17/04/2025
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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO
1ªLeitura: Êxodo 12,1-8.11-14
Salmo Responsorial 115(116B) R- O cálice por nós abençoado é a nossa comunhão com o sangue do Senhor.
2ª Leitura: 1 Coríntios 11,23-26
Evangelho: João 13,1-15
1-Antes da festa da Páscoa. Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai; tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. 2Estavam tomando a ceia. O diabo já tinha posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, o propósito de entregar Jesus. 3Jesus, sabendo que o Pai tinha colocado tudo em suas mãos e que de Deus tinha saído e para Deus voltava, 4levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura. 5Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido. 6Chegou a vez de Simão Pedro. Pedro disse: 'Senhor, tu, me lavas os pés?' 7Respondeu Jesus: 'Agora, não entendes o que estou fazendo; mais tarde compreenderás.' 8Disse-lhe Pedro: 'Tu nunca me lavarás os pés!' Mas Jesus respondeu: 'Se eu não te lavar, não terás parte comigo'. 9Simão Pedro disse: 'Senhor, então lava não somente os meus pés, mas também as mãos e a cabeça.' 10Jesus respondeu: 'Quem já se banhou não precisa lavar senão os pés, porque já está todo limpo. Também vós estais limpos, mas não todos.' 11Jesus sabia quem o ia entregar; por isso disse: 'Nem todos estais limpos.' 12Depois de ter lavado os pés dos discípulos, Jesus vestiu o manto e sentou-se de novo. E disse aos discípulos: 'Compreendeis o que acabo de fazer?' 13Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou. 14Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. 15Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz. Palavra da Salvação.
Jo 13,1-15
O momento de maior seriedade de nossa existência é o momento da morte. Quem já teve a oportunidade (ou a graça) de acompanhar uma pessoa prestes a morrer sabe que diante da morte todos nós assumimos uma atitude de extrema seriedade. Todas as palavras, as promessas, as recomendações, os conselhos, os pedidos e os gestos se revestem da mais absoluta gravidade. Com a morte ninguém brinca: trata-se do momento em que toda nossa caminhada neste mundo se concentra; momento em que todos os gestos e palavras deixam de ser provisórios e reformáveis, tudo se torna definitivo. A iminência da morte torna nossas atitudes urgentes: se temos algo a dizer ou fazer devemos fazer logo, não nos resta muito tempo.
Hoje somos chamados a prestar atenção às últimas palavras de Jesus, a ouvir suas últimas confidências, a contemplar seus últimos gestos carregados da mais evidente seriedade. Jesus está prestes a entregar sua vida em sacrifício na cruz, mas, antes de partir deste mundo para o Pai, ele reúne os apóstolos e lhes transmite o seu testamento, cumpre com eles e diante deles o gesto mais estupendo de sua vida: lava-lhes os pés, parte o pão, passa o cálice revelando que eles são seu corpo dado e seu sangue derramado. Até mesmo uma pessoa que não tem fé reconheceria a gravidade desta hora e a importância destes últimos momentos.
Qual é o sentido desta última ceia? No evangelho de João encontramos uma pista. “Depois de ter amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”. Hoje Jesus atinge o extremo do amor, chegou até o fim (fim-finalidade) de uma vida inteiramente dedicada a amar. Por amor ele se fez servo, assumindo nossa condição humana na encarnação. Por amor ele pregou o evangelho aos pobres dizendo serem eles os prediletos de Deus. Por amor ele percorreu as estradas da Judéia, não teve lugar onde repousar a cabeça, foi perseguido. Por amor ele curou inúmeros doentes, até o ponto de não ter tempo sequer para comer. Por amor aos pecadores ele os perdoou, sentou-se à mesa com eles, entrou em suas casas. Jesus não viveu para si, viveu para os outros; não quis ser servido, foi o servidor de todos. Toda essa existência de serviço e de amor chega ao seu ápice na última ceia. Por isso ele lava os pés dos discípulos.
O lava-pés não foi um gesto vazio e isolado. Durante toda vida Jesus lavou os pés. Mas é na última ceia que ele se realiza de modo definitivo. Por isso Jesus pode ser chamado de Servo de Javé. Somente a ele cabe este nome: aquilo que ele fez durante a vida, ele o fez até o fim: amou até o fim.
Toda a vida de Jesus pode se definir como doação de si aos outros. Jesus não teve nada para si: nem sua sabedoria, nem sua força, nem seu tempo, tampouco sua vida. Sua vida foi consumida, foi gasta, foi dada aos outros. Ora, é na última ceia e na cruz que esta doação chega até o fim: consumiu a vida se doando aos outros até não sobrar mais nada, até chegar ao ponto do esvaziamento total, até derramar todo o seu sangue. Nada sobra, tudo é doado aos outros. Para realizar e significar esta doação até o extremo, Jesus parte o pão e passa o cálice: são seu corpo dado e seu sangue derramado, sua vida dada até o fim para nós. O que Jesus nos comunica no pão e no cálice é sua própria vida: a eucaristia é o meio mais genial do amor extremado de Jesus pelos seus que estão no mundo.
E ele não se contentou em se doar em parte ou durante certo tempo. Ele não coloca limites na doação. Ele quis se doar inteiramente, e, para tornar definitiva esta doação, instituiu este sacramento como memorial perpétuo de seu sacrifício na cruz. Assim a doação total de Jesus não se dá somente num momento limitado de nossa história, mas se universaliza e se eterniza com a instituição deste sacramento. Na Eucaristia, Jesus continua se doando todo inteiro em todos os lugares e em todos os tempos.
Peçamos hoje a graça de estar atentos ao amor que o Senhor nos oferece, de compreender que devemos voltar nossa atenção a Ele e não a nós mesmos. Aceitando o amor seremos purificados, santificados.
OLHAR O ESPELHO DA VIDA
Vamos refletir sobre o texto que descreve o último encontro de Jesus com seus amigos (5ª-feira Santa). Vamos fechar os olhos e imaginar que estamos na sala com Jesus, ao lado de Pedro. Durante a leitura, vamos prestar atenção no gesto de Jesus e na reação de Pedro.
SITUANDO
O Evangelho de João tem uma dinâmica que envolve os leitores e as leitoras. Na primeira parte do Evangelho, no Livro dos Sinais (1,19 a 11,54), vemos a revelação progressiva que Jesus fazia de si e do Pai. Pouco a pouco, a gente ficou sabendo quem é Jesus e qual a missão que recebeu do Pai. Paralelamente a esta revelação, apareciam a aceitação por parte do povo e a resistência por parte das autoridades religiosas. No fim, o balanço foi o seguinte. O grupo fiel dos discípulos e das discípulas, mesmo sem entender tudo, aceitou Jesus, acreditou nele e se comprometeu com ele.
Na segunda parte do Evangelho, no Livro da Glorificação, tem outra dinâmica. Começa assim (Jo 13 a 17), Jesus se reúne com o grupo fiel na última ceia. Em seguida (Jo 18 e 19), o outro grupo toma as providências para executar o plano de matar Jesus. Na terceira parte (Jo 20 e 21), Jesus ressuscitado reencontra a comunidade e a envia em missão, a mesma que ele recebeu do Pai.
COMENTANDO
João 13,1 – A passagem, a páscoa de Jesus
Finalmente, chegou a Hora de Jesus fazer a passagem definitiva deste mundo para o Pai. Esta passagem através da morte e ressurreição é motivada pelo amor aos amigos: “Tendo amado os seus, amou-os até o fim!” É o êxodo, a páscoa de Jesus, que vai abrir a passagem para todos nós, de volta para o Pai.
João 13,2-5 – O lava-pés: dois contrastes
Chama a atenção a maneira contrastante como João apresenta a cena do lava-pés. Ele diz que Jesus e os discípulos se encontraram à mesa numa refeição. Para os judeus, a comunhão de mesa era um momento de muita intimidade, onde só participavam os maiores amigos. Mas aqui, Judas, que já tinha decidido entregá-lo, está presente e participa. O amor de Jesus é maior. Ele aceita Judas na mesa. Este é o primeiro contraste. Há outro, Jesus veio do Pai e volta para o Pai. Mesmo sendo de condição divina, ele assume a atitude de empregado e de escravo. Coloca um avental e começa a lavar os pés dos discípulos. Começa a realizar a profecia do Servo de Deus (Is 42,1-9). É a imagem de Deus servidor que contrasta com a imagem do Deus todo-poderoso.
João 13,6-11 – Reação de Pedro
Pedro reage. Não quer aceitar que Jesus lhe lave os pés. Jesus diz que, se Pedro não aceitar que lhe lave os pés, não vai poder ter parte com ele. O que significa isto? É que Pedro tinha dificuldade em aceitar Jesus como Messias Servo que sofre. Pedro queria um Messias Rei que fosse forte e dominador. Nos outros evangelhos, Pedro recebe a crítica de Jesus: “Vai embora, Satanás” (Mc 8,33). Ele tem que mudar de ideia e aceitar Jesus do jeito que Jesus é, e não um Jesus de acordo com o seu próprio gosto.
João 13, 12-15: Bem aventurança da prática
Depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus tira o avental, recoloca o manto, senta-se novamente na cabeceira da mesa e começa a comentar o gesto. Ele pergunta: “Vocês entenderam o que eu fiz?” Parece que não tinham entendido, começando por Pedro. E continua: “Se eu, sendo mestre e senhor, levei os pés de vocês, vocês também devem lavar os pés uns dos outros”. Em outras palavras, quem quer ser o maior deve ser o menor e o servidor de todos. Aqui, nesta prática humilde do servo está a raiz da verdadeira felicidade: “Se vocês compreenderem isto e o praticarem serão felizes!” Diz a Primeira Carta de João: “Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e em verdade” (1Jo 3,18).
ALARGANDO
A última ceia e o lava-pés no Evangelho de João
Mateus, Marcos e Lucas descrevem como Jesus instituiu a Eucaristia durante a última ceia. João não descreve a instituição a Eucaristia. Será que esqueceu ou achou que não era importante? É que João tem a sua maneira de descrever a Ceia Eucarística. Ela está no capítulo 6, onde fala da multiplicação dos pães para o povo (Jo 6,5-15). Está no longo discurso sobre o Pão da Vida (Jo 6,22-71). Está aqui no capítulo 13, onde insiste no serviço amoroso, simbolizado no lava-pés (Jo 13,1-17). Está no capítulo 19, onde descreve a morte de Jesus como cordeiro pascal (Jo 19,31-37).
A ceia narrada no Evangelho de João é bem diferente daquela narrada nos outros evangelhos. Aqui no Quarto Evangelho não se fala em comer o corpo e beber o sangue de Jesus num memorial até que ele venha (1Cor 11,23-26). No Evangelho de João, o pão e o vinho são substituídos pelo gesto de lavar os pés de seus discípulos e discípulas. Gesto de amor e de entrega que precede e conduz à sua glorificação. “Tendo amado os seus, Jesus amou-os até o fim” (Jo 13,1). Este mandamento de serviço e de amor é que purifica qualquer pessoa que queira seguir Jesus (Jo 15,3).
O gesto de lavar os pés não é feito antes da ceia, mas durante a ceia. Jesus não quer fazer um mero gesto de purificação ou de higiene. Durante a ceia ele se levanta, tira o manto, que é um gesto de entrega e de serviço, e ele mesmo derrama a água na bacia para lavar os pés de seus discípulos. Quando chega diante de Pedro, este toma o gesto de Jesus como se fosse de fato um gesto ritual de purificação e não aceita que Jesus lhe lave os pés. Jesus corrige a interpretação de Pedro e dá o sentido verdadeiro. O gesto do lava-pés significa que a verdadeira purificação acontece na entrega e no serviço. Significa também que Jesus é o Messias-Servo, anunciado por Isaías. Por isso, se Pedro não aceitar tal gesto, não poderá estar em comunhão com Jesus. Para Jesus, os que aceitam sua mensagem, suas palavras e seus gestos, estão puros e prontos para o Reino. O que purifica a pessoa não é a observância da Lei, mas sim a prática das palavras de Jesus. Quem for capaz de amar como Jesus amou, receberá o Espírito que é serviço gratuito aos irmãos e irmãs. Este exemplo ele nos deixou. Mas na ceia nem todos estavam puros. O adversário se fazia presente em Judas. Mesmo assim, Jesus lava os pés de Judas antes que ele saia para cumprir sua missão. O amor vence o ódio.
“Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos” (Jo 13,5)
Jesus, durante sua vida pública, revelou uma grande liberdade ao transitar por diferentes mesas; mesas escandalosas que o faziam próximo dos pecadores, pobres e excluídos... Ele não só participou de muitas refeições, mas instituiu a grande Mesa da festa, da intimidade, da memória: a “mesa do Lava-pés e da Última Ceia”.
Ali, Ele “despojou-se do manto” (sinal de dignidade de “senhor”), pegou o avental (toalha, “ferramenta” do servo); “derramou água numa bacia...” (água derramada com extrema delicadeza, com atenção e amor); “...e começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha” (Jesus inclinou-se aos pés dos seus discípulos, até o chão, com reverência, cuidado, acolhida, sem fazer distinção de ninguém; lavou os pés de todos igualmente).
Jesus está no meio das pessoas como Aquele que serve. Ele é o Senhor que assume, em tudo, a condição de servo, para servir. Troca o manto pela toalha-avental: este parece ser o distintivo fundamental, divisor de águas para seus seguidores. Não há serviço sem se despir de todas as aparências de poder, de força, de prestígio.
No “lava-pés”, Jesus deixa transparecer um amor que escandaliza, porque rompe todos os cânones estabele-cidos. Um amor “subversivo”, porque subverte os critérios sociais e religiosos de seu tempo, desloca advérbios, adjetivos, nomes: acima-abaixo, dentro-fora, mais-menos, primeiros-últimos, poder-serviço, sá-bios-néscios, cegos-videntes, justos-pecadores, sãos-enfermos... Com sua atitude, Jesus subverte as crenças religiosas de seu tempo (centradas na lei) para reivindicar os atributos próprios de Deus em quem Ele acreditava; Ele deixa transparecer o rosto amoroso e cuidadoso do Pai.
Um amor inclusivo: não discrimina a ninguém, constitui uma comunidade de iguais, unindo em torno a si homens e mulheres, crianças e idosos...
Um amor universal e preferencial: todas as pessoas cabem em seu coração, mas de um modo especial as pessoas excluídas por qualquer razão: os pobres, os enfermos, os marginalizados, os considerados peca-dores, judeus e pagãos...
Um amor que se faz estremecimento das entranhas e que gera uma atitude de compaixão operativa.
Um amor que, como a água pura, se “derrama” e se expande no cuidado simples, despojado, acolhedor...
Para revelar seu extremo amor, Jesus toma em suas mãos o elemento da natureza mais universal: a água. Ele “derrama água numa bacia”: gesto simples, mas carregado de significados; é símbolo de vida derramada, doada, entregue. A água dá vida, regenera, purifica, é disponível a todos; não vive para si mesma, senão para quantos dela necessitam; adapta-se a todos os tempos, recipientes e lugares. Sabe estar em jarras de barro e em vasilhas de ouro. Sabe manchar-se para que os outros estejam limpos. Não faz distinção das criaturas: a todas molha, lava, põe frescor e beleza.
A água é canção, alegria, paisagem, espelho de sonhos e poesia. Ela transforma, regenera e põe vida em toda a Criação. Ela abre os povos à comunicação, à cultura e ao encontro. Ela está sempre disponível e aberta a todos os campos, terra, plantas, animais e pessoas que dela precisam.
Na cultura hebraica, a hospitalidade exige que se ofereça água fresca ao visitante, para que lavem seus pés, a fim de assegurar a paz de seu descanso.
A Campanha da Fraternidade deste ano vem nos lembrar que no princípio eram as águas; águas que criam e re-criam o universo. Elas tomam as mais diferentes formas. Na natureza, contornam todos os obstáculos, esculpem as pedras dos rios e o fundo dos mares; elas se manifestam tranquilas nos lagos, rebeldes nas cachoeiras, abençoadas nas chuvas, sempre em movimento. “A água nunca descobrirá o que ela é. Mas, precisamente por ser água, continuará a brotar, a cantar e a lavar a terra e a buscar o mar”.
Apesar de tomarem as mais variadas formas, nem perdem sua identidade, são sempre flexíveis, maleáveis, por vezes teimosas a percorrerem seus caminhos ao encontro do mar.
Águas, dádivas divinas. Águas que matam nossa sede e nos curam; águas que nos purificam e refrescam; águas que nos descansam e nos reanimam. Águas que envolvem e acolhem a todos sem distinção; águas sem preconceitos; águas que não se recusam em umedecer territórios ressequidos, nem se espalhar em lugares sujos.
Deus cria a partir das águas. Só podemos ser co-criadores a partir das águas. Quem não cuida, não respeita e não tem uma relação de veneração e de encantamento para com as águas, não pode ser criativo.
Urge recomeçar, re-criar a partir da água, antes que seja tarde demais. No princípio era a água, mas ela também poderá chegar ao fim. O clamor das águas contaminadas de nosso tempo chega aos céus.
Como profetizas, as águas consolam os cansados, saciam os sedentos, lavam os suados pelo trabalho, revigoram as forças dos desanimados, mas também as águas clamam por respeito e por justiça.
Os rios fervem o sangue de indignação contra cidades desgovernadas, empresas e pessoas poluidoras que tratam o “sangue da terra” como se fosse receptor de resíduos tóxicos. Ai de quem mata as nascentes, asfixia os mananciais e envenena os rios!
A trajetória do Povo de Deus foi marcada pela experiência com a água. Ela está relacionada com os principais eventos fundantes do povo da Bíblia: na criação, no dilúvio, na saída do Egito, na entrada da Terra Prometida, etc... Qualquer projeto bíblico só se sustenta perto de fontes de água, de rios ou cisternas.
Segundo o relato bíblico de Gen. 2,1-10.15, a terra é vocacionada para ser um jardim de Deus e o ser humano, um jardineiro. As águas foram feitas para irrigar o jardim da vida.
Para os povos de regiões áridas, a primeira obra de Deus foi viabilizar a chuva sobre a terra e irrigar uma região quase desértica.
A Bíblia testemunha um mistério em torno dos poços de água. “Todo deserto contém um poço escondido” (Saint-Exupèry). Em uma região árida, cada fonte, cada olho d´água, cada poço é quase um milagre. Toda fonte é sinal forte da benção divina, um presente de seu amor.
As fontes fazem parte da promessa de Deus para o seu povo (Deut. 8,7-8).
E a Água se fez “carne” e habitou em todas as criaturas do universo. Não somos apenas filhos e filhas da água. Somos mais: somos água que sente, que canta, que pensa, que ama, que deseja, que cria... Estamos vinculados à Criação toda através da água.
Devemos nos espelhar na gestualidade de Jesus que derrama água para lavar os pés de seus discípulos.
O desafio de viver uma “ecologia integral” convoca todas as tradições humanistas e religiosas a salvarem o planeta Terra. Se a água nos trouxe à vida, o dia que ela acaba não restará nenhum ser vivente. É através da água que é possível estabelecer uma profunda unidade entre todos os seres vivos e não vivos.
Pertencemos todos à água e ela nos pertence; ela é o sangue que circula pelas veias da Criação inteira, possibilitando e recriando a vida; é ela que alimenta a interdependência entre os seres. Assim como os minerais combinam e intercambiam moléculas e cores, a água é a mediação através da qual os seres vivos compartilham suas vidas.
“Tal qual poça d´água deixemos o céu refletir em nós” (D. Helder)
Texto bíblico: Jo 13,1-15
Na oração: É preciso compreender que o gesto do “lava-pés” constitui um dos gestos mais expressivos da
missão e da identidade d’aqueles que seguem Jesus e exercem algum serviço em sua comunidade. Gesto que é revelação e ensinamento, amor e mandamento. É gesto-vida, gesto-horizonte, gesto-luz...
Na vivência do serviço evangélico, somos chamados a vestir o “avental de Jesus”: vestir o coração com o avental da simplicidade, da ternura acolhedora, da escuta comprometida, da presença atenciosa, do serviço gratuito...
Lava-pés não é teatro, mas modo habitual de proceder e de estar no mundo.
“Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, pois eu o sou.
Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis lavar os pés uns dos outros”
Com a liturgia de hoje, ingressamos no solene Tríduo pascal em que celebramos a Ceia do Senhor e a instituição da eucaristia na Quinta-feira santa; a Paixão e morte do Senhor, na Sexta-feira santa e sua Ressureição na Vigília pascal do Sábado santo.
Jesus diz que desejou ardentemente celebrar essa Páscoa com os seus discípulos (Lc 22, 15ss). Ademais, “sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo ao Pai e tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13, 1-13).
Sobre este último encontro pairava, entretanto, a dramática sombra da traição: “O diabo já tinha posto no coração de Judas o propósito de entregar Jesus” (13, 2).
Há ainda um paradoxo na escolha do evangelho de João para a noite em que se celebra a instituição da Eucaristia, pois João é o único dos quatro evangelistas que omite este relato durante a última ceia e o substitui por outro gesto, o do Lava-pés. Não o encontramos nos demais evangelhos e está assim descrito:
“Jesus, sabendo que o Pai tinha colocado tudo em suas mãos e que de Deus tinha saído e para Deus voltava, levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura. Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido” (13, 3-5).
Depois de dobrar a resistência de Pedro que lhe disse: “Nunca lavarás os meus pés” (13, 8), Jesus perguntou: “Compreendeis o que acabo de fazer? Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se seu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz” (13, 11-15).
Nos anos entre 90 e 100, quando foi escrito o evangelho de João, as comunidades enfrentavam em relação à ceia eucarística dois escândalos, que temos dificuldade de superar até hoje: disputa pelo poder e distanciamento entre o partir do pão eucarístico e o repartir do pão com os pobres e famintos.
Lucas é bem direto ao dizer que nesta ceia derradeira “surgiu entre eles uma disputa sobre quem deles seria mais importante” e que mereceu de Jesus esta reação:
“Os reis dos pagãos dominam sobre elas e os que tem poder sobre elas são chamados de benfeitores. Mas entre vós não deve ser assim. Pelo contrário, o maior entre vós, seja como o mais jovem e quem governa seja como quem está servindo” (Lc 22, 25-26).
Em João, Jesus se levanta e faz o humilde serviço de lavar os pés dos discípulos. Será que não continua havendo em nossas comunidades disputas sobre quem vai mandar? Não há pessoas, incluindo ministros e ministras, catequistas, padres e diáconos, que querem só mandar, mas não se dispõem a servir? Não há autoritarismo, mandonismo e clericalismo?
Em relação ao pão repartido, João tira o relato eucarístico da última ceia e o desloca para o momento da multiplicação dos pães para a multidão que estava com fome e iria desfalecer no caminho, pois estavam há três dias acompanhando Jesus (Jo 6, 1-15).
Os discípulos dizem a Jesus: “Despede-os para que procurem nas aldeias vizinhas onde encontrar pouso e pão para saciar sua fome. Jesus retruca: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6, 36-37). O discurso eucarístico de Jesus, vem imediatamente na sequência do pão repartido para a multidão, para dizer: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim nunca mais terá fome e quem acredita em mim, nunca mais terá sede”. (Jo 6, 35-59).
Não assistimos ainda hoje pessoas que querem que a missa nada tenha a ver com as injustiças, desigualdades, fome, discriminação, falta de trabalho, de moradia, de saúde, com nossa responsabilidade de seguidores de Cristo, no campo social, ambiental, político, econômico?
Não nos tornamos indiferentes ao sofrimento das pessoas? Não passamos de lado da Campanha da Fraternidade que nos convoca a cuidar da Casa comum?
Que nos deixemos converter ao ensinamento e à prática de Jesus, fortalecidos pela sua Palavra e pela partilha do Pão eucarístico na Igreja e na nossa vida quotidiana.
1. Um olhar histórico
“Na alegria do desejo espiritual, esperem a Santa Páscoa!” – com estas palavras, São Bento expressa o espírito com que a Igreja nos convida a viver a Quaresma: tempo de graça, consolo e preparação para a Páscoa, que é o centro de todo o ciclo litúrgico cristão.
Nos primeiros séculos, a celebração pascal era vivida como uma unidade: morte e ressurreição de Cristo eram o núcleo da fé e da vida cristã. Tudo girava em torno do evento de Cristo crucificado, sepultado e ressuscitado – como destacou Santo Agostinho.
A partir do século IV, influenciada pela liturgia de Jerusalém, a Igreja passou a destacar separadamente os momentos da paixão, morte e ressurreição. Nasceu assim a Semana Santa, com a Quinta-feira Santa marcando a instituição da Eucaristia. A Vigília Pascal, por sua vez, tornou-se a grande celebração batismal, especialmente após o crescimento do Cristianismo com o imperador Constantino. Nesse contexto, a Quaresma ganhou forma como tempo de preparação para o batismo e reconciliação.
No Brasil, a religiosidade popular tem raízes no catolicismo ibérico, marcado por forte influência da Idade Média. Com a colonização, esse modelo foi se impondo às culturas indígenas. A cristologia herdada da Península Ibérica acentuou a divindade de Jesus, em reação à heresia ariana, e acabou por ofuscar sua humanidade. Perdeu-se a imagem de Jesus como irmão e companheiro dos pobres e sofredores, gerando um distanciamento entre Deus e o povo.
Esse contexto contribuiu para a busca de mediações por meio dos santos, sobretudo Maria, e ainda hoje ajuda a explicar o descompasso que por vezes percebemos entre a liturgia oficial, a religiosidade popular e a proposta da Campanha da Fraternidade.
2. Elementos teológicos do Tríduo Pascal
Com a Quarta-feira de Cinzas iniciamos a Quaresma e a Campanha da Fraternidade. É um tempo de retiro espiritual, de 40 dias, em que nos abrimos à ação de Deus, preparando-nos para a Páscoa da Ressurreição.
As cinzas, sinal de nossa fragilidade e finitude, lembram que sem Deus tudo se apaga. Ao recebê-las, somos convidados à conversão e à esperança: das cinzas brota vida nova. A cruz traçada em nossa fronte nos inscreve no caminho da fé e da transformação pelo Espírito Santo.
Historicamente, a imposição das cinzas começou no fim do século V, inicialmente apenas para os penitentes. Mais tarde, estendeu-se a todos os fiéis, tornando-se um forte marco de início da Quaresma, como nos orienta a CNBB: mais do que um rito, deve ser uma verdadeira entrada no caminho da penitência e da renovação.
A Quaresma se encerra na Quinta-feira Santa pela manhã. A partir daí, inicia-se o Tríduo Pascal: celebração contínua da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Não se pode separar a cruz da ressurreição – o Cristo ressuscitado é o mesmo crucificado, como mostram os Evangelhos. Celebrar a Páscoa é celebrar esse mistério uno.
Como expressou Santo Agostinho, a Quaresma representa o tempo presente de provação e esperança; o tempo pascal, a antecipação da alegria futura. Da cruz até Pentecostes, celebramos a libertação: primeiro, o que fomos libertos; depois, para que somos libertos – para sermos também libertadores com Cristo.
3. Espiritualidade Quaresmal: um caminho de conversão com alegria
Muitas vezes, a Quaresma é vista como um tempo triste e pesado, marcado por sacrifícios e superstições. No entanto, sua espiritualidade é profundamente pascal: é um tempo de penitência, sim, mas que deve ser vivido com alegria interior, como Jesus ensinou: “Quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto...” (Mt 6,17). A penitência deve nos aproximar do Cristo ressuscitado e renovar a nossa vida.
A Quaresma é tempo de preparação – assim como escolas de samba se preparam com afinco para o carnaval, as comunidades cristãs devem se preparar intensamente para a grande festa da Páscoa. Esse preparo se dá por meio da escuta da Palavra, da conversão do coração (metanoia) e de uma vivência comunitária da fé.
A conversão quaresmal não é apenas individual. É também comunitária e social: reconhece o pecado que fere o outro, marginaliza e causa injustiça. Por isso, o jejum, a oração e a caridade devem caminhar juntos.
O jejum vai além da privação de alimentos. É convite a um estilo de vida mais simples, consciente e solidário. Podemos jejuar de excessos, do consumismo, da fofoca, da distração, e buscar uma vida mais centrada em Deus e no próximo.
O Pe. Geraldo Leite propunha jejuns criativos e práticos para cada semana da Quaresma:
Jejum da língua: evitar fofocas e palavras negativas;
Jejum dos passos: evitar lugares que não alimentam a fé;
Jejum dos olhos: menos TV, mais participação na comunidade;
Jejum do gosto: abster-se de alimentos preferidos, por solidariedade;
Jejum do coração: desapegar-se do que nos impede de seguir Jesus.
Na oração, somos chamados a aprofundar o encontro com Deus: rezar mais, mas também melhor – com o coração aberto, escutando, acolhendo o perdão e a ternura do Pai.
A espiritualidade quaresmal é, portanto, um caminho alegre e libertador de renovação pessoal e comunitária, que nos prepara para viver plenamente o mistério da Páscoa.
Jesus celebra a Páscoa
Com seus discípulos
Não há cordeiro
Há lava pés, serviço
E institui o sacerdócio
E a Eucaristia.
No “lava pés”
A Igreja renova
O compromisso
De ser servidora
Da humanidade
Igreja em saída.
Na Eucaristia
Jesus concretiza
Seu desejo de estar
Presente entre nós
Em forma de pão
Que ama e alimenta.
Em cada Eucaristia
A Igreja renova
Seu compromisso
De unidade e comunhão
Participação e missão
A serviço da vida.
Jesus é provocador
Chama para frente
Para desinstalar
Para motivar as pessoas
A verem às coisas
Numa perspectiva diferente.
Ele revela-nos
Um rosto
Novo de Deus
Cuidadoso e compassivo
Identificado com os últimos
Aquele que serve.
“Eu estou
Entre vós
Como aquele
Que serve”
Que acolhe
Que liberta.
“E o exemplo
Que eu vos dei
O que eu fiz por vós
Fazei-o também vós”
A autoridade vem do servir
Não da dominação.
“Lavar os pés”
É devolver a capacidade
De sentir-se enraizado
É recoloca-lo de pé
É ativar a autonomia
Para dar sentido a vida.
Jesus lava os pés
De seus discípulos
Para fazê-los entender
O quanto as ambições
Do poder e do prestígio
Os distanciava do seu amor.
Em cada Eucaristia
Jesus levanta da mesa
Para lavar os pés
De seus discípulos
A começar pelos mais angustiados
Tristes e sofridos.
Deus não está
Num trono glorioso
Mas humildemente
Ajoelhado a nossos pés
Servindo-nos e amando-nos
Ate o extremo.
+ Fontinele
(Traduzido pelo tradutor google, sem a nossa correção. Veja o original logo após a tradução)
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QUINTA-FEIRA SANTA. MISSA DA CEIA DO SENHOR
Primeira leitura (Ex 12,1-8.11-14)
Este texto faz parte de um longo discurso de Deus a Moisés e Aarão que contém instruções sobre os ritos litúrgicos relativos ao cordeiro pascal (12,1-13) e aos pães ázimos (12,15-20). Nestas instruções litúrgicas encontramos vários elementos que nos remetem ao tempo do exílio ou posterior. Enquanto o antigo calendário hebraico dava o início do ano no outono, aqui se refere à primavera, ao mês de Nisan, de acordo com o calendário pós-exílico de origem babilônica. Fala-se da “comunidade de Israel” e da “casa do pai ou da família”, que reflectem antes uma típica organização pós-exílica. Além disso, há semelhanças com Esdras 6:19-22 onde o substantivo aparece diversas vezes. Páscoa (Páscoa) com sentido de festa como em Ex 12,11.-
Em relação à festa da Páscoa, determina-se a obtenção de um animal por família; e se a família for muito pequena, deve unir-se à do vizinho. E você come em pé, pronto para sair, pois é o última cena dos israelitas no Egito a caminho da Terra Prometida.
Segunda leitura (1 Cor 11, 23-26)
Na subseção de 1Cor 11, 17-34 o argumento tem três partes ou momentos: nos versículos 17 a 22 é descrita a situação comunitária negativa; em 23-26 refere-se à origem e significado da Ceia do Senhor; e nos capítulos 27-34 são dadas instruções práticas para superar a situação.
A liturgia nos traz apenas a referência à origem e ao significado da Ceia do Senhor. Paulo começa dizendo que vai transmitir o que primeiro recebido. Eu recebi (pare, labon) e transmitido (um casal, dois) são termos técnicos, tanto no rabinismo como na Igreja apostólica, para comunicar uma tradição sagrada (Cf. 1Cor 15,3 onde são usados os mesmos termos). A referência ao Senhor indica que esta tradição remonta ao próprio Jesus1. Reforçando isso está a referência clara da narrativa que acompanha o acontecimento histórico na medida em que dá o nome do protagonista (“o Senhor Jesus") e uma indicação cronológica ("na noite em que seria entregue").
A referência ao “nova aliança"refere-se a Jer 31,31-34. Quanto à expressão completa que qualifica o cálice"a nova aliança em meu sangue“Evoca claramente o rito da aliança que foi selada com o derramamento de sangue”.Isto significa que, através das palavras acima mencionadas, a morte de Cristo é apresentada como uma instituição da Nova Aliança; Mas, além de descobrirem esse valor, tais palavras revelam que, tal como no caso das palavras pronunciadas sobre o pão, através delas se torna presente o acontecimento salvífico considerado como a instituição da Nova Aliança; isto é, a morte de Cristo na cruz se torna presente"2.
Esta opinião é reforçada pelo significado do memorial e pela expressão final de 11:26. O mandato "faça isso em memória de mim (e vmh.n a vna ,mnhsin)” nos remete à ordem de repetir a Páscoa de Êx 12,26, mas com a notável diferença de que o que se lembra é a pessoa e não apenas a obra salvadora3. Quer dizer, O Senhor Jesus deveria ser o anfitrião da refeição e está realmente presente na celebração de sua obra redentora. Esta presença de Jesus só é possível em virtude da ressurreição, que então aparece em Paulo como intrinsecamente ligada à Eucaristia, como também em Lucas (cf. Lc 24,30-35). O v. 26 não faz parte da tradição recebida por Paulo. Pelo contrário, é uma recapitulação do Apóstolo sobre o significado global do rito. Aqui vale destacar como as três dimensões temporais se conjugam: a referência à morte de Jesus (passado); a repetição da celebração (presente); e a expectativa da parusia de Jesus (futuro).
Evangelho (Jo 13,1-15)
O versículo 13:1 é a introdução à narrativa do lava-pés, mas também a toda a segunda parte do evangelho de João, que é a história da paixão, morte e ressurreição de Jesus. É uma introdução solene, com forte carga teológica, pois se faz referência à Páscoa de Jesus como sua passagem ao Pai, que ele chama de sua “hora” e que é o momento do extremo amor de Jesus pelo seu povo.
Começa com uma referência à Páscoa, principal festa dos judeus, que em Êx 12,27 é descrita da seguinte forma: “Este é o sacrifício pascal do Senhor, que passou pelas casas dos israelitas no Egito quando castigou os egípcios e salvou as nossas famílias.“Desta forma, os acontecimentos a serem narrados estão ligados à história da salvação de Israel. Como bem observa F. Moloney4: “Os dois “tempos” que percorrem a narrativa, as festas dos “judeus” (2,13,23; 4,45; 5,1,9; 6,4; 7,2; 10,22; 11,55-57; 12,1) e a “hora” de Jesus, são determinados pelo plano de Deus (2,4; 4,21,23; 7,30; 8,20; 12,23,27). Agora os dois estão unidos, pois se celebra uma festa dos “judeus”, que é também a hora de Jesus (13, 1a)”.
Depois o evangelista declara o conhecimento ou consciência de Jesus da hora ou momento decisivo da sua paixão ou passagem ao Pai, que é o cumprimento da sua missão. Isto faz de Jesus o protagonista ativo daquilo que vai acontecer; isto é, "Ele não está sujeito aos factos, mas antes os domina e sai ao seu encontro, oferecendo-se espontaneamente (cf. 10,17-18).”5.
A referência ao amor pelos seus entes queridos, pelos seus discípulos, é muito importante porque nos revela a motivação que levou Jesus a renunciar à sua vida e a aceitar a sua morte. A morte na cruz é expressão do seu amor extremo, até o fim ou limite (εἰς τέλος); É o maior amor de quem dá a vida pelos amigos (cf. Jo 15, 13).
Em 13:2 já temos a devida introdução à história, situando-nos na ceia pascal e apresentando, em claro contraste com a entrega de Jesus, a traição de Judas motivada pela ação do Diabo. Por sua vez, 13,3 insiste mais uma vez na consciência e na liberdade de Jesus, que sabe que o Pai deixou tudo em suas mãos e que “ele veio de Deus e estava voltando para Deus". Em 13:4-5 a ação de lavar os pés nos é descrita com 8 verbos: rosa da mesa, saco o manto e tirando uma toalha ligado até a cintura. Então jogou água em um recipiente e iniciado um lavar os pés dos discípulos e seque-os com a toalha que ele tinha na cintura.”
Lavar os pés era um gesto de acolhimento e hospitalidade que devia ser feito assim que se chegasse à casa do anfitrião, antes de comer; e servos ou escravos pagãos fizeram isso. Jesus rompe com esta antiga tradição porque realiza esta ação “fora do tempo” e porque, sendo aquele que preside o jantar, o mestre, ocupa o lugar do “servo”. Isto justifica em grande parte a surpresa e a reação de Pedro e dos discípulos.
Além da surpresa, os estudiosos veem por trás da recusa de Pedro em ter os pés lavados por Jesus um paralelo com a rejeição do Messias sofredor que os sinópticos nos apresentam em Mc 8:31-38 e paralelos. Ou seja, Pedro não aceita o Messias humilde e servo que se manifesta neste gesto de lavar os pés; talvez porque ele saiba bem o que será esse mesmo caminho, o do serviço humilde, que deverá assumir para seguir e imitar o seu Mestre.
A resposta de Jesus é exaustiva: “Se eu não te lavar, você não tem parte comigo" (Jo 13,8). O "ter parte" (você tem um lugar) refere-se ao Antigo Testamento que usa esta expressão para se referir à herança que Deus concede ao seu povo (cf. Gn 31,14; Dt 10,9; 14,27-29; 18,1-2). Aqui se referiria a compartilhar o mesmo destino de Jesus, que é sua morte e ressurreição. Como comenta G. Zevini6: “Para o quarto evangelista trata-se da vida de unidade e de amor que o crente está destinado a viver com o Pai e com Jesus. Neste ponto Pedro deve escolher entre o seu próprio projeto e o de Jesus, entre perder o Mestre ou aceitar o escândalo da cruz.”.
A resposta de Pedro é de total aceitação da vontade de Jesus, não deixando dúvidas: “Senhor não só os pés, mas também as mãos e a cabeça" (Jo 13,9).
Nas palavras finais de Jesus (13,10-15) podemos distinguir duas partes. A primeira (10-11) é um tanto misteriosa: Jesus diz aos seus discípulos que eles não precisavam se lavar porque já estavam limpos, ou melhor, puros (líquido). Se levarmos em conta o que Jesus dirá mais tarde em 15:3 (“Você já está limpo - líquido - pela palavra que lhes anunciei. Refere-se à pureza interior que resulta da aceitação da Palavra do Senhor com fé.
Na segunda parte (12-15) Jesus explica claramente o significado do gesto que acaba de realizar. Reafirmando que ele é Mestre e Senhor (o professor e o mestre), lavou-lhes os pés para lhes dar o exemplo (modelo) que eles devem imitar. Isto é, seguindo o estilo adequado de argumento rabínico, ele lhes mostrou com aquele gesto que se Ele, sendo Mestre e Senhor, lavou seus pés, quanto mais Eles devem lavar os pés uns dos outros. Mas não esqueçamos que se trata de uma linguagem simbólica cujo ensinamento ético vai muito além do gesto concreto porque o mandamento é real, mas refere-se a uma atitude de serviço humilde que transcende este mero gesto simbólico.7. Santo Agostinho entendeu bem isso ao explicar o que fez em seu tempo: “o que não se faz com as mãos (ou seja, lavar os pés), se faz com o coração”.
Algumas reflexões
Vamos destacar um elemento comum às três leituras de hoje: É o jantar ou refeição de Páscoa em “ambiente familiar” e em “ambiente de despedida”.. O primeira leitura dá as instruções para o jantar da Páscoa judaica em família. O epístola e o evangelho Contam-nos parte da última ceia de Jesus com os seus discípulos, também refeição pascal. A este respeito, J. Jeremias nos diz8que, por falta de espaço dada a enxurrada de peregrinos, desde o s. I AC Apenas a imolação do cordeiro acontecia na esplanada do Templo, enquanto a ceia pascal era celebrada nas casas das famílias. Sobre ele personagem familiar Joseph Ratzinger escreveu sobre esta festa9: “A Páscoa de Israel foi e é uma festa familiar. Não era celebrada no templo, mas em casa [...] Jesus também celebrou a Páscoa seguindo estas prescrições: em casa com a sua família, isto é, com os apóstolos, que se tornaram a sua nova família [...] A Igreja é a nova família e a nova cidade, que é para nós o que Jerusalém foi: aquela casa viva que evoca os poderes do caos e proporciona um espaço de paz que sustenta a criação e nos segura. A Igreja é a nova cidade como família de Jesus”.
O Diretório Homilético nº 40 atualiza este tema das leituras afirmando que “Somos tantas famílias que viemos para o mesmo lugar e procuramos um cordeiro”. Este preâmbulo convida-nos a celebrar esta Quinta-feira Santa (e porque não toda a Semana Santa) numa atmosfera familiar, sabendo que a partir daqui temos que recomeçar todos os anos.
Também a atmosfera desta Missa, como a da Última Ceia, é uma atmosfera de despedida. Jesus percebe a proximidade da sua paixão e da sua morte e, por isso, quer celebrar esta ceia pascal com os seus discípulos. Precisamente o evangelho de hoje, desde o início, nos coloca neste clima: “Jesus, sabendo que era chegado o tempo de passar deste mundo para o Pai, Ele, que amou os seus que ficaram no mundo, amou-os até ao fim." (Jo 13,1).
Como observa J. Ratzinger, há duas palavras fundamentais neste texto: o “passou"e o"amor". É hora de passou de Jesus deste mundo para o Pai, isto é, desde a sua morte. E também é o momento de amor de Jesus ao extremo. E "Os dois termos se explicam, são inseparáveis. O próprio amor é o processo de passagem, de transformação, de saída dos limites da condição humana destinada à morte, na qual estamos todos separados uns dos outros, numa alteridade que não podemos superar."10.
Que a Páscoa seja “passou"nos lembra que somos peregrinos da esperança Neste mundo, somos “passou"para esta vida, que o definitivo e completo não está aqui. Por sua vez, o amor É precisamente o que há de definitivo nesta vida, o que não passa, o que não se perde, o que dá sentido eterno à vida e nos faz transcender os seus limites. O amor de Deus ou a Caridade é o objeto da nossa Esperança: caminhamos rumo à plenitude do Amor em Deus. Ele amor O extremo de Jesus levou-o a entregar-se, a entregar-se totalmente e a não permanecer encerrado no seu pequeno grupo. Na verdade, depois da refeição em família, Jesus levantou-se e saiu para o Getsêmani para iniciar a sua paixão. O amor é a força que nos faz sair de nós mesmos em direção aos outros, nos torna peregrinos, sempre no caminho, na dedicação.
Peçamos ao Senhor para podermos experimentar este amor extremo por cada um de nós, seus discípulos hoje, e ancorarmos nossas vidas Nele como a única coisa que não passa e tem sabor de eternidade. E que este amor nos abra aos outros, nos leve a sair ao mundo para anunciá-lo.
Nesta atmosfera de despedida Jesus antecipa sacramentalmente a doação da sua vida na cruz e revela-nos o seu significado. Com efeito, ao instituir a Eucaristia, ele revela-nos que dá o seu corpo e derrama o seu sangue, ou seja, toda a sua vida, pelos homens, para estabelecer a Nova Aliança dos homens com o Pai.
Neste ano santo é bom lembrar que A Eucaristia é o pão dos peregrinos de Esperança porque o próprio Jesus apresentou a Última Ceia como uma refeição que antecipa o banquete celestial. No evangelho de Lucas, antes das palavras da instituição da Eucaristia, Jesus diz: “Desejei ardentemente comer convosco esta Páscoa antes da minha Paixão, porque vos garanto que não a comerei mais até que alcance a sua plena realização no Reino de Deus." (Lc 22,15-16). Na tradição de São Paulo, no final, Jesus diz: “E assim, sempre que comerdes este pão e beberdes este cálice, proclamareis a morte do Senhor até que ele volte"(1 Cor 11,26). Para realçar este significado escatológico da Eucaristia, a liturgia, depois da consagração, faz-nos exclamar: "Anunciamos a tua morte, proclamamos a tua ressurreição. Vem, Senhor Jesus!"E o oração depois da comunhão Tem sempre uma abertura para o celestial, por exemplo o desta Quinta-feira Santa diz assim: “Deus Todo-Poderoso, pedimos que, assim como somos alimentados nesta vida com a Ceia Pascal do teu Filho, também mereçamos ser satisfeitos no banquete eterno. Através de Jesus Cristo, nosso Senhor”.
Muitas orações antigas falam da Eucaristia como “vestimenta da vida após a morte”, lembrando que o termo “vestimenta” (juramento em latim) vem do campo jurídico e significa um bem móvel que é entregue a um credor como garantia do cumprimento de uma obrigação. Ou seja, Jesus deixou-nos a Eucaristia como garantia da sua vinda no fim dos tempos.
Agora, como diz o Catecismo da Igreja Católica: “A Eucaristia é também uma antecipação da glória celeste"(1402), no sentido de que já nela saboreamos antecipadamente a vida futura, a vida eterna. A este respeito, o Papa São João Paulo II disse: "Quem se alimenta de Cristo na Eucaristia não precisa esperar até a vida após a morte para receber a vida eterna: já a possui na terra, como primícias de uma plenitude futura que abraçará o homem na sua totalidade. Bem, na Eucaristia também recebemos o penhor da nossa ressurreição corporal no fim do mundo: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (João 6:54). Este penhor da futura ressurreição provém do facto de que a carne do Filho do Homem, dada como alimento, é o seu corpo no seu estado glorioso depois da ressurreição. Com a Eucaristia digerimos, por assim dizer, o “segredo” da ressurreição”(Igreja da Eucaristia, 18).
Além disso, neste atmosfera de despedida Jesus prepara, de certa forma, a sua sucessão, “o depois”, deixando o seu testamento aos apóstolos, à Igreja que ali nasce, pois Deixa-nos o mandamento-sacramento da Caridade com a sua expressão visível, que é o Serviço.. Com um gesto deixa-nos o seu exemplo de serviço, de doação aos outros para que possamos imitá-lo. "Com um ato simbólico, Jesus esclarece todo o seu serviço salvífico. Ele se despoja do seu esplendor divino, ajoelha-se, por assim dizer, diante de nós, lava e enxuga os nossos pés sujos para nos tornar dignos de participar do banquete nupcial de Deus." (J. Ratzinger). Na mesma linha, o Papa Francisco disse em sua homilia na Quinta-feira Santa de 2020: “O serviço. Aquele gesto que é condição para entrar no Reino dos Céus. Sirva, sim, a todos. Mas o Senhor, naquela troca de palavras que teve com Pedro (cf. Jn 13,6-9), fez-lhe compreender que para entrar no Reino dos Céus devemos deixar que o Senhor nos sirva, que o Servo de Deus seja nosso servo. E isso é difícil de entender. Se não deixo o Senhor ser meu servo, que o Senhor me lave, me faça crescer, me perdoe, não entrarei no Reino dos Céus.”.
Nesta Quinta-feira Santa deixemos que o Senhor lave os nossos pés e purifique os nossos corações. E a partir desta experiência abrimo-nos ao humilde serviço ao próximo como melhor expressão do amor de Jesus.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
Ele sozinho é
Rei dos reis, Senhor e Deus, Salvador
O dia esperado chegou
E ninguém viu
Você preparou uma mesa para a sua
Um por um foi lavado
Eles não saíram do seu espanto
O Primeiro tornou-se servo de todos
A cena foi gravada
Como exemplo e testemunho
depois de tanto tempo
Hoje cristãos...
Entendemos o gesto?
Repetimos o rito: o Memorial
Foi assim que foi escrito e exigido
Para ser outro sinal
Um modelo para imitar, bem…
Não estamos mais, é só Cristo
Deus fez o homem, o Filho. Amém
1 Los estudiosos están de acuerdo en el origen pre-paulino de esta perícopa y piensan que Pablo recibió esta tradición en su comunidad "madre" de Antioquía.
2J. M. Díaz Rodelas, Primera carta a los corintios, 202.
3J. Jeremías piensa que la memoria se dirige a Dios en cuanto se trata de que Él recuerde que la obra de redención está aún incompleta. Se basa en el uso de anamnesis en Num 10,10; Ex 30,16 y Sir 50,16. Esta postura no ha tenido demasiado eco, pero es posible que esta dimensión sea un aspecto del memorial.
4 El evangelio de Juan, Estella, Verbo Divino 2005; 516.
5 G. Zevini, Evangelio según san Juan (Sígueme; Salamanca 1995) 336.
6 Evangelio según san Juan (Sígueme; Salamanca 1995) 340.
7 Cf. J. Dupont, "Le Langage Symbolique des Directives Ethiques de Jésus" en Etudes sur les Evangiles Synoptiques I (Leuven 1985) 772-773.
8 Cf. La Última cena. Palabras de Jesús (Cristiandad; Madrid 1980) 43.
9 Miremos al Traspasado (Fundación San Juan; Rafaela 2007) 131-133.
10 J. Ratzinger, Jesús de Nazaret. Desde la Entrada en Jerusalén hasta la Resurrección, 70-71.
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JUEVES SANTO. MISA DE LA CENA DEL SEÑOR
Primera lectura (Ex 12,1-8.11-14)
Este texto forma parte de un largo discurso de Dios a Moisés y Aarón que contiene instrucciones acerca de los ritos litúrgicos sobre el cordero pascual (12,1-13) y los panes ázimos (12,15-20). En estas instrucciones litúrgicas encontramos varios elementos que nos remiten al tiempo del exilio o posterior. Mientras el antiguo calendario hebreo daba el comienzo del año en otoño, aquí se refiere a la primavera, al mes de Nisán, según el calendario post-exílico de origen babilonio. Se habla de la “comunidad de Israel” y de la “casa del padre o familia” que reflejan más bien una organización típica del post-exilio. Además, hay semejanzas con Esd 6,19-22 por allí aparece varias veces el sustantivo pésaj (pascua) con el sentido de fiesta como en Ex 12,11.-
En relación a la fiesta de Pascua, se manda conseguir un animal por familia; y si la familia es demasiado reducida debe unirse con la del vecino. Y se come de pie, prontos a salir, ya que es la última cena de los israelitas en Egipto camino a la Tierra Prometida.
Segunda lectura (1 Cor 11, 23-26)
En la subsección de 1Cor 11, 17-34 la argumentación tiene tres partes o momentos: en los versículos 17 a 22 se describe la situación comunitaria negativa; en 23-26 se remite al origen y significado de la cena del Señor; y en 27-34 se dan las indicaciones prácticas para superar la situación.
La liturgia nos trae sólo la referencia al origen y significado de la cena del Señor. Pablo comienza diciendo que va a transmitir lo que primero ha recibido. Recibí (pare,labon) y transmití (pare,dwka) son términos técnicos, tanto en el rabinismo como en la Iglesia apostólica, para comunicar una tradición sagrada (Cf. 1Cor 15,3 dónde usa los mismos términos). La referencia al Señor indica que esta tradición se remonta a Jesús mismo1. En refuerzo de esto está la clara referencia de la narración que sigue al acontecimiento histórico por cuanto da el nombre del protagonista ("el Señor Jesús") y una indicación cronológica ("la noche en que iba a ser entregado").
La referencia a la “nueva alianza” remite a Jer 31,31-34. En cuanto a la expresión completa que califica al cáliz "la nueva alianza en mi sangre" evoca claramente el rito de la alianza que se sellaba con el derramamiento de sangre. "Ello significa que, mediante las citadas palabras, la muerte de Cristo es presentada como institución de la Nueva Alianza; pero además de descubrir ese valor, tales palabras revelan que, lo mismo que en el caso de las palabras pronunciadas sobre el pan, a través de ellas se hace presente el acontecimiento salvífico considerado como institución de la Nueva Alianza; es decir, se hace presente la muerte de Cristo en la cruz"2.
Esta opinión se refuerza por el sentido del memorial y por la expresión final de 11,26. El mandato "haced esto en memoria mía (e vmh.n a vna ,mnhsin)" nos remite al mandato de repetir la pascua de Ex 12,26, pero con la notable diferencia de que lo que se recuerda es la persona y no sólo la obra salvífica3. Es decir, se supone que el Señor Jesús es el anfitrión de la cena y está realmente presente en la celebración de su obra redentora. Esta presencia de
1 Los estudiosos están de acuerdo en el origen pre-paulino de esta perícopa y piensan que Pablo recibió esta tradición en su comunidad "madre" de Antioquía.
2J. M. Díaz Rodelas, Primera carta a los corintios, 202.
3J. Jeremías piensa que la memoria se dirige a Dios en cuanto se trata de que Él recuerde que la obra de redención está aún incompleta. Se basa en el uso de anamnesis en Num 10,10; Ex 30,16 y Sir 50,16. Esta postura no ha tenido demasiado eco, pero es posible que esta dimensión sea un aspecto del memorial.
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Jesús sólo es posible en virtud de la resurrección, que aparece entonces en Pablo intrínsecamente vinculada a la Eucaristía, como lo está también en Lucas (cf. Lc 24,30-35). El v. 26 no forma parte de la tradición recibida por Pablo. Más bien es una recapitulación del Apóstol sobre el sentido global del rito. Aquí es de resaltar cómo se unen las tres dimensiones temporales: la referencia a la muerte de Jesús (pasado); la repetición de la celebración (presente); y la expectación de la parusía de Jesús (futuro).
Evangelio (Jn 13,1-15)
El versículo 13,1 es la introducción a la narración del lavatorio de los pies, pero también a toda la segunda parte del evangelio de Juan, que es el relato de la pasión, muerte y resurrección de Jesús. Se trata de una introducción solemne, con fuerte carga teológica, pues se hacen referencia a la Pascua de Jesús como su paso al Padre, a la que llama su “hora” y que es el momento del amor extremo de Jesús por los suyos.
Comienza con una referencia a la Pascua, fiesta principal de los judíos, que en Ex 12,27 se describe así: "Este es el sacrificio de la Pascua del Señor, que pasó de largo en Egipto por las casas de los israelitas cuando castigó a los egipcios y salvó a nuestras familias". De este modo, los acontecimientos a narrar se vinculan con la historia de la salvación de Israel. Como bien nota F. Moloney4: “Los dos «tiempos» que recorren la narración, las fiestas de «los judíos» (2,13.23; 4,45; 5,1.9; 6,4; 7,2; 10,22; 11,55-57; 12,1) y la «hora» de Jesús, están determinados por el designio de Dios (2,4; 4,21.23; 7,30; 8,20; 12,23.27). Ahora se unen los dos, pues se celebra una fiesta de «los judíos» que es también la hora de Jesús (13, 1a)”.
Luego el evangelista declara el conocimiento o conciencia de Jesús sobre la hora o momento decisivo de su pasión o paso al Padre, que es el cumplimiento de su misión. Esto hace de Jesús el protagonista activo de lo que va a suceder; es decir “no está sometido a los hechos, sino que los domina y sale a su encuentro, ofreciéndose espontáneamente (cf. 10,17-18)”5.
La referencia al amor a los suyos, a sus discípulos, es muy importante porque nos revela la motivación que lleva a Jesús a entregar su vida y a aceptar su muerte. La muerte en cruz es expresión de su amor extremo, hasta el fin o límite (εἰς τέλος); es el amor más grande de quien da la vida por sus amigos (cf. Jn15,13).
En 13,2 tenemos ya la introducción propia al relato, ubicándonos en la cena pascual y presentando, en claro contraste con la entrega de Jesús, la traición de Judas motivada por la acción del Diablo. Por su parte, 13,3 vuelve a insistir en la conciencia y libertad de Jesús, quien sabe que el Padre había dejado todo en sus manos y que “él había venido de Dios y volvía a Dios”. En 13,4-5 se nos describe con 8 verbos la acción del lavatorio de los pies: “se levantó de la mesa, se sacó el manto y tomando una toalla se la ató a la cintura. Luego echó agua en un recipiente y empezó a lavar los pies a los discípulos y a secárselos con la toalla que tenía en la cintura”.
El lavado de los pies era un gesto de acogida y hospitalidad que se debía hacer apenas se llegaba a la casa del anfitrión, antes de la comida; y lo hacían los sirvientes o los esclavos paganos. Jesús rompe con esta antigua tradición porque realiza esta acción “fuera de tiempo” y porque, siendo el que preside la cena, el maestro, ocupa el lugar del “sirviente”. Esto justifica en gran parte la sorpresa y la reacción de Pedro y de los discípulos.
Más allá de la sorpresa, los estudiosos ven detrás de esta negativa de Pedro a dejarse lavar los pies por Jesús un paralelo al rechazo del Mesías sufriente que nos presentan los sinópticos en Mc 8,31-38 y paralelos. Es decir, Pedro no acepta al Mesías humilde y servidor que se manifiesta en este gesto del lavatorio de los pies; tal vez porque sabe bien que será este
mismo camino, el del servicio humilde, el que tendrá que asumir para seguir e imitar a su Maestro.
4 El evangelio de Juan, Estella, Verbo Divino 2005; 516.
5 G. Zevini, Evangelio según san Juan (Sígueme; Salamanca 1995) 336.
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La respuesta de Jesús es taxativa: "Si no te lavo, no tienes parte conmigo" (Jn 13,8). El «tener parte» (ἔχεις μέρος) remite al Antiguo Testamento que utiliza esta expresión para referirse a la herencia que Dios concede a su pueblo (cf. Gn 31,14; Dt 10,9; 14,27-29; 18,1-2). Aquí se referiría a compartir la misma suerte de Jesús, que es su muerte y resurrección. Como bien comenta G. Zevini6: “para el cuarto evangelista se trata de la vida de unidad y de amor que el creyente está destinado a vivir con el Padre y con Jesús. En este punto Pedro tiene que escoger entre su propio proyecto y el de Jesús, entre perder al Maestro o aceptar el escándalo de la cruz”.
La respuesta de Pedro es de total aceptación a la voluntad de Jesús, sin dejar dudas: “Señor no sólo los pies, sino también las manos y la cabeza" (Jn 13,9).
En las palabras finales de Jesús (13,10-15) podemos distinguir dos partes. La primera (10-11) es algo misteriosa: Jesús les dice a sus discípulos que no tenían necesidad de lavarse porque ya estaban limpios, o mejor dicho, puros (καθαρὸς). Si tenemos en cuenta lo que dirá Jesús más adelante en 15,3 (“Ustedes ya están limpios - καθαρὸς - por la palabra que yo les anuncié”) haría referencia a la pureza interior fruto de la acogida en la fe de la Palabra del Señor.
En la segunda parte (12-15) Jesús hace una clara explicación del sentido que tiene el gesto que acaba de realizar. Reafirmando que es Maestro y Señor (ὁ διδάσκαλος, καί· ὁ κύριος), les ha lavado los pies para darles un ejemplo (ὑπόδειγμα) que ellos deberán imitar. Es decir, siguiendo el estilo propio de argumentación rabínica, les mostró con ese gesto que si Él, siendo Maestro y Señor, les ha lavado los pies, cuanto más entre ellos deberán lavarse los pies unos a otros. Pero no olvidemos que se trata de un lenguaje simbólico cuya enseñanza ética va mucho más allá del gesto concreto por cuanto el mandamiento es real, pero se refiere a una actitud de humilde servicio que trasciende este mero gesto simbólico7. Bien lo entendió san Agustín al explicar lo que él realizaba en su tiempo: “lo que no se hace con las manos (es decir: lavar los pies), se realiza con el corazón”.
Algunas reflexiones
Resaltemos un elemento común a las tres lecturas de hoy: se trata de la cena o comida pascual en un “clima familiar” y en un “clima de despedida”. La primera lectura da las indicaciones para la cena pascual judía en familia. La epístola y el evangelio nos narran parte de la última cena de Jesús con sus discípulos, cena pascual también. Al respecto, nos dice J. Jeremías8que, por falta de espacio dado el aluvión de peregrinos, desde el s. I a.C. sólo la inmolación del cordero se efectuaba en la explanada del Templo mientras que la comida pascual se celebraba en las casas de familia. Sobre el carácter familiar de esta fiesta escribía Joseph Ratzinger9: “La pascua de Israel era y es una fiesta de familia. No era celebrada en el templo, sino en el hogar […] También Jesús celebró la pascua siguiendo esas prescripciones: en casa con su familia, es decir, con los apóstoles, que se habían transformado en su nueva familia […] La Iglesia es la nueva familia y la ciudad nueva, que es para nosotros lo que era Jerusalén: ese hogar vivo que conjura los poderes del caos y da un espacio de paz que sostiene la creación y nos sostiene. La Iglesia es la ciudad nueva como familia de Jesús”.
El Directorio Homilético n° 40 actualiza este tema de las lecturas afirmando que “Nosotros somos tantas familias que hemos venido al mismo lugar y nos hemos procurado un cordero”. Este preámbulo nos invita a celebrar este jueves santo (y por qué no toda la semana santa) en un clima familiar, sabiendo que desde aquí hay que recomenzar cada año.
6 Evangelio según san Juan (Sígueme; Salamanca 1995) 340.
7 Cf. J. Dupont, "Le Langage Symbolique des Directives Ethiques de Jésus" en Etudes sur les Evangiles Synoptiques I (Leuven 1985) 772-773.
8 Cf. La Última cena. Palabras de Jesús (Cristiandad; Madrid 1980) 43.
9 Miremos al Traspasado (Fundación San Juan; Rafaela 2007) 131-133.
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También el clima de esta Misa, como el de la última cena, es un clima de despedida. Jesús percibe la cercanía de su pasión y su muerte y, por ello, quiere celebrar esta comida pascual con sus discípulos. Justamente el evangelio de hoy desde el comienzo nos pone en este clima: "sabiendo Jesús que había llegado la hora de pasar de este mundo al Padre, él, que había amado a los suyos que quedaban en el mundo, los amó hasta el fin" (Jn 13,1).
Como nota J. Ratzinger, hay dos palabras fundamentales en este texto: el "paso" y el "amor". Es la hora del paso de Jesús de este mundo al Padre, o sea de su muerte. Y es también la hora del amor de Jesús hasta el extremo. Y "los dos términos se explican recíprocamente, son inseparables. El amor mismo es el proceso del paso, de la transformación, del salir de los límites de la condición humana destinada a la muerte, en la cual todos estamos separados unos de otros, en una alteridad que no podemos sobrepasar"10.
Que la Pascua sea “paso” nos recuerda que somos peregrinos de esperanza en este mundo, que estamos de “paso” por esta vida, que lo definitivo y pleno no está aquí. Por su parte, el amor es justamente lo definitivo en esta vida, lo que no pasa, lo que no se pierde, lo que da sentido eterno a la vida y nos hace trascender sus límites. El amor de Dios o Caridad es el objeto de nuestra Esperanza: peregrinamos hacia la plenitud del Amor en Dios. El amor extremo de Jesús lo llevó a entregarse, a darse totalmente y no quedarse encerrado en su pequeño grupo. En efecto, Jesús después de la comida en familia se levantó y salió fuera hacia Getsemaní a comenzar su pasión. El amor es la fuerza que nos hace salir de nosotros mismos hacia los demás, nos hace peregrinos, siempre en camino, en entrega.
Pidamos al Señor poder experimentar este amor extremo por cada uno de nosotros, sus discípulos de hoy, y anclar nuestra vida en Él como lo único que no pasa y tiene sabor de eternidad. Y que este amor nos abra a los demás, nos mueva a salir al mundo a anunciarlo.
En este clima de despedida Jesús anticipa sacramentalmente la entrega de su vida en la cruz y nos revela el sentido de la misma. En efecto, al instituir la Eucaristía nos revela que entrega su cuerpo y derrama su sangre, o sea toda su vida, por los hombres, para establecer la Nueva Alianza de los hombres con el Padre.
En este año santo es bueno recordar que la Eucaristía es el pan de los peregrinos de Esperanza porque Jesús mismo presentó la última cena como una comida que anticipa el banquete celestial. En el evangelio de Lucas, antes de las palabras de la institución de la Eucaristía, Jesús dice: "He deseado ardientemente comer esta Pascua con ustedes antes de mi Pasión, porque les aseguro que ya no la comeré más hasta que llegue a su pleno cumplimiento en el Reino de Dios" (Lc 22,15-16). En la tradición de San Pablo al final Jesús dice: “Y así, siempre que coman este pan y beban esta copa, proclamarán la muerte del Señor hasta que él vuelva” (1 Cor 11,26). Para resaltar este sentido escatológico de la Eucaristía, la liturgia, terminada la consagración, nos hace exclamar: “Anunciamos tu muerte, proclamamos tu resurrección. ¡Ven, Señor Jesús!”. Y la oración después de la comunión tiene siempre una apertura a lo celestial, por ejemplo la de este jueves santo reza así: “Dios todopoderoso, te pedimos que, así como somos alimentados en esta vida con la Cena pascual de tu Hijo, también merezcamos ser saciados en el banquete eterno. Por Jesucristo, nuestro Señor”.
Muchas oraciones antiguas hablan de la Eucaristía como “prenda de la vida futura”, recordando que el término “prenda” (pignus en latín) viene del ámbito jurídico y significa un bien mueble que se entrega a un acreedor como garantía del cumplimiento de una obligación. Es decir, Jesús nos ha dejado la Eucaristía como garantía de su venida al final de los tiempos.
Ahora bien, como dice el Catecismo de la Iglesia Católica: “la Eucaristía es también una anticipación de la gloria celestial” (1402), en el sentido de que ya gustamos anticipadamente en ella la vida futura, la vida eterna. Al respecto decía el Papa San Juan Pablo II: “Quienes se alimentan de Cristo en la Eucaristía no necesitan esperar hasta el más allá para recibir la vida eterna: ya la poseen en la tierra, como primicias de una plenitud futura que abrazará al hombre en su totalidad. Pues en la Eucaristía
10 J. Ratzinger, Jesús de Nazaret. Desde la Entrada en Jerusalén hasta la Resurrección, 70-71.
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también recibimos la prenda de nuestra resurrección corporal al fin del mundo: «El que come mi carne y bebe mi sangre tiene vida eterna, y yo lo resucitaré en el último día» (Juan 6,54). Esta prenda de la resurrección futura proviene del hecho de que la carne del Hijo del Hombre, dada como alimento, es su cuerpo en su estado glorioso después de la resurrección. Con la Eucaristía digerimos, por así decirlo, el «secreto» de la resurrección” (Ecclesia de Eucharistia, 18).
Además, en este clima de despedida Jesús prepara, en cierto modo, su sucesión, “el después”, dejando su testamento a los apóstoles, a la Iglesia que está naciendo allí, pues nos deja el sacramento-mandamiento de la Caridad con su expresión visible que es el Servicio. Con un gesto nos deja su ejemplo de servicio, de entrega a los demás para que lo imitemos. "Con un acto simbólico, Jesús aclara el conjunto de su servicio salvífico. Se despoja de su esplendor divino, se arrodilla, por decirlo así, ante nosotros, lava y enjuga nuestros pies sucios para hacernos dignos de participar en el banquete nupcial de Dios" (J. Ratzinger). En la misma línea decía el Papa Francisco en su homilía del jueves santo de 2020:“El servicio. Ese gesto que es una condición para entrar en el Reino de los Cielos. Servir, sí, a todos. Pero el Señor, en aquel intercambio de palabras que tuvo con Pedro (cf. Jn 13,6-9), le hizo comprender que para entrar en el Reino de los Cielos debemos dejar que el Señor nos sirva, que el Siervo de Dios sea siervo de nosotros. Y esto es difícil de entender. Si no dejo que el Señor sea mi siervo, que el Señor me lave, me haga crecer, me perdone, no entraré en el Reino de los Cielos”.
Dejemos en este jueves santo que el Señor nos lave los pies y purifique nuestros corazones. Y desde esta experiencia abrirnos al servicio humilde de los demás como mejor expresión del amor de Jesús.
PARA LA ORACIÓN (RESONANCIAS DEL EVANGELIO EN UNA ORANTE):
Solo Él, es
Rey de reyes, Señor y Dios, Salvador
El día esperado ha llegado
Y ninguno lo vio
Preparaste una mesa para los tuyos
Uno por uno fue lavado
No salieron de su asombro
El Primero, se hizo servidor de todos
Quedó grabada la escena
Como ejemplo y testimonio
Después de tanto tiempo
Hoy los cristianos…
¿Entendimos el gesto?
Repetimos el rito: el Memorial
Así fue escrito y requerido
Para ser nosotros otro signo
Un modelo a imitar, pues …
Ya no somos, solo es Cristo
Dios hecho hombre, el Hijo. Amén