30/01/2022
1ª Leitura: Jeremias 1, 4-5.17-19
Salmo 70 (71) R- Minha boca anunciará todos os dias vossas graças incontáveis, ó Senhor!
2ª leitura:- 1 Coríntios 12,31-13,13
Evangelho de Lucas 4,21-30
"21.Ele começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu este oráculo que vós acabais de ouvir”. 22.Todos lhe davam testemunho e se admiravam das palavras de graça, que procediam da sua boca, e diziam: “Não é este o filho de José?”. 23.Então, lhes disse: “Sem dúvida me citareis este provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo; todas as maravilhas que fizeste em Cafarnaum, segundo ouvimos dizer, faze-as também aqui na tua pátria”. 24.E acrescentou: “Em verdade vos digo: nenhum profeta é bem aceito na sua pátria. 25.Em verdade vos digo: muitas viúvas havia em Israel, no tempo de Elias, quando se fechou o céu por três anos e meio e houve grande fome por toda a terra; 26.mas a nenhuma delas foi mandado Elias, senão a uma viúva em Sarepta, na Sidônia. 27.Igualmente havia muitos leprosos em Israel, no tempo do profeta Eliseu; mas nenhum deles foi limpo, senão o sírio Naamã”. 28.A essas palavras, encheram-se todos de cólera na sinagoga. 29.Levantaram-se e lançaram-no fora da cidade; e conduziram-no até o alto do monte sobre o qual estava construída a sua cidade, e queriam precipitá-lo dali abaixo. 30.Ele, porém, passou por entre eles e retirou-se"
Jesus afirma na Sinagoga de Nazaré: “hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. Qual é a passagem da Escritura a qual Jesus se refere?
O Espírito do Senhor está sobre mim,
pois ele me ungiu para anunciar o evangelho aos pobres:
enviou-me para proclamar a liberdade aos presos
e, aos cegos, a visão;
para pôr em liberdade os oprimidos
e proclamar um ano do agrado do Senhor (cf. Is 61,1-2).
A boa notícia consiste na libertação de todas as opressões: Opressão física (cegos), econômica (pobres), política (os encarcerados).
A extensão e a profundidade do texto do profeta Isaías dependem do “eu” que o pronuncia. Até agora as pessoas liam o texto somente como arautos ou comunicadores, mas não como realizadores do que a profecia anuncia.
Com Jesus, finalmente, o texto é proclamado com o seu verdadeiro “eu”. A profecia não é só lida, mas realizada porque chegou aquele que cumpre o texto. Jesus não somente lê um texto da Escritura. Ele lê o seu texto, é ele que dá sentido ao texto. Ele é o Ungido pelo Espírito e por isso pode afirmar: “hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”.
Algumas pessoas reagem a isso com admiração. Serão eles que irão formar a primeira base da Igreja que será fundada sobre os apóstolos.
Infelizmente há outros que reagem mal à pretensão de Jesus. Alguns se escandalizam por causa da pessoa de Jesus. Não é este o filho de José? Eles supunham que o Messias de Deus deveria se mostrar de uma forma exterior maravilhosa e poderosa. E, no entanto, estão diante do filho do carpinteiro, daquele que tinha sido amigo de infância e de juventude. Jesus se apresenta como homem no meio dos homens e, mesmo assim, afirma ser ele o próprio Messias esperado.
A pregação de Jesus é atraente e, ao mesmo tempo, desconcertante. Jesus reivindica para si o “eu” da profecia de Isaías, mas isso não combina com o que eles conhecem de Jesus e da história que partilharam por trinta anos com ele.
Há outra razão para a rejeição: eles querem que Jesus faça milagres; pretendem que Jesus se apresente como um “guru milagreiro”, um “curandeiro” espetacular que se imponha pela força dos milagres que realiza. Na verdade essa imposição dos conterrâneos de Jesus repete a terceira tentação de satanás (4,9): “se és o Filho de Deus, lança-te daqui abaixo, pois está escrito: ‘Ele dará ordens aos seus anjos a teu respeito para que te guardem’, e, ‘nas mãos te carregarão, para que não firas o teu pé em alguma pedra’”. Eles exigem de Jesus milagres inúteis e sem justificativa. Ora exigir de Deus (e de Jesus que é Deus) milagres para que Ele prove ser Deus é tentar a Deus. Essa exigência de milagres é ainda maior em relação a Jesus, uma vez que ele se apresenta como aquele que cumpre a profecia de Isaías. Eles, porém, estão diante de Jesus pobre e humilde, que se recusa a fazer milagre inúteis.
Celebrar a eucaristia é se colocar diante de Jesus e ter que decidir. Todos nós precisamos ouvir de novo: “hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. todos nós precisamos avaliar com seriedade o escândalo que implica a fé em Jesus Cristo.
Temos consciência de que Deus veio ao nosso encontro na pessoa de Jesus de Nazaré: morte, crucificado e ressuscitado? Não temos nós também a mesma atitude de alguns conterrâneos de Jesus: exigimos milagres? Exigimos privilégios? Buscamos a Jesus ou os seus milagres?
“Quando ouviram estas palavras de Jesus, todos na sinagoga ficaram furiosos” (Lc 4,28)
O Evangelho deste domingo é inspirador: as pessoas se admiram com as “palavras cheias de encanto que saíam da boca de Jesus”. Palavras que despertam assombro nelas; palavras diferentes que ativam suas vidas, palavras que não deixam ninguém indiferente; palavras provocativas porque carregam o impulso do novo; palavras que incomodam porque lhes faziam perguntar por suas próprias palavras, seu modo habitual de ser e de viver...
A primeira reação dos ouvintes foi de admiração pela pessoa de Jesus e por sua mensagem. Mas, rapidamente, passaram da admiração à surpresa: quem pensa ser ele, para dizer tais coisas? «Não é este o filho de José”? Reduzem-no assim à sua herança natural; não haviam entendido que, dali em diante, têm à sua frente um novo Jesus, o Filho muito amado do Pai. A única razão que dão para rejeitar as pretensões de Jesus é que Ele é simplesmente mais que um do povoado, conhecido de todos.
Isto é revelador por parte do evangelista Lucas. No início de sua vida pública, Jesus se revela como uma presença original, pois sendo “um entre tantos”, no entanto, sua presença despertava perguntas, dúvidas e até incompreensões e discussões. Todo seu povoado o via como um homem a mais, um galileu a mais.
Mas, sendo “um entre tantos”, começou a pensar, viver e agir com um estilo único que o diferenciava de todos. A grandeza de Jesus está justamente em que, sendo um no meio de tantos, foi capaz de descobrir o que Deus esperava d’Ele.
Jesus não é um extraterrestre que traz poderes especiais de outro mundo, mas um ser humano que tira da profundidade de seu ser o que Deus colocou no coração de todos. Fala daquilo que encontrou no seu interior e nos convida a descobrir em nós o mesmo que Ele descobriu.
Sua vida começou a desconcertar as pessoas; seu modo original de falar desconcertava a todos; sua liberdade de espírito e seus critérios desconcertavam as pessoas. Diante d’Ele só lhes restava fazer perguntas: quem é Ele? Como explicar sua proposta de vida?
Jesus não quis deixar o mundo como o encontrou; Ele não veio ao mundo para deixá-lo tal como estava; Jesus veio mudar as coisas e deixar-nos um mundo diferente; não um mundo com soldas e remendos, mas um mundo mais habitável. Por isso, no início de sua vida pública, Ele se revela como uma presença diferente, apresentando a proposta de um mundo diferente.
Tudo o que era antigo chegou ao fim; um mundo novo está aberto, diante de todos.
Pois, agora, a hora chegou. Os ouvintes de Jesus entendem que vão ter de mudar, de transformar-se. E isto é inquietante: estavam tão tranquilos até aquele momento.
As pessoas de sua comunidade viviam mergulhadas na inércia, no costumeiro e não queriam se abrir ao novo, às mudanças. Preferiam a vulgaridade de ser como todo o mundo à originalidade de ser diferente; preferiam a monotonia de viver como todos e passar desapercebido na massa, sem derpertar a atenção para uma original e provocativa presença.
Os moradores de Nazaré estavam fechados à presença divina. E nos oferecem, assim, uma imagem daquilo que, com frequência, também vivemos: o julgamento que fazemos dos outros, o nosso preconceito e a nossa intolerância diante de quem pensa, sente e vive de maneira diferente.
As palavras de Jesus na sinagoga de Nazaré questionam, também hoje, o sentido que nossas palavras têm; elas nos fazem tomar consciência daqueles que se sentem movidos por nossas palavras, nos fazem perguntar sobre a inspiração e a força das palavras que brotam do nosso interior.
Quantas palavras temos dito ou escrito hoje? Talvez tenhamos enviado um correio; ou feito um comentário no Whatsup ou no blog de um amigo; ou tenhamos conversado junto a uma mesa de bar, partilhando conselhos, trocando idéias...; ou tenhamos falado com nossa mãe pelo telefone...
Vivemos saturados de palavras. Elas nos assaltam nas canções, estão nos perfis virtuais, nos livros, em mil e uma conversações. Falamos, dizemos, escrevemos, escutamos, lemos...
E de tanto usá-las, talvez as palavras tenham perdido o sentido. Estamos tão acostumados a proferi-las que não nos damos conta do muito que significam. Então falamos, mas não vivemos; digitamos palavras, mas não transmitimos calor humano. Assustam-nos converter a palavra em palavreado crônico.
Há palavras que se gastam de tanto serem usadas; há afirmações que, de tanto serem repetidas, perdem sua força. Palavras que perdem seu valor, caindo no terreno comum das “coisas baratas”. Pronunciar, sem enrubescer, palavras que deveriam ser ditas com extremo cuidado como compaixão, justiça, amor, vida... É bonito pensar no poder das palavras, ou em nosso poder e responsabilidade ao pronunciá-las.
Sabemos que o ser humano chegou a ser o que é graças a esse dom evolutivo que é a palavra; ela nos permi-te pensar, dar nomes às coisas, aos outros seres, às emoções que sentimos dentro de nós e comunicar-nos eficazmente com nossos semelhantes.
Claro que, como somos seres complexos, esse dom, que é nossa capacidade verbal, pode ser usada para diferentes fins. Podemos utilizá-la para reconhecer e transmitir o que de verdade sentimos ou pensamos ou enganar-nos a nós mesmos e aos nossos interlocutores.
A diferença radical está no fato de que com a palavra podemos cuidar, acariciar, conhecer, irradiar consolo ou amor, ser artífices de paz e sossego... Ou, podemos gerar ódios, rancor, alimentar preconceitos e julga-mentos, provocar invejas, trair, dividir...
Nas “sinagogas pós-modernas” (redes sociais) temos a oportunidade de proferir palavras que ampliam a vida, elevam o outro, abrem horizontes de sentido...; elas também se revelam como o espaço onde escutar palavras oriundas de um coração e uma mente diferentes, que despertam mudanças, a busca do novo... Infelizmente, como nos tempos de Jesus, também este ambiente tem sido o local da expressão de palavras ásperas de julgamento e de indiferença, carregadas de preconceito e intolerância. Ali encontramos a soberba disfarçada de verdade, o conservadorismo farisaico que cria distâncias, o medo camuflado de firmeza, as inseguranças alimentando divisões... Estas atitudes nunca deixam espaço para o novo, a renovação torna-se impossível e a inovação se extingue... Nesses ambientes disfarçados de ortodoxia, fundamentalismo, moralismo, legalismo... nem o Espírito tem espaço para atuar e inspirar “palavras de vida”.
Jesus foi “deletado de sua comunidade” porque ousou pensar de maneira diferente; o seu anúncio e as suas opções rompiam com esquemas mentais arcaicos e petrificados.
Por isso, dentro de nossas sinagogas atuais, é preciso alimentar mais sobriedade frente à “falação” vazia”; mais sinceridade frente à mentira; mais acolhimento frente à indiferença...
Talvez o silêncio pode ser algo novo quando não se tem uma palavra diferente que dizer. Mas é certo que se cheguemos a dizer algo novo, algo nosso, há uma terra sedenta que espera ansiosa essa chuva.
Texto bíblico: Lc 4,21-30
Na oração: diante das palavras
que brotam de minha sinagoga interior, perguntar-me:
- quantos se sentem tocados pelas minhas palavras?
Quantos daqueles que as escutam se sentem anima-dos, vibrantes, curados... Até onde falo daquilo que vivo? Minhas palavras despertam o coração das pessoas?
- Ou, pelo contrário, quantos daqueles que me escutam se sentem entendiados e cansados diante de meu palavreado crônico, de minhas críticas ácidas, de meus julgamentos preconceituosos?...
Nazaré era uma aldeia pequena, perdida entre as colinas da Baixa Galiléia. Ali todos conhecem Jesus: viram-no brincar e trabalhar entre eles. A humilde sinagoga do povoado está cheia de familiares e conhecidos. Ali estão seus amigos em amigas de infância.
Quando Jesus se apresenta diante deles como “enviado” por Deus aos pobres e oprimidos, ficam surpresos. Sua mensagem lhes agrada, mas não lhes basta. Pedem que faça entre eles a curas que, segundo se diz, realizou em Cafarnaum. Não querem um profeta de Deus, mas uma espécie de “mago” ou “curandeiro” que dê prestígios à sua pequena aldeia.
Jesus não parece surpreender-se. Lembra-lhes um dito que ficará gravado na memória de seus seguidores: “Asseguro-vos que nenhum profeta é bem acolhido entre o seu povo”. De acordo com Lucas, a incredulidade e à rejeição dos moradores de Nazaré vão crescendo. No final, “furiosos”, o lançam “para fora do povoado”.
O provérbio de Jesus não é uma trivialidade, porque encerra uma grande verdade. O “profeta” nos confronta com a verdade de Deus, põe a descoberto nossas mentiras e covardias e nos chamam a mudança de vida. Não é fácil ouvir sua mensagem. É mais cômodo “lança-lo fora” e esquecê-lo.
Nós cristãos dizemos coisas tão admiráveis de Jesus que às vezes esquecemos sua dimensão de” profeta”. Confessamo-lo como “Filho de Deus”, “Salvador do mundo”, “Redentor da humanidade” e pensamos que, ao receitar nossa fé, já o estamos acolhendo. Não é assim. Deixamos Jesus, “Profeta de Deus”, penetrar em nossa vida quando acolhemos sua palavra, nós deixamos transformar por sua verdade e seguimos seu estilo de vida.
Essa é a decisão mais importante dos seguidores de Jesus ou acolhemos a sua verdade ou a rejeitamos. Esta decisão, oculta aos olhos dos outros e só conhecida por Deus, é o que decide o sentido de minha vida e o acerto ou desacerto de minha passagem pelo mundo.
Sobre a 1° e 2° leitura
A primeira leitura apresenta a figura do profeta Jeremias. Escolhido, consagrado e constituído profeta por Jahwéh, Jeremias vai arrostar com todo o tipo de dificuldades; mas não desistirá de concretizar a sua missão e de tornar uma realidade viva no meio dos homens a Palavra de Deus.
Considerar, para reflexão, as seguintes questões:
• Os “profetas” não são uma classe de animais extintos há muitos séculos, mas são uma realidade com que Deus continua a contar para intervir no mundo e para recriar a história. Quem são, hoje, os profetas? Onde estão eles?
• No Batismo, fomos ungidos como profetas, à imagem de Cristo. Estamos conscientes dessa vocação a que Deus a todos nos convocou? Temos a noção de que somos a “boca” através da qual a Palavra de Deus se dirige aos homens?
• O profeta é o homem que vive de olhos postos em Deus e de olhos postos no mundo (numa mão a Bíblia, na outra o jornal diário). Vivendo em comunhão com Deus e intuindo o projeto que Ele tem para o mundo, e confrontando esse projeto com a realidade humana, o profeta percebe a distância que vai do sonho de Deus à realidade dos homens. É aí que ele intervém, em nome de Deus, para denunciar, para avisar, para corrigir. Somos estas pessoas, simultaneamente em comunhão com Deus e atentas às realidades que desfeiam o nosso mundo?
• A denúncia profética implica, tantas vezes, a perseguição, o sofrimento, a marginalização e, em tantos casos, a própria morte (Óscar Romero, Luther King, Gandhi…). Como lidamos com a injustiça e com tudo aquilo que rouba a dignidade dos homens? O medo, o comodismo, a preguiça, alguma vez nos impediram de ser profetas?
• Em concreto, em que situações sou chamado, no dia a dia, a exercer a minha vocação profética?
A segunda leitura parece um tanto desenquadrada desta temática: fala do amor – o amor desinteressado e gratuito – apresentando-o como a essência da vida cristã. Pode, no entanto, ser entendido como um aviso ao “profeta” no sentido de se deixar guiar pelo amor e nunca pelo próprio interesse… Só assim a sua missão fará sentido.
Para refletir, ter em conta as seguintes questões:
• O amor cristão – isto é, o amor desinteressado que leva, por pura gratuidade, a procurar o bem do outro – é, de acordo com Paulo, a essência da experiência cristã. É esse o amor que me move? Quando faço algo, partilho algo, presto algum serviço, é com essa atitude desinteressada, de puro dom?
• Desse amor partilhado nasce a comunidade de irmãos a que chamamos Igreja. O amor que une os vários membros da nossa comunidade cristã é esse amor generoso e desinteressado de que Paulo fala? Quando a comunidade cristã é palco de lutas de interesses, de ciúmes, de rivalidades egoístas, que testemunho de amor está a dar?
Evangelho Lc 4,21-30
Em continuidade a liturgia de domingo passado O Evangelho apresenta-nos o profeta Jesus, desprezado pelos habitantes de Nazaré (eles esperavam um Messias espetacular e não entenderam a proposta profética de Jesus). O episódio anuncia a rejeição de Jesus pelos judeus e o anúncio da Boa Nova a todos os que estiverem dispostos a acolhê-la – sejam pagãos ou judeus.
O Evangelho de hoje apresenta a reação dos habitantes de Nazaré à ação e às palavras de Jesus.
O episódio da sinagoga de Nazaré é, já o dissemos atrás, um episódio “programático”: a Lucas não interessa descrever de forma coerente e lógica um episódio em concreto acontecido em Nazaré por altura de uma visita de Jesus, mas enunciar as linhas gerais do programa que o Messias vai cumprir – linhas que o resto do Evangelho vai revelar.
O programa de Jesus é, como vimos a semana passada (o texto de Is 61,1-2 e o comentário posterior de Jesus demonstram-no claramente), a apresentação de uma proposta de libertação aos pobres, marginalizados e oprimidos. No entanto, esse “caminho” não vai ser entendido e aceite pelo povo judeu (isto é, os “da sua terra”), que estão mais interessados num Messias milagreiro e espetacular. Os “seus” rejeitarão a proposta de Jesus e tentarão eliminá-lo (anúncio da morte na cruz); mas a liberdade de Jesus vence os inimigos (alusão à ressurreição) e a evangelização segue o seu caminho (“passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho”), até atingir os que estão verdadeiramente dispostos a acolher a salvação/libertação (alusão a Elias e Eliseu que se dirigiram aos pagãos porque o seu próprio povo não estava disponível para escutar a Palavra de Deus).
A reflexão sobre este texto pode considerar as seguintes questões:
• “Nenhum profeta é bem recebido na sua terra”. Os habitantes de Nazaré julgam conhecer Jesus, viram-no crescer, sabem identificar a sua família e os seus amigos mas, na realidade, não perceberam a profundidade do seu mistério. Trata-se de um conhecimento superficial, teórico, que não leva a uma verdadeira adesão à proposta de Jesus. Na realidade, é uma situação que pode não nos ser totalmente estranha: lidamos todos os dias com Jesus, somos capazes de falar algumas horas sobre Ele; mas a sua proposta tem impacto em nós e transforma a nossa existência?
• “Faz também aqui na terra o que ouvimos dizer que fizestes em Cafarnaum” – pedem os habitantes de Nazaré. Esta é a atitude de quem procura Jesus para ver o seu espetáculo ou para resolver os seus problemazinhos pessoais. Supõe a perspectiva de um Deus comerciante, de quem nos aproximamos para fazer negócio. Qual é o nosso Deus? O Deus de quem esperamos espetáculo em nosso favor, ou o Deus que em Jesus nos apresenta uma proposta séria de salvação que é preciso concretizar na vida do dia a dia?
No final do Evangelho:
“Deus fiel e paciente, bendito sejas pela mensagem de graça que saía da boca do teu Filho Jesus. Nós Te bendizemos pelos profetas que enviaste outrora aos pagãos, porque Tu queres a salvação e a felicidade de todos os homens. Nós Te pedimos pelas nossas cidades, onde a mensagem do Evangelho provoca as mesmas oposições e rejeições que outrora em Nazaré. Que o teu Espírito sustente a nossa fé”.
Jesus não deixa ninguém indiferente. Os seus compatriotas admiram-se, espantam-se com o seu ensino, ficam furiosos, tentam expulsá-los da cidade… Mas é em Nazaré que Jesus inicia a sua pregação. As pessoas sabem quem Ele é, conhecem a sua profissão, a sua família, mas ignoram o seu mistério. Como poderiam imaginar que Ele vem de Deus, que é o Filho de Deus? É necessário o tempo de provação para que os seus olhos se abram, os olhos da fé postos à prova pela morte e ressurreição do seu compatriota. E, vemo-lo bem ao longo de todo o Evangelho, são aqueles que nunca ninguém imaginou que vão fazer ato de fé e beneficiar das palavras e dos gestos de salvação do Filho de Deus. Como os profetas Elias e Eliseu, Jesus manifesta que Deus ama todos os homens; a salvação que veio trazer é oferecida a toda a humanidade.
Sabemos como as multidões são versáteis. Basta ver a atitude da multidão em Jerusalém: ora aclama Jesus, ora pede a sua more. A mesma versatilidade acontece com os habitantes de Nazaré. Têm reações diferentes e interrogam-se, pois conhecem bem a identidade familiar de Jesus. Jesus avança no seu ensino e faz referência a dois episódios do Antigo Testamento, no tempo de Elias e de Eliseu: a viúva estrangeira e o general sírio, que beneficiam dos gestos salvíficos de Deus e não os filhos de Israel! Por outras palavras, diz que os habitantes de Nazaré são como os seus antepassados: não acolhem o tempo da visita de Deus. Da admiração, os habitantes passam ao ódio. E nós, hoje? Interroguemo-nos sobre a nossa atitude para com Jesus: a sua palavra surpreende-nos? Pomos de lado as suas palavras que nos provocam, para não nos pormos em questão? Preferimos ficar na nossa tranquilidade?
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Não é fácil entender o desfecho da visita de Jesus a Nazaré, logo após o seu batismo. É muito violenta a mudança de atitude dos Nazarenos – da admiração à fúria. Talvez Lucas tenha unido dois acontecimentos em uma só história. Mas, seja como for, alguns pontos importantes saltam aos olhos.
Em primeiro lugar, “todos aprovavam Jesus, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca” (v. 22). Com certeza, essa reação não foi causada pela oratória de Jesus, nem porque soubesse usar “artifícios para seduzir os ouvintes” (1Cor 1,4), como fazem tantos pregadores midiáticos e políticos hoje. Não. Foram palavras cheias de encanto porque brotaram da sua intimidade com o Pai, da sua espiritualidade profunda, da sua capacidade de compaixão, da coerência entre a sua fala e a sua vivência. Aqui, há um desafio para todos nós: deixar que sejamos tomados pela Palavra de Deus de tal maneira que a nossa palavra não seja mais a nossa, mas a manifestação do Espírito que habita em nós. Só assim, as nossas pregações surtirão efeito. Ao contrário, mesmo que a nossa fala seja eloquente, seremos “sinos ruidosos, ou símbolos estridentes” (1Cor 13,2). Chama a atenção, mas não deixa frutos! Somente quem escuta a Palavra e a vive passa por um processo de conversão e depois a anuncia. Não anuncia a sua própria sabedoria, mas a do próprio Deus. E essa, muitas vezes, parece estupidez aos olhos de quem a riqueza o sentido de sua vida.
A reação dos vizinhos de Nazaré encontra eco nas comunidades de hoje. É o pobre que não acredita no pobre! Jesus é rejeitado por ser considerado o filho de José, um simples carpinteiro de Nazaré. Quantas vezes acontece conosco que, em lugar de incentivar as nossas lideranças das bases, os próprios companheiros de comunidade as rejeitamos por não serem “doutores”, por não saberem “falar bonito”, como sabem muito bem os nossos exploradores? Parece às vezes que há gente que sente prazer em destruir as lideranças. Mas, as coisas vão mudar só quando o pobre começar a acreditar no pobre!
Outro motivo para tal reação, com certeza, era o fato de Jesus desafiar os preconceitos e o comodismo da comunidade nazarena, usando os exemplos da ação de Deus em favor de um estrangeiro (Naaman, o sírio) e uma estrangeira (a viúva de Sarepta). Pois, Jesus era um profeta e o profeta sempre incomoda, pois nos desafia a sair de nossas fronteiras, e olhar o mundo como Deus o vê. É difícil que alguém goste de ser incomodado, e por isso preferimos, com frequência, criar uma religião de ritos e rituais, com certezas absolutas que confirmam a nossa visão do mundo. Mas, a verdadeira religião não é só de ritos (embora esses tenham grande importância na celebração da nossa fé).
É o seguimento de Jesus, que veio “para que todos/as tenham vida e vida plenamente” (Jo 10,10), vivenciando a solidariedade e a fraternidade entre todas as pessoas, sem preconceitos nem exclusões. É triste ver, em tantos lugares hoje, que a maior preocupação de muitas Igrejas parece ser com as minúcias rituais, com um número cada vez maior de normas, decretos e rubricas, enquanto se ignoram as grandes questões da humanidade, como a violência, a exploração, a destruição da natureza, o extermínio de indígenas, e assim por diante. Dificilmente, se pode imaginar Jesus de Nazaré agindo assim. Por isso, talvez se fale tanto nos programas religiosos dos meios de comunicação só do Cristo glorificado, e tão pouco de Jesus de Nazaré, profeta perseguido por causa das suas opções concretas em favor dos sofredores, sem levar em conta a sua raça, religião ou situação social.
Jesus nos dá o exemplo de como enfrentar estes problemas, diante de críticas e rejeição, quando realmente tentamos ser coerentes com o Profeta de Nazaré. Ele “continuou o seu caminho” (Lc 4,20). É isso mesmo – apesar das críticas, da não aceitação, das gozações, o cristão tem que “continuar o seu caminho”. Jesus sofreu com isso, mas não se abalou, pois a sua convicção não se baseava na opinião, aprovação e aceitação dos outros, mas na comunhão com o Pai, na interiorização da Palavra. Oxalá, todos nós cresçamos neste sentido, seguindo o exemplo do Mestre! Como recomenda a Carta aos Hebreus: “Para que vocês não se cansem e não percam o ânimo, pensem atentamente em Jesus, que suportou contra si tão grande hostilidade por parte dos pecadores”(Hb 12,3).
Não é este o filho de José?
Na sinagoga de sua cidadezinha, Jesus havia acabado de ler no livro do Profeta Isaías: O Espírito do Senhor me ungiu para anunciar a boa notícia aos pobres (Lucas 4,16-19). Sentado, observado por todos com atenção, ele proclama: Hoje se cumpriu aos vossos olhos essa passagem da Escritura (Lucas 4,21). Suas palavras despertam admiração e respeito. Mas ao mesmo tempo, escândalo: Não é este o filho de José? (Lucas 4,22).
Qual a causa de tanto espanto? (Lc 4,22-24)
Jesus havia afirmado que o Espírito estava sobre ele. Logo sobre ele, uma pessoa simples ali da aldeia, o filho de José que todo mundo conhecia! Ele não era sequer sacerdote do Templo! Com que ousadia afirmava ter recebido o Espírito? Por trás destas perguntas, ainda nos dias de hoje, está outra indagação: será mesmo verdade que a salvação vem dos pequeninos?
Mas não era só isso! Sob a ação do mesmo Espírito, ele havia proclamado o Ano Jubilar, ano de graça do Senhor, ano do perdão das dívidas (Lucas 4,19), como lemos em Deuteronômio 15,1-18 e em Levítico 25,8-55. De muitas leis, o judaísmo não se esquecia, mas esta era melhor não lembrar: aceitar o Ano do Jubileu significaria parar de acumular, dar descanso à terra, perdoar dívidas contraídas pelos mais pobres, buscar a igualdade… Melhor tapar os ouvidos.
Nenhum profeta é bem recebido em sua pátria, conclui Jesus (Lucas 4,24). Com essa frase, ele mesmo dá o critério da autenticidade de seu ministério: a rejeição. Na história de seu povo, verdadeiros profetas e profetisas eram rejeitados (cf. Jeremias 26,11; Amós 7,10-13). Ainda hoje, os verdadeiros profetas, os verdadeiros líderes do povo são caluniados, injustamente perseguidos, condenados sem crime e presos.
Os de casa rejeitam, quem é estrangeiro acolhe (Lc 4,25-27)
Jesus recorre à vida de seu povo, a histórias bem conhecidas na Bíblia para ajudar a comunidade a superar o escândalo.
A primeira é a da Viúva de Sarepta, cujo nome, infelizmente, não foi preservado. Havia muitas viúvas no meio do povo judeu, e Elias foi enviado a uma viúva estrangeira em Sarepta, na Sidônia. A história está em 1 Reis 17 e é uma passagem muito bonita: Elias chega faminto, é acolhido por uma mulher e uma criança também famintos. Há relação de confiança e de acolhida, e as vidas são salvas. Não só a da viúva e de seu filho, mas também a do próprio Elias. A segunda história tem a mesma lógica: havia muitos leprosos a serem curados em Israel, mas Eliseu cura novamente um estrangeiro, o sírio Naamã (2 Reis 5).
Se os de dentro do seu povo não o aceitam, Jesus deixa claro que encontrará fé e adesão entre os de fora. E o questionamento se nos faz automático: estamos nós, pessoas que nos julgamos “de dentro”, aceitando de verdade a proposta? Que testemunho a sociedade cristã ocidental vem dando à humanidade? Ou continuamos aceitando a perseguição a nossos profetas e profetisas?
Passou no meio deles e prosseguiu o caminho (Lucas 4,28-30)
O Evangelho de Lucas foi escrito em torno do ano 90 do primeiro século do cristianismo. E recolheu, como todos os evangelhos, histórias contadas de boca em boca, a tradição oral das comunidades. A escolha das duas histórias (a de uma viúva e de um leproso, ambos estrangeiros) mostra com evidência a preocupação da comunidade de Lucas em mostrar que a abertura ao diferente, aos estrangeiros e às estrangeiras, já vinha de Jesus. Um bom “puxão de orelhas” para nossas comunidades ainda permeadas de tanto preconceito e intolerância, de resistência ao ecumenismo e de tão pouco diálogo inter-religioso!
E o que fazer com gente de nossas comunidades que finge não enxergar e que não quer abrir a cabeça e o coração? Não adianta o confronto direto, é melhor passar no meio deles e seguir o caminho (Lucas 4,30). É preciso encontrar estratégias de resistência e de sobrevivência para que o projeto não seja lançado no precipício. Com a ternura de sempre, com a força e a graça do Espírito!
PROFETAS E PROFECIAS - Publicado em: CEBI/SP, CEBs, Espiritualidade, Estudos Bíblicos, Fé e Religião.
CUARTO DOMINGO TIEMPO DURANTE EL AÑO - CICLO C
Primera lectura (Jer 1,4-5.17-19)
La primera lectura de hoy nos extracta del relato de la vocación del profeta Jeremías (Jer 1,4-19) los versículos que narran su elección por parte de Dios (1,4-5) y la misión que Dios le confía (1,17-19).
La elección divina se presenta con gran sencillez y sobriedad (a diferencia de Is 6,1-4 y Ez 1,1-28). Jeremías se limita a decir "recibí la palabra del Señor", con lo cual queda resaltada la iniciativa divina y la gratuidad de la misma. Y esto mismo aparece con más claridad en lo que sigue pues esta elección tuvo lugar antes de la concepción del profeta en el seno materno. Es decir, antes de existir – y por tanto antes de decidir – Dios tenía un proyecto para la vida de Jeremías. Además, el sujeto de todos los verbos del versículo 5 es Dios y nos resultará interesante ver la acción divina a través del uso de estos verbos.
El primero es conocer (yáda(), que en este contexto indica el acto jurídico por el cual un padre reconoce a un niño como su hijo. En Jer 1,5 se habla de concepción y de nacimiento con mención de la madre evocada a través de su seno y su vientre; mientras que la función paterna parece estar presente en el verbo "formar" (yácar) como acto paterno de colaboración en la formación de una persona. “Antes de formarte ya te reconocí" sería el sentido de la frase.
Te consagré (hiqda$t). Consagrar significa hacer santo o santificar. La consagración es separar, poner aparte a alguien o algo para una especial destinación a Dios. Aplicado a Jer 1,5 se ve la consagración prenatal del profeta que lo destina a Dios y a su voluntad.
Te constituí o te puse como (nátan) profeta de las naciones (góyim); esto es, de todos, de los no judíos también. Por tanto, al final se trasciende la relación yo-tú (Dios-profeta) para abrirse a los otros, a todos los pueblos. Con esto se nos dice que Jeremías desde el principio ha sido elegido para entregarse a los demás. Y el modo de esta entrega será la de un profeta, o sea de una persona que habla al pueblo en nombre de Dios.
La misión viene indicada con distintas órdenes de Dios al profeta: "te apretarás el cinto, te pondrás firme y les dirás cuanto yo te mande". Estas expresiones indican prontitud y dedicación al trabajo (cf. 1 Re 18,46) y, sobre todo, decisión para afrontar la lucha (cf. Job 38,3; 40,7). Sería como decirle: “¡arremángate!” El profeta deberá ser fuerte ante la reacción hostil que provocará su Palabra: "No te dejes intimidar por ellos, no sea que te intimide yo delante de ellos"; es decir, si Jeremías se hecha atrás incurrirá en una situación que le avergonzaría delante de todos. Dios le pide valentía pero, al mismo tiempo, le da la fuerza necesaria para resistir.
En el v.18 reaparece el verbo nátan (te pongo, te constituyo) que tiene relación con el ser constituido profeta (1,5); y aquí es usado para desarrollar algunas imágenes referentes a la misión profética: ciudad fortificada, columna de hierro y muro de bronce. Es un vocabulario que viene del arte de conquistar una ciudad. El profeta viene constituido como una ciudad inexpugnable. El muro de bronce sería una imagen real por cuanto así se llamaba al Faraón en una ciudad porque protegía a los ciudadanos que la habitaban.
La misión termina con el clásico oráculo de consolación: Dios estará con el profeta para salvarlo. Y esta salvación vendrá al profeta en recompensa por su adhesión a Su Palabra.
Segunda lectura (1Cor 12,31-13,13)
El versículo 12,31, por su ubicación y vocabulario, es claramente un versículo de transición entre los capítulos 12 y 13. La primera parte cerraría la reflexión del cap. 12 con la invitación: “aspiren (zeloute) a los dones (charismata) más perfectos”. El verbo está en imperativo y trata de complementar la idea anterior que acentuaba la libertad Divina en la distribución de los dones aceptando una legítima aspiración personal. La segunda parte de la frase introduce el cap. 13 donde el amor viene presentado como un “camino más perfecto todavía (hyperbolen hodon)”. Es importante notar que para Pablo el amor no entra en la categoría de "carisma" pues nunca lo coloca en las listas ya vistas. Justamente el objetivo de Pablo en esta sección es que los corintios, después de haber ampliado su perspectiva respecto a los dones espirituales habiéndoles mostrado su diversidad dentro del conjunto de la disposición divina (12,4-30), descubran ahora la relativa importancia de los mismos. Para esto la argumentación pasa de la organización externa de la Iglesia al principio interior de vida del cual depende todo lo demás: la caridad.
Los versículos 13,1-13 conforman una unidad literaria muy cuidada y centrada en el tema del amor (ágape). La consideración corriente de la misma como un "himno" es más bien una conjetura pues, aunque los versículos 1-3 tienen cierto grado de elevación poética que la aproximan a una exaltación lírica del amor, en el resto es clara la intención parenética o exhortativa que desdibuja el talante poético.
En 13,1-3 Pablo busca cambiar el criterio de valoración de los dones espirituales que tienen los corintios, por esto su argumentación es llana y directa: sin caridad no sirven para nada. Justamente por esto coloca en primer lugar como ejemplo los carismas más apreciados por aquella comunidad: la glosolalia y la profecía. Pero lo hace con delicadeza pues utiliza la 1ª persona singular: “si yo...”.
En 13,4-14 sigue la presentación de este camino más perfecto del amor. Para definir la caridad Pablo se vale de 15 verbos, lo cual nos indica que se trata de algo activo o dinámico, no de una mera idea o concepto. A su vez, 7 veces la presentación es positiva mientras que 8 es negativa, como ausencia de lo contrario. Podemos advertir que las características de la caridad se contraponen a todo sensacionalismo o manifestación extraordinaria del Espíritu. Incluso si comparamos las cualidades que Pablo suele presentar como ‘frutos del Espíritu’ (Gal 5,22-26) con esta descripción de la caridad la semejanza es tal que podemos concluir que camina inspirado por el Espíritu quien vive la caridad tal como se presenta aquí; aunque no tenga ninguna manifestación extraordinaria.
Evangelio (Lc 4,21-30):
Esta perícopa es una clara continuación del evangelio del domingo pasado (4,14-21), con el cual conforma una unidad literaria. De hecho, el texto de hoy retoma el último versículo del domingo pasado (4,21) donde Jesús afirma el cumplimiento en su persona de la profecía de Isaías.
En cuanto a su contenido narrativo notemos que "los v. 22-30 describen a) la reacción del auditorio (v. 22), b) la respuesta de Jesús en gradación (v. 23-27), c) la cólera y el ataque de la gente de Nazaret (v. 28-29), d) la marcha de Jesús (v. 30)"[1].
La primera reacción de los oyentes en la sinagoga de Nazaret es muy positiva, al punto que dan testimonio de Jesús y se admiran de su sabiduría. Pero la auto presentación de Jesús como un maestro o un profeta no les cierra con el Jesús que conocen de chico, con el hijo de José. Entonces a la admiración le sigue la incredulidad. Como nota A. Rodríguez Carmona[2]: “Esperaban un mesías humanamente poderoso y no aceptan que uno de ellos, pobre como ellos, ¡el hijo de José! pueda ser el mesías, pero, dado el caso que lo sea, lo que tampoco aceptan es que actúe en Cafarnaún y no entre ellos y a favor de ellos”.
De hecho, Jesús interpreta esta reacción de la gente como un rechazo hacia su persona y su misión, por cuanto estarían reclamando que confirme la sabiduría de sus palabras con milagros. En esta línea se comprende el refrán que Jesús cita: "Médico, cúrate a ti mismo", o sea: “da pruebas de lo que sabes, haz algo para que te creamos”. Al respecto comenta L. H. Rivas[3]: "El pensamiento de los que están escuchando la predicación aparece muy simple y muy claro: los tiempos de salvación son tiempos de milagros, por lo tanto que empiece a hacerlos ya que ese tiempo ha llegado".
Jesús refuerza esta interpretación diciendo con solemnidad ("En verdad les digo") un proverbio popular fruto de la experiencia histórica de Israel: "ningún profeta es bien recibido en su tierra" (4,24). Al respecto comenta J. Fitzmyer[4]: “Al usar este proverbio, Jesús se presenta como profeta; cf. Lc 11, 49-50; 13,33 (en este último texto se establece una conexión entre la misión profética y la muerte en Jerusalén). Pero, en cuanto profeta, Jesús no es bien recibido en su patria chica, porque no ha realizado allí los prodigios que se esperaban de él.” Y este mismo comentarista nota que para hablar de “aceptado o recibido” utiliza el adjetivo griego dektós (δεκτός) que es el mismo que aparece en la cita de Is 61,2 en 4,19; pero aquí se traduce como “año favorable o de gracia del Señor”. De esto modo queda claro el contraste: Jesús anuncia que Dios está dispuesto a recibir o aceptar a todos; mientras que el pueblo no lo recibe o acepta a Él y a su anuncio profético. Además, con este proverbio Jesús está diciendo que este rechazo que recibe en su propia tierra es una constante en la historia de Israel que no ha sabido escuchar la voz de sus propios profetas. Como bien señala F. Bovon[5] "esta sentencia revela el conflicto que empieza a surgir entre los designios de Dios y la voluntad del pueblo".
A continuación (Lc 4,25-27) Jesús defiende su misión mediante el recurso a la actividad de dos profetas del Antiguo Testamento: Elías y Eliseo. De estos dos “hombres de Dios” Jesús refiere en particular que su misión fue orientada por Dios mismo hacia personas no pertenecientes al pueblo de Israel, como eran la viuda de Sarepta, en el país de Sidón; y Naamán, el sirio. Con su modo de narrar los hechos Jesús hace ver que Dios “prefirió” a los no-judíos pues resalta que, si bien había muchas viudas en Israel, “a ninguna de ellas fue enviado Elías, sino a una viuda de Sarepta, en el país de Sidón” (4,26); y, habiendo muchos leprosos en Israel, “ninguno de ellos fue curado, sino Naamán, el sirio" (4,27).
En continuidad con la apertura ecuménica que daba Isaías al anuncio de la redención prometida por Dios, Jesús orienta los beneficios del año de gracia del Señor a los paganos. Además, con esta alusión a la actividad de los profetas Elías y Eliseo, Jesús precisa quienes son los pobres a los que debe llevar la Buena Noticia (4,18), el anuncio del jubileo que Dios decretaba: son los paganos, los pecadores, los excluidos de la comunidad de salvación. En breve, Jesús deja bien en claro la orientación preferencial de su misión a los más alejados, a los pecadores, porque este es el designio del Padre atestiguado en la Escritura.
El tema de la universalidad de la salvación es una constante en el evangelio de San Lucas, quien destaca las acciones de Jesús que benefician a los excluidos de la comunidad religiosa (cf. Lc 7,1-10; 36-50; 10,1-12; 17,16; 19,1-10 y 23,39-43). Todos estos textos nos hacen ver que el año de gracia o jubileo proclamado por Jesús consiste en el ofrecimiento del perdón de Dios a los pecadores; y que el motivo de este perdón no se encuentra en los méritos de las personas sino en la entrañable misericordia del Padre. Y justamente porque la fuente y origen de la misión de Jesús es el corazón de Dios, no rige ya la distinción entre judíos y no judíos. La salvación, entendida primariamente como perdón de los pecados (Lc 1,77), es ofrecida por Jesús a todos los hombres (Lc 3,6). El libro de los Hechos de los Apóstoles (He 10-11.15), al igual que las cartas de San Pablo, reflejan de modo patético cuánto costó a la primitiva comunidad cristiana asumir esta apertura universal de la redención.
Lo novedoso y chocante de esta apertura de la salvación de Dios a todos los hombres para el cerrado nacionalismo religioso de la mentalidad de los judíos de la época queda atestiguado por el rechazo violento por parte de ellos a estas palabras de Jesús. En efecto, “todos” los que lo escuchaban en la sinagoga “se llenaron de ira”, lo sacaron de la ciudad e intentaron matarlo arrojándolo de la colina sobre la que está construida Nazaret. Pero, sin dar detalles de cómo, Lucas nos dice que Jesús pasó en medio de ellos y siguió su “camino”. El tema del camino es muy importante en Lucas y se refiere a su recorrido hacia Jerusalén donde cumplirá de modo pleno su misión recién proclamada: obrará la misericordia de Dios perdonando, mediante su muerte y resurrección, el pecado de todos los hombres.
Algunas reflexiones:
Considerando todo el relato evangélico de Lc 4,14-30, con su final incluido, nos surge como primera reflexión el considerar la posibilidad real - y también actual - del rechazo de Jesús y su misión, de no aceptar sus caminos y sus instrumentos de salvación. Al respecto dice Verbum Domini: "La Palabra de Dios revela también inevitablemente la posibilidad dramática por parte de la libertad del hombre de sustraerse a este diálogo de alianza con Dios, para el que hemos sido creados. La Palabra divina, en efecto, desvela también el pecado que habita en el corazón del hombre. Con mucha frecuencia, tanto en el Antiguo como en el Nuevo Testamento, encontramos la descripción del pecado como un no prestar oído a la Palabra, como ruptura de la Alianza y, por tanto, como la cerrazón frente a Dios que llama a la comunión con él (nº 26) […] El Prólogo del cuarto Evangelio nos sitúa también ante el rechazo de la Palabra divina por parte de los «suyos» que «no la recibieron» (Jn1,11). No recibirla quiere decir no escuchar su voz, no configurarse con el Logos” (nº 50).
Somos, por tanto, advertidos sobre la posibilidad de querer encerrar al Señor y a su obra en nuestras categorías mentales y no permitir su acción en nosotros resistiendo a su Gracia. Y el Señor siempre nos trasciende y nos sorprende, como trascendieron Elías y Eliseo las fronteras de Israel; y como Jesús trascendió la frontera religiosa-cultural del judaísmo.
Comentando este texto decía el Papa Francisco: “este Evangelio nos muestra que el ministerio público de Jesús comienza con un rechazo y con una amenaza de muerte, paradójicamente por parte de sus paisanos. Jesús, al vivir la misión que el Padre le confió, sabe que debe enfrentar la fatiga, el rechazo, la persecución y la derrota. Un precio que, ayer como hoy, la auténtica profecía está llamada a pagar. El duro rechazo, sin embargo, no desanima a Jesús, ni detiene el camino ni la fecundidad de su acción profética. El sigue adelante por su camino (cf. v. 30), confiando en el amor del Padre.
También hoy el mundo necesita ver en los discípulos del Señor, profetas, es decir, personas valientes y perseverantes en responder a la vocación cristiana. Gente que sigue el “empuje” del Espíritu Santo, que los envía a anunciar esperanza y salvación a los pobres y excluidos; personas que siguen la lógica de la fe y no de la milagrería; personas dedicadas al servicio de todos, sin privilegios ni exclusiones. En resumen: las personas que están abiertas a aceptar en sí mismas la voluntad del Padre y se comprometen a testimoniarla fielmente a los demás”, (Ángelus 3 de febrero de 2019).
Una segunda reflexión nos surge al vincular las tres lecturas de hoy.
En la primera lectura se nos muestra cómo toda vocación o elección de Dios es para una misión. Por tanto, “yo soy una misión”. Estas palabras de Francisco son una actualización para todos de la vocación de Jeremías: “La misión en el corazón del pueblo no es una parte de mi vida, o un adorno que me puedo quitar; no es un apéndice o un momento más de la existencia. Es algo que yo no puedo arrancar de mi ser si no quiero destruirme. Yo soy una misión en esta tierra, y para eso estoy en este mundo. Hay que reconocerse a sí mismo como marcado a fuego por esa misión de iluminar, bendecir, vivificar, levantar, sanar, liberar. Allí aparece la enfermera de alma, el docente de alma, el político de alma, esos que han decidido a fondo ser con los demás y para los demás. Pero si uno separa la tarea por una parte y la propia privacidad por otra, todo se vuelve gris y estará permanentemente buscando reconocimientos o defendiendo sus propias necesidades. Dejará de ser pueblo” (EG n° 273).
La segunda lectura nos presenta la caridad como el alma de la vida cristiana; como lo más perfecto y lo más esencial. Una caridad que es apertura al otro para procurar su bien, para asistirlo en sus necesidades concretas. Pues bien, creo que todo esto podemos resumirlo con la expresión "caridad pastoral", que es el amor que se transforma en el alma de la misión, de la entrega a los demás. «Si quieres amar a Cristo, extiende tu caridad a toda la tierra, porque los miembros de Cristo se encuentran en todo el mundo», nos recuerda san Agustín (Comentario a la primera carta de san Juan, X, 5). Por esto, todo sacerdote, todo cristiano, si está animado por el Espíritu Santo debe tener espíritu misionero, es decir, espíritu verdaderamente «católico»; debe «recomenzar desde Cristo» para dirigirse a todos, recordando lo que afirmó nuestro Salvador, que Dios «quiere que todos los hombres se salven y lleguen al conocimiento de la verdad» (1 Tm 2,4-6). Justamente sobre la estrecha vinculación entre la verdad y el amor en la vida y misión de Jesús decía hermosamente el Papa Benedicto XVI en el Ángelus del 3 de febrero de 2013: “El verdadero profeta no obedece a nadie más que a Dios y se pone al servicio de la verdad, listo a responder personalmente. Es verdad que Jesús es el profeta del amor, pero también el amor tiene su verdad. Es más, amor y verdad son dos nombres de la misma realidad, dos nombres de Dios”.
El evangelio, por su parte, nos descubre el horizonte misionero de Jesús como evangelizador ungido por el Espíritu. Y el mismo Espíritu Santo nos empuja a la misión, la cual se convierte en un criterio de discernimiento para nuestra "espiritualidad" (EG n° 262).
Por tanto, como y con Jesús somos llamados a vivir nuestra vida como una misión, movidos por el Espíritu Santo, que nos lleva a amar a todos los hombres, en especial a los que se encuentran en las periferias existenciales o geográficas; a los más alejados, a los que sufren, a los que menos se sienten amados (cf. EG 198-201).
Y uniendo los dos temas, esta misión – a pesar de brotar del amor y ser expresión del amor misericordioso del Padre – va a provocar rechazo por parte de aquellos que no quieren salir de la estrechez egoísta de sus corazones, aunque sea formalmente muy religiosos.
PARA LA ORACIÓN (RESONANCIAS DEL EVANGELIO EN UNA ORANTE):
Verdad Viva
Señor Jesús
Que quisiste regalarle a tu pueblo
Las primicias de tu Gracia
El sabor de tus misterios
Mira nuestras miserias
El orgullo que nos enceguece
Y nos hace valorar lo pasajero
Amor efímero y ligero
Infiel y enfermo
Con él llegamos a ti, a manos llenas
Ten compasión de nuestra ingratitud
Y danos de tu Sabiduría Eterna
Para reconocerte en nuestros días
Queremos responder a tu llamado,
Generosos correr a tu lado
Sabernos amados y esperados
Te piedad e intercede por nosotros
Rescátanos de las fuerzas de este mundo
Nos sentimos atrapados
Solo tu Libertad nos libera
Nos señala el rumbo que el Padre ha marcado
Te rogamos envíanos Señor, tu Espíritu Santo. Amén.
[1] F. Bovon, El Evangelio según San Lucas. Vol. I (Sígueme; Salamanca 1993) 305.
[2] Evangelio según san Lucas (BAC; Madrid 2014) 86.
[3] Jesús habla a su pueblo 7. Ciclo C. Domingos durante el año (CEA; Buenos Aires 2000) 25.
[4] El evangelio de Lucas. Vol. II (Cristiandad; Madrid 1986) 444.
[5] El Evangelio según San Lucas. Vol. I (Sígueme; Salamanca 1993) 307.