09/03/2025
1ª Leitura: Deuteronômio 26,4-10
Salmo 90(91)-R- Em minhas dores, ó Senhor, permanecei junto de mim!
2ª Leitura: Romanos 10, 8-13
Evangelho de Lucas 4,1-13
"1.Cheio do Espírito Santo, voltou Jesus do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto, 2.onde foi tentado pelo demônio durante quarenta dias. Durante esse tempo ele nada comeu e, terminados esses dias, teve fome. 3.Disse-lhe então o demônio: “Se és o Filho de Deus, ordena a esta pedra que se torne pão”. 4.Jesus respondeu: “Está escrito: Não só de pão vive o homem, mas de toda a Palavra de Deus (Dt 8,3)”. 5.O demônio levou-o em seguida a um alto monte e mostrou-lhe em um só momento todos os reinos da terra, 6.e disse-lhe: “Eu te darei todo este poder e a glória desses reinos, porque me foram dados, e dou-os a quem quero. 7.Portanto, se te prostrares diante de mim, tudo será teu”. 8.Jesus disse-lhe: “Está escrito: Adorarás o Senhor, teu Deus, e a ele só servirás” (Dt 6,13). 9.O demônio levou-o ainda a Jerusalém, ao ponto mais alto do templo, e disse-lhe: “Se és o Filho de Deus, lança-te daqui abaixo; 10.porque está escrito: Ordenou aos seus anjos a teu respeito que te guardassem. 11.E que te sustivessem em suas mãos, para não ferires o teu pé nalguma pedra” (Sl 90,11s). 12.Jesus disse: “Foi dito: Não tentarás o Senhor, teu Deus” (Dt 6,16). 13.Depois de tê-lo assim tentado de todos os modos, o demônio apartou-se dele até outra ocasião".
Lc 4,1-13
As tentações de Cristo não são propriamente de ordem moral. São tentações messiânicas. Dito em outras palavras: são projetos alternativos que Satanás apresenta para se substituir ao projeto do Pai; são propostas falsas para viver a missão; consistem em projetos de salvação ao modo e medida de Satanás! Satanás tem um “projeto de salvação para o mundo e para a humanidade”, e tal projeto é apresentado para Jesus! Nisso está a tentação.
A primeira tentação é a tentação do pão. Depois de jejuar 40 dias sem nada comer, Jesus sentiu fome. Jesus buscava o mais alto e acabou por se encontrar com o mais urgente. Ele deseja viver da Palavra de Deus, mas descobre a necessidade mais imediata e imperativa do pão. É nesse momento que a voz de Deus parece se calar. Permanece somente a voz da fome que ressoa não só no estômago, mas sobretudo no coração. É nesse momento também que o diabo faz a sua proposta: “se és Filho de Deus, manda que esta pedra se mude em pão”. O Diabo aparece como bom conselheiro. Descobriu a necessidade material e insiste nela. Quer que Jesus empenhe sua divindade no aspecto puramente econômico do homem; quer que Ele resolva os problemas de alimentação. No fim das contas, o Diabo deseja que Jesus faça da riqueza material o ídolo da humanidade.
Jesus responde: “não só de pão vive o homem”. Não é que Jesus se revolte contra o pão. Não é que ignore os que passam fome no mundo: ele os ajuda com todos os meios, principalmente fazendo de sua vida alimento para os pobres (eucaristia). Mas Jesus não quer comprar as pessoas com o pão. Ele não vive a missão messiânica simplesmente para resolver os problemas econômicos do mundo. Ele não pensa que a resolução de todos os problemas se limite à economia.
A segunda tentação é do poder. Sozinho no deserto, Jesus experimenta que maior do que o apetite de alimento é a fome de poder. Ele experimenta como é desejável poder mandar nos outros, organizando e dispondo da vida dos outros. Afinal, Jesus não veio para governar o mundo? Não é ele o príncipe da paz? Não deve ele construir a unidade de toda a humanidade?
O diabo é bom tentador: soube escolher bem a palavra certa, tem a capacidade de mostrar todo o poder e a glória do mundo, sabe como ninguém mostrar como é sedutora a possibilidade de possuir todo o poder e glória do mundo. Mas, por fim, deve explicar que tudo isso tem um preço: “tudo isso será teu... se te prostrares diante de mim”. O Diabo exige adoração; oferece o poder, mas exige em troca servidão a ele!
Jesus responde com a Palavra de Deus: “Adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás”. Só Deus merece adoração! Não devemos adorar o poder! Não podemos adorar o esplendor do mundo no lugar de Deus! Adorar Deus é libertador, porque Deus não é um poder que se impõe, mas graça que liberta! Sua adoração não exige em troca a servidão. A verdadeira liberdade não se consegue por meio da força, nem pode se estruturar em controle absoluto.
Hoje vemos como temos meios de manipular as consciências, como podemos vencer influenciando por meio de notícias falsas e desinformação. A Igreja deve entrar na mesma lógica de controle da consciência? Há muitos que acusam a Igreja de ser dogmática, de submeter as pessoas ao controle sufocante de uma moral desumana, de impedir a liberdade de consciência. Infelizmente há muitos “cristãos” que desejam que a Igreja use de seus recursos para controlar e submeter as consciências.
A terceira tentação é a da segurança religiosa que consiste em dispor de Deus para ter a certeza da proximidade visível dEle. É a tentação de querer manipular Deus em favor das pessoas para convencê-las. É a tentação de quem quer se apresentar como representante de Deus, empregando para isso o poder dos milagres.
O diabo soube escolher bem esta tentação. Todos sofremos a tentação de trazer Deus ao próprio controle. Temos necessidade de sinais evidentes da proximidade e da proteção de Deus; temos a necessidade de termos as respostas definitivas e miraculosas. O diabo propôs a Jesus que se utilize do poder de Deus para se impor aos indecisos e medrosos da terra.
A resposta de Jesus é clara: “não tentarás o Senhor teu Deus”. Jesus desmascara a vontade que temos de manipular Deus para os nossos interesses. Tentar Deus significa empregar o seu nome a meu serviço, como prova impositiva que resolva meus problemas. Deus não pretende se impor às consciências! Ele não quer subjugar pela força dos milagres.
A Igreja sempre deverá enfrentar a tentação de buscar o religioso para obter boa reputação, renome e prestígio; seguir Jesus, tendo em vista obter honras para si.
É a nossa grande tentação. Reduzir todo o horizonte da nossa vida à mera satisfação dos nossos desejos: esforçarmo-nos por transformar tudo em pão para alimentar os nossos desejos.
A nossa maior satisfação, e às vezes quase a única, é digerir e consumir produtos, artigos, objetos, espetáculos, livros, televisão. Até o amor ficou convertido muitas vezes em mera satisfação sexual.
Corremos a tentação de procurar prazer para além dos limites da necessidade, mesmo em detrimento da vida e da convivência. Acabamos lutando para satisfazer os nossos desejos, mesmo à custa dos outros, provocando competitividade e guerra entre nós.
Enganamo-nos se pensamos que esse é o caminho da libertação e da vida. Pelo contrário, nunca sentimos que a procura exacerbada do prazer conduz ao aborrecimento, ao tédio e ao esvaziamento da vida? Não estamos vendo que uma sociedade que cultiva o consumo e a satisfação não faz mais do que gerar insolidariedade, irresponsabilidade e violência?
Esta civilização, que nos "educou" para a busca do prazer para além de toda a razão e medida, necessita de uma mudança de direção que possa dar-nos um novo alento de vida.
Temos que voltar para o deserto. Aprender com Jesus, que se recusou a fazer maravilhas por pura utilidade, capricho ou prazer. Escutar a verdade que se encerra nas suas inesquecíveis palavras: «Não só de pão vive o homem, mas de cada Palavra que sai da boca de Deus».
Não precisamos nos libertar da nossa avidez, egoísmo e superficialidade, para despertar em nós amor e generosidade?
Não precisamos escutar Deus, que nos convida a desfrutar criando solidariedade, amizade e fraternidade?
“Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão, e, no deserto, ele era guiado pelo Espírito” (Lc 4,1)
Estamos no início do percurso quaresmal, em sintonia com toda a Igreja que celebra o Jubileu ordinário, inspirado no tema: “Peregrinos de esperança”.
Na verdade, os caminhos estão dentro de nós. Sem caminhos nos sentimos perdidos, confusos, sem rumo, sem bússola e sem estrelas para orientar as noites de nossa existência. Mas, é preciso perguntar aos caminhos o porque das distâncias, porque às vezes são tortuosos, cansam e são difíceis de serem percorridos. Eles guardam os segredos dos pés dos caminhantes: o peso de sua tristeza, a leveza de sua alegria ao encontrar a pessoa amada, as descobertas surpreendentes, o encontro com o diferente...
Mais do que ser-de-caminho, o ser humano é ser-caminho: caminho da vida, caminho da verdade, caminho da justiça, caminho do coração, caminho do amor, caminho da
ciência, caminho da ética, caminho da solidariedade... Cada pessoa tem a responsabilidade de ser caminho para os outros.
Caminho escancarado à passagem da humanidade peregrina. Caminho acolhedor; caminho aberto e solidário; caminho ecumênico; caminho plural; caminho sedutor.
Esta é a grande esperança que dignifica toda a humanidade.
Tornar-nos “peregrinos” é a experiência de uma grande liberdade pela via do desprendimento (coisas, apegos, poder, riquezas, ideias fixas, posturas fechadas, conservadorismo...) e aí se abre a possibilidade de um encontro com o Transcendente, com o Deus Peregrino.
Assim, a contemplação da vida de Jesus nos move à liberdade e se manifesta como um chamado a uma vida mais simples, partilhada, apaixonada, natural, livre, transcendente, intensa, comprometida...
Este é o sentido do relato lucano das “tentações de Jesus no deserto”.
Para o povo que peregrina no deserto, é essencial conhecer direções e entender ventos. E para o coração que peregrina no deserto da vida, é essencial conhecer os caminhos do Espírito e os ventos da Graça.
Com sua austeridade e simplicidade, o deserto não é lugar de experiências fúteis e superficiais.
A profundidade da identidade de uma pessoa é testada e experimentada no deserto.
Quem anda no deserto sente profundamente o que é o “nada”; o deserto grita o nosso “nada”, nos coloca entre a areia e o céu, o nada e o Tudo, o eu e Deus.
A prática do “deserto” é um fator sempre presente em toda procura séria de Deus.
De Deus viemos. N’Ele somos. N’Ele vivemos. Para Ele caminhamos. Peregrinos espertos em discernir rumos e encruzilhadas. Somos caravana que avança em êxodo continuado. Vida nômade, provisória.
Peregrinar sem morada permanente. Tenda ambulante, não casa sólida de pedra. Somos pessoas de muitas tendas, de muitos acampamentos. Nada definitivo. Estado de itinerância evangélica, traço característico de Jesus e de todo(a) seu(sua) seguidor(a). O mundo, nossa casa sem paredes.
Caminhar em direção a Quem é sempre maior, rumo ao destino prometido.
A tríplice tentação de Jesus no deserto condensa os “impulsos ou dinamismos” mais importantes que o ser humano experimenta e que, quando alimentados, podem afastá-lo do melhor de si: o ter, o poder e o prestígio (fama). Nesse sentido, Jesus não vive para seus interesses, mas em docilidade à Vontade de Deus; Jesus não é um Messias que se impõe pelo poder nem pelo êxito; a única força que o move é a fidelidade ao Pai e à missão.
Para muitos, sempre será tentador utilizar o espaço religioso para alimentar a vaidade, buscar reputação, poder e prestígio. Poucas coisas são mais ridículas no seguimento de Jesus que a ostentação e a busca de honras. Causam danos à comunidade cristã e a esvaziam de sua verdade.
As tentações que são descritas em Lucas não são propriamente de ordem moral. O relato nos está advertindo de que podemos arruinar nossa vida se nos desviamos do caminho que Jesus trilhou.
Jesus, nas suas tentações, não cita a Escritura para justificar seus interesses.
Na primeira tentação, Ele renuncia utilizar o nome de Deus para “transformar” as pedras em pães e, assim, saciar sua fome. Ele não segue esse caminho; não vive buscando seu próprio interesse; não utiliza o Pai de maneira egoísta.
Alimenta-se da Palavra viva de Deus e só “multiplicará” os pães para saciar a fome da multidão.
Na segunda tentação, Jesus renuncia conquistar “poder e glória”, e não se submete, como todos os poderosos, aos abusos, mentiras e injustiças nas quais se apoia o poder diabólico. Jesus rejeita a tentação do poder porque, para Ele, não há outro meio de salvação e libertação a não ser a solidariedade até a extrema radicalidade. O Reino de Deus não se impõe, mas se oferece com amor. Por isso, Jesus só adora o Deus dos pobres, dos fracos e indefesos.
Na terceira tentação, Jesus renuncia cumprir sua missão recorrendo ao êxito fácil e à ostentação. Não será um Messias triunfalista. Nunca manipula Deus a serviço de sua vanglória. Está entre os seus como aquele que serve.
A contemplação de Jesus no deserto desmascara aquelas atitudes que afogam em nós a possibilidade de viver o seguimento d’Ele com mais intensidade; tal exercício desmascara nosso modo de viver o cristianismo, acomodado aos critérios do mundo, ou seja: insensibilidade do coração, deixar-nos prender pelas garras do consumismo, concretizado nos “afetos desordenados” ou apegos aos bens, poder, autoimagem, lugares, pessoas, títulos..., que acabam esvaziando nossa vida e nos deslocando do essencial. É uma espécie de "embriaguez existencial" na qual a alteridade desaparece, a abertura a Deus se atrofia e a gratidão frente aos bens se esvazia.
Diante das carências existenciais, surge a tentação de buscar compensações, que exigem investimento afetivo, nos tiram do foco e nos fazem cair em estado de letargia e acomodação. Mas, todas essas compensações têm algo em comum: elas nos fazem adormecer e, desse modo, abortam a novidade que poderia brotar em nós e atrofiam a esperança, pois nos prende ao mais imediato (fixação afetiva).
O caminho da transformação implica reconhecer a importância da vida simples e sóbria. É sábio tomar consciência de que vivemos uma superexcitação do desejo de posse. É preciso fazer a experiência de que podemos prescindir da maioria das coisas que nos são oferecidas. O papa Francisco nos recorda que “a espiritualidade cristã propõe um modo alternativo de entender a qualidade de vida, encorajando um estilo de vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda alegria, sem estar obcecado pelo consumo. É importante adotar um antigo ensinamento, presente em diferentes tradições religiosas e também na Bíblia.
Trata-se da convicção de que ‘quanto menos, tanto mais’” (Laudato si’, n. 222).
“Fazer estrada com Jesus” não nega nossas necessidades e desejos naturais, mas reordena nossas prioridades e nos recorda constantemente que Ele está nos chamando e nos atraindo para um modo alternativo de viver, mais humano e mais leve.
Para meditar na oração:
A oração sobre as “tentações de Jesus” nos ajuda a tomar consciência das alianças e cumplicidades nas quais podemos cair em nossas relações com o mundo e com aqueles elementos que de modo mais decisivo põe em perigo nossa liberdade: as riquezas, o poder, o prestígio.
- No fundo, a questão fundamental é esta: a que “reino” estou servindo? O “reino” do meu ego, ou o Reinado do Pai, no seguimento de seu Filho?
- Quais “tentações” exercem maior sedução em minha vida? Onde estou investindo o melhor de minha vida?
No Evangelho de Lucas, em Lc 4,1-13, está a narrativa das tentações de Jesus com algumas diferenças em relação aos Evangelhos de Mateus (Mt 4,1-11) e de Marcos (Mc 1,12-13). Que tipo de pessoa Jesus se torna para testemunhar um caminho de libertação e salvação dos oprimidos?
Lucas retoma a ordem do Evangelho de Marcos, interrompida para colocar a genealogia de Jesus, mas conserva de Marcos somente "durante quarenta dias no deserto" e "o tentava". Omite os detalhes com que Marcos termina sua narração global das tentações de Jesus. Em Marcos, a tentação é narrada de forma genérica e abstrata, enquanto que Lucas utiliza materiais provenientes da Fonte "Q" para especificar a natureza concreta das tentações, igual a Mateus (cf. Mt 4,2b-10).
Talvez alguém pudesse imaginar que, por se tratar de experiência tão íntima do próprio Jesus, os discípulos e as discípulas podem ter sabido disso pelo próprio Jesus que partilhou com eles e elas como foi importante para ele discernir qual a vontade do Pai sobre sua missão e, portanto como ler e interpretar os textos sagrados da Bíblia. De fato, o modo como Lucas conta as tentações as aproxima do que Jesus vai sofrer no Horto das Oliveiras, na noite em que seria preso e entregue aos tribunais para sofrer pena de morte. Lucas termina o seu relato dizendo que o tentador se afastou dele ‘até o tempo oportuno”, que teria sido no Getsemani.
Específicas de Lucas são as seguintes expressões: "cheio do Espírito Santo", "durante todo esse tempo", "poder", "em um instante", o uso invariável do substantivo diabolos (= "diabo") em toda a narração, a motivação que apresenta o diabo em Lc 4,6b e a conclusão do episódio (Lc 4,13). Lucas transformou o plural "pedras", "pães" (Mt 4,3) para sua forma singular; omitiu a "montanha altíssima" de que fala Mt 4,8.
A diferença de ordem das tentações nas versões de Mateus e de Lucas nos leva a perguntar: Qual teria sido a ordem original no Evangelho "Q"? Qual dos evangelistas que alterou a ordem originária? O biblista K. H. Rengstorf sugere que Lucas segue a ordem dos três pedidos no Pai Nosso: 1) "Proclamar que teu nome é santo"; 2) "Que chegue o teu reino"; 3) "Dá-nos cada dia o pão para nossa subsistência". É muito fecunda essa aproximação entre o relato das tentações e os pedidos que Jesus propõe no Pai Nosso.
Mateus teria colocado a tentação da "montanha" altíssima" na última posição, porque o tema da "montanha" é particularmente significativo na sua narração evangélica (por exemplo, o discurso da montanha: Mt 5-7; a aparição final de Jesus ressuscitado no monte: Mt 28,16-20; todo o evangelho que tenta apresentar Jesus como o novo Moisés) ou também porque, segundo Mateus, o ponto culminante seria recusar todo culto a Satanás para dedicar-se única e exclusivamente a serviço de Deus.
Mas Lucas preferiu colocar a tentação do pináculo do templo como a última, porque para ele o lugar mais importante está em Jerusalém. Segundo o biblista Bultmann, o episódio é uma criação das primeiras comunidades cristãs para explicar de forma apologética, porque Jesus não fez nenhum milagre/prodígio em proveito próprio nem se acomodou às dominantes ideias messiânicas do seu tempo.
As primeiras comunidades cristãs foram transmitindo diversos relatos de tentação, mas é provável que o relato de Marcos, da tentação, no deserto, constitua a base mais antiga do episódio, em Lucas. É absolutamente impossível provar a realidade histórica destas cenas de tentação, já que não temos o menor fundamento para emitir um juízo histórico. É mais provável que tenha significado simbólico.
As três cenas têm um denominador comum: todas corrigem uma idéia equivocada da missão de Jesus como "Filho" de Deus. O número de "três" tentações indica "toda a vida", “todas as tentações”. As três tentações de Jesus são uma síntese de todas as tentações que Jesus sofreu ao longo de sua missão libertadora.
O biblista Dupont diz que "Jesus fala de uma experiência por ele vivenciada, porém a expressa em linguagem simbólica, perfeitamente apta para impressionar os seus ouvintes". O biblista R. E. Brown chega à seguinte conclusão: "Mateus e Lucas, ou a fonte comum a ambos, não fazem injustiça aos fatos históricos ao concentrar o dramatismo destas cenas em um só episódio e ao desmascarar o verdadeiro autor das tentações, pondo nos seus lábios toda esta carga de sedução". Seja linguagem figurativa ou "dramatismo", o que não pode ser é ingênuo literalismo. Mais do que se tratar de um fato histórico ou não, o sentido teológico é o mais importante.
A narração evangélica apresenta as tentações de Jesus como fenômenos que procedem de fontes externas; não há o mínimo de indício de que provenham de um conflito interior, mas são um símbolo da sedução contida na hostilidade, na oposição e inclusive na recusa ao projeto de Jesus.
As três cenas da tentação descrevem Jesus como Filho de Deus, obediente à vontade do Pai; por isso não cede à sedução de usar seus poderes ou sua autoridade de Filho para uma finalidade distinta da que constitui sua missão. Ao citar três tentações do povo no deserto, conforme o livro do Deuteronômio, faz-se um paralelo entre Jesus e os povos escravizados que se libertaram da escravidão no Egito sob o imperialismo dos faraós. Onde os povos do Primeiro Testamento falharam, Jesus sai vitorioso. E nós podemos vencer as tentações de hoje.
Observe o contexto literário: Lucas inseriu a narrativa das tentações depois da genealogia de Jesus para mostrar que Jesus é humano como qualquer pessoa e, enquanto ser humano, vem de Deus. Lucas tem uma visão dialética da história e trabalha muito com contrastes. Após ter superado as tentações, Lucas mostra Jesus iniciando sua missão pública e apresentando seu programa de libertação integral (Lc 4,16-19) na pequena sinagoga de Nazaré. Como irá colocar em prática esse programa? As tentações são propostas que Jesus rejeitou, porque por meio delas não é possível libertar os oprimidos, pois mágica, poder e idolatria não criam condições de vida e liberdade para todos e todas.
Segundo Lucas, Jesus foi tentado durante quarenta dias, número simbólico que lembra o tempo em que Moisés ficou na montanha (Ex 34,28), sem comer nem beber, a fim de escrever, na intimidade com Deus, o Decálogo da aliança para a nova sociedade. Lembra também o tempo em que o profeta Elias permaneceu no monte Horeb, depois do qual desceu para superar a idolatria imposta pelo rei Acab e pela rainha Jezabel e transformar completamente a sociedade do ponto de vista político e religioso (cf. 1Rs 19,8). Lembra, ainda, os quarenta anos dos hebreus no deserto, com suas tentações de voltar ao Egito, mesmo que fosse para sobreviver como escravo, desde que de barriga cheia, mas sob o imperialismo que massacre de inúmeras formas.
Na Primeira tentação (Lc 4,3-4) - “Se és Filho de Deus, mande que esta pedra se transforme em pão” -, Jesus não aceita se tornar o Messias da acumulação. O diabo é aquele que tem um projeto capaz de perverter o projeto de Deus e de Jesus. Ele quer um deus que seja garantia de prosperidade para uma minoria, um deus de palanque e de status. Jesus recusa ser o messias da abundância porque o projeto de Deus vai além de promessas eleitoreiras: "Não só de pão vive a pessoa humana" (Lc 4,4; cf. Dt 8,3). O texto do Deuteronômio fala do tempo em que o povo vivia no deserto e se contentava em sobreviver assim desde que tivesse pão para comer. A palavra de Javé, porém, tinha objetivos mais amplos: conduzir todos os povos escravizados à plena posse da terra para terem vida e dignidade. Jesus recusa-se a ser o messias da abundância para si, pois sua proposta é a partilha (Lc 11,41) e pão para todos (Lc 9,12-17). Dt 8,3 faz parte de Dt 8,1-6; recorda quando os povos oprimidos, ao marchar no deserto, murmuravam contra Moisés e Arão (Ex 16; Nm 11,7-8). A tentação de abrir mão da caminhada libertadora precisa ser superada. Se parar de caminhar e só pensar em comer, a escravidão volta. Padre Alfredinho, da Fraternidade do Servo Sofredor, gostava de dizer: “Os ricos se salvarão quando aprenderem a passar fome”.
Na segunda tentação (Lc 4,5-8) - “Eu te darei todo esse poder com glória..., se te prostrares diante de mim” -, Jesus não aceita se tornar o Messias do poder. Jesus é tentado a resolver o problema dos oprimidos tornando-se chefe político de estruturas injustas. Refutou com veemência Jesus: “Adorarás ao Senhor teu Deus, e só a Ele prestarás culto” (Lc 4,8 cita Dt 6,13). Todo tipo de idolatria oprime e mata de muitas formas.
O diabo faz exegese no seu modo de ler a Bíblia: descobrir nela a motivação para o poder e o sucesso messiânico. O evangelho diz que Jesus responde ao diabo com outro modo de ler a Bíblia e a experiência histórica dos povos que lutam por libertação, e esse é o da inserção amorosa e do serviço despojado do Servo Sofredor que vai até a cruz, doando a vida a todos/as, primordialmente aos injustiçados/as. A citação completa deste versículo do Deuteronômio mostra claramente que absolutizar-se no poder é repetir ação opressora dos faraós.
São dois modos de ler e interpretar a Bíblia que até hoje existem entre nós nas próprias Igrejas cristãs. Quem lê a Bíblia ou os evangelhos para legitimar pretensões de poder eclesiástico, sagrado e/ou político, faz o mesmo tipo de exegese do diabo no relato das tentações de Jesus.
A mosca azul do poder corrompe muitas pessoas. Jesus tem outros projetos mediante os quais testemunhará um caminho de libertação dos oprimidos. No Evangelho de Lucas, uma de suas principais características é o poder serviço (cf. Lc 22,27).
Na terceira tentação (Lc 4,9-12) - Em Jerusalém, no pináculo do Templo, “Se és Filho de Deus, atira-te para baixo ...” -, Jesus não aceitou se tornar o Messias do prestígio, do status. O diabo quer livrar Jesus da morte. Desta vez cita a Bíblia (Sl 91,11-12). Mas ser messias do prestígio constitui idolatria. "O diabo afastou-se para voltar no tempo oportuno" (Lc 4,13). Este "tempo oportuno" é o final da prática libertadora de Jesus, onde ele vai enfrentar os chefes dos sacerdotes, doutores da Lei e anciãos (cf. Lc 20,1). Eles personificam as tentações que Jesus venceu: crêem que Deus lhes garante a prosperidade. Acham que é o suporte político para as estruturas injustas que defendem e promovem; vivem envolvidos pela busca do prestígio. Jesus vai enfrentá-los. É sua última tentação. Eles o matam, mas a ressurreição é a prova de que o projeto de Deus, mistério de infinito amor, é mais forte que as forças de morte.
Em Lc 22,31-32 Jesus fala aos discípulos que Satanás o instigava para peneirar os discípulos como trigo. Lc 22,31-32 mais Lc 4,13 ("para voltar em tempo oportuno") nos dão elementos textuais para respaldar a tese de que Jesus foi tentado durante toda sua vida (principalmente no seu ministério público) até no momento da morte, e não somente em "40 dias" antes de entrar em campo para a missão. Para sermos filhos de Deus precisamos doar nossa vida aos injustiçados/as de ponta a ponta, a vida inteira.
As tentativas de estabelecer uma conexão entre a narração das tentações de Jesus, de Lucas, com 1 Jo 2,16, onde se menciona "a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e o orgulho da vida", são simplesmente erradas. Também é equivocada a interpretação de que a vitória de Jesus se deve à sua condição de "sumo-sacerdote".
Jesus vence com a ferramenta "da palavra de Deus" (Ef 6,17), pois cita sempre uma passagem do Primeiro Testamento para inspirar um projeto genuinamente humano-divino.
Lucas apresenta as três tentações em uma ordem diferente do Evangelho de Mateus. Este inicia apresentando a tentação da transformação de pedras em pão (primeira tentação), do jogar-se do pináculo do templo e ser salvo pelos anjos (segunda tentação) e a tentação de contemplar em uma alta montanha os reinos com todo o esplendor (terceira tentação) (Mt 4,1-11 e Lc 4,1-13).
No evangelho de Lucas, a primeira tentação se dá no deserto, onde Jesus é tentado a transformar pedra em pão. A segunda acontece na montanha, em que contempla os reinos. A terceira, no pináculo do templo, onde Jesus é tentado a saltar dali para ser salvo pelos anjos. Há uma progressão nas tentações. O clímax do confronto entre Satanás e Jesus aconteceu precisamente em Jerusalém, onde acontecerá a execução do Justo e Inocente com a pena de morte, a pena capital. Assim, a cena na qual Jesus se encontra sobre o pináculo da “casa de seu Pai” se torna muito eloquente, porque no Evangelho de Lucas, “Jerusalém” é o ponto de chegada de Jesus para realizar a missão (Lc 17,11; Lc 19,28-38).
Para as primeiras comunidades cristãs, “Jerusalém” é o ponto de partida para a missão (Lc 24,52). Jerusalém tem uma importância particular, pois é a cidade do “destino” final de Jesus e de onde se irradia a libertação-salvação para todo o gênero humano e toda a Criação. Jesus caminha para Jerusalém como se buscasse alcançar uma meta (Lc 13,22). Lucas valoriza “Jerusalém” não somente como lugar físico, mas primordialmente como lugar teológico que representa a “cidade de Davi”, o monte Sião, de onde o Deus da vida legisla. Lucas se refere a “Jerusalém” com o termo grego Ierousalëm, designação de Jerusalém não como lugar geográfico, mas de lugar sagrado do judaísmo e, talvez, como retornando a compreensão de que Jerusalém simboliza a aliança de Deus com os povos oprimidos, (a nova Jerusalém do Apocalipse 21 e 22). Aliança agora estendida e oferecida a toda a humanidade e até a todo o universo, onde se pode ouvir a voz divina que diz “Faço novas todas as coisas” (Ap 21,5).
Enfim, Jesus não caiu nas tentações da mágica, nem do poder e nem da idolatria. Atualmente, em muitos países a tentação do fascismo, da extrema-direita, com projetos neonazistas, tenta seduzir a maioria do povo insuflando a ilusão de que por meio de ditadura militar-civil-empresarial será possível superar as injustiças socioambientais, políticas e econômicas que se abatem sobre os povos. Ledo engano! Feliz quem não cair na tentação do fascismo, nem do neonazismo da extrema-direita que ronda o mundo!
04/03/2025.
Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, ATUALIZAM o assunto tratado, acima.
1 - “POVO DEU UM PASSO À FRENTE E O MAR VERMELHO SE ABRIU”, Frei GILVANDER, NO QUILOMBO CAMPO GRANDE/MST
https://www.youtube.com/watch?v=CB6_5BN30f4
2 - PREFEITO DE ARAÇUAÍ/MG com PL PARA AMPUTAR APA CHAPADA DO LAGOÃO PARA ABRIR ESPAÇO PARA MINERADORAS
https://www.youtube.com/watch?v=IUeJ6kDXmXU
3 - INJUSTIÇAS SOCIOAMBIENTAIS BRUTAS EM MINAS GERAIS: Frei Gilvander entrevista Dr. Elcio Pacheco, adv
https://www.youtube.com/watch?v=RkXO3Z2HlXM
1. Leitura (Verdade)– O que a Palavra diz?
O texto apresenta duas partes: as tentações de Jesus e o início de sua evangelização. Inicia dizendo que o Espírito fez com que Jesus fosse para o deserto. Todos os três evangelistas (Mateus, Lucas e Marcos) têm como principal autor desse retiro no deserto o Espírito.
Jesus vai para o deserto. Deserto significa lugar desabitado, solitário, desamparado, abandonado. No sentido bíblico, deserto era terra da aridez, símbolo da privação de chuva e de fertilidade. É o lugar da purificação e da pobreza.
No deserto Jesus ficou quarenta dias. Este número recorda os quarenta anos do Povo de Deus no deserto, rumo à libertação. Foram quarenta dias em que Moisés permaneceu no alto do Horeb diante de Deus, para receber as tábuas da lei (Dt 9,9).
Sendo tentado por Satanás, diz o Evangelho. As tentações de Jesus eram para desviá-lo de sua missão messiânica. Convivia com as feras – A frase indica que durante esse tempo Jesus não viu nenhuma pessoa humana.E os anjos o serviam. O evangelho apresenta prova segura da existência dos anjos, não como mensageiros, mas como seres que servem.
Depois que João foi preso, Jesus veio para a Galileia, proclamando a Boa-Nova de Deus.
O texto faz entender que Jesus estava na Judéia e retornou à Galileia onde faz a proclamação do Reino, resumida na conversão e fé no Evangelho. "Convertei-vos". O evangelho, além da fé, exige de cada pessoa o desejo de modificar sua conduta segundo a Boa-Nova.
2. Meditação(Caminho) – O que a Palavra diz para mim?
Conversão. Eis o ponto central da Boa-Nova de Jesus. Devo renovar minhas idéias sobre o Reino. O anúncio de Jesus me chama à conversão.
Agora, num instante de silêncio, verifico em que devo me converter.
2. Oração (Vida)
– O que a Palavra me leva a dizer a Deus?
Ó Pai, enviaste o Teu Filho Eterno para salvar o mundo e escolheste homens e mulheres para que, por Ele, com Ele e nEle, proclamassem a Boa-Nova a todas as nações. Concede as graças necessárias para que brilhe no rosto de todos os jovens a alegria de serem, pela força do Espírito, os evangelizadores de que a Igreja precisa no Terceiro Milênio.
Ó Cristo, Redentor da humanidade, Tua imagem de braços abertos no alto do Corcovado acolhe todos os povos. Em Tua oferta pascal, nos conduziste pelo Espírito Santo ao encontro filial com o Pai. Os jovens, que se alimentam da Eucaristia, Te ouvem na Palavra e Te encontram no irmão, necessitam de Tua infinita misericórdia para percorrer os caminhos do mundo como discípulos-missionários da nova evangelização.
Ó Espírito Santo, Amor do Pai e do Filho, com o esplendor da Tua Verdade e com o fogo do Teu Amor, envia Tua Luz sobre todos os jovens para que, impulsionados pela Jornada Mundial da Juventude, levem aos quatro cantos do mundo a fé, a esperança e a caridade, tornando-se grandes construtores da cultura da vida e da paz e os protagonistas de um mundo novo.
Lucas 4,1-13. Como Jesus, enfrentamos e superamos alienações
Itacir Brassiani
Paulo sublinha enfaticamente que, a partir de Jesus, as diferenças religiosas, culturais e nacionais não importam mais: todos têm o mesmo Senhor, que é generoso para com todos os que a ele se abrem e o invocam. Esta é uma boa notícia acessível e estimuladora. Ao mesmo tempo, é um apelo à comunhão ecumênica e à abertura à verdade do outro, a eliminar os preconceitos e interesses que nos levam a julgar os outros como inferiores e maus, negando-lhes direitos fundamentais.
Depois do batismo no rio Jordão, Jesus sentiu necessidade de compreender melhor aquilo que viu e ouviu. Ele fará isso ao longo da sua vida, mas Lucas condensa este discernimento num tempo e num lugar bem determinados. Com isso, o evangelista sublinha a total identificação de Jesus com o povo hebreu e com toda a humanidade. Efetivamente, Jesus foi tentado, e não somente num período de quarenta dias. Uma leitura atenta dos evangelhos, especialmente do desfecho da missão de Jesus em Jerusalém, deixa claro que a tentação o acompanhou durante toda sua vida.
O Espírito leva Jesus ao deserto, lugar da impotência, da carência e da dependência, mas o Tentador o conduz aos lugares altos, onde a riqueza e o poder brilham mais. O Diabo personifica as forças que se opõem ao plano de Deus, o espírito do poder, da dominação e da manipulação. Jesus se defronta com estas forças e caminhos: fugir das carências comuns a todos as criaturas e agir em causa própria; seguir a lógica da riqueza e do poder que amedronta, expropria e oprime; explorar a fé dos pequenos, manipular as escrituras e transformar a religião num espetáculo.
Prestemos atenção à segunda tentação. “O diabo o levou para o alto; mostrou-lhe, num relance, todos os reinos da terra, e lhe disse: eu te darei todo este poder e a riqueza destes reinos, pois a mim é que foram dados, e eu os posso dar a quem eu quiser.” A proposta é tentadora, mas o custo é altíssimo: renunciar à liberdade e à compaixão “Se te prostrares diante de mim, tudo isso será teu.” Riqueza e poder é o que os adversários da Vontade de Deus oferecem, em troca de obediência e submissão, às pessoas que os servem.
Ao dizer que a pessoa humana não vive somente de pão, Jesus está se referindo a Dt 8,3 e propondo a fidelidade aos princípios da Aliança como garantia de alimento para todos. Afirmando que só a Deus devemos adoração e culto, está descartando a meritocracia e afirmando que não é correto considerar tudo como mérito pessoal (Dt 6,10-15). Dizendo que não devemos colocar Deus à prova, Jesus tem diante de si a passagem Dt 6,16 e recorda o acontecimento de Massa, quando, atravessando o deserto, os hebreus protestaram contra Deus por causa da falta de água.
Reconhecer nossos vínculos com Deus, com os irmãos e irmãs e com toda a criação, reconhecer que tudo é dom recebido e confiado ao nosso cuidado em favor de todos os seres humanos, é uma forma de manter um horizonte que transcende nossos interesses e medos, e de evitar o risco da idolatria. Deus não limita nem se opõe à autonomia humana, mas questiona os valores e instituições menores que colocamos em seu lugar: dinheiro, poder, raça, indivíduo, nação e até a religião. A decisão está posta nas nossas mãos: a quem serviremos, obedeceremos e adoraremos?
Mas assim como Jesus resistiu às tentações, também seus discípulos e discípulas podemos vencê-las. Por isso, além de lucidez para percebê-las, precisamos de coragem e de estratégias adequadas para enfrentá-las. E a quaresma se nos oferece uma espécie de treinamento especial e intensivo para esta luta. Para resistir às tentações que, mesmo sob uma roupagem que aparenta sabedoria, felicidade e sucesso, deixemo-nos guiar pelo Espírito Santo e pelo Evangelho de Jesus de Nazaré. É assim que venceremos o pecado, que é uma espécie de alienação existencial e social.
Jesus de Nazaré, irmão e companheiro dos homens e mulheres nas grandes e pequenas tentações: cura nossa liberdade e liberta nossas utopias, feridas pelo pecado da ambição. Ajuda-nos a descobrir, amar e internalizar tua Palavra, para que ela sustente, guie e julgue todos os nossos projetos, decisões e ações. E não nos deixes ceder à tentação de negar nossa vulnerabilidade, de aderir à lógica do dinheiro e do poder e de manipular a fé dos pobres. E que jamais troquemos a compaixão regeneradora pela busca da prosperidade. Assim seja! Amém!
Chave de leitura
Lucas com um esmero de narrador relata em 4, 1-44 alguns aspectos do ministério de Jesus depois do seu batismo, entre os quais se encontram as tentações do demónio. Diz que Jesus “Cheio do Espírito Santo, retirou-se do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto, onde esteve durante quarenta dias” (Lc 4, 1-2). O sentido que Lucas quer dar às tentações de Jesus é que elas foram uma iniciativa do demónio e não uma experiência programada pelo Espírito Santo. É como se Lucas quisesse expor com clareza a distinção entre a personagem do diabo e a pessoa do Espírito Santo.
O leitor pode legitimamente colocar a pergunta: “Tanto em Lucas como em Mateus existiram possíveis testemunhas das tentações de Jesus?”. A resposta é certamente negativa. Pela narração de Lucas aparece claramente que Jesus e o diabo estão diante um do outro, totalmente sozinhos. As respostas que Jesus dá são tiradas da Sagrada Escritura, são citações do Antigo Testamento. Jesus enfrenta as tentações, em particular o culto que o diabo pretende que Jesus lhe dê, recorrendo à Palavra de Deus como pão de vida, como proteção de Deus.
O recurso à Palavra de Deus contida no livro do Deuteronómio, considerado pelos exegetas como uma longa meditação acerca da Lei, mostra que a intenção de Lucas é a de narrar este episódio da vida de Jesus com o projeto de Deus que quer salvar o homem.
Aconteceram historicamente estas tentações? Por que será que alguns, crentes e não crentes, pensam que as tentações são fantasias de Jesus, totalmente inventadas? Esta questão é tremendamente importante no contexto como o nosso que procura esvaziar de conteúdo histórico e de fé os relatos dos evangelhos. Certamente que não se pode dar uma explicação literal e ingénua, nem pensar que aconteceram de um modo exterior. Parece-nos que a opinião de Dupont é bastante plausível: “Jesus fala de uma experiência que Ele viveu, mas traduzida numa linguagem figurada, apta para atrair a atenção dos seus ouvintes”
Mais que considerá-las como um facto exterior, as tentações são consideradas como uma experiência concreta na vida de Jesus. Esta é, assim me parece, a razão principal que guiou Lucas e os outros evangelistas a transmitir-nos este relato. Não têm fundamento as opiniões que sustentam que as tentações de Jesus são fictícias ou inventadas. Olhando para o Novo Testamento (Jo 6, 26-34; 7, 1-4; Heb 4, 15; 5, 2; 2, 17a) torna-se claro que as tentações foram uma realidade evidente na vida de Jesus. Interessante e aceitável é a explicação de R. E. Brown: “Mateus e Lucas não cometeram nenhuma injustiça à realidade histórica dramatizando as referidas tentações dentro de uma cena, e mascarando o verdadeiro tentador colocando estas provocações nos seus lábios.
Podemos dizer, em resumo, que a historicidade das tentações de Jesus ou o enraizamento nelas na experiência de Jesus foram descritas com uma linguagem “figurada” (Dupont) ou “dramatizada” (R. E. Brown). É necessário distinguir o conteúdo (as tentações na experiência de Jesus) do que o contém (a linguagem figurada ou dramatizada). É certo que estas duas interpretações são muito mais corretas do que as que interpretam as tentações num sentido ingenuamente literal.
Através destas cenas, Lucas pretende recordar-nos que as tentações foram feitas a Jesus por um agente exterior a ele. Não são o resultado de uma crise psicológica ou porque se encontra num conflito pessoal com alguém. As tentações levam-nos “às tentações” que Jesus experimentou no seu ministério: hostilidade, oposição, rejeição. Tais “tentações” foram reais e concretas na sua vida. Não recorreu ao seu poder divino para as resolver. Estas provações foram uma forma de “sedução diabólica” (Fitzmyer), uma provocação para usar o seu poder divino para transformar as pedras em pão ou para se manifestar de modos excêntricos.
As tentações terminam com esta expressão: “depois de ter terminado toda a tentação” o diabo abandona Jesus (Lc 4, 13). As três cenas que contêm as tentações devem ser consideradas como expressão de todas as “tentações ou provas” que Jesus enfrentou. Mas o ponto fundamental é que Jesus, enquanto Filho, enfrentou e venceu a tentação. Ainda mais: foi provado na sua fidelidade ao Pai e foi encontrado fiel.
Uma última consideração acerca da terceira tentação. Nas primeiras tentações o diabo provocou Jesus para que usasse a sua filiação divina para negar a finitude humana: evitar a procura do pão como acontece com todos os homens; pede-lhe, pois, uma omnipotência ilusória. Em ambas as provações Jesus não responde dizendo: “Não quero!”, mas apela à Lei de Deus, seu Pai. “Está escrito...foi dito...”. Maravilhosa lição. Mas o diabo não se afasta e dirige-lhe uma terceira provocação, a mais forte de todas: o libertar-se da morte. No fundo lançar-se desde o pináculo significa lançar-se para uma morte segura. O diabo cita a Escritura, o Salmo 91, para convidar ao uso mágico e espetacular da proteção divina e, ao fim de contas, a negação da morte. A passagem do evangelho de Lucas dirige-me uma forte advertência: o uso errado da Palavra de Deus pode ser ocasião de tentação. Em que sentido?
A minha forma de me relacionar com a Bíblia fica em crise sobretudo quando a uso unicamente para dar ensinamentos morais aos outros que estão em dificuldade ou em crise. Referimo-nos a certos discursos pseudo-espirituais dirigidos a quem está em dificuldade: “Estás em dificuldade? Não te resta senão rezar, e tudo se resolverá”. Isto significa ignorar a consistência da angústia que toma conta de uma pessoa e que depende muitas vezes de um facto bioquímico, de uma dificuldade a nível psico-social, ou de estar diante de Deus de um modo errado. Seria mais coerente dizer: “Roga ao Senhor para que te oriente na procura das mediações humanas de um médico ou de um amigo sábio para que te ajudem a suportar ou a curar a angústia”. Não se podem propor frases bíblicas aos outros de modo mágico, passando por cima das mediações humanas. “A tentação frequente é a de fazer a moral própria como uma Bíblia, em vez de escutar os ensinamentos morais da Bíblia” (X. Thévenot).
Identificar as tentações
O texto expressa a luta interna de Jesus, que na realidade se deu ao longo da sua vida pública, em discernir o caminho a seguir, depois de assumir a sua missão no baptismo. Jesus era totalmente humano, e assim enfrentava sempre as tentações de seguir o caminho de um messianismo falso, que não fosse o caminho do Servo de Javé. A experiência de Jesus é como a nossa; entre o nosso compromisso com o projeto de Deus e a sua vivência prática existem muitas tentações!
Jesus estava “repleto do Espírito Santo”, e era “conduzido pelo Espírito através do deserto”. O Espírito Santo não o conduz à tentação, mas é a sua força sustentadora durante as tentações.
Como o Espírito dava força a Jesus, Lucas ensina às suas comunidades que elas também poderão contar com este apoio nos momentos difíceis da vivência da sua fé!
As tentações são as mesmas que enfrentamos na nossa caminhada da fé hoje! Primeiro Jesus é tentado para mandar que uma pedra se torne pão. Aqui é a tentação do “prazer”: logo que enfrenta o sofrimento e o sacrifício por causa da sua missão, Jesus é tentado a escapar dele!
Uma tentação das mais comuns hoje, num mundo que prega a satisfação imediata dos nossos desejos, numa sociedade que cria necessidades falsas através de sofisticadas campanhas de propaganda. Uma sociedade de individualismo, onde a regra é “se quiser, faça!”, onde o sacrifício, a doação e a solidariedade são considerados como ladainha dos perdedores! Jesus é contundente: “Não só de pão vive o homem” (v. 4). Vivemos de pão, mas, não só! Jesus não é contra o necessário para viver dignamente. Mas, salienta que não é somente a posse de bens que traz a felicidade, mas a busca de valores mais profundos, como a justiça, a partilha, a doação, a solidariedade com os sofredores. Não faz falso contraste entre bens materiais e espirituais: são necessários os dois para que se tenha a vida plena! Jesus desautoriza tanto os que buscam a sua felicidade na simples posse de bens, como os que dispensam a luta pelo pão de cada dia para todos!
Segundo os evangelhos, as tentações experimentadas por Jesus não são propriamente de ordem moral. São situações em que lhe são propostas formas falsas de entender e viver a Sua missão. Por isso, a Sua reação serve-nos de modelo para o nosso comportamento moral, mas, sobretudo, alerta-nos para não nos desviarmos da missão que Jesus confiou aos Seus seguidores.
Antes de mais nada, as Suas tentações ajudam-nos a identificar com mais lucidez e responsabilidade as que pode experimentar hoje a Sua Igreja e os que a formam. Como seremos uma Igreja fiel a Jesus se não somos conscientes das tentações mais perigosas que nos podem desviar hoje do Seu projeto e estilo de vida?
Na primeira tentação, Jesus renuncia a utilizar Deus para «converter» as pedras em pães e saciar assim a Sua fome. Não seguirá esse caminho. Não viverá procurando o Seu próprio interesse. Não utilizará o Pai de forma egoísta. Irá alimentar-se da Palavra viva de Deus, só «multiplicará» os pães para alimentar a fome das pessoas.
Esta é provavelmente a tentação mais grave dos cristãos dos países ricos: utilizar a religião para completar o nosso bem-estar material, tranquilizar as nossas consciências e esvaziar o nosso cristianismo de compaixão, vivendo surdos à voz de Deus que nos continua a gritar, onde estão os vossos irmãos?
Na segunda tentação, Jesus renuncia a obter «poder e glória» com a condição de submeter-se como todos os poderosos aos abusos, mentiras e injustiças em que se apoia o poder inspirado pelo «diabo». O reino de Deus não se impõe, oferece-se com amor, só adorará o Deus dos pobres, débeis e indefensos.
Nestes tempos de perda de poder social é tentador para a Igreja tratar de recuperar o «poder e a glória» de outros tempos pretendendo inclusive um poder absoluto sobre a sociedade. Estamos a perder uma oportunidade histórica para entrar por um caminho novo de serviço humilde e de acompanhamento fraterno ao homem e à mulher de hoje, tão necessitados de amor e de esperança.
Na terceira tentação, Jesus renuncia a cumprir a Sua missão recorrendo ao êxito fácil e à ostentação. Não será um Messias triunfalista. Nunca colocará Deus ao serviço da Sua vanglória. Estará entre os Seus como o que serve.
Sempre será tentador para alguns utilizar o espaço religioso para procurar reputação, renome e prestígio. Poucas coisas são mais ridículas ao seguir Jesus que a ostentação e a busca de honras. Fazem mal à Igreja e esvaziam-na de verdade.
(Texto traduzido automaticamente pelo Tradutor Google sem nossa correção)
PRIMEIRO DOMINGO DA QUARESMA “C”: A esperança de vencer a tentação
1º leitura (Dt 26,1-2.4-10):
A primeira leitura inclui um texto conhecido como 'pequeno credo histórico' de Israel (Dt 26,5-9) porque narra sinteticamente a ação de Deus em favor do seu povo. Esse 'Eu acredito' constituem uma 'miniatura essencial' do Pentateuco articulada em torno dos temas centrais: o vocação ou chamado à fé dos patriarcas; o liberar pela façanha do êxodo; e o doação da terra prometida.
“Meu pai era um aramaico errante”. A história de Jacó é a história de um caminhante em direção a Deus. Estar “a caminho” ou “de passagem” (homo viator) é uma característica do homem crente, sempre a caminho de Deus para testemunhar Sua fidelidade.
O Israelita lembrar todo o caminho percorrido à luz da promessa e agora dá testemunho, dá fé (confissão de fé) que Deus cumpriu sua promessa de lhe dar uma terra. A fé de Israel está essencialmente ligada à história e este texto faz-nos ver claramente a inter-relação entre fé, história e adoração. Com efeito, Israel teve a experiência da acção de Deus na sua história passada e crê Nele no presente e presta-Lhe o devido culto com os dons da terra em resposta ao dom recebido primeiro: “Por isso ofereço agora as primícias dos frutos da terra que tu, Senhor, me deste”(Dt 26,10). Neste sentido, o culto é expressão e confissão de fé na ação de Deus na própria história. A fidelidade de Deus foi objeto de fé no início da jornada e é objeto de celebração no final dela. O culto é então a celebração da fé no Deus fiel e misericordioso que nos abre à Esperança que não decepciona.
2º. leitura (Rm 10,5-13):
São Paulo, por sua vez, descreve-nos o itinerário do crente em Cristo que, como o israelita, vive pela fé que crê e professa. Em primeiro lugar, há o encontro com a Palavra pregada que se tornou próxima. É seguido por crer nesta palavra com o coração e, finalmente, confessá-lo com o boca. Este caminho de fé em Cristo crucificado e ressuscitado é o que pode salvar.
São Paulo baseia estas afirmações na “Escritura”, especificamente com a citação de Is 28,16 em 10,11: “todo aquele que crê não ficará desapontado (confuso, decepcionado) (πᾶς ὁ πιστεύων ἐπ᾽ αὐτῷ οὐ καταισχυνθήσεται). Observe que aqui ele usa o futuro passivo do verbo grego καταισχύνω (desapontar, defraudar) que aparece em Rm 5,5: “a esperança não decepciona”. Portanto, através da morte e ressurreição de Jesus, Deus cumpriu a sua Palavra e, portanto, quem crê e espera não ficará decepcionado nem decepcionado.
Os versículos que seguem o texto selecionado pela liturgia (Rm 10,14-17) nos trazem outro órgão, o orelha, e descrevem sua função no processo de fé. Assim teríamos então o ciclo perfeito de relacionamento com a Palavra: Ouça - Creia - Confesse - Pregue para que outro Ouvir – Crer – Confessar – Pregar. A fé autenticamente vivida leva à missão.
Evangelho (Lucas 4:1-13):
O primeiro versículo deste evangelho diz que o Espírito Santo conduziu Jesus ao deserto “onde foi tentado pelo diabo durante quarenta dias". Aqui estão três elementos com valor simbólico que já nos colocam em clima de Quaresma.
Em primeiro lugar, a referência aos “quarenta dias” como tempo determinado e necessário para uma mudança.
Em segundo lugar, o deserto, aqui apresentado como lugar de prova e decisão.
E, finalmente, precisamente, a referência à tentação ou luta com o diabo.
Segue-se então a história das três tentações, em comum com Mt 4,1-11, exceto pela ordem da segunda e da terceira que Lucas muda. Vamos concentrar-nos na mensagem essencial de cada um deles com a ajuda de uma catequese sobre eles de Bento XVI.
“Na primeira tentação, o diabo propõe a Jesus que transforme a pedra em pão para saciar a fome. Jesus rejeita que o homem viva apenas de pão: sem resposta à verdadeira fome, à fome de Deus, o homem não pode ser salvo”1.
Esta tentação procura que Jesus direcione a sua filiação, o seu ser Filho de Deus, em benefício de si mesmo e não como total dependência e doação ao Pai.
Na segunda tentação, sugere-se que Jesus faça uma aliança com os poderes deste mundo (que o evangelho considera sob o domínio de Satanás) para cumprir a sua missão. "Mas este não é o caminho de Deus: Jesus deixa bem claro que não é o poder mundano que salva o mundo, mas o poder da cruz, da humildade, do amor (cf. vv. 5-8)."2
“Na terceira tentação, o demônio propõe que Jesus salte do pináculo do Templo de Jerusalém e seja salvo por Deus através dos seus anjos, para fazer algo sensacional para testar o próprio Deus; mas a resposta é que Deus não é um objeto ao qual impor as nossas condições: ele é o Senhor de todos (cf. vv. 9-12)”.3
Isto contém grande presunção porque quer obrigar Deus a intervir; Ele estaria exigindo que o Pai obedecesse a uma situação de emergência causada por ele. Isto é precisamente o que a Escritura denuncia como “tentar a Deus”, na medida em que queremos testar o seu poder ou a sua fidelidade e queremos que Deus esteja à nossa disposição.
Como bem resumiu o Papa Francisco no Angelus de 10 de março de 2019: “As três tentações indicam três caminhos que o mundo sempre propõe prometendo grandes sucessos, três caminhos para nos enganar: a ganância de possuir ―ter, ter, ter― glória humana e a instrumentalização de Deus. Existem três caminhos que nos levarão à ruína.”
A história termina com um final aberto: "Esgotadas todas as formas de tentação, o demônio o deixou até o momento oportuno." (Lc 4,13). Para os estudiosos este “momento oportuno” (Cairo) é uma referência ao Getsêmani, onde a tentação que Jesus sofre torna-se mais forte diante da proximidade real da paixão (cf. Lc 22,40.46).
O denominador comum das três tentações é a tentativa de separar Jesus do caminho indicado pelo seu Pai, "É a proposta de instrumentalizar Deus, de usá-lo para os próprios interesses, para a própria glória e para o próprio sucesso."4.
A sutileza da tentação é que algo explicitamente ruim não é sugerido a Jesus. Na primeira e na terceira tentações, Jesus deve fazer o que devemos esperar dele, se ele é o Filho de Deus. No segundo, o tentador primeiro apresenta-lhe um bom fim, como a conquista do mundo para Deus, mas o meio para esse bom fim é o mal.
A resposta dada nos diz que A fidelidade de Jesus ao Pai inclui não só o fim, mas também os meios para alcançá-lo.
É importante também atender às respostas de Jesus, todas extraídas da Palavra de Deus, e que insistem na primazia de Deus. Como observa HU von Balthasar “Os três versículos da Escritura com os quais Jesus responde e se opõe ao diabo não são fórmulas aprendidas de cor, mas respostas amargas e laboriosamente alcançadas. Podem ser chamadas, num sentido mais elevado, de uma confissão de fé existencial”5. Desta forma eles nos mostram o caminho para vencer a tentação:
-adoração e fé no único Deus. A fortíssima frase de um jesuíta alemão, Alfred Delp, executado pelos nazistas: «O pão é importante; a liberdade é mais importante; mas o mais importante de tudo é a adoração».
Jesus, sendo testado ou tentado, Ele respondeu com Fé/Fidelidade à Palavra do Pai, revelando assim o seu coração de Filho obediente. Cada Não dada ao tentador supõe uma clara Sim ao Pai e à sua Vontade. E assim foi confirmada a sua verdadeira identidade como Filho de Deus. Assim como quando Jesus foi batizado no Jordão foi proclamado Filho de Deus pela voz do Pai Celestial, agora na tentação o seu ser Filho se tornou evidente pela sua obediência ao Pai; não por causa dos privilégios e facilidades que isso poderia trazer.
À luz de todo o Evangelho, a mensagem é clara: o sinal da autenticidade da filiação divina de Jesus está na sua obediência ao Pai, que se manifestará mais plenamente no momento em que a sua fraqueza e a sua morte na cruz parecerem contradizê-la. A renúncia ou despojamento de si que ele manifesta ao vencer as tentações antecipa sua sulfuroso ou esvaziamento na cruz. Dele aniquilação É uma confissão de todo do Pai.
Resumindo, “nas três tentações, Jesus não quer nada para si; É por isso que ele não põe Deus à prova."6. Aqui está o segredo da sua vitória: Jesus não procurou a si mesmo; nem a sua glória, nem o seu poder, nem a sua fama. Jesus não quer nada para si, exceto cumprir a vontade do Pai; É por isso que ele vence todas as tentações.
ALGUNS PENSAMENTOS:
O fio condutor entre as três leituras é o tema da a Fé que nos leva à Salvação. O piedoso israelita professa a sua fé no Deus verdadeiro e fiel que não abandona os seus filhos ao longo da história (1ª leitura). Paulo recorda a fé em Cristo morto e ressuscitado, que deve ser crida com o coração e confessada com a boca. No Evangelho, Jesus vence as tentações permanecendo na fé-fidelidade ao Pai.
Agora a fé do crente, para crescer e se fortalecer; e conduzindo ao amor confiante, à Esperança, será necessariamente tentado. É por isso que sempre no primeiro domingo da Quaresma a Liturgia da Palavra nos oferece as tentações de Jesus no deserto. Jesus é tentado em seu vínculo com seu Pai: “Se vocês são filhos de Deus...“Também somos convidados a rever a nossa fé naquilo que é essencial: a nossa relação com Deus. E para isso somos convidados a entrar, movidos pelo Espírito Santo, no deserto quaresmal, para purificar, retificar e aprofundar nosso relacionamento com Deus. Desta forma, o evangelho nos convida a meditar sobre o deserto como imagem da Quaresma que iniciamos.
► Como diz o Papa Bento XVI: “Em primeiro lugar, o deserto, onde Jesus se retira, é o lugar do silêncio, da pobreza, onde o homem é privado de apoio material e se vê confrontado com as questões fundamentais da existência, é empurrado a ir ao essencial e precisamente por isso é mais fácil encontrar Deus”7. Portanto, procuremos momentos de solidão nesta Quaresma para rezar mais, para refletir sobre o rumo da nossa vida, como estamos vivendo e se estamos satisfeitos com a nossa vida considerando a nossa relação com Deus, com os outros, com nós mesmos e com a criação. A este respeito, Dom Ángel Rossi disse na sua mensagem de Quaresma para o ano de 2022: “No deserto buscamos o essencial: vida, água, o mínimo para se vestir e se proteger do sol. Aí tornam-se inúteis as coisas que nos dão segurança e até grandeza no dia a dia: o cartão de crédito, o computador, os meus diplomas, o meu currículo, a agenda transbordante de compromissos sufocantes. Será um bom exercício rever o que é essencial na minha vida e que lugar ocupa no meu coração, no meu tempo: fé, família, trabalho, amigos, solidariedade -especialmente com os mais fracos-, e que superficialidades, ou coisas supérfluas seria bom me livrar ou me organizar”.
► Também o deserto aparece como lugar de tentação, da luta, da decisão. A este respeito, o Papa Francisco disse no Angelus de 6 de março de 2022: “O deserto simboliza a luta contra as seduções do mal, para aprender a escolher a verdadeira liberdade […] Que este tempo de Quaresma seja também para nós um hora do deserto. Dediquemos um espaço ao silêncio e à oração - um pouco nos fará bem - nestes espaços paremos e olhemos para o que se agita nos nossos corações, a nossa verdade interior, aquilo que sabemos que não pode ser justificado. Alcancemos a clareza interior, colocando-nos diante da Palavra de Deus em oração, para que se realize dentro de nós uma luta benéfica contra o mal que nos torna escravos, uma luta pela liberdade”. Especificamente, a Quaresma convida-nos a tomar consciência das tentações ou pedidos internos de pecado e a combatê-los, a superá-los com a graça de Deus e as práticas quaresmais (jejum, oração e esmola).
► Num nível mais profundo, o deserto, onde ocorrem provações e tentações, É também um lugar de aprendizagem para o homem, porque ali mesmo tomamos consciência da nossa fragilidade, da nossa fraqueza e do pecado que reside no nosso coração. E isto é bom porque nos leva a reconhecer que necessitamos da graça e da misericórdia de Deus. Isto foi muito bem notado por Santo Agostinho que disse a este respeito que Deus tenta para que o homem se descubra; Portanto, a tentação é uma forma de questionamento e ensino que leva o homem à descoberta do seu verdadeiro eu. É por isso que ele insiste que, se Deus parasse de tentar, o professor pararia de ensinar.8.
► Também o deserto, como a própria vida, É um lugar de manifestação da misericórdia de Deus como sugere a primeira leitura. E o mesmo livro do Deuteronómio diz-nos também que no meio da prova experimentamos o amor misericordioso de Deus Pai que ensina, cuida e corrige (cf. Dt 8, 3-5).
► Por fim, não percamos de vista que o evangelho de hoje também nos convida a ter Ter esperança, porque em Jesus e com Jesus podemos superar as tentações. A este respeito Santo Agostinho diz: “O Cristo total foi tentado pelo diabo, pois nele vocês foram tentados [...] Se nele fomos tentados, nele venceremos o diabo. Você percebe que Cristo foi tentado e não percebe que ele venceu a tentação? Reconheça-se tentado nisso e também reconheça-se vitorioso nisso"9.
Neste ano jubilar devemos também estar atentos às tentações contra a Esperança, pois é a virtude do caminhante, do homo Viator, e por isso existe sempre a possibilidade de nos desviarmos da meta traçada e de nos perdermos. Sabemos que o tentador procura sempre isto: que nos desviemos do caminho, que deixemos de procurar a Deus seguindo a sua Promessa para procurar a nós mesmos e a nossa satisfação individual. Também nos tenta a parar de nos mover e a abandonar a nossa condição de peregrinos da Esperança rumo ao Amor do Pai. A este respeito, o Papa Francisco disse na sua mensagem para a Quaresma deste ano que “Aqui surge um primeiro apelo à conversão, porque todos somos peregrinos na vida. Cada um pode perguntar-se: como me deixo desafiar por esta condição? Estou realmente a caminho ou um pouco paralisado, estático, com medo e sem esperança; ou satisfeito na minha zona de conforto? Busco caminhos de libertação de situações de pecado e de falta de dignidade?”
Por fim, lembremo-nos de que o Ter esperança, como toda virtude, encontra-se no meio entre dois defeitos extremos que nos tentam a desviar-nos deste centro e a desviar-nos do verdadeiro caminho. Por um lado, colocamos nossa confiança e esperança na posse de riqueza e poder pensando que eles podem garantir nossa vida para sempre e acabam sendo como ídolos e substitutos do Deus verdadeiro. No outro extremo temos o desespero de quem considera que não há meta nem futuro para o homem, que não caminhamos para nada e que a vida é uma paixão absurda. A este respeito partilhamos totalmente a declaração de J. Pieper: “Tanto o desespero como a segurança da posse contradizem a verdade dos acontecimentos reais. A única resposta que corresponde à situação real da existência humana é a esperança. A virtude da esperança é a virtude primária correspondente à estatuto de viajante; É a verdadeira virtude do “ainda não”. Na virtude da esperança, o homem é compreendido e afirmado sobretudo como ser criado, como criatura de Deus.”10.
Assim como Jesus foi tentado na sua identidade mais profunda, que é ser o Filho de Deus; A tentação original do homem procura separá-lo da sua identidade como criatura de Deus (“seus olhos serão abertos e eles serão como deuses, conhecedores do bem e do mal”Gn 3,5). Como disse o Papa Bento XVI, o cerne e a substância de toda tentação é colocar-se no lugar de Deus. O deserto quaresmal, com as práticas de jejum, oração e esmola, visa devolver-nos à nossa condição de criatura, como pecadores necessitados de redenção. Assumindo e confessando a nossa verdade de sermos criaturas e não Deus – e isso é humildade – não nos faltará a Graça de Deus e poderemos sair vitoriosos na hora da tentação.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
Este deserto…
Um tempo sagrado começa,
Seus dias têm muito de você, Senhor do Universo
Eles são nossa escola de oração
De conversão e silêncio
Vale a pena refletir sobre o seu valor justo
Assim, aproveite melhor o encontro,
Trilhar o mesmo caminho com você
E contemple cada momento
Roxo a cor e contrito o coração
Entramos neste deserto hoje,
Na rotina, o cansaço... a sede de cada dia
Nós ouvimos o tentador
Há de nós sem ti Senhor!
Torne-nos capazes e dispostos
Discernir para crescer,
Na esperança e na fé.
O desejo vence em nós
Para procurar por nós mesmos
E você ocupa o centro.
Com você não há medo do Inimigo
Não permita que nos afastemos de você
E faça dessa poeira nossa
um novo barro em suas mãos
Modele sua embarcação, nobre Potter. Amém
1 Benedicto XVI, Catequesis del miércoles 13 de febrero de 2013.
2Idem.
3Ibidem.
4Ibidem.
5 Luz de la palabra. Comentario a las lecturas dominicales, Encuentro, Madrid, 1998, 232.
6 F. Bovon, El evangelio según San Lucas. Vol. I (Sígueme; Salamanca 1995) 289.
7 Benedicto XVI, Catequesis del miércoles 13 de febrero de 2013.
8 Cf. G. Rouiller, “Agustín de Hipona lee Génesis 22: 1-19”, en F. Bovon - G. Rouiller (dir.), Exégesis. Problemas de método y ejercicios de lectura (La Aurora; Bs. As. 1978) 283-288.
9 S. Agustín, Comentario al salmo 60, 2-3; citado en el oficio de lectura del 1er. domingo de cuaresma.
10 J. Pieper, Las virtudes fundamentales, Ediciones Rialp, Madrid, 2010, pág. 364.-