LINK AUXILIAR:
AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO
Primeira Leitura: Gênesis 14,18-20
Salmo Responsorial: 109(110)R- Tu és sacerdote para sempre segundo a ordem do rei Melquisedeque!
2ª. Leitura – 1 Coríntios 11,23-25
Evangelho: Lucas 9,11b-17
"11.Logo que a multidão o soube, o foi seguindo; Jesus recebeu-os e falava-lhes do Reino de Deus. Restabelecia também a saúde dos doentes. 12.Ora, o dia começava a declinar e os Doze foram dizer-lhe: “Despede as turbas, para que vão pelas aldeias e sítios da vizinhança e procurem alimento e hospedagem, porque aqui estamos num lugar deserto”. 13.Jesus replicou-lhes: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Retrucaram eles: “Não temos mais do que cinco pães e dois peixes, a menos que nós mesmos vamos e compremos mantimentos para todo este povo”. 14.(Pois eram quase cinco mil homens.) Jesus disse aos discípulos: “Mandai-os sentar, divididos em grupos de cinquenta”. 15.Assim o fizeram e todos se assentaram. 16.Então, Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, levantou os olhos ao céu, abençoou-os, partiu-os e deu-os a seus discípulos, para que os servissem ao povo. 17.E todos comeram e ficaram fartos. Do que sobrou recolheram ainda doze cestos de pedaços."
Hoje nós somos convidados a entrar na sala para estar com Jesus, para comer com Jesus, para fazer a ceia com ele. Pedimos ao Senhor que, pela sua Palavra, Ele nos explique este grande mistério da Eucaristia e da Igreja: o mistério dEle e nosso! Sim, se trata do mistério da presença de Jesus, presença sacrifical, presença que se dá a nós, e se trata do mistério que nós somos: somos a Igreja, somos a esposa, somos os discípulos missionários alimentados pelo próprio Jesus.
Jesus nos explica: ele fala do pão que se torna corpo. Paulo nos explica: a Igreja é o Corpo de Cristo! O pão é o próprio Jesus! Nós somos o próprio Jesus! Mistério da fé! Que relação existe entre o Pão consagrado e a Igreja Corpo de Cristo? Que relação há entre a presença real de Cristo no pão e vinhos consagrados e na Igreja reunida?
Santo Agostinho dá uma resposta: “é o vosso mistério que se celebra no altar do Senhor, uma vez que sois o corpo de Cristo e os seus membros; vós recebeis o vosso próprio mistério e respondeis “amém” àquilo que vós sois e, respondendo, vós aceitais vossa identidade. Sé membro do corpo de Cristo, de modo que teu “amém” possa ser verdadeiro (Serm. 272; OL 38,1246).
Sobre o altar se celebra o nosso mistério. O “amém” que pronunciamos na comunhão é um amém dito a Cristo, mas é também um amém dito à Igreja e aos irmãos.
Nós sabemos que sobre o altar o Cristo-cabeça está realmente presente. Jesus disse: Isto é o meu corpo dado por vós. Isto é o meu sangue derramado por vós. Não é mero sinal que aponta; é a realidade de Jesus. Dizemos amém a Jesus e não a um mero sinal. A sua pessoa damos o nosso sim e não a uma sua representação. Dizemos sim ao próprio Jesus e não a um sinal que recorda a sua pessoa.
Sobre o altar está presente o símbolo de nós mesmos, a Igreja. A Igreja está presente não realmente, mas de maneira mística. Mística no sentido de presença em virtude da íntima conexão com Cristo. A Igreja (ou seja, nós) está tão unida a Cristo como os membros à sua Cabeça. Por isso dizemos que somos membros de Cristo-cabeça que sobre o altar está realmente presente Cristo cabeça e misticamente está presente a Igreja. Sobre o altar está presente o corpo real de Cristo e o corpos místico de Cristo que é a Igreja. São dois corpos? É o mesmo Cristo, mas presente sob a forma real da eucaristia e sob a forma mística do seu corpo.
O Cristo que recebo na comunhão é o mesmo Cristo que se dá aos meus irmãos e irmãs; é o mesmo Cristo indiviso que se doa ao meu irmão que está ao meu lado. Assim a eucaristia nos une entre nós, porque é o único Cristo que vem a mim e aos outros. Por isso, estou unido aos meus irmãos formando com eles o Corpo místico de Cristo.
Sobre o altar está o mistério de Cristo e de nós mesmos. Dizemos “amém” ao mistério de Cristo e ao mistério de nós mesmos. “Amém” a Cristo presente na eucaristia e que recebo na comunhão. “Amém” ao Cristo Cabeça e membros, ao Corpo místico de Cristo que é a Igreja e que somos nós mesmos. “Amém” porque recebemos Cristo e a nós mesmos! “Amém” porque queremos ser o Corpo de Cristo nos amando e nos sacrificando pelos outros como fez Cristo. “Amém” a Cristo que nos amou até o ponto de sacrificar a própria vida. “Amém” a Cristo que se dá a nós totalmente. “Amém” ao Corpo místico de Cristo que no cotidiano morre para si para a vida dos outros. “Amém”, meu irmão e minha irmã, eucaristizado pela eucaristia que eucaristiza este mundo.
A Eucaristia é o sacramento da Aliança selada entre Deus e a humanidade. Em cada Eucaristia celebrada, renova-se esta aliança, tornando a comunidade eclesial fonte fecunda de vida divina que se transborda para a criação divina.
O amor esponsal vivenciado na Eucaristia é um amor que tem o seu ponto culminante na cruz, expressão das núpcias de Jesus com a humanidade, assumindo-a plenamente a partir de suas mais violentas derrotas, transformando-as e redimindo-as.
Ao exprimir a irreversibilidade do amor de Cristo pela humanidade, compreende-se que tanto na Eucaristia quanto na Igreja estão presentes aquela indissolubilidade a que todo amor verdadeiro é chamado a expressar.
Há, portanto, uma íntima ligação entre a vida de oração (lex orandi) e a vida de fé (lex credendi). A relação entre o mistério acreditado e o mistério celebrado manifesta-se, de modo peculiar, no valor teológico e litúrgico da adoração.
Ninguém pode comer dessa carne e beber desse sangue, sem antes os adorar. Adorar é o maior gesto de amor. Quem se ajoelha diante do Santíssimo, somente o poderá fazer para expressar seu infinito amor por Jesus, pois Ele mesmo nos advertiu de que não quer ser seguido e adorado, mas amado. Adorá-lo ou segui-lo sem amá-lo é cometer uma heresia, pois seria transformá-lo em um ídolo. Não se pode adorar a um ídolo, mas somente a Deus.
Não os chamo de servos e servas ou escravos e escravas, mas de amigos e amigas, pois tudo o que conheci do coração do meu Pai vos dei a conhecer. O servo não sabe o que pensa o seu senhor (cf João 14).
Portanto, a adoração é o prolongamento visível da celebração eucarística, a qual, em si mesma, é o maior ato de expressão de fé da Igreja. Alimentar-se da Eucaristia significa colocar-se em atitude de adoração diante d'Aquele que comungamos. Precisamente assim, e apenas assim, é que nos tornamos um só com Ele e, de algum modo, saboreamos antecipadamente a beleza da liturgia celeste, manifestando-lhe nosso amor.
O ato de adoração fora da celebração eucarística prolonga e intensifica o que se faz na própria celebração eucarística, portanto, é uma ação litúrgica e uma celebração do amor.
É por isso que na festa de Corpus Christi, as comunidades manifestam sua fé em Jesus Eucarístico, fazendo-se ornamento e embelezando praças e avenidas, como uma grande expressão de amor e de renovada esperança, reencantando a vida e atualizando as palavras de Jesus: Façam tudo em minha memória!
Não precisamos nos enganar. Não poderemos olhar para o outro lado. Em nosso redor mais ou menos próximo iremos encontrando famílias obrigadas a viver da caridade, pessoas ameaçadas de expulsão, vizinhos lutando pelo desemprego, doentes sem saber como resolver os seus problemas de saúde ou medicação.
Ninguém sabe muito bem como a sociedade irá reagir. Sem dúvida, irão crescer a impotência, a raiva e a desmoralização de muitos. É previsível que aumentem os conflitos e a delinquência. É fácil que cresçam o egoísmo e a obsessão pela própria segurança.
Também é possível que a solidariedade cresça, por outro lado. A crise pode-nos fazer mais humanos. Pode-nos ensinar a partilhar mais o que temos e o que necessitamos. Podem-se estreitar os laços e a mútua ajuda dentro das famílias. Pode crescer a nossa sensibilidade para com os mais necessitados. Seremos mais pobres, mas podemos ser mais humanos.
No meio da crise, também as nossas comunidades cristãs podem crescer em amor fraterno. É o momento de descobrir que não é possível seguir Jesus e colaborar no projeto humanizador do Pai sem trabalhar por uma sociedade mais justa e menos corrupta, mais solidária e menos egoísta, mais responsável e menos frívola e consumista.
É igualmente o momento de recuperar a força humanizadora que se encerra na eucaristia, quando é vivida como uma experiência de amor confessado e partilhado. O encontro dos cristãos, reunidos cada domingo em torno de Jesus, há de converter-se em lugar de consciencialização e de impulso de solidariedade prática.
A crise pode sacudir a nossa rotina e mediocridade. Não podemos comungar com Cristo na intimidade do nosso coração sem comungar com os irmãos que sofrem. Não podemos partilhar o pão eucarístico ignorando a fome de milhões de seres humanos privados de pão e de justiça. É uma piada darmos a paz uns aos outros esquecendo os que ficam excluídos socialmente.
A celebração da eucaristia vai nos ajudar a abrir os olhos para descobrir a quem temos de defender, apoiar e ajudar em momentos como estes. Há de nos despertar da “ilusão da inocência” que nos permite viver tranquilos, para nos movermos e lutar apenas quando vemos em perigo os nossos interesses. Viver cada domingo com fé pode nos fazer mais humanos e melhores seguidores de Jesus. Pode-nos ajudar a viver a crise com lucidez cristã sem perder a dignidade nem a esperança.
Na festa de Corpus Christi a liturgia nos apresenta o evangelho da multiplicação dos pães. O texto vem logo em seguida ao regresso dos Doze que foram em missão para anunciar a Palavra. Jesus acolhe as multidões, cura seus males e lhes ensina a Palavra. Sacia os corpos famintos dando-lhe o pão. Ao mesmo tempo Jesus torna-se também o pão da vida que alimenta a vida espiritual do Povo de Deus.
Jesus acolheu as multidões: a iniciativa exclusiva de Jesus que sente compaixão diante da situação do povo que veio ao seu encontro. Vendo as multidões, Jesus se comove não fica somente com boas e belas intenções e sentimentos. Só quem vê, pode se compadecer e então agir para solucionar o problema.
A tarde vinha chegando Lucas entrega aqui as mesmas palavras do relato de Emaús (Lc 24,13-35), onde os dois discípulos pedem: “Fica conosco”. Aqui também o longo do dia está chegando ao fim, só que os discípulos pedem para Jesus mandar embora multidão. Nos dois episódios, Jesus permanece responde abençoando e repartindo o pão.
Despede a multidão, para que vá procurar hospedagem e comida: Os discípulos possuem a mesma mentalidade do sistema: deixar que as multidões se danem: afastá-las, mandá-las para longe, com isso também se afasta o problema e Jesus pode ficar só com eles. Para os discípulos a fome do povo se resolve em comprar e vender. Para Jesus, será o dar e partilhar.
Estamos num lugar deserto: os discípulos não sabem onde buscar pão. No deserto só existe areia e pedras. Esquecem que é do meio deles que deve vir a solução. São aqueles sete pães e dois peixinhos que se transformam em abundância, em fartura que sacia a todos e ainda vai gerar sobras.
Dai-lhes vós mesmos de comer: A solução dos problemas não vem de fora, lá de cima, mas de dentro da comunidade. Jesus envolve os discípulos a participarem da solução do problema.
Só temos cinco pães e dois peixes: Jesus não se impressiona com a quantidade, mas com o que é possível fazer. A soma dos números 5 + 2 produz o número perfeito, que é 7.
Estavam ali mais ou menos cinco mil homens: Este número é também o número da comunidade dos cristãos de AT 4,4. Mas é também a multiplicação de mil para cada pão recebido e partilhado.
Mandai o povo sentar-se em grupos de cinquenta: O gesto da idéia de sentar-se à mesa, de acordo com os costumes judaicos. Assim, Jesus não é só quem realiza grandes sinais, mas é quem preside a mesa que reúne a todos. É a mesa comum onde todos cabem. É a mesa circular onde todos podem se ver e escutar a fome dos outros.
Então Jesus abençoou-os, partiu-os e os deu: São gestos que Jesus vai cumprir também na Última Ceia (Lc 22,19), por isso este relato prefigura e anuncia o relato da Eucaristia. Jesus não distribui o pão às multidões, mas o dá aos seus discípulos. Eles devem repartir, partilhar. Aquilo que a multidão ofertou retorna em abundância, em forma de partilha.
Todos comeram e ficaram satisfeitos: foram recolhidos doze cestos, um cesto para cada um dos doze. As sobras dão o sentido de saciedade, mas também podem ser vistas em contraste com o Maná no deserto, que não podia ser armazenado. Este pão que Jesus oferece é maior e é alimento que não se perde, ou seja, feito para a vida eterna.
Jesus nos ensina que devemos estar atentos a fome das multidões e buscar respostas para o problema. A fome não pode esperar. Exige solução, partilha, ações concretas e eficazes. Quando partilhamos, o pouco se torna muito. E quando há partilha, sempre há sobras também, ao contrário, a concentração de alimentos o mundo hoje é um escândalo e por isso tantas pessoas passam fome. Ao mesmo tempo o Evangelho nos mostra que Jesus que se fez Palavra, também se faz pão. Por isso, seu primeiro lugar foi a manjedoura dos animais (Lc 2,7). Ele é a Mesa da Palavra e a Mesa do Pão que alimentam e sustentam a vida da Igreja (DV21).
Festa da Eucaristia e Solenidade do Corpo e Sangue do Senhor -
A Solenidade do Corpo e Sangue do Senhor é a Festa da Eucaristia, cuja instituição celebramos no início do Tríduo Pascal, naquela soleníssima Quinta Feira Santa da Ceia do Senhor. A Igreja desloca para a primeira quinta feira depois do domingo da Santíssima Trindade, essa celebração da Eucaristia, para poder assim explorar, ainda mais, o seu mistério que se perpetua na História da Igreja.
É um dia de Ação de Graças para nós, pois olhamos para Deus e agradecemos por permanecer conosco, sem nunca nos deixar sozinhos.
O Corpo e Sangue do Senhor são para nós presença real do Senhor, confirmando o que nos disse “estarei convosco todos dias até o fim dos tempos” (cf. Mt 28,20).
A Igreja crê que, na celebração Eucarística, está presente o verdadeiro, único e irrepetível sacrifício de Cristo e sua entrega amorosa ao Pai num Espirito eterno, conforme nos ensina o autor da Carta aos Hebreus (cf. Hb 9,14).
Toda pessoa que entra no Caminho de Cristo, mergulha neste mistério. Vejamos: ela se torna-se discípula e, como aprendemos do Evangelho de São João, não um discípulo qualquer, mas o discípulo “Amado” (cf Jo 13,23; 19,26; 20,2; 21,7; 21,20). Participa de tudo da Vida do Senhor, como membro do seu corpo (a Igreja). Recebe o Espírito do Senhor, na Eucaristia.
Está tão próximo do Senhor, que sua cabeça toca seu coração e recebe o alimento do próprio Senhor. Não passa nenhum tipo de “fome”, pois o Senhor se dá como alimento a todos, saciando-nos em todas nossas necessidades. Não nos alimenta somente daquele pão produzido pelo homem, mas se faz ele mesmo pão para nós.
No Evangelho que lemos hoje nesta solenidade, Jesus diz aos seus apóstolos, e o repete à Igreja: “dai-lhes vós mesmos de comer” (Lc 9,13), mas eles, porém, sem Cristo nada podiam, pois tinham pouco pão. Jesus, entretanto, do pouco pão que temos, faz a Eucaristia acontecer e se torna para nós o Pão Vivo e verdadeiro e nós o vemos e adoramos.
Hoje é o dia em que recordamos tudo isso com o coração repleto de alegria e gratidão.
“Dai-lhes vós mesmos de comer” (Lc 9,13)
Celebramos o “Corpus Christi”, uma das festas mais ricas por seu conteúdo e simbolismo, mas que nos faz pensar também no “Corpo de Cristo” no meio de tantos outros corpos.
Aceitamos, pela fé, a presença real de Cristo na Eucaristia; isso implica comunhão bem maior com sua vida, seu testemunho de amor, de partilha, solidariedade, dedicação pela transformação de tudo aquilo que não dignifica a vida ou não dignifica os “corpos”. Comungamos o “Corpo de Cristo” para podermos viver o seguimento com mais radicalidade.
Infelizmente, o que temos observado é que grande parte dos cristãos não seguem uma Pessoa (Jesus Cristo), mas se limitam a cumprir alguns ritos, leis, práticas devocionais e piedosas... que revelam uma espiritualidade intimista, alienante e distante do compromisso com os outros.
Participamos, com muita fé, dedicação e respeito, das celebrações do “Corpo de Cristo”, mas pode ser que, às vezes, façamos uma profunda cisão ou ruptura entre o que celebramos e a realidade que nos cerca, ou seja, o compromisso com os “corpos” explorados, manipulados, usados, escravizados...
Pode ser que, às vezes, tenhamos um profundo amor e respeito ao “Corpo de Cristo vivo e presente na Eucaristia”, e não O vejamos nos “corpos” que estão aí, aqui, ali, lá, por todos os lados...
Certamente, nunca passou pela cabeça de Jesus pedir que os seus(suas) seguidores(as) se pusessem de joelhos diante d’Ele. Ele, sim, se ajoelhou diante de seus discípulos para lhes lavar os pés; e, ao terminar essa tarefa de servos, lhes disse: “Se eu, o Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros”. Essa lição, ousada e provocativa, parece que nunca nos interessou. É mais cômodo transformá-Lo em objeto de adoração do que segui-Lo no serviço, na disponibilidade e na entrega aos demais.
Todas as demonstrações de respeito e veneração diante do Corpo de Cristo tem seu sentido e significado. Mas, ajoelhar-nos diante do Santíssimo Sacramento e continuar menosprezando ou ignorando o próximo, é uma ofensa. Se, em nossa vida, não deixamos transparecer a atitude de Jesus, todos os gestos de adoração continuarão sendo “magia barata” para tranquilizar nossas consciências. É preciso descobrir a presença de Jesus em todos os corpos desfigurados, famintos, violentados, desprezados..., e que suplicam por uma presença servidora e solidária. Diante destes corpos desumanizados, morada do Ressuscitado, é que devemos nos ajoelhar para facilitar a ajuda e o serviço. Ninguém pode servir a partir de uma posição elevada; é preciso “descer”, esvaziar-nos de nosso ego prepotente, para prolongar as mãos e o coração do Compassivo.
“Corpus Christi” nos fala, portanto, da “Encarnação continuada”, ou seja, Deus não só se “encarna”, Ele é Encarnação. A Encarnação não é um ato pontual, ou um evento isolado da história, mas uma atitude eterna de Deus. Toda a Criação e toda a Humanidade foram assumidas por este “mistério” fundante de nossa fé. Assim, toda a história humana se faz História da Salvação. E o “assim novamente encarnado” (S. Inácio) se visibiliza em todos os “corpos” humanos. “Todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequeninos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25,40)
Ao comungar o “Corpo de Jesus”, nosso corpo e todo nosso ser tocam algo do mistério da Encarnação. A comunhão é – ou deveria ser – uma sacudida pessoal e comunitária que nos impulsiona a retomar o projeto vital de Jesus, do qual nos afastamos continuamente.
Na Eucaristia se concentra toda a mensagem de Jesus, que é o Amor. O Amor que é Deus manifestado no dom de si mesmo e que Jesus deixou transparecer durante sua vida. Ao dizer, “isto é o meu corpo”, Jesus está afirmando: Isto sou eu: Dom total, Amor total, sem limites.
Ao comer o pão e beber o vinho consagrados, queremos afirmar: fazemos nossa a Sua vida e nos comprometemos a nos identificar com o que foi e fez Jesus. O pão que nos dá a Vida não é apenas o pão que comemos, mas o pão no qual nos transformamos, quando fazemos de nossa vida uma doação contínua. Somos cristãos, não só quando comemos o pão, mas quando nos deixamos consumir, como Ele fez.
Discípulos(as) de Jesus somos quando aprendemos a partir o pão. Reconhecemos os cristãos hoje quando partem o pão e não o retém para si. O pão armazenado, como o maná no deserto, se corrompe, apodrece.
Compartilhar significa não “monopolizar”, não permitir que haja necessitados entre nós.
O pão partido é a vida compartilhada: bens, dons, tempo, qualidades...
O cristão, além disso, compartilha seus ideais, seu entusiasmo, seu ânimo, sua fé, sua esperança.
Também hoje Jesus precisa de nossas mãos para multiplicar os grãos; precisa de nossas mãos para triturar esses grãos, amassar a farinha e fazer o pão. E precisa de nosso coração para que o pão seja repartido.
O pão sem coração é pão “monopolizado”. Pão indigesto, que engorda o egoísmo.
O pão sem coração gera divisões e conflitos. Quantas guerras fraticidas provoca o pão sem coração!
Deus precisa de nosso coração para que o pão leve o sinal da fraternidade, seja vitamina de solidariedade, alimento de comunhão, energia de vida.
Por fim, é preciso enfatizar que, celebrar e venerar o “Corpo de Cristo” nos remete ao nosso corpo e ao corpo dos outros. Nossos corpos estão integrados e dignificados no Grande Corpo Cósmico d’Aquele que se esvaziou dos atributos divinos para se fazer “Corpo” e “divinizar” nossos corpos.
Integrados ao “Corpo do Ressuscitado” somos chamados a superar toda suspeita, medo, julgamentos moralistas e visões dualistas dos nossos corpos. Afinal, não “temos” corpo, “somos corpo”; pensamos, amamos, sentimos e entramos em relação com o Transcendente através de nosso corpo.
Enchemo-nos de assombro diante do mistério que é cada corpo. Nossos esquemas e dualismos de matéria-espírito, espaço-tempo, passado-futuro, longe-perto, parecem diluir-se. Todo corpo está “animado” e toda “alma” está sempre “corporificada”.
No encontro com o “Corpo de Cristo” passamos a ter uma outra visão de nosso corpo; isso implica superar a parcialização, a polarização e a dicotomia e buscar a harmonia e a integração.
Somos nosso corpo animado, com vida e com sentido. Construímos nossa vida com nosso corpo e graças a ele. Com, em e pelo corpo, vivemos nossa história, caminhamos pela vida na contínua aventura de crescimento e de maturação, de amor e de conhecimento, de encontro com os outros e conosco mesmo, com nossos desejos e medos, nossas alegrias e dores, nossas esperanças e desesperos, nossas vitórias e desilusões ... Tudo isso está inscrito em nossa “carne”.
Nosso ser profundo, nosso ser essencial se manifesta, se abre para fora através de nosso corpo.
O corpo deixa transparecer o que há de mais humano e mais divino em seu interior.
Deixemos “transparecer” o “Corpo de Cristo” em nossos corpos!
Para meditar na oração:
Amiga, amigo, teu corpo que, que és tu mesmo, é habitado pelo Infinito, o Eterno. Tu também, como Jesus, em comunhão com todo o universo em movimento e evolução, és corpo de Deus. O Infinito se manifesta e emerge de ti. Acolhe teu mistério, deixa-te acolher pelo Infinito em ti, deixa que suba, desde o mais profundo de ti, a voz que ora: “meu corpo canta a Ti, Senhor!”
- Deixa Deus ser Deus em ti. Sê corpo, morada de Deus. Celebra, cuida, reza: sê corpo de Deus, epifania carnal da Ternura infinita.