1ª leitura: Isaías 62,1-5
Salmo 95(96) R- Cantai ao Senhor Deus um canto novo, manifestai os seus prodígios entre os povos!
2ª leitura: 1 Coríntios 12,4-11
Evangelho de João 2,1-11
Proclamação do evangelho de Jesus Cristo segundo João – Naquele tempo, 1houve um casamento em Caná da Galileia. A mãe de Jesus estava presente. 2Também Jesus e seus discípulos tinham sido convidados para o casamento. 3Como o vinho veio a faltar, a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não têm mais vinho”. 4Jesus respondeu-lhe: “Mulher, por que dizes isso a mim? Minha hora ainda não chegou”. 5Sua mãe disse aos que estavam servindo: “Fazei o que ele vos disser”. 6Estavam seis talhas de pedra colocadas aí para a purificação que os judeus costumam fazer. Em cada uma delas cabiam mais ou menos cem litros. 7Jesus disse aos que estavam servindo: “Enchei as talhas de água”. Encheram-nas até a boca. 8Jesus disse: “Agora tirai e levai ao mestre-sala”. E eles levaram. 9O mestre-sala experimentou a água, que se tinha transformado em vinho. Ele não sabia de onde vinha, mas os que estavam servindo sabiam, pois eram eles que tinham tirado a água. 10O mestre-sala chamou então o noivo e lhe disse: “Todo o mundo serve primeiro o vinho melhor e, quando os convidados já estão embriagados, serve o vinho menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora!” 11Este foi o início dos sinais de Jesus. Ele o realizou em Caná da Galileia e manifestou a sua glória, e seus discípulos creram nele. – Palavra da salvação.
Jo 2,1-11
Às vezes a vida de um casal pode entrar em uma grave crise conjugal. Nesse momento de crise, especialmente na sua fase mais aguda e dolorosa, ouvimos o casal dizer: “infelizmente, não dá para fazer mais nada”. O casamento parece ter chegado ao fracasso. A impressão é de que o sonho acabou e virou um pesadelo. Esse é o aspecto negativo da crise.
Existe, porém, outro aspecto da crise, que, muitas vezes, não vemos, mas que Deus vê. Cada crise nos ensina que ela pode ser a passagem para uma nova fase de vida. Na natureza, nas criaturas inferiores, isto acontece automaticamente. No ser humano, porém, a crise interpela a liberdade e a vontade. Nesse sentido, a crise pode também abrir o casal para uma “esperança maior”, para uma vida mais santa e madura, para um casamento mais feliz e verdadeiro.
A crise conjugal pode ser também a ocasião para encontrar verdadeiros amigos. Nos momentos obscuros, os cônjuges podem perder a esperança. Nesse momento podem surgir pessoas que se revelam como verdadeiros amigos. A companhia de verdadeiros amigos que, com o máximo respeito, mas também com o desejo sincero do bem, compartilham a esperança com quem a perdeu. Não de modo sentimental ou volúvel, mas organizado e realista. É assim que os verdadeiros amigos se tornam, no momento da ruptura, a possibilidade concreta para o casal em crise de ter uma referência positiva, na qual pode confiar na hora do desespero.
Com efeito, quando o relacionamento degenera, os cônjuges caem na solidão, tanto individual como conjugal. Perdem o horizonte da comunhão com Deus, com o próximo e com a Igreja. É nesse momento que os amigos podem servir como em guardiães de uma esperança maior para os que a perderam.
É nesta perspectiva que se pode ler a narração das bodas de Caná (cf. Jo 2,1-11). A Virgem Maria se dá conta de que os esposos “não têm mais vinho”. Ela o diz a Jesus. Essa falta de vinho faz pensar no momento em que, na vida do casal, termina o amor, se esgota a alegria e diminui bruscamente o entusiasmo do matrimônio.
Depois de Jesus ter transformado a água em vinho, felicitaram o esposo porque diziam que tinha conservado até àquele momento “o vinho melhor”. O vinho de Jesus era melhor que o precedente. Esse “vinho melhor” é símbolo da salvação, da nova aliança nupcial que Jesus veio realizar com a humanidade.
E é precisamente dessa aliança melhor que o matrimônio cristão é o sacramento. Todos os casais cristãos, mesmo os mais miseráveis e vacilantes podem encontrar na humildade a coragem de pedir ajuda ao Senhor. Quando um casal em dificuldade ou já separado, se confia a Maria e se dirige Àquele que dos dois fez “uma só carne”, pode estar certo de que essa crise se tornará, com a ajuda do Senhor, uma passagem de crescimento, e que assim o amor será purificado, amadurecido e revigorado.
Isto só pode ser realizado por Deus, que deseja contar com os seus discípulos como válidos colaboradores, para se aproximar dos casais, para os ouvir e ajudar a descobrir o tesouro escondido do matrimônio, para reacender o fogo que permaneceu sepultado debaixo das cinzas. É Ele quem reaviva e volta a fazer arder a chama; sem dúvida, não da mesma forma que o namoro, mas de maneira diferente, mais intensa e profunda.
“Sua mãe disse aos que estavam servindo: ‘Façam tudo o que ele vos disser’”.
Neste segundo domingo do tempo comum, somos levados pelo evangelista João até um lugarejo, num território montanhoso, Caná da Galileia, a catorze quilômetros de Nazaré, a cidade de Jesus, e a uns quarenta quilômetros de Cafarnaum, descendo-se para o lago de Genesareth ou Mar da Galileia (Jo 2, 1-11).
Maria é uma das convidadas para a festa de casamento e, por certo, não veio sozinha de Nazaré. Para a festa, foram também convidados Jesus e seus discípulos. Acorreu, certamente, mais gente do que era esperado e, num dado momento, a mãe de Jesus alerta seu filho para uma situação aflitiva:
“Eles não têm mais vinho” (2, 3).
Sem vinho, acaba a música, a dança e a festa de casamento. Um vexame para os noivos e sua família perante seus convidados.
Jesus responde a Maria:
“Mulher, por que dizes isto a mim? Minha hora ainda não chegou!” (2, 4).
“Fazei tudo o que ele vos disser” (2, 5).
Maria ensina para Jesus, que a “hora” é a necessidade das pessoas ou do povo que se impõe ao profeta. Vai ser assim com a mulher que sofria de um fluxo de sangue (Mt 9, 20-22), com a mulher cananeia que pede por sua filha (Mt 15, 21-28), com a multidão que estava como ovelhas sem pastor e que passa fome (Mc 6, 30-44).
E o evangelista prossegue:
“Estavam seis talhas de pedra colocadas aí para a purificação que os judeus costumam fazer. Em cada uma delas cabiam mais ou menos cem litros. Jesus disse aos que estavam servindo: ‘Enchei as talhas de água’. Encheram-nas até a boca. Jesus disse: ‘Agora, tirai e levai ao mestre sala’. E eles levaram. O mestre sala experimentou a água, que se tinha transformado em vinho. Ele não sabia de onde vinha, mas os que estavam servindo sabiam, pois eram eles que tinham tirado a água. O mestre sala chamou então o noivo e lhe disse:
‘Todo mundo serve primeiro o vinho melhor e, quando os convidados já estão embriagados, o vinho menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora’!
Este foi o início dos sinais de Jesus. Ele o realizou em Caná da Galileia e manifestou a sua glória e seus discípulos creram nele”. (2, 6-11).
João diz que essa transformação da água em vinho, era um sinal, o primeiro sinal de Jesus. Nunca emprega a palavra “milagres” para esses gestos libertadores de Jesus, mas sim “sinais”. Estes apontam para além das aparências e revelam algo maior e mais profundo, o próprio mistério de Jesus.
Ao pedir água à samaritana, ele se apresenta como a “água viva” (4, 10).
Ao multiplicar os pães, ele declara: “Eu sou o pão da vida” (6, 35).
Ao curar o cego de nascença, ele afirma: “Eu sou a luz do mundo” (9, 5).
Ao falar do pastor verdadeiro diferente do mercenário ou do ladrão, ele declara:
“Eu sou o bom pastor. O bom pastor expõe a sua vida pelas ovelhas” (10, 11)
Ao ressuscitar Lázaro, ele diz à sua irmã Marta: “Eu sou a ressurreição” (11, 25).
Pagola comenta:
“O que sucedeu em Caná da Galileia, é o começo de todos os sinais. O protótipo dos sinais que Jesus irá operando ao longo de sua vida. Nessa ‘transformação da água em vinho’, nos é dada a chave para entender o tipo de transformação salvadora que Jesus opera.
Tudo ocorre no cenário de um casamento, a festa humana por excelência, o símbolo mais expressivo do amor, a melhor imagem da tradição bíblica para evocar a comunhão definitiva de Deus com o ser humano. A salvação de Jesus Cristo deve ser vivida e oferecida pelos seus seguidores como uma festa que dá plenitude às festas humanas, quando elas ficam vazias, ‘sem vinho’, e sem capacidade de saciar nossa sede de felicidade total”.
O Episódio de Canaã de grande riqueza para quem penetra na estrutura e na intenção teológica do relato. Este casamento anônimo, no qual os esposos não têm rosto nem voz própria, é figura da antiga aliança Judaica. Neste casamento falta um elemento dispensável: falta o vinho, sinal de alegria e símbolo do amor, como já cantava o Cântico dos Cânticos.
É uma situação triste que só será transformada pelo “vinho” novo trazido por Jesus. Um vinho que só o saboreiam aqueles que creem no amor gratuito de Deus Pai e vivem animados por um espírito de verdadeira fraternidade.
Vivemos numa sociedade onde cada vez se enfraquece mais a raiz cristã do amor desinteressado. Frequentemente, o amor se reduz a um intercâmbio mutuo, prazenteiro e útil, onde cada pessoa busca seu próprio interesse. Ainda se pensa que é melhor amar do que não amar, mas, na prática, muitos estariam de acordo com aquela asserção anticristã de Sigmund Freud: “Se amo alguém, é preciso que este o mereça por algum título”,
Não é fácil saber que alegria pode ainda sobreviver numa sociedade já modeladas segundo pensar de professores como Fernando Savater, que escreve: “diz-se que devo preocupar-me com os outros, não conformar-me com meu próprio bem, mas tentar ser propício ao estranho, inclusive renunciar a minha riqueza ou meu bem-estar pessoal, ou a minha segurança para ajudar a conseguir formas mais altas de harmonia na sociedade, ou para colaborar para o fim da exploração do homem. Mas por que devo faze-lo? Não é sinal de saúde que eu me ame antes de tudo a mim mesmo?”
Na constituição espanhola o termo Fraternidade foi substituído pela palavra solidariedade. Cabe perguntar se saberemos comprometer-nos numa verdadeira solidariedade quando não nos reconhecemos como irmãos. Será que é suficiente reduzir a convivência a uma correlação de direitos e obrigações? Basta organizar a vida social como uma mera associação de interesses privados?
Essa sociedade, na qual a pessoa é facilmente utilizada a serviços de interesses egoístas, necessita de uma reação vigorosa dos que creem como nós que todo ser humano é intocável, pois é filho de Deus e nosso irmão. O amor ao irmão como alguém digno de ser amado de maneira absoluta é um vinho que começa a escassear. Mas não devemos esquecer que sem este vinho não é possível a verdadeira alegria.
O evangelho a ser refletido na liturgia do próximo final de semana é tradicionalmente conhecido como “as bodas de Caná”. Essa narrativa leva-nos a perguntar sobre o papel da religião, da vivência da aliança entre Deus e as pessoas. A função da religião é petrificar o coração humano ou é gerar novas criaturas no amor de Deus?
De corações empedernidos...
No texto, há vários elementos que revelam a antiga aliança, que foi aprisionada pela religião oficial.
O primeiro é a referência a um casamento. Em Israel, o casamento, desde o profeta Oséias, é uma imagem da aliança de Deus com o seu povo. Portanto, a narrativa nos conduz para dentro da aliança.
Um segundo elemento é a ausência de vinho. “Eles não têm mais vinho”. O amor, representado pelo vinho, e que a aliança deveria revelar, já não existe mais. As estruturas mataram o amor, o petrificaram. Aqui, “eles” é uma referência às autoridades religiosas que transformaram a lei, que deveria gerar vida e liberdade no amor, em um peso para o povo, em um ritualismo vazio de água, vazio de vida e de sentido.
Um terceiro elemento, que revela uma religião que entorta as pessoas em vez de levantá-las, é a referência aos tanques. “Havia ali seis talhas de pedra para a purificação dos judeus, cada uma contendo mais ou menos cem litros”. O simbolismo é muito forte. Elas representam a prática oficial da religião de Jesus, pois serviam para a “purificação dos judeus”. São seis justamente para mostrar a diferença em relação aos sete dias da criação, quando Deus viu que tudo era muito bom. Seis revela incompletude, imperfeição. Nas talhas, não há água. O ritualismo vazio de sentido e de amor transforma qualquer religião em pedra. Eram “seis talhas de pedra”. E uma religião empedernida, petrifica os corações dos seus fiéis em vez de torná-los sempre mais humanos, mais de carne, na linguagem do profeta Ezequiel (Ezequiel 36,26). Além de a antiga aliança ter sido esvaziada do amor de Deus, além de ter se tornado pedra, ela ainda é muito pesada, sufocando as pessoas e toda comunidade. Engessa-a com seu ritualismo desligado da vida e com suas normas mais voltadas para o moralismo individualista. Numa instituição que endurece corações, até é possível encontrar água. Porém, não é mais possível encontrar amor, simbolizado pelo vinho. O vinho aparece somente fora das talhas e não dentro delas.
Por fim, mais um elemento da narrativa representa a antiga aliança. É o mestre-sala que representa a instituição que não contém mais vinho. Por ter transformado a antiga aliança, que deveria gerar vida, em uma estrutura a petrificar mentes e corações, ele não está aberto para a nova aliança, para a novidade do amor de Deus vivido por Jesus em sua plenitude. Ele não aceita a novidade. A lei lhe basta. Por isso, ele recusa a novidade da nova aliança.
... a corações recriados...
Temos também vários sinais que apontam para a nova aliança que vem recriar a vida.
Iniciemos com a referência ao “TERCEIRO DIA”, que indica para duas novidades. A primeira é para a criação da vida em sete dias (Gênesis 1,1-2,4). Convém notar que, neste evangelho, o 1º sinal acontece no sétimo dia. Tendo presente as informações de João 1,29.35.43 e 2,1, as bodas em Caná da Galileia acontecem justamente no sétimo dia da criação, o sábado. Com isso, os autores deste evangelho nos apresentam Jesus como aquele que vem fazer de nós criaturas novas, com base no vinho do amor e não mais nas talhas da lei, cuja letra obscurece o amor. A segunda novidade é que o terceiro dia lembra a vida nova de Jesus no terceiro dia depois da cruz. É a vida em plenitude que derrota as forças de morte e diz sim à vida. A vida ressurge no jardim e recria o novo homem ressurgido da morte, a fim de que participemos de sua vida pelo batismo como pessoas recriadas, como novas criaturas conduzidas pelo amor.
O segundo elemento é a presença da MÃE DE JESUS nesse casamento. A celebração do casamento revela duas alianças. A primeira é a aliança “deles”, dos judeus que, neste evangelho, são as autoridades judaicas que, por não terem mais vinho, perseguiram Jesus. É interessante perceber que a mãe de Jesus estava com um pé nesta aliança. Ela “estava lá”.
No entanto, ela também estava com um pé na nova aliança, representando o resto fiel da antiga aliança. Ela percebeu a falta de vinho. Buscava o sentido que a religião petrificada havia matado na antiga aliança. Se o mediador da antiga aliança no Sinai foi o homem Moisés, agora, na nova aliança, quem faz a mediação é uma mulher. No texto, ela não tem nome. É que ela é mais que a mãe de Jesus. Representa também a comunidade da nova aliança. Nesse sentido, é a noiva desse casamento. Jesus é o noivo dessa aliança. Em mais. A mãe de Jesus, por ser a noiva da nova aliança, é a amada que segue no amor o seu amado, tal como os jovens enamorados do livro de Cântico dos Cânticos.
Um terceiro elemento é o nome do lugar. Não é por acaso que as comunidades joaninas escolheram CANÁ como nome para o lugar da festa do casamento. É que Caná significa adquirir. Naquela sociedade patriarcal, o noivo adquiria, pelo dote, a sua noiva. Dessa forma, Jesus adquiriu para si as comunidades que fazem tudo o que ele disse. As comunidades fiéis ao seu amor pertencem a Jesus e por ele se tornam a nova criação gerando, promovendo e defendendo a vida.
Uma quarta questão é que, diferentemente de sua mãe, Jesus com os discípulos não estavam lá. Foram “COVIDADOS”, vieram de fora. Como judeu, Jesus entrou na história de seu povo. Mas deixou claro que não está comprometido com a instituição petrificada que fez da lei um peso para o povo. Por isso, quando sua mãe percebeu a falta de vinho na antiga aliança, diz que ela e Jesus mesmo não têm mais nada a ver com essa aliança. “Que tenho eu e tu com isso?” (João 2,4). Em outras palavras, Jesus diz que ele e o resto fiel da antiga aliança não têm nada a ver com o ritualismo que não promove mais amor e vida.
Um quinto elemento é que a ÁGUA se transforma em VINHO fora das talhas. As estruturas envelhecidas não permitem mais a mudança. Ao contrário, dificultam-na e até a impedem, perseguindo quem busca o novo. A novidade, a mudança está lá onde estão os serventes da festa, lá junto aos que, muitas vezes, não são percebidos nos banquetes. Nem lhes é permitido comer as migalhas que caem das mesas que eles servem. Ali, junto às pessoas excluídas, Jesus revelou o amor de Deus. Tal como na aliança do passado, quando Deus fizera aliança com pessoas escravas do faraó, agora libertas, da mesma forma, na fidelidade de Jesus, mais uma vez Deus revela seu amor pleno a toda a humanidade, e preferencialmente aos pequeninos.
Por fim, a nova aliança em Jesus de Nazaré manifesta a “GLÓRIA”, isto é, a presença plena do amor de Deus. Em Jesus, Deus se tornou palpável. Porém, o ponto alto do amor fiel de Deus foi revelado na fidelidade de Jesus até a cruz. Por isso, nas bodas de Caná, a sua “hora ainda não chegara”. Virá mais tarde, na cruz imposta pelos príncipes deste mundo (1Cor 2,8). O seu amor sem limites, a sua fidelidade aos pobres, à missão de promover a vida com dignidade revela a glória de Deus, isto é, a sua presença amorosa em nosso meio.
... para uma missão movida pelo amor
E como nós revelamos a glória de Deus em nossas vidas? Fazer parte da nova aliança, como novas criaturas, é servir como os diáconos, os servidores a quem a mãe de Jesus disse: “Fazei tudo o que ele vos disser”.
Fazer tudo o que Jesus nos pediu é acreditar como os discípulos que nele creram. Crer é abrir-se à Palavra que se tornou humano, é acolher o seu amor e corresponder com ele como pessoas recriadas no serviço à vida.
No domingo passado iniciou-se o Tempo Comum do Ciclo C do Ano Litúrgico, com a leitura e meditação do Evangelho de Jesus no Jordão. Neste domingo a Liturgia oferece a narrativa que inicia o segundo Capítulo do Evangelho de João (2, 1-11). Nela relata-se o episódio conhecido como “As bodas de Caná”.
No terceiro dia, houve uma festa de casamento em Caná da Galileia, e a mãe de Jesus estava aí.
O início do texto parece dar continuidade ao cenário narrado anteriormente em Jo 1, 19-51. Nesse trecho oferece-se uma descrição da atuação de Jesus nos quatro primeiros dias. No início narra-se o testemunho do Batista (Jo 1, 19-28). “Na manhã seguinte”, ou seja, no segundo dia da atividade de Jesus, o evangelho descreve o Batismo de Jesus realizado por João e seu testemunho. “No terceiro dia”, André e Simão, discípulos de João, veem Jesus (1, 35-42) e junto com Filipe, que aparece “na manhã seguinte”, se constitui o primeiro grupo de discípulos de Jesus.
O texto que meditamos neste domingo inicia “no terceiro dia”, dando continuidade aos acontecimentos dos quatro dias anteriores. Completa-se assim uma semana que é conhecida como a Semana inaugural da atividade de Jesus na Galileia e na Judeia.
No trecho que lemos hoje, Maria é a primeira pessoa que aparece: “a Mãe de Jesus estava aí”. A seguir descreve-se a presença de Jesus, que tinha sido convidado para participar dessa festa junto com seus discípulos e discípulas. A festa do casamento realiza-se em Caná de Galileia, um pequeno povoado situado a poucos quilômetros de Nazaré.
Neste texto descreve-se o primeiro sinal realizado por Jesus durante uma festa de casamento. Na nossa meditação deste acontecimento devemos ter presente que a Bíblia é a história de amor entre Deus e seu povo. Diferentes imagens bíblicas referem-se à simbologia das bodas, como a experiência nupcial de Oseias (2, 16-18), o Cântico dos Cânticos e Jesus, que no evangelho de Mateus apresenta o Reino de Deus como uma festa de núpcias.
Mas, no casamento que narra o evangelho, há um problema importante: Faltou vinho e a mãe de Jesus lhe disse: -"Eles não têm mais vinho!". Maria constata a escassez do vinho e imediatamente a comunica ao seu filho.
Como disse o Papa Francisco, comentando este texto do Evangelho de João: “Nas bodas de Caná (Jo 2, 1-12), Jesus começa seus sinais e ‘manifesta-se como esposo do Povo de Deus e nos une a ele com uma nova aliança de amor, que nós, sua família, temos que cuidar e estender a todos’. Maria avisa Jesus de que falta o vinho, este é um elemento típico do banquete messiânico e simboliza a abundância do banquete e a alegria da festa”, acrescentou. “Uma festa na qual falta vinho, os recém-casados se envergonham disso. Imaginem vocês terminar uma festa de casamento bebendo chá”. Texto completo: “Uma festa sem vinho não é festa”, diz Papa Francisco".
O vinho é sinônimo de alegria e não pode faltar numa festa de casamento. Nas núpcias o vinho é servido em abundância e junto com o trigo e o óleo constitui um dos três víveres essenciais da vida humana (Dt 7, 13; 11,14). Maria percebe que não é possível que a festa continue, ela se dá conta de que é preciso uma intervenção de seu filho e confia nele. Por isso ela disse aos que estavam servindo: - "Façam o que ele mandar”. Maria deseja que a festa continue.
Imaginemo-nos nesse evento, cheio de convidados vindos de diferentes lugares, diferentes povoados, possivelmente muitos deles eram parentes. Cada um e cada uma foi convidado para celebrar junto com o novo casal seu matrimônio, mas há uma situação irregular: falta vinho, falta alegria e essa ausência começa a ser percebida por algumas pessoas. Possivelmente para os discípulos de Jesus participar de uma festa de casamento com seu Mestre era uma oportunidade diferente, que não era habitual.
Era uma situação nova, original, diferente do que tinha acontecido até esse momento! Não era fácil pensar num Messias tão próximo que celebra, junto com eles e todo o povo, suas alegrias como vemos neste relato de uma boda.
Apresenta-se um Deus que não está preso à lei dos fariseus, senão pelo contrário, o Deus que Jesus revela é um Deus que celebra a vida, que partilha com o povo porque está a seu lado, nas alegrias, nas dores, nos diferentes momentos de sua vida. Nos seguidores de Jesus percebe-se uma atitude fundamental de um/a discípulo/a que é permanecer junto com o Mestre, estar ao seu lado, segui-Lo, mesmo sem compreender tudo. É no caminhar juntos que o vamos conhecendo!
Olhando ao nosso redor podemos perguntar-nos quais são as necessidades que Maria está sinalizando? Quais são as “faltas de vinho” que ela percebe e nos comunica? Na realidade social do nosso país, do nosso mundo, quais são as insuficiências, as escassezes, as faltas que impedem que a festa continue!
Evoquemos algumas: Papa manda recado aos ricos: “parem de pisotear pobres, migrantes e refugiados: “Muitas pessoas pobres estão sendo arruinadas! Todos estes pobres são vítimas dessa ‘cultura do descartável’ que foi denunciada repetidas vezes”, incluindo os migrantes e refugiados que “continuam a bater à porta de nações que zombam de suas dificuldades”, ressaltou Francisco numa audiência no Vaticano. "Desde o início da tragédia dos refugiados que chegam às costas da Europa e que tornaram o Mediterrâneo 'um dos maiores cemitérios a céu aberto do mundo', segundo afirma Olivier Clochard, é um opróbio global. "Hoje migrar é uma sentença de morte assegurada". Texto completo: Crise dos refugiados. Uma tragédia que beneficia máfias e ultradireitas.
Apesar do acesso a uma alimentação adequada figurar como direito humano, uma sexta parte dos habitantes do planeta passa fome. (Texto completo: Os refugiados da fome)
O Presidente do Cimi denuncia violações de direitos dos povos indígenas na Assembleia Geral da CNBB e sublinha a dura realidade do Genocídio dos povos indígenas publicado em diário oficial.
Olhando para a realidade na qual vivemos, cada um/a de nós pode se sensibilizar e solidarizar com Maria e, como ela, apresentá-la a Jesus. Que diríamos para Ele? Ela simboliza todos aqueles que, em Israel, esperam a realização das promessas messiânicas. Representa aqueles que, conscientes da realidade, aguardam algo novo. Eles não se conformam porque esperam algo mais! Aparece uma característica nova de Jesus. Ele se deixa tocar e comover pelo sofrimento dos outros.
Jesus não age sozinho, ele precisa da comunidade para fazer acontecer o novo: "Jesus disse aos que serviam: «Encham de água esses potes». Os potes de pedra serviam para a purificação dos judeus, segundo a sua tradição. O evangelista disse que eram seis, representando neles o Antigo Testamento, a Antiga Aliança.
Mas eles já nos servem mais; ao transformar a água em vinho, Jesus inaugura um tempo novo, uma nova festa caracterizada pela generosidade e gratuidade de Deus que a faz possível. Doravante os ritos judaicos de purificação estão superados, pois a verdadeira purificação vem através de Jesus. As expectativas messiânicas realizam-se em Jesus.
O mestre-sala não sabia de onde vinha o vinho novo, mas "os que serviam estavam sabendo, pois foram eles que tiraram a água".
A comunidade representada nos serventes é testemunha da ação de Jesus: "Porque a vida se manifestou, nós a vimos, dela damos testemunho..." (1Jo 1, 2). O primeiro sinal que Jesus realiza é através do vinho novo, que permite a festa de casamento acontecer.
O projeto de vida nova que Jesus traz é a vida em abundância na qual todos/as somos convidados/as a ser protagonistas e comunicadores.
Obrigado porque nos necessitas
Em teu silêncio acolhedor
nos ofereces ser tua palavra
traduzida em milhares de línguas
adaptada a toda situação.
Queres expressar-te em nossos lábios
no sussurro ao doente terminal,
no grito que sacode a injustiça,
na sílaba que alfabetiza uma criança.
Em teu respeito a nossa história,
nos ofereces ser tuas mãos,
para produzir o arroz,
lavar a roupa familiar,
salvar a vida com uma cirurgia,
chegar na carícia dos dedos
que alivia a febre sobre a testa
ou acende o amor na face.
Em tua aparente paralisia,
nos envias a percorrer caminhos.
Somos teus pés e te aproximamos
das vidas mais marginalizadas,
pisadas suaves para não despertar
as crianças que dormem sua inocência,
passos fortes para descer até a mina
ou entregar com pressa uma carta perfumada.
Nos pedes ser teus ouvidos,
para que tua escuta tenha rosto,
atenção e sentimento,
para que não se diluam no ar,
as queixas contra tua ausência,
as confissões do passado que remói
a dúvida que paralisa a vida
e o amor que partilha sua alegria.
Obrigado, Senhor, porque nos necessitas.
Como anunciarias tua proposta
sem alguém que te escute no silencio?
Como olharias com ternura,
sem um coração que sinta teu olhar?
Como combaterias a corrupção
sem um profeta que se arrisque ?
Benjamin González Buelta SJ
Salmos para sentir e saborear as coisas internamente
A primeira parte do Quarto Evangelho é comumente chamada “O Livro dos Sinais”, pois o evangelista relata uma série de sete sinais que, passo por passo, revelam quem é Jesus e qual é a sua missão. Embora algumas bíblias traduzam o termo grego que este evangelho usa por “milagre”, a tradução certa é “sinal”. O primeiro desses sinais aconteceu no contexto das bodas de Caná, o texto de hoje. Como todo este evangelho, também o nosso relato está carregado de simbolismo, onde pessoas, números e eventos funcionam simbolicamente, a fim de nos levar além da aparência das coisas, numa caminhada de descoberta sobre a pessoa de Jesus.
Um dos temas centrais deste evangelho é o da “hora” de Jesus. A “hora” não se refere à cronometria, mas à hora da glorificação de Jesus por sua morte e ressurreição. Em resposta ao pedido feito por sua mãe – os autores do evangelho nunca se referem a ela por seu nome, mas por “mulher”. Usando de uma maneira até estranha este termo para a sua mãe, querem indicar que Jesus rejeita uma esfera meramente humana de ação para Maria, para reservar a ela um papel muito mais rico, ou seja, o da mãe dos seus discípulos. Maria somente vai aparecer mais uma vez neste Evangelho – ao pé da cruz, onde ela e o Discípulo Amado assumem um relacionamento de Filho e Mãe. Devemos lembrar que o Discípulo Amado simboliza a comunidade dos discípulos do Senhor, ou seja, nós hoje.
Apesar da nossa tradição piedosa mariana, é importante não reduzir a ação da Maria no texto à de uma incomparável intercessora. Embora seja comum esta interpretação na devoção popular, não se sustenta do ponto de vista exegético. É melhor ver Maria aqui como discípula exemplar, pois embora a resposta de Jesus indique um distanciamento entre a expectativa dela e a visão dele, ela leva outros a nele acreditar.
O simbolismo da água tornada vinho é também importante. Não era qualquer água – era a água da purificação dos judeus. Com essa história, o evangelho quer mostrar que doravante os ritos judaicos de purificação estão superados, pois a verdadeira purificação vem através de Jesus. Podemos entender isso como a mudança de uma prática religiosa baseada no medo do pecado, uma prática que excluía muita gente, para uma nova relação entre Deus e a humanidade, a partir de Jesus. Assim, em Caná, Jesus começa a substituir as práticas do judaísmo do Templo, algo que vai continuar ao longo do Quarto Evangelho.
A quantia do vinho chama a atenção – 600 litros! O vinho em abundância era símbolo dos tempos messiânicos, e, na tradição rabínica, a chegada do Messias seria marcada por uma colheita abundante de uvas. Assim o texto quer dizer que a expectativa messiânica se realiza em Jesus. As talhas transbordantes simbolizam a graça abundante que Jesus traz. A figura do mestre-sala é também simbólica, bem como os serventes. Aquele, que devia saber a origem do vinho da festa, não sabia, enquanto estes, sim. Assim, o mestre-sala representa os chefes do Templo que não sabiam a origem de Jesus enquanto os servos representam os discípulos que acreditaram nele.
Fazendo comparação entre o vinho antigo e o novo, a comunidade do discípulo amado reconhece que a Antiga Aliança era boa, mas a Nova a superou. Os ritos e práticas judaicos, ligados à purificação e ao sacrifício, não têm mais sentido, pois uma nova era de relacionamento entre a humanidade e Deus começou em Jesus.
O ponto culminante do relato está no v. 11: “Foi em Caná que Jesus começou os seus sinais, e os seus discípulos acreditaram nele”. A fé deles não é intelectual ou teórica, mas o seguimento concreto do Mestre, na formação de novos relacionamentos de amor. Passo por passo, o autor vai revelando Jesus através de sinais para que nós, os leitores, possamos “acreditar que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E para que, acreditando, tenhamos a vida em seu nome” (Jo 20,31).
Jesus distribui o “bom vinho” da felicidade prometida para os últimos tempos.
Nunca é tarde para aprender a viver com mais profundidade.
Aquele Jesus que iluminou com sua presença as bodas de Caná
pode ensinar aos esposos cristãos a beber um
“vinho ainda melhor” (José Antonio Pagola)
♦ Caná da Galileia, uma minúscula aldeia da montanha situada a quinze quilômetros de Nazaré. O quarto evangelista descreve elementos e pormenores de uma festa de casamento. A cena tem um caráter claramente simbólico. Não se sabe o nome do esposo e da esposa. A figura central é Jesus. A história nos ensina que nas cidadezinhas do campo a festa de casamento tinha muita importância e durava alguns dias. Comida, bebida, festa, danças. Certamente muito vinho. A mãe de Jesus, de repente, se dá com que não havia mais vinho. Como é que os convidados poderiam continuar a cantar e dançar sem essa bebida que alegra o coração do homem. Jesus aceitará de colocar ali o “primeiro sinal” que aponta para o Reino que ele vem instaurar conosco e para o bem da humanidade.
♦ O tema da novidade e da alegria perpassa a narração. Com a falta de vinho falta alegria naquela festa e na festa do mundo. Ao transformar a água em vinho Jesus traz alegria. Havia na casa jarrões de barro com água para os ritos purificatórios dos judeus. Aquela água é transformada em vinho. O antigo fica novo. Jesus é a novidade. Encerrou-se um modo de estar com Deus e de adotar comportamentos legais. Os que quiserem viver a festa da vida serão aqueles que haverão de sorver do vinho novo que é Jesus.
♦ Bodas, festa, intimidade dos esposos, amor esponsal. Fundamental que nossos relacionamentos com o Senhor se revistam de respeito, mas também de carinho e de intimidade. A primeira leitura da liturgia desse domingo, tirada de Isaías, coloca nos lábios de Deus palavras de imensa ternura: “Não mais te chamarão de Abandonada, e a tua terra não mais será chamada Deserta; teu nome será minha Predileta e tua terra será a Bem-Casada, pois o Senhor agradou-se de ti e a tua terra será desposada. Assim como o jovem desposa a donzela, assim teus filhos te desposam; e como a noiva é a alegria do noivo, assim tu também é a alegria de teu Deus”. Linguajar amoroso. Não deveríamos todos alimentar e nutrir com o Senhor um relacionamento esponsal.
♦ Nota-se no texto de João uma intervenção de Maria. A mulher é sempre mais atenta aos detalhes de uma recepção. Ela vai dizer ao Filho que o vinho tinha acabado. João, é claro, insinua que se trata do vinho da felicidade dos filhos de Deus com o Pai. Essa água transformada em vinho lembra o momento da chegada da hora de Jesus. Quando ele derramar seu sangue rubro como o vinho poderá acontecer a felicidade para o buscarem com coração sequioso e humilde. Retemos em nosso ouvidos uma palavra de Maria na ocasião: “Fazei o que ele vos disser”. Não é esta a missão da Mãe do Senhor e nossa Mãe a nos repetir: “Façam tudo o que meu filho mandar”?
♦ A leitura do episódio das Bodas de Caná nos leva a pensar nos casamentos de hoje e de todos os tempos. A cada momento entram por nossos olhos cenas conjugais. Desde pequenos estivemos presenciando o amor de nosso pais. Delicadezas, serviços prestados, mãos dadas e corações unidos. Os verdadeiros casais se unem pelos laços do bem querer. Num determinado homem e mulher se escolhem com discernimento e livremente. Fazem-no com um desejo e empenho do para sempre. Um bem-querer irresistível deles toma conta e se entregam mutuamente para a aventura (ou ventura) da conjugalidade e da paternidade. Alguns se unem de qualquer forma e não conseguem viver um grande amor. Ficam nos prolegômenos. Outros, mesmo sem viverem uma fé religiosa, se unem na solidez do dom mútuo. O mundo precisa de homens e mulheres que saibam o que estão fazendo quando se casam.
♦ Os cristãos começam sua vida a dois com a celebração do sacramento do matrimônio. O amor conjugal cristão pretende ser uma “propaganda” do amor de Deus pela humanidade. Pagola coloca na boca dos noivos as razões e o sentido do sacramento: “É isto que os noivos querem dizer: ‘Nós nos amamos com tal verdade e fidelidade, com tanta ternura e entrega, de maneira tão total, que nos atrevemos a apresentarmos nosso amor como ‘sacramento’, isto é, sinal do amor que Deus nos tem. Daí em diante, quando virdes como nos amamos podeis intuir, ainda que seja de maneira deficiente e imperfeita como Deus vos ama” ( Pagola, João, p.55).
♦ Esposo e esposa, dois buscadores das estrelas, dois ardorosos discípulos do Senhor. O amor íntimo que eles celebram e desfrutam, os gestos de carinho e de ternura que trocam entre si, a fidelidade que vivem dia a dia, tudo tem para eles um caráter sacramental, de símbolo, de sinal. Eles experimenta a proximidade de Deus em suas vidas e são “propaganda viva” do amor de Deus.
Texto para reflexão
O matrimônio é um sinal precioso quando um homem e uma mulher celebram o sacramento do matrimônio, Deus, por assim dizer “espelha-Se” neles, imprime neles as características e o caráter indelével de seu amor. O matrimônio é o ícone do amor de Deus por nós. Com efeito, também Deus é comunhão: as três pessoas – Pai, Filho e Espírito Santo – vivem desde sempre e para sempre em unidade perfeita. É precisamente nisto que consiste o mistério do matrimônio: dos dois esposos Deus faz uma só existência. Isto tem consequências muito concretas na vida do dia a dia, porque em virtude do sacramento, os esposos são investidos de uma autêntica missão, para que possam tornar visível, a partir das realidades simples e ordinárias, o amor com que Cristo ama a Igreja, continuando a dar a vida por ela.
Papa Francisco, Amoris Laetitia, n. 121
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
Hoje vamos ler, refletir e rezar o texto sobre as Bodas de Caná: uma festa de casamento. Esta festa acontece no ambiente familiar, entre amigos, no espaço da casa, onde as pessoas são acolhidas e amadas. E nesse espaço a mulher tem uma atuação decisiva: ela organiza, prepara e cuida de todos os detalhes, para que tudo saia bem e nada falte.
Situando o texto: O Evangelho de João levou mais de 60 anos para ser escrito. Isso quer dizer que uns 60 anos após a morte de Jesus (por volta do ano 95 d.C.) as Comunidades de João resolveram deixar por escrito quem era Jesus para elas.
Na época os fariseus - chefes religiosos judaicos -, exigiam a observância rigorosa da lei do puro e do impuro como meio de obter a bênção e a salvação de Deus. Com isso, multiplicava os ritos de purificação e as leis. Havia no total 613 leis a serem observadas! As pessoas que não cumpriam as leis eram condenadas como "impuras” diante de Deus, perseguidas (15,20), torturadas e até expulsas da sinagoga - o centro comunitário dos judeus (16,2). Como resultado, elas ficavam sujeitas à perseguição pelo Império Romano, que, por sua vez, reconhecia os judeus fariseus como único grupo representativo do povo judeu.
Dos quatro Evangelhos o do João foi o único que teve sua redação final escrita depois da expulsão dos Cristãos da sinagoga. Isso significa que fora da sinagoga, o grupo que segue Jesus não tem sua religião reconhecida pelo Império e, com isso, perde seus direitos de cidadania. Ser desligado da sinagoga significa ter o nome proscrito, riscado da lista das famílias judias.
Casamento na Bíblia
No tempo de Jesus, o casamento era um acontecimento muito importante na vida da aldeia, envolvia a todos, e durava vários dias, reunindo os parentes e os amigos próximos e distantes. Na festa não podia faltar o vinho. Na região da Palestina se produzia muito vinho, por isso era uma bebida muito comum nas refeições. O vinho era símbolo do amor e da alegria, considerado como dom de Deus e sinal de prosperidade (Jz 9,13; Sl 104,15; Zc 10,7). Nas festas o vinho devia ser abundante (1Sm 25,36; Sb 2,7), era considerado como uma bênção de Deus (Dt 7,13; Is 62,2). Se faltasse o vinho, a família ficaria numa situação constrangedora. Seria um vexame!
A imagem de casamento é o símbolo da aliança entre Deus e seu povo. O vinho produzido em família é uma benção que produz alegria. “Aqueles que colhem o trigo também o comerão, louvando a Javé. Aqueles que colhem as uvas também beberão o vinho nos átrios do meu santuário” (Is 62,9). Aqui, a imagem do vinho é sinal do dom de Deus para a alegria e a prosperidade das pessoas.
Simbolismo das Bodas de Canã
Como é característico no Evangelho de João, a narrativa das “bodas de Caná” é carregada de simbolismo e teologia: “casamento”, “vinho”, “mulher”, “minha hora”, “seis talhas de pedra com água para a purificação”, “o mestre da cerimônia” etc. A linguagem simbólica é rica e inesgotável em sua interpretação, mas exige conhecimento dos símbolos do contexto cultural do povo no qual o texto é escrito. Em João, os significados de seus símbolos devem ser compreendidos, em grande parte, a partir do Antigo Testamento.
O casamento é a festa da relação de amor que, abençoada pelas famílias e o próprio Deus, gera alegria e vida. No Antigo Testamento, o casamento durava sete dias com banquetes de confraternização e, no casamento, o noivo pagava o dote ao pai da noiva.
No Antigo Testamento, o vinho é símbolo do banquete messiânico da salvação de Deus: “A abundância de vinho é sinal do tempo messiânico da salvação!” (Am 9,13-15).
Simbolismo da Falta do Vinho na Festa
Nas bodas de Caná é exatamente o vinho, símbolo do amor de Deus e de sua salvação, que está faltando, um relato fortemente simbólico. Acabar o vinho é uma lástima. Falta a alegria, a felicidade e a vida na festa da comunidade. Ou seja: a manifestação do amor de Deus para o povo estava desaparecendo no tempo das Comunidades de João. A Aliança está quebrada! Então. O que estava acontecendo com o povo? Qual era a causa? No relato das Bodas, há "seis talhas de pedra vazias”. Será que com isso a Comunidade está dizendo que tem excessiva preocupação com rituais, dogmas e doutrinas, e descuido do amor e do cuidado mútuo que aprisionam e dificultam o amor e a união de Deus com seu povo.
Na religião oficial, administrada pelos judeus fariseus, a água em seis talhas de pedra servia para os ritos de purificação dos judeus. Simboliza a observância religiosa das leis do puro e do impuro, transformando a vida do povo numa vida sem alegria. A vivência do amor foi substituída pelo ritualismo, e pelas leis do puro e impuro. A aliança fora rompida, e era preciso restaurar a união de Deus com o povo. O texto, do livro de Oseias, anuncia a nova aliança de Israel com Javé: Naquele dia, farei em favor deles uma aliança com os animais do campo, com as aves do céu e com os répteis da terra. Exterminarei da terra o arco, a espada e a guerra. Então, vou fazê-los dormir na segurança. Eu me casarei com você para sempre. Eu me casarei com você na justiça e no direito, no amor e na ternura (Os 2,20-21).
No exílio, o grupo profético propõe a nova aliança com Deus “na justiça e no direito, no amor e na ternura”. Anima e fortalece a esperança do povo. A comunidade joanina, como o povo judeu exilado, vive a mesma situação: tempo de opressão, perseguição e desolação. Qual a proposta da comunidade joanina para animar seus membros? De que forma ela deve restaurar a aliança de Deus com o povo “na justiça e no direito, no amor e na ternura”?
A resposta da comunidade está na palavra e na prática de Jesus de Nazaré. A comunidade aponta Jesus, aquele que dá a esperança e a vida. Por isso o evangelho de João inicia o Livro dos Sinais - primeira parte do Evangelho - apresentando uma releitura da vida de Jesus. O primeiro sinal está no texto das bodas de Caná. Para refletir a prática da comunidade joanina, que transforma a água da purificação em vinho, vamos dialogar com o texto.
Bodas de Canã e nós – o texto nos questiona.
A cena das bodas de Caná da Galiléia não se limita simplesmente à ausência de vinho, pois para eles, a salvação de Deus vinha somente pela observância rigorosa da Lei, em vez da prática da solidariedade e do serviço ao próximo. A religião ritualista aprisionava o povo. Jesus Cristo, salvador, transforma a água das talhas, usadas nos rituais de purificação, em vinho bom, que é símbolo da vida plena.
Um outro assunto também aparece: o relato tem que ser entendido na perspectiva do Reino, na dinâmica do tempo messiânico. O texto também indica que havia aí, em um lugar da casa, seis talhas de pedra vazias. O texto enfatiza que estavam vazias. São vasos destinados a conter a água da purificação, ritual dos crentes judeus. Porém estão vazias, secas. Este símbolo indica que o modelo religioso que Jesus encontrou está ressecado, vazio. Diante do nosso chamado à vida cristã, podemos nos perguntar:
O que significa a falta de vinho para minha Comunidade?
Somos solidários/as diante de tantas realidades de desamor e opressão em nosso meio? Como?
Será que a gente não se encontra talhas de pedras vazias em nossas casas, em nossas Comunidades? Quais são? Porque estão vazias?
O melhor vinho ainda não foi servido. Que vinho é esse, e onde está escondido? Que talhas são essas?
A nossa resposta em oração. O que a Palavra nos leva a falar com Deus?
A espiritualidade que Jesus exige dos seus seguidores/as, apóstolos/as não é uma espiritualidade de sacrifícios, pecado e culpa, nem mesmo de busca da perfeição, mas uma espiritualidade de alegria, ser -feliz, e preocupação com o outro. Com sua presença, participando das bodas, das refeições festivas e dos banquetes, Jesus anunciava e indicava um outro mundo possível, partilha, vida, convivência, alegria, abrindo espaço à participação de todos, sobretudo daqueles que eram excluídos da vida e da religião. Isto é a alegria contagiante do Evangelho.
Diante disso, com confiança, expressemos as nossas preces de pedido de perdão pelas vezes em que o vinho está sendo desperdiçado - o desamor em nós mesmos, em nossas comunidades e na sociedade em geral.
Nossas preces também podem ser de agradecimento a Deus que caminha conosco. Que o seu amor possa orientar as nossas ações cotidianas e que não falte o vinho - a sua bênção em nossa caminhada.
A nossa resposta em ação. O que a Palavra me leva a viver?
A mensagem hoje é simples e questionadora. Nem ritos, nem purificações, poderão me purificar. Só o vinho da convivência e da partilha, é capaz de nos purificar e limpar. Somente quando nós descobrimos o Deus presente dentro de nós, nos outros, no cotidiano da vida e na natureza seremos capazes de sentir a alegria do Reino. Com Jesus, o que é “legal”, “norma vazia”, se transforma em vinho, símbolo da alegria, do júbilo, da festa da chegada do tempo novo do Reino de Deus.
As atitudes de Jesus, sem nenhum tipo de imposição, vão revelando uma nova imagem e conceito de Deus. Deus deixa de ser um ser estranho e distante, atemorizando com o peso da “doutrina” e da “lei”, mas que revela sua face misericordiosa, um Deus que caminha com seu povo.
Na pessoa de Jesus, Deus se manifesta em formas que nos impulsiona a viver mais plenamente. Deus não exige que nos renunciemos nada do que é verdadeiramente humano. A ideia do sofrimento e da renúncia como exigência divina é anti-evangélica.
(Traduzido automaticamente pelo tradutor Google, sem nossa correção)
SEGUNDO DOMINGO DO ANO - CICLO C Primeira leitura (Is 62,1-5)
O profeta canta e sonha com a glória de Jerusalém ao retornar do exílio. Deus vai libertar o seu povo e reconstruir a cidade santa à vista de todas as nações. É algo novo e belo que Deus fará, que se expressa com imagens e símbolos tipicamente nupciais. E também com a mudança de nome, pois passará de “Abandoned” para “My Delight” e de “Devastated” para “Betrothed”. Tudo é obra do amor esponsal de Deus pelo seu povo. Mas, como a metáfora esponsal para expressar as relações entre Deus e o seu povo tem a particularidade da reciprocidade na relação, Deus também recebe do povo, pois nele encontrará alegria como o marido encontra na sua esposa.
No contexto das leituras deste domingo, vale a pena destacar a dimensão esponsal do amor de Deus, apresentada pela primeira vez pelo profeta Oséias, mas que depois continua ao longo da Sagrada Escritura. De fato, "A passagem de Isaías tem uma certa harmonia com o evangelho (Jo 2,1-12). Primeiro vem o motivo da aliança, descrito com a imagem do noivado: “Você será uma coroa esplêndida nas mãos do Senhor, uma coroa real na palma da mão do seu Deus” (v. 3); A seguir está o motivo da glória: “Os povos verão a tua libertação e os reis verão a tua glória” (v. 2). Estes dois motivos, também presentes no texto de João, são aplicados pela liturgia a Cristo”1.
Segunda leitura (1Cor 12,4-11)
Em 12:3 Paulo igualou todos os crentes como “espirituais” (pneumático). Agora em 12,4 mantendo isso unidade na origem – o mesmo Espírito – leva em conta o diversidade ao nível do carismas. Desta forma, Paulo procura ampliar a perspectiva dos coríntios sobre os dons do Espírito Santo e, ao mesmo tempo, fortalecer a unidade da comunidade (v. 4). Para confirmar esta coexistência do unidade com o diversidade Ele cita outros dois exemplos: os vários serviços ou ministérios em relação ao único Senhor (v. 5); e diversas obras com um só Deus, “que tudo realiza em todos” (v. 6).
Em 12:7-11 temos uma lista de dons conferidos pelo Espírito a diversas pessoas que é uma explicação de 12:4 e que cComeça em 12:7 dando um princípio geral: “A cada um é dada a manifestação (fanerose) do Espírito para utilidade (prós para Sympheron)”. Aqui São Paulo ensina que eles são os dons visíveis ou manifestos aqueles dados a cada cristão em particular e que seu propósito é a edificação ou crescimento pessoal e comunitário.
A frase final (“Mas em tudo isto é o mesmo e único Espírito que actua, distribuindo os seus dons a cada um em particular como lhe apetece.”, 12,11) resume o que foi dito sobre o unidade no mesmo e único Espírito, mas acrescenta outro critério que fundamenta a distribuição dos dons e que deixa segura a Liberdade divina: o Espírito distribui “de acordo com seu desejo”.
Evangelho (Jo 2,1-11):
O texto começa dizendo: “três dias depois”. No capítulo anterior, o evangelista já havia repetido três vezes a expressão.resolução “no dia seguinte” (Jo 1,29.35.43); o que nos diz que se passaram 4 dias de atividade de Jesus e, portanto, o “três dias depois” Eles nos colocam no sétimo dia. É no sábado quando o primeiro sinal do casamento em Caná. O evangelista João usa o esquema de sete dias ou uma semana apresentar o início da atividade de Jesus; assim como o Antigo Testamento o usou para apresentar a criação do mundo em Gênesis 1:1-2:4. Paralelamente ao Criador, Jesus nos primeiros seis dias da sua atividade chama as pessoas e cria a comunidade, a nova humanidade. O sétimo dia, ou seja, sábado, é feriado e Jesus realiza o “início ou início dos sinais” (começo dos sinais em 2.11). De facto, ao longo dos capítulos seguintes realizará ainda outros sinais, sempre no sábado (cf. Jo 4,54; 5,16; 6,14; 9,16; 12,18; 20,30).
Outros exegetas preferem ver na expressão “no terceiro dia” uma referência à teofania do Sinai (“esteja preparado para o terceiro dia; Porque no terceiro dia o Senhor descerá ao monte Sinai, à vista de todo o povo” (Êxodo 19:11).). Notemos, por fim, que a expressão “três dias depois” ou “no terceiro dia” Refere-nos também ao grande e definitivo sinal da Ressurreição de Jesus, a maior obra de Deus.
Na apresentação a seguir, os termos “casamento” são importantes (casamento) e "vinho" (vinho) que são repetidos duas vezes cada em 2,1-3; e seu valor simbólico deve ser levado em consideração. Fala-se também da presença da “mãe de Jesus” – em primeiro lugar surpreendente – e depois Jesus e os seus discípulos são mencionados como convidados. Nada é dito sobre os noivos ou suas famílias.
Portanto, Jesus e Maria aparecem como os principais protagonistas da história, como veremos. As diversas fontes judaicas nos informam que uma festa de casamento com tais características durava muitos dias, sete em geral. Portanto, é plausível o que aconteceu: que o vinho acabou. E é Maria quem percebe esta falta de vinho e a comunica a Jesus (2,3).
A resposta de Jesus em 2, 4 «O que eu tenho com você, mulheres? Minha hora ainda não chegou» (e eu e você, mulher? ou minha hora chegou) é algo surpreendente. Aparentemente Jesus julga que não é apropriado intervir ainda porque “a sua hora” ainda não chegou. No evangelho de João, a “hora” de Jesus é a Evento pascal de paixão, morte e ressurreição. Essa “hora” é o momento esperado, anunciado, preparado e realizado. É o “tempo” de passar deste mundo para o Pai. É a “hora” de Cristo como cumprimento das promessas (cf. 12:23; 13:1; 17:1).
Quanto a se referir à sua mãe como “mulheres” comenta J. Meier2: "A palavra “mulher” aqui, é claro, não é um discurso depreciativo nem uma recusa irada, uma vez que Jesus a usa quando se dirige às mulheres em outras passagens de João, em todas as quais ele apela a uma fé inicial ou mais profunda: a mulher samaritana no bem, em 4:21; Maria Madalena ao lado do túmulo vazio, em 20h15, e (em acréscimo posterior) a mulher adúltera, em 8h10. Contudo, fora do Quarto Evangelho, não há nenhum exemplo no AT ou no NT de um filho se dirigindo à sua mãe biológica simplesmente como “mulher”. Levando em conta este estranho tratamento, mais a omissão sistemática do nome de Maria em favor da expressão formal “a mãe de Jesus”, a conclusão natural é que o evangelista está tentando sugerir algum tipo de relação simbólica entre Jesus e sua mãe.".
A seguir, Maria e Jesus, dois convidados do casamento, são quem dá as ordens aos servos: "faça tudo o que ele mandar","encha os potes com água","retire agora e leve o atendente do banquete". E os servos fazem o que lhes é ordenado. João enfatiza a obediência imediata e perfeita dos servos – diakonoi – notando que com esta mesma palavra João designa os verdadeiros discípulos de Jesus em outra passagem: “Onde eu estiver, lá estará meu servo (diáconos)" (Jo 12,26). Os “servos” que obedecem a Jesus representam o novo povo de Deus, os discípulos de Jesus, que "eles continuam" fielmente ao seu Mestre, eles o "servem" e permanecem ao seu lado.
O texto fala de seis potes “vazios” que estavam cheios de água até a borda. O fato de os jarros ficarem vazios durante uma festa chama a atenção porque neles eram realizados os ritos de purificação. A capacidade de cada um dos potes é de “duas ou três medidas” (cerca de oitenta ou cem litros); de modo que se obtêm cerca de quinhentos ou seiscentos litros de “bom vinho”, muito superior ao anterior. Qual é o valor simbólico de tudo isso?
Os Padres da Igreja viram na "água das purificações" uma figura do Lei, que Jesus transforma no Graça do Evangelho. A purificação através da Lei de Moisés terminou; agora será fruto do Evangelho, da Palavra de Cristo (cf. Jo 15,3). Além disso, o facto de estarem vazios indicaria que a lei esgotou todas as suas possibilidades e já não pode gerar vida e deve dar lugar ao “vinho novo” da Graça.
Também o vinho Tem uma importância singular porque é nomeado cinco vezes; e a sua abundância é significativa porque caracteriza os tempos messiânicos (cf. Is 25,6; J1 2,24…). Na verdade, o vinho novo das bodas de Caná é o vinho messiânico que Ele conservou até agora porque Jesus transforma a água da Lei antiga no vinho da Lei nova: “Se a Lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade chegaram até nós por meio de Jesus Cristo" (Jo 1,17). Estas palavras do primeiro capítulo são contadas no segundo capítulo. A nova Lei, a Lei da graça e da verdade, nos é dada através de Jesus Cristo, na “manifestação” que Ele faz de Si mesmo. Mais ainda, como salienta J. Meier, a conversão da água destinada à purificação judaica no bom vinho do fim dos tempos parece estar de acordo com o tema joanino da substituição do judaísmo pelo cristianismo. E também a transformação da antiga aliança numa nova, muito melhor e superior.3.
Em 2:11 a narrativa termina comentando: “Este foi o início dos sinais de Jesus, e ele o fez em Caná da Galiléia. Assim manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele”. Portanto, o objetivo deste primeiro sinal (e de todos os sinais que revelam a “glória” de Jesus) é levar os discípulos a uma fé cada vez mais aprofundada. Neste sentido, o milagre de Caná é o culminar do que é narrado desde 1:35 em que os primeiros discípulos começam a seguir Jesus.
O primeiro capítulo termina com a promessa de que o discípulos verão coisas muito maiores: o Filho do Homem e os anjos subindo e descendo sobre ele. Agora, além destas declarações cristológicas, nunca é dito expressamente que os discípulos passaram a acreditar em Jesus; enquanto em 2:11 o evangelista usa o verbo “crer” pela primeira vez (acreditar) em relação a o discípulos que Jesus reuniu. Tendo visto a sua glória revelada no primeiro sinal, «os seus discípulos eles acreditaram nele". Você pode ver como 2:11 serve de dobradiça, concluindo, por um lado, a reunião dos primeiros discípulos, que já acreditam, e, por outro lado, iniciando a série de sinais que revelarão progressivamente a identidade-glória de Jesus e isso levará os discípulos a uma fé mais profunda. A este respeito, F. Moloney diz4: “Não bastava acreditar que Jesus era o cumprimento das esperanças messiânicas, nem chegar a acreditar nele pelo seu conhecimento milagroso de coisas que lhe deveriam ter sido escondidas. A maior fé o levará a contemplar a revelação do divino em Jesus, o Filho do homem”.
Após esta análise podemos afirmar que o evangelista vê nas bodas de Caná um símbolo das bodas messiânicas de Jesus com o novo povo de Deus, representado em Maria e nos discípulos. As bodas de Caná antecipam como sinal o mistério pascal como acontecimento da aliança nupcial, cumprimento e superação da aliança do Sinai.
X. A síntese de León-Dufour é boa5: “O objetivo do episódio é marcar o cumprimento da aliança entre Deus e Israel e o cumprimento das esperanças e promessas através da obra de Jesus. O Messias, anunciado e reconhecido em Jo 1, 19-51, reúne a sua comunidade de discípulos em torno de um banquete de casamento, figura e presença dos últimos tempos. Segundo o simbolismo do evangelista, a mãe de Jesus é Israel que experimenta o vazio da sua situação sem Cristo e se abre com confiança à iniciativa de Deus. Realizando uma esperança secular, Jesus anuncia figurativamente que o fiel Israel foi ouvido, com excessiva generosidade, pois afeta a salvação de toda a humanidade. O prólogo narrativo termina com o protótipo dos sinais: a antiga aliança torna-se, através da presença e da palavra de Jesus de Nazaré, a nova aliança.”
Algumas reflexões:
Embora já tenhamos iniciado o tempo do ano, o evangelho deste domingo ainda está relacionado com o da festa do Batismo do Senhor. Acontece que no Oriente cristão a festa da Epifania era principalmente a celebração da primeira manifestação pública do Senhor que incluía três destinatários: a manifestação aos magos pagãos; a manifestação a Israel no batismo de Jesus; e a manifestação aos discípulos nas bodas de Caná (cf. as antífonas da liturgia das horas da Epifania). No Ocidente, por sua vez, a Epifania centrou-se no episódio dos sábios; o batismo do Senhor foi transferido para o domingo seguinte; e o evangelho das bodas de Caná é lido neste segundo domingo do ciclo do ano C6. Portanto, o sentido litúrgico do evangelho de hoje é o manifestação do Senhor Jesus, o primeiro que nos conta o evangelho de João.
Nas bodas de Caná, Jesus manifesta-se como o Esposo Divino do seu novo Povo, a Igreja. É uma boa notícia extraordinária, vinda de Deus e do seu amor por nós. Da sua proximidade e até do seu amor apaixonado. Isto já foi prefigurado no AT porque "Os profetas Oséias e Ezequiel, sobretudo, descreveram esta paixão de Deus pelo seu povo com ousadas imagens eróticas. A relação de Deus com Israel é ilustrada com a metáfora do namoro e do casamento; Portanto, idolatria é adultério e prostituição" (Bento XVI, "Deus é Amor" n. 9). E "A verdadeira originalidade do Novo Testamento não consiste em ideias novas, mas na figura do próprio Cristo, que dá carne e sangue aos conceitos: um realismo sem precedentes" (“Deus é amor” Nº 12). Só temos - nada mais e nada menos - acredite e experimente este amor apaixonado de Jesus por nós e aceite a novidade do evangelho, aceite a transformação da água em vinho, a passagem do regime da Lei para a vida da Graça. Ou seja, deixar-se amar e salvar por Deus.
Sabemos que não é fácil aceitar de todo o coração esta boa notícia. Os israelitas no exílio resistiram à boa nova de libertação anunciada pelo segundo Isaías (primeira leitura). Um orgulho subtil impede-nos de desistir de nos salvar e de nos abrirmos à salvação que vem através da misericórdia de Deus. Preferimos ficar com o potes “cheios” do nosso água; e não aceitar a “eterna novidade” do vinho novo e melhor (cf. Ex. 94-95).
Hoje também somos convidados a meditar sobre tantas “vazio”, como os jarros de Caná, que estão em nossas vidas. Vazio de amor, de amizades, de sentido na vida. Quanto precisamos para sermos felizes, para sermos realizados. E também experimentamos o vazio das ofertas consumistas do mundo que nunca nos preenchem totalmente. Espero que tomemos consciência dessas lacunas e contemos isso a Maria. Porque Maria sempre se dá conta das nossas lacunas, do que nos falta, e conta isso a Jesus para que ele nos ajude, para que nos preencha com o seu amor. O Senhor veio para isso, é a sua missão, é o que Deus lhe ordenou que fizesse conosco.
O Papa Francisco disse sobre este evangelho no Angelus de 16 de janeiro de 2022: “Notamos que o evangelista João não fala de milagre, ou seja, de um fato poderoso e extraordinário que gera admiração. Ele escreve que um sinal que aumenta a fé dos discípulos. Podemos então perguntar-nos: o que é um “sinal” segundo o Evangelho?
Um sinal é uma indicação que revela o amor de Deus, que não exige atenção sobre a força do gesto, mas sobre o amor que o causou. Ensina-nos algo do amor de Deus, que está sempre próximo, terno e compassivo. O primeiro sinal acontece enquanto dois cônjuges estão em dificuldades no dia mais importante de suas vidas. No meio da festa falta um elemento essencial, o vinho, e corre-se o risco de a alegria se extinguir em meio às críticas e insatisfações dos convidados. Vamos imaginar como uma festa de casamento pode continuar apenas com água. É terrível, os esposos se sentem muito mal!
A Virgem percebe o problema e discretamente o aponta a Jesus. E Ele intervém sem clamor, quase sem ser notado. Tudo acontece tranquilamente, “por trás da cortina”: Jesus manda os servos encherem as ânforas com água, que se transforma em vinho. É assim que Deus age, com proximidade, com discrição. Os discípulos de Jesus compreendem isto: vêem que graças a Ele a festa de casamento é ainda mais bela. E eles também veem o caminho dos gestos de Jesus, do seu servir sem ser visto - Jesus é assim: ajuda-nos, serve-nos de forma escondida - tanto que os elogios pelo vinho são depois dirigidos ao marido, ninguém se apercebe do que aconteceu, apenas os servos. Assim começa a desenvolver-se nos discípulos o germe da fé, ou seja, eles acreditam que Deus, o amor de Deus, está presente em Jesus.
É lindo pensar que o primeiro sinal que Jesus realiza não é uma cura extraordinária ou um prodígio no templo de Jerusalém, mas um gesto que vai ao encontro de uma necessidade simples e concreta das pessoas comuns, um gesto doméstico, um milagre – digamos assim assim — “na ponta dos pés”, discreto, silencioso. Ele está pronto para nos ajudar, para nos elevar. E então, se estivermos atentos a estes “sinais”, o seu amor nos conquista e nos tornamos seus discípulos.
Mas há outra característica distintiva do sinal de Caná. Geralmente o vinho oferecido no final da festa era o menos bom; Isso também se faz hoje, as pessoas daquela época não distinguem muito bem se um vinho é bom ou se é um pouco aguado. Jesus, por outro lado, faz a festa terminar com o melhor vinho. Simbolicamente isto nos diz que Deus quer o melhor para nós, quer que sejamos felizes. Não estabelece limites e não nos pede juros. No sinal de Jesus não há espaço para segundas intenções, para reivindicações relativas aos cônjuges. Não, a alegria que Jesus deixa no coração é uma alegria plena e altruísta. Não é uma alegria diluída!
Sugiro um exercício que pode nos fazer muito bem. Tentemos hoje procurar entre as nossas memórias o sinais que o Senhor realizou em nossas vidas. Diga cada um: na minha vida, que sinais tem o Senhor? Que sinais vejo da sua presença? São sinais que Ele realizou para nos mostrar que nos ama; Pensemos naquele momento difícil em que Deus me fez experimentar o seu amor... E perguntemo-nos: com que sinais, discretos e cuidadosos, ele me fez sentir a sua ternura? Quando me senti mais próximo do Senhor, quando senti a sua ternura, a sua compaixão? Cada um de nós viveu esses momentos em nossa história. Vamos procurar esses sinais, vamos lembrar. Como descobri sua proximidade? Como uma grande alegria permaneceu em meu coração?
Revivamos os momentos em que experimentamos a sua presença e a intercessão de Maria. Que Ela, a Mãe, que, como em Caná, está sempre atenta, nos ajude a valorizar os sinais de Deus na nossa vida”..
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
Eles não têm vinho
Assim meu Senhor manifestou sua Glória
Ele deixou sua mãe, senhora discreta
Marque a hora
Foi o casamento dos casamentos
Quando o próprio Deus em pessoa
foi convidado
Gesto incrível do Senhor
Isso nunca será esquecido.
Ele abençoou a união do amor:
Homem e mulher foram criados.
Na forma de vinho novo
O melhor que eles já experimentaram
Isso prenunciou sua paixão.
E embora não tenha sido entendido dessa forma
o milagre foi reconhecido
e seu poder.
que pela boca de uma mulher
A vontade do Pai foi expressa
A quem só Ele sabia obedecer. Amém.
[1] G. Zevini – P. G. Cabra, Letio divina para cada día del año. Vol 15, Verbo Divino, Estella, 2003, 6-
[2] Un judío marginal. Nueva visión del Jesús histórico. Tomo II/2: Los milagros (Verbo Divino; Estella 2000).
[3] Un judío marginal. Nueva visión del Jesús histórico. Tomo II/2: Los milagros (Verbo Divino; Estella 2000). A partir de san Ireneo es también la interpretación común de los Padres de la Iglesia y de Sto. Tomás de Aquino. En la misma línea se posiciona X. León-Dufour, Lectura del evangelio de Juan. Jn 1-4. Vol. I, 187-190.
[4] El evangelio de Juan (Verbo Divino; Estella 2005) 65.
[5] Cf. Lectura del evangelio de Juan, 191.
[6] Cf. CEA, Dios con nosotros. Orientaciones para las homilías del tiempo de Adviento y Navidad Ciclo C (Buenos Aires; 2000) 124.