer assumir o discipulado na radicalidade. Somente assim pode haver fidelidade até o fim, evitando-se falsas ilusões, uma vez que não basta boa vontade. Diferente é uma decisão momentânea. Esta é como fogo de palha que logo se extingue e não persevera. Seguir Jesus é ser como o construtor de uma torre. Ele planeja sua obra e avalia se tem recursos para levar a obra até a sua conclusão.
Na segunda parábola (Lucas 14,31-32), Jesus apresenta o exemplo de um rei prudente ao se defender de outro rei que vem batalhar contra ele. A prudência leva a avaliar as condições que se tem para assumir a missão. É necessário ter sabedoria e humildade para assumi-la com coerência. É preciso também coragem e firmeza para suportar as consequências, as cruzes que resultam da opção pela justiça do reino. As parábolas insistem na clareza ao se fazer a opção em seguir Jesus na missão de viver as relações do reino.
E nós hoje
Certamente, as exigências de Jesus nos questionam quando nossa ação evangelizadora está voltada mais para as “massas” e não tanto para o “fermento”, isto é, o engajamento radical em favor da democracia, da justiça e da partilha, da gratuidade e da superação de preconceitos.
É evidente que Jesus não recusa ninguém. Ele mesmo acolheu com ternura um homem muito rico. Porém, não deixou de lhe mostrar que o caminho da felicidade passa pela partilha (Lucas 18,18-23). Também foi comer na casa de um ladrão confesso. Mas deixou claro que ele se tornaria discípulo do reino na medida em que devolvesse o que roubara e partilhasse outro tanto com os pobres (Lucas 19,1-10).
Com a narrativa da liturgia deste final de semana, a comunidade de Lucas quer encorajar as pessoas que, ainda hoje, decidem assumir fielmente o seguimento da proposta de Jesus. Quer animá-las a se manterem firmes diante das calúnias e das difamações, das perseguições por causa da justiça ou até da própria morte que vierem a sofrer por parte de indivíduos e instituições que servem às riquezas deste mundo.
Este evangelho nos convida a perseverarmos na fidelidade ao projeto do reino, custe o que custar, mesmo que a luta em favor da inclusão de mulheres, pessoas negras e pobres gere o ódio da Casa Grande contra nós. Importa que a vontade do Pai se torne realidade em nossas vidas (cf. Lucas 22,42). E isso será possível na medida em que abrirmos nossos corações ao mesmo Espírito que animou a missão de Jesus de Nazaré na intimidade com o Pai (Lucas 4,18).
Qual é a nossa atitude diante dessas condições exigentes que Jesus nos coloca? É de acolhida ou de indiferença? É de adesão ou de repulsa?
Aprofundando o ensinamento sobre o discipulado, Jesus aqui expõe as condições para um verdadeiro seguimento. À primeira vista, a leitura pode nos chocar! Pode até parecer que Jesus esteja ensinando algo que não condiz muito com os ensinamentos cristãos. Isso especialmente se a tradução da nossa bíblia fala que nós devemos “odiar” os nossos pais e família (uma tradução literalmente correta). Mas aqui estamos novamente diante do problema das culturas e das línguas. Pois, esse texto nos traz um “semitismo”, ou seja, uma expressão de uma língua semita (no caso de Jesus, o aramaico, embora Lucas escreva em grego) que tem que ser interpretada no contexto da cultura que aquela língua expressa. O aramaico e o hebraico usavam muitas expressões assim, que não tinham a mesma força que têm em português.
Realmente o termo traduzido por “odiar” significava “desapegar-se”. Então podemos traduzir em termos inteligíveis portugueses: “Se alguém vem a mim, e não dá preferência mais a mim do que ao seu pai, à sua mãe, à mulher, aos filhos, aos irmãos, às irmãs, e até mesmo à sua própria vida, esse não pode ser meu discípulo” (v. 26).
Jesus quer deixar bem claro – como ele faz muitas vezes “na caminhada” – que a opção pelo Reino necessariamente exige renúncias. Não só renuncia do mal e do pecado, mas renúncia de coisas altamente positivas em si; não renúncia por renunciar, mas em vista de um bem maior – o Reino de Deus, o único bem que pode satisfazer plenamente os anseios mais profundos do coração humano.
Por isso, a vinda de Jesus pode ser vista como a crise escatalógica última – pois põe todos nós diante da opção mais fundamental – quais são os valores reais da nossa vida?
No mundo pós-moderno, onde se foge dos compromissos permanentes, onde tudo é relativizado, os desejos individuais são absolutizados, e a subjetividade se confunde com o individualismo, esta proposta soa como contra-cultural. Na verdade, é contra-cultural em uma cultura consumista, materialista, individualista, onde o maior valor é a gratificação individual imediata e a preocupação com o bem-comum é relegada a um segundo plano, se é que seja levado em conta! Jesus nos convida a definir os valores mais profundos da nossa vida – e insiste que nada, por mais valioso que seja, possa ser mais importante do que a dedicação total ao Reino. Claro, Ele não nos obriga – estamos livres para recusar esta exigência, mas então não seremos discípulos d’Ele! Aqui põe em cheque a vivência do cristão que “não é frio nem quente, mas morno”, e por isso mesmo “está para ser vomitado da minha boca” (Ap 3,16).
Vivendo em um mundo onde há muita coisa “light” – margarina, refrigerante, até feijoada! – também está em voga um Jesus “light”, sem exigências de auto doação, sem senso crítico diante da realidade de tanto sofrimento, mas que nos confirma em uma prática religiosa aburguesada e acomodada que nos consola e não nos incomoda ou perturba. Pregadores desse “Jesus light” fazem sucesso nas emissoras de rádio e televisão – mas traem o Jesus real, Jesus de Nazaré, que veio para que todos tivessem vida plena (Jo 101,10) mesmo que custasse a sua vida. É esse Jesus que nos convida hoje ao discipulado.
O tema da cruz reaparece aqui – e de novo lembramos que “carregar a cruz” não é de maneira alguma simplesmente “sofrer” por sofrer. É a consequência de uma coerência com o projeto e a proposta de vida de Jesus. É condição imprescindível para quem quer ser discípulo d’Ele: “Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo” (v. 27). Podemos dizer que, se o trecho que precede este texto (vv. 15-24, “Um rei fez um grande banquete”) enfatiza a gratuidade do chamamento da parte de Deus, esses versículos salientam o outro lado da medalha – a resposta incondicional dos discípulos. Todo o Evangelho de Lucas – como também os outros – deixa bem claro que esta resposta é a meta da nossa vida. Ninguém começa a caminhada com total dedicação ao Reino – mesmo que pense que faz! É na caminhada de anos, com as nossas incoerências, tropeços, erros, e traições, que a gente aprende a ser discípulo/a. A experiência de Pedro e dos Doze que nos diga!
As duas parábolas seguintes – a do construtor tolo e do rei que vai à guerra – nos ensinam a necessidade de reflexão antes da ação. Ou seja, aqueles que querem seguir Jesus devem refletir sobre o preço a pagar. A situação triste do construtor falido e do rei derrotado são símbolos da situação do discípulo que desistiu “pelo caminho”.
A reflexão sobre as exigências do discipulado pode nos desanimar diante da realidade das nossas fraquezas, a não ser que reflitamos também sobre a gratuidade de Deus que não nos abandona, mas nos ama como somos e nos dará forças para a caminhada. Assim foi a experiência do grande discípulo Paulo, que, após longos anos de experiência, incluindo as maiores experiências místicas e os maiores sofrimentos, pôde afirmar com toda a sinceridade: “Eu não consigo entender nem mesmo o que faço; pois não faço aquilo que eu quero, mas aquilo que mais detesto… Não faço o bem que quero, e sim o mal que não quero” (Rm 7,15s). Mas, mesmo assim, reconhecendo os fracassos e falhas na sua caminhada de discípulo, exclama com alegria: “Portanto com muito gosto, prefiro gabar-me das minhas fraquezas, para que a força de Cristo habite em mim. É por isso que eu me alegro nas fraquezas, humilhações, necessidades perseguições e angústias, por causa de Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte (2Cor 12,9s).
Pois, se ele fez a experiência das exigências inerentes ao seguimento de Jesus, ele também fez a experiência da graça de Deus: “Para você, basta a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta o seu poder” (2Cor 12,9). O Ano de Misericórdia nos recorda essa realidade e ns convida à experiência da misericórdia de Deus em nossas vidas e a levar essa experiência a todos que encontramos.
Não tenhamos medo de assumir o desafio que Jesus hoje nos lança, pois ele nos dará a graça necessária para a caminhada. Basta querer e pedir!
Quais são as condições para ser um seguidor de Jesus?
Uma resposta muito significativa para esta pergunta, nós encontramos no Evangelho de Lucas 14.25-33. O texto relata um momento onde Jesus diz para uma multidão que o seguia quais eram as condições para ser seu verdadeiro seguidor. Lucas diz logo no início que uma multidão estava seguindo Jesus. Não sabemos o tamanho desta multidão - pequena ou grande, mas se tratava de muitas pessoas.
O que estava motivando esta multidão seguir jesus?
Lucas enfatiza as curas realizadas por Jesus e os seus ensinamentos. Curas e conversas que devem ter mexido, e muito, com as emoções das pessoas, as arrastado para junto de Jesus. A autoridade de Jesus nos momentos de cura, sua amabilidade para acolher, e a sua habilidade em ensinar, fizeram com que as pessoas ficassem tocadas, emocionadas, empolgadas, curiosas, eufóricas… Mas indo além da empolgação Jesus queria clarear algumas coisas sobre a radicalidade de ser seu seguidor.
Em primeiro lugar, “quem quer ser meu seguidor, deve amar mais a mim do que as pessoas da própria família”. Naquele tempo tinha a família pequena - pai, mãe e filhos, mas também a família maior que chamava-se clã. O clã, em nossa linguagem de hoje, incluía de bisavôs até bisnetos, genros, noras, primos. Seguir Jesus naquele tempo era ser capaz de abandonar tudo isso ou mesmo deixá-lo para segundo plano.
Em segundo lugar, “quem quer ser meu seguidor deve amar mais a mim do que a si mesmo e, se necessário, morrer por minha causa”. Jesus sabia que seguir ele poderia exigir perseguição, prisão e morte, mais cedo ou mais tarde, como foi o caso dele.
Em terceiro lugar, “quem quer ser meu seguidor deve amar mais a mim do que a seus bens, ou, deve deixar tudo o que tem”, conforme o texto. É muito fácil fazer das posses uma prioridade, que deixam de ser uma necessidade e passam a causar escravidão. Seguir Jesus significa ter um coração livre. Afinal, ninguém pode servir a dois senhores.
Jesus é realista em seu discurso para a multidão. Ele não promete nada, não garante nada, apenas apresenta o desafio de ser seu seguidor, algo que tem mais ônus do que bônus. Por incrível que pareça, é exatamente isso que dá credibilidade às pessoas.
Quando Jesus cita em seu discurso o exemplo do construtor da torre, que senta, calcula e planeja para ver se tem todos os recursos para não acabar começando algo e não dar conta de terminar, e o exemplo do rei com seu exército, que também deve sentar, calcular, planejar e ver se é possível ir pra guerra e vencer, ele busca mostrar que a decisão em ser seu seguidor não é oba-oba, emoção, empolgação, euforia. É uma decisão que deve ser pensada, calculada, medida e planejada.
Acompanhar ou seguir?
Existe uma diferença entre acompanhar e seguir Jesus. A gente pode acompanhar algo ou alguém como curioso, ouvinte, um interessado procurando vantagem pessoal. Enquanto seguir alguém ou um projeto, é topar junto o que vem pela frente, é assumir um COM (juntos) PRO (em favor da) MISSO (missão). Seguir Jesus é assumir um compromisso com ele em sua missão.
Jesus quer deixar bem claro – como ele faz muitas vezes “na caminhada” – que a opção pelo Reino necessariamente exige renúncias. Não só renúncia do mal e do pecado, mas renúncia de coisas altamente positivas em si; não renúncia por renunciar, mas em vista de um bem maior – o Reino de Deus, o único bem que pode satisfazer plenamente os anseios mais profundos do coração humano.
Jesus nos convida a definir os valores mais profundos da nossa vida – e insiste que nada, por mais valioso que seja, possa ser mais importante do que a dedicação total ao Reino. Claro, Ele não nos obriga, mas ele põe em cheque a vivência do cristão que “não é frio nem quente, mas morno”, e por isso mesmo “está para ser vomitado da minha boca” (Ap 3,16).
(Confira com o original em espanhol logo após esta tradução)
DOMINGO XXIII DO ANO – CICLO “C”
Primeira Leitura (Sb 9,13-18)
O texto que lemos hoje é a terceira e última estrofe da oração de Salomão por Sabedoria, que se encontra em Sabedoria 9:1-18. Nesta estrofe, Salomão não ocupa o centro das atenções, mas sim o homem comum, sobre o qual se faz uma reflexão filosófico-teológica: ninguém pode conhecer a Deus, nem a sua vontade, nem o que lhe agrada sem a Sabedoria. Prova clara disso é a dificuldade que o homem encontra, dada a sua condição carnal e terrena, em conseguir compreender corretamente a própria realidade criada. Portanto, está longe da capacidade do homem conhecer e compreender as coisas celestiais, os mistérios de Deus. Ora, Deus deu a sua Sabedoria, que ensina aos homens sobre a vida correta, o que agrada a Deus, e assim os conduz no caminho da salvação. É digno de nota que tanto a criação como a salvação são atribuídas ao mesmo atributo divino, a Sabedoria, neste livro .
Evangelho (Lc 14, 25-33):
A história começa com uma referência à multidão que caminhava ao lado de Jesus. Podemos dizer que se refere àqueles que ouviram o chamado para entrar pela porta estreita e que começaram a responder movendo-se, seguindo-o.
Para melhor compreender as exigências que Jesus faz aos que o seguem, devemos ter em mente a parábola imediatamente anterior (Lucas 14:15-24, que não lemos hoje), na qual os convidados do casamento rejeitaram o convite por não o terem apreciado e, portanto, se desculparam com razões financeiras ou familiares. Essa parábola ensina que existem apegos humanos que nos impedem de entrar pela porta estreita. Assim, como bem observa J. Fitzmyer 2 , "a instrução que agora se inicia visa precisamente estabelecer uma série de condições para que todos os convidados sejam autênticos discípulos, cidadãos do Reino".
Os ouvintes, todos eles, ainda não são discípulos, mas são chamados a sê-lo. O que precisam é aceitar e viver as condições de seguimento que o próprio Jesus lhes explicará mais tarde. De fato, os versículos 26 e 27 expressam os requisitos ou condições necessárias para "ser discípulo" de Jesus. Gramaticalmente, esta é uma frase condicional, de modo que, se a condição não for cumprida, o efeito não se realiza, ou seja, "você não pode ser meu discípulo". E quais são as condições necessárias?
⇒ O primeiro é amar Jesus acima de qualquer outro vínculo humano , incluindo os mais próximos, como os laços familiares (pai, mãe, filhos, irmãos). A expressão original é muito forte porque usa o verbo μισέω, que significa literalmente odiar ou rejeitar. A esse respeito, J. Fitzmyer comenta 3 : “Com este mesmo verbo, Jesus expressa figurativamente toda a lealdade que exige de seus verdadeiros discípulos. Não é que Jesus imponha uma atitude de “ódio” a si mesmo, mas antes esta formulação implica que mesmo as pessoas mais próximas podem se tornar um obstáculo à radicalidade que Jesus exige. O discípulo terá então que escolher entre os laços familiares que a natureza exige e a fidelidade ao Mestre. Mateus suaviza a radicalidade dessas exigências de Jesus com sua própria reformulação: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10,37).”
⇒ Então, devemos amar Jesus mais do que a nós mesmos, mais do que a nossa própria vida . ⇒ Terceiro, devemos tomar a nossa cruz e segui-lo .
Se essas três condições não forem atendidas, não se pode ser discípulo de Jesus.
Segundo F. Bovon, 4 esses dois versículos "expressam francamente o que se espera do homem ou da mulher que deseja seguir a Cristo. 'Ser discípulo' é receber o ensinamento de outro, aceitar ser formado pelo Outro. Para aceitar ser um – tal é a intenção dessas duas frases – é preciso aceitar romper com a própria origem e pensar em um futuro contra todo senso comum. Se o passado não determina mais o ser humano e se o futuro não é o que, como frequentemente acontece, mobiliza suas esperanças, então surge uma existência presente inesperada. Não seria prudente refletir agora antes de decidir dar tal passo?"
A resposta a esta última questão encontra-se nos versículos 28-32, que apresentam duas breves parábolas nas quais os protagonistas devem adotar a mesma atitude antes de agir: “sentar-se” (καθίζω), ou seja, abrandar a sua atividade, acalmar-se e fazer uma pausa. Aquele que deseja construir uma torre primeiro “calcula ou conta” (ψηφίζω) os seus recursos antes de começar. O Rei reflete ou delibera sobre as possíveis ações e consequências (βουλεύω) antes de ir para a guerra. Ambas as parábolas transmitem a mesma mensagem fundamental: é preciso refletir cuidadosamente antes de decidir seguir o Senhor depois de ter ouvido do próprio Jesus os sacrifícios envolvidos . Não é prudente nem sábio começar e depois desistir a meio caminho. Portanto, a escolha não pode ser tomada de ânimo leve ou sem entusiasmo. É tudo ou nada — e para sempre.
A passagem se encerra no versículo 33 com a apresentação de outra condição para ser discípulo de Jesus: estar disposto a renunciar a todos os "bens ". Em grego, utiliza-se o particípio presente do verbo ὑπάρχω, que equivale ao verbo εἰμί: ser ou existir; mas com referência especial a ser ou existir em uma situação particular e atual. Portanto, esta última condição para seguir Jesus abrange as três anteriores, visto que, neste contexto, "bens" (ὑπάρχω) se refere a tudo o que uma pessoa é e tem; ou busca possuir: laços e afeições; a própria vida; bem-estar material.
Em suma, os três requisitos são "a renúncia voluntária aos laços afetivos com a família, a aceitação sincera de uma renúncia radical aos próprios interesses e a renúncia afetiva aos bens materiais. Além das próprias condições, Jesus — ou o próprio evangelista — exige um discernimento sério, sem qualquer tipo de pressa, mas com uma reflexão prévia sobre os custos e riscos de um compromisso tão abrangente. Tal responsabilidade não pode ser assumida levianamente, mas as consequências previsíveis devem ser ponderadas com calma. " 5
ALGUMAS REFLEXÕES:
Não há dúvida de que o Evangelho deste Domingo nos apresenta claramente a estreiteza da porta pela qual somos chamados se realmente queremos seguir Jesus e ser seus discípulos.
E não há dúvida sobre a impressão que estas palavras de Jesus costumam causar em nós: bastante negativas, elas nos assustam e quase nos assustam. E a verdade é que Jesus não nos pede muito, ele nos pede tudo . Mais especificamente, ele nos pede o primeiro lugar na ordem dos afetos. Jesus nos pede para amá-lo como Deus, isto é, com todo o nosso coração, com toda a nossa
alma, com todas as nossas forças. E nossa família? E nossa própria vida? E nossos bens? Podemos amá-los, mas de uma forma que esteja subordinada ao amor preferencial que Jesus exige. Para conseguir isso, precisamos primeiro renunciar a tudo emocionalmente, e então o recuperamos, mas agora ordenado ao amor de Cristo.
Talvez nos ajude um pouco a compreender esta estranha sabedoria da cruz se a considerarmos na sua perspetiva dinâmica e no seu valor pedagógico. Porque se trata, antes de mais nada, de purificar e ordenar os amores da nossa vida . E devemos começar por aceitar que, depois do pecado original, os nossos amores facilmente se desordenam; apegamo-nos mais do que deveríamos às pessoas, às coisas e, sobretudo, a nós mesmos. É por isso que renunciar a tudo é necessário, como meio de recuperar tudo, mas de forma ordenada. Isto implicará sentir as resistências da nossa natureza, ferida pelo pecado, sem nos deixarmos bloquear por elas.
Significará também valorizar o que Jesus nos oferece e direcionar a Ele nossos desejos mais profundos de realização humana. Permaneceremos em tensão: de um lado, as inclinações da nossa natureza e, de outro, as da graça de Deus. E isso continuará por muito tempo. Em algum momento, teremos que tomar a decisão, a escolha fundamental de nossas vidas. Que o amor de Jesus e por Jesus nos incline a nos entregarmos totalmente a Ele. A experiência compartilhada conosco por aqueles que se entregaram completamente a Jesus é um incentivo nesta jornada, pois nos dizem como tudo é belo depois de ter atravessado a porta estreita. Sim, porque ao atravessar a porta estreita, caímos nos braços do amor salvador de Jesus: "Aqueles que se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, a alegria sempre nasce e renasce." (EG n.º 1).
Há um exemplo que pode ajudar a explicar isso. É o que acontece quando passamos pela segurança do aeroporto: temos que deixar de lado tudo o que estamos carregando para passar pelo "portão estreito" que detecta metais, enquanto nossos pertences passam por uma faixa onde o dispositivo "escaneia" a bagagem. Depois de passar pelo portão, recuperamos nossa mala com nossos pertences, que já foram verificados.
Em outras palavras: "Devemos nos perguntar se estamos realmente dispostos a abandonar tudo e, com bom ânimo, confiar unicamente em Deus para obter todas as nossas forças, permitindo que Ele dirija toda a nossa vida. Abandonar não significa fugir para um deserto, mas simplesmente soltar os dedos agarrados a tudo o que considero 'pertencente' e oferecer tudo ao Senhor" (PG Cabra).
São Tomás de Aquino afirmou claramente que o significado da abnegação ou renúncia cristã é subordinar o amor-próprio ao amor de Deus (cf. S. II-II, 26,3). Precisamente porque busca colocar o “amor-próprio” em seu devido lugar, a abnegação é o outro lado da moeda da humildade . E, desta forma, a mensagem deste domingo se conecta com a do domingo passado, que nos falou da importância capital da humildade; e hoje, com a necessidade de viver a abnegação. Como bem aponta B. Olivera 6 : “A humildade é reconhecer-se na verdade de Deus. A abnegação é negar-se por amor e para amar. A mortificação é fazer morrer a afetividade desordenada e os sentidos desorientados; ela nos despoja daquele flagelo que chamamos vício.”
É claro que Jesus nos convida a viver em humildade e a praticar a abnegação para passar pela porta estreita. Mas ele também nos motiva com a plenitude de vida que encontraremos do outro lado da porta estreita.
Com esta perspectiva ampla, que em nada dilui os requisitos de ser discípulo de Jesus e, ao mesmo tempo, deixa espaço para os "benefícios" ou "recompensas" de segui-lo, devemos refletir honestamente sobre a "qualidade" da nossa vida cristã, sobre a autenticidade da nossa dedicação e do nosso seguimento ao Senhor . Como dissemos, não é sábio começar e desistir no meio do caminho; a escolha não pode ser feita de forma leviana ou pela metade. É tudo ou nada; e para sempre. O Evangelho de hoje nos convida a retomar com firmeza este caminho de seguir Jesus, com toda a seriedade e compromisso de vida.
Por fim, não esqueçamos que a abnegação também depende da entrega aos outros, especialmente aos que têm menos e não podem fazê-lo. A esse respeito, o Papa Francisco disse em sua homilia de 4 de setembro de 2022: “Segui-lo não significa entrar em um tribunal ou participar de uma procissão triunfal, nem significa fazer um seguro de vida. Pelo contrário, significa tomar a própria cruz (cf. Lc 14,27). Ou seja, assumir, como Ele, os próprios fardos e os fardos dos outros, fazendo da vida um dom, não uma posse, gastando-a imitando o amor generoso e misericordioso que Ele tem por nós. São decisões que envolvem toda a existência; por isso, Jesus deseja que o discípulo não anteponha nada a esse amor, nem mesmo os afetos mais queridos e os maiores bens.”
Mas, para isso, precisamos olhar mais para Ele do que para nós mesmos, aprender a amar e obter esse amor do Crucificado. Ali vemos o amor dado ao extremo, sem medida ou limite. A medida do amor é amar sem medida.
Concluamos com duas frases magistrais que resumem o Evangelho de hoje. Uma de São Bento: "Nada anteponhas ao amor de Cristo". E outra de Santo Inácio de Loyola, em seus Exercícios Espirituais n.º 189: "Cada um considere quanto lhe servirá em todas as coisas espirituais, segundo o seu amor, desejo e interesse."
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM UMA ORAÇÃO Ele
Cruz
Eu te carrego quando amanhece
E eu te arrasto muitas vezes
Você se sente leve quando Ele sorri para mim.
Pesado e áspero quando escurece
Cruz
Eu perguntei a ele,
E ele me disse para te abraçar
Eu confio cegamente na sua mensagem
Porque eu o vi carregá-la, derramar seu Sangue
Cruz
Ele calculou tudo,
Desde as fundações,
Está construindo lentamente
Trancando cada tijolo de sua casa, de seu reino
Cruz
Ele desistiu de tudo,
Ele deixou sua riqueza para trás e escolheu você como seu trono.
Pelo Amor do Pai
E para cada um de nós. Amém.
1 Cf. J. Vilchez, Sabedoria (Palavra Divina; Estella 1990) 288-293.
2 O Evangelho segundo Lucas, Vol. III (Cristianismo; Madrid 1987) 626
3 O Evangelho segundo Lucas, Vol. III (Cristianismo; Madrid 1987) 632-633.
4 Evangelho segundo São Lucas II (Lc 9,51-14,35) (Segue-me; Salamanca 2002) 649.
5 O Evangelho segundo Lucas, Vol. III (Cristianismo; Madrid 1987) 629.
6 Como Maria. Catecismo Contemplativo Mariano 2 (Soledad Mariana; Buenos Aires 1986) 101.
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DOMINGO XXIII DURANTE EL AÑO – CICLO "C"
Primera lectura (Sab 9,13-18)
El texto que leemos hoy es la tercera y última estrofa de la oración de Salomón para pedir la Sabiduría que comprende Sab 9,1-18. En esta estrofa Salomón no ocupa el centro sino el hombre común sobre quién se hace una reflexión filosófico-teológica: nadie puede conocer a Dios, ni su voluntad, ni lo que le agrada sin la Sabiduría. Y una prueba evidente de ello es la dificultad que encuentra el hombre, dada su condición carnal y terrenal, de poder pensar correctamente la misma realidad creada. Por tanto, lejos está de la posibilidad del hombre el conocer y comprender las cosas celestiales, los misterios de Dios. Ahora bien, Dios ha dado su Sabiduría, la cual enseña a los hombres acerca del recto vivir, lo que agrada a Dios y, de este modo, los conduce por el camino de la salvación. Es de notar que al mismo atributo divino, la Sabiduría, se atribuye en este libro tanto la creación como la salvación1.
Evangelio (Lc 14, 25-33):
El relato comienza haciendo referencia a una multitud que camina junto a Jesús. Podemos decir que se refiere a quienes han escuchado el llamado a entrar por la puerta estrecha y que empiezan a responder poniéndose en movimiento, en seguimiento.
Para comprender mejor las exigencias que pone Jesús para seguirlo hay que tener cuenta la parábola inmediatamente anterior (Lc 14,15-24 que no leemos hoy) donde los invitados a la boda despreciaron la invitación pues no supieron valorarla y, por ello, se excusaron por cuestiones económicas o familiares. Mediante esta parábola se enseña que hay apegos humanos que nos retienen e impiden entrar por la puerta estrecha. Entonces, como bien nota J. Fitzmyer2, “la instrucción que ahora comienza se dirige precisamente a establecer una serie de condiciones para que todos los invitados sean auténticos discípulos, ciudadanos del Reino”.
Los oyentes, todos, no son todavía discípulos, pero están llamados a serlo. Lo que les falta es aceptar y vivir las condiciones del seguimiento que él mismo Jesús les expondrá a continuación. En efecto, los versículos 26 y 27 expresan las exigencias o condiciones necesarias para "ser discípulo" de Jesús. Gramaticalmente se trata de una oración condicional, de modo que si no se cumple la condición no se da el efecto, o sea "no puede ser mi discípulo". ¿Y cuáles son las condiciones necesarias?
⇒ La primera es amar a Jesús por encima de cualquier otro vínculo humano, incluyendo los más cercanos como son los vínculos familiares (padre, madre, hijos, hermanos). La expresión original es muy fuerte porque utiliza el verbo μισέω que significa literalmente odiar o rechazar. Al respecto comenta J. Fitzmyer3: “con ese mismo verbo, Jesús expresa figurativamente toda la lealtad que él exige a sus verdaderos discípulos. No es que Jesús imponga a los suyos una actitud de «odio», sino que en esa formulación se implica que hasta las personas más cercanas pueden convertirse en obstáculo para la radicalidad que Jesús exige. El discípulo tendrá entonces que elegir entre los vínculos familiares que reclama la naturaleza y la fidelidad al Maestro. Mateo suaviza la radicalidad de esas exigencias de Jesús con su propia reformulación: «El que ama a su padre o a su madre más que a mí, no es digno de mí; el que ama a su hijo o a su hija más que a mí, no es digno de mí» (Mt 10,37)”.
⇒ Luego, hay que amar a Jesús más que a sí mismo, más que a la propia vida. ⇒ En tercer lugar, hay que cargar la propia cruz y seguirlo.
Si no se dan estas tres condiciones, no se puede ser discípulo de Jesús.
Según F. Bovon4estos dos versículos "expresan francamente lo que se espera del hombre o de la mujer que quieren seguir a Cristo. «Ser discípulo» es recibir la enseñanza de otro, es aceptar ser formado por el Otro. Para aceptar serlo – tal es la intención de estas dos sentencias – hay que aceptar romper uno con su origen y pensar en un futuro en contra de todo sentido común. Si el pasado no determina ya al ser humano y si el futuro no es lo que, como suele suceder, moviliza sus esperanzas, surge entonces una existencia presente inesperada. ¿No será prudente reflexionar desde ahora antes de decidirse a dar un paso semejante?".
La respuesta a esta última pregunta la encontramos en los versículos 28-32 que traen dos breves parábolas donde los protagonistas antes de actuar se supone que deberían tener la misma actitud: “sentarse” (καθίζω), esto es: frenar la actividad, serenarse, detenerse. El que desea construir una torre para primero “calcular o contar” (ψηφίζω) sus recursos antes de empezar. Y el Rey para reflexionar o deliberar sobre las posibles acciones y consecuencias (βουλεύω) antes de ir a la guerra. Ambas parábolas transmiten un mismo mensaje fundamental: hay que reflexionar bien antes de decidirse a seguir al Señor después de haber escuchado de boca del mismo Jesús las renuncias que implica. No es prudente ni sabio comenzar y luego dejar a mitad del camino. Por tanto, no se puede tomar la opción ni a la ligera ni a medias. Es a todo o nada; y para siempre.
La perícopa se cierra en el versículo 33 con la presentación de otra condición para ser discípulo de Jesús: estar dispuesto a renunciar a todos los “bienes”. Se utiliza en griego el participio presente del verbo ὑπάρχω que es equivalente al verbo εἰμί: ser o estar; pero con especial relación a ser o estar en una situación particular y actual. Por tanto, esta última condición para el seguimiento de Jesús engloba las tres anteriores ya que en este contexto "bienes" (ὑπάρχω) se refiere a todo lo que hombre es y tiene; o busca poseer: vínculos y afectos; la propia vida; el bienestar material.
En síntesis, las tres exigencias son “renuncia voluntaria a los vínculos afectivos con la familia, aceptación sincera de una renuncia radical al propio interés, renuncia afectiva a las posesiones materiales. Aparte de las condiciones en sí mismas, Jesús —o el propio evangelista— exige un serio discernimiento, sin precipitación de ninguna clase, sino con una previa deliberación sobre los costes y los riesgos de un compromiso de tanta envergadura. No se puede asumir a la ligera una tal responsabilidad, sino que hay que ponderar con calma las previsibles consecuencias”5.
ALGUNAS REFLEXIONES:
No caben dudas que el evangelio de este domingo nos presenta muy claramente la estrechez de la puerta por la que estamos llamados a pasar si queremos de verdad seguir a Jesús, ser sus discípulos.
Y tampoco caben dudas sobre la impresión que suelen provocarnos estas palabras de Jesús: más bien negativa, nos asustan y casi nos espantan. Y la verdad es que Jesús no nos pide mucho, nos pide todo. Más concretamente, nos pide el primer lugar en el orden de los afectos. Jesús nos pide que lo amemos como a Dios, esto es, con todo el corazón, con toda el
alma, con todas las fuerzas. ¿Y la familia? ¿Y la propia vida? ¿Y los bienes? Se los puede amar, pero de modo subordinado al amor preferencial que reclama Jesús. Para lograr esto, primero hay que renunciar afectivamente a todo y después lo recuperamos, pero ya ordenado al amor de Cristo.
Tal vez nos ayude un poco a entender esta extraña sabiduría de la cruz si la consideramos en su perspectiva dinámica y en su valor pedagógico. Porque se trata ante todo de purificar y ordenar los amores de nuestra vida. Y tenemos que partir aceptando que, después del pecado original, nuestros amores se desordenan fácilmente, nos apegamos más de lo debido a las personas, a las cosas y, sobre todo, a nosotros mismos. Por esto es necesaria la renuncia a todo, como medio para volver a recuperarlo todo de nuevo, pero ordenadamente. Esto supondrá sentir las resistencias de nuestra naturaleza herida por el pecado sin dejarse bloquear por ellas.
También supondrá valorar lo que Jesús nos ofrece y orientar hacia Él nuestros deseos más profundos de plenitud humana. Quedaremos en tensión: por un lado las inclinaciones de nuestra naturaleza y por otro las de la Gracia de Dios. Y esto por mucho tiempo. En algún momento tendremos que tomar la decisión, la opción fundamental de nuestra vida. Ojalá que el amor de Jesús y por Jesús nos incline por entregarnos totalmente a Él. La experiencia que nos transmiten quienes se han jugado del todo por Jesús es un aliciente en este camino pues nos hablan de lo hermoso que es todo después de haber atravesado la puerta estrecha. Sí, porque atravesando la puerta estrecha caemos en brazos del amor de Jesús que nos salva: “Quienes se dejan salvar por Él son liberados del pecado, de la tristeza, del vacío interior, del aislamiento. Con Jesucristo siempre nace y renace la alegría.” (EG n°1).
Hay un ejemplo que puede ayudarnos a explicar esto. Es lo que nos pasa cuando cruzamos por el control en un aeropuerto: tenemos que dejar a un lado todo lo que llevamos para pasar por la “estrecha puerta” que detecta metales, mientras nuestras posesiones pasan por un carril donde está el aparato que “escanea” el equipaje. Luego de pasar la puerta, recuperamos nuestro bolso con nuestras cosas, ya controladas.
En otras palabras: “Debemos preguntarnos si estamos dispuestos verdaderamente a abandonar todo y a esperar, con buen ánimo, toda la fuerza únicamente de Dios, dejando que sea él quien disponga de toda nuestra vida. Abandonar no significa huir a un desierto, sino, simplemente, soltar los dedos aferrados a cualquier cosa que considero una «pertenencia», para ofrecerle todo al Señor” (P. G. Cabra).
Sto. Tomás de Aquino afirmaba con claridad que el sentido de la abnegación o renuncia cristiana es subordinar el amor de sí mismo al amor de Dios (cfr. ST II-II, 26,3). Justamente porque busca poner en su verdadero lugar al “amor a sí mismo”, la abnegación es la otra cara de la moneda de la humildad. Y de este modo se conecta el mensaje de este domingo con el del domingo pasado, que nos hablaba de la importancia capital de la humildad; y hoy de la necesidad de vivir la abnegación. Como bien señala B. Olivera6: “la humildad es reconocerse en la verdad de Dios. La abnegación es negarse por amor y para amar. La mortificación es hacer morir la afectividad desordenada y los sentidos descarriados, ella nos despoja de esa lacra que llamamos vicio”.
Queda claro que Jesús nos invita a vivir en la humildad y a practicar la abnegación para pasar por la puerta estrecha. Pero, también nos motiva con la plenitud de vida que encontraremos del otro lado de la puerta estrecha.
Con esta perspectiva amplia, que no diluye en nada las exigencias para ser discípulo de Jesús y al mismo tiempo deja lugar a los "beneficios" o “recompensas” por seguirlo, hay que ponerse honestamente a reflexionar sobre la "calidad" de nuestra vida cristiana, sobre la autenticidad de nuestra entrega y seguimiento del Señor. Como dijimos, no es de sabios comenzar y luego dejar a mitad del camino; no se puede tomar la opción ni a la ligera ni a medias. Es a todo o nada; y para siempre. El evangelio de hoy nos invita a retomar con firmeza este camino del seguimiento de Jesús con toda seriedad y compromiso de vida.
Por último, no olvidemos que la renuncia a sí mismo está también en función de una entrega a los demás, especialmente a lo que menos tienen ni pueden. Al respecto decía el Papa Francisco en su homilía del 4 de septiembre de 2022: “Seguirlo no significa entrar en una corte o participar en un desfile triunfal, y tampoco recibir un seguro de vida. Al contrario, significa cargar la cruz (cf. Lc 14,27). Es decir, tomar como Él las propias cargas y las cargas de los demás, hacer de la vida un don, no una posesión, gastarla imitando el amor generoso y misericordioso que Él tiene por nosotros. Se trata de decisiones que comprometen la totalidad de la existencia; por eso Jesús desea que el discípulo no anteponga nada a este amor, ni siquiera los afectos más entrañables y los bienes más grandes.
Pero para hacer esto es necesario mirarlo más a Él que a nosotros mismos, aprender a amar, obtener ese amor del Crucificado. Allí vemos el amor que se da hasta el extremo, sin medidas y sin límites. La medida del amor es amar sin medidas”.
Cerremos con dos frases magistrales que resumen el evangelio de hoy. Una de San Benito: "no anteponer nada al amor de Cristo". Y otra de San Ignacio de Loyola en sus Ejercicios Espirituales n° 189: “Piense cada uno, que tanto se aprovechará en todas las cosas espirituales, cuanto saliere de su propio amor, querer e interés”.
PARA LA ORACIÓN (RESONANCIAS DEL EVANGELIO EN UNA ORANTE
Él
Cruz
Te cargo cuando amanece
Y te arrastro muchas veces
Liviana te me haces si Él me sonríe
Pesada y áspera cuando oscurece
Cruz
Le he preguntado,
Y me ha dicho que te abrace
Confío ciego en su mensaje
Porque lo vi cargarla, derramar su Sangre
Cruz
Él lo ha calculado todo,
Desde los cimientos,
Va lentamente construyendo
Trabando cada ladrillo de su Casa, de su Reino
Cruz
Él ha renunciado a todo,
Dejó atrás su riqueza y te eligió por trono
Por Amor al Padre
Y a cada uno de nosotros. Amén.
1 Cf. J. Vilchez, Sabiduría (Verbo Divino; Estella 1990) 288-293.
2 El Evangelio según Lucas, T. III (Cristiandad; Madrid 1987) 626
3 El Evangelio según Lucas, T. III (Cristiandad; Madrid 1987) 632-633.
4 El evangelio según san Lucas II (Lc 9,51-14,35) (Sígueme; Salamanca 2002) 649.
5 El Evangelio según Lucas, T. III (Cristiandad; Madrid 1987) 629.
6 Como María. Catecismo contemplativo mariano 2 (Soledad Mariana; Buenos Aires 1986) 101.