20/07/2025
AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO
1ª Leitura: Gênesis 18,1-10a
Salmo Responsorial 14-R- Senhor, quem morará em vossa casa?
2ª Leitura: Colossenses 1,24-28
Evangelho Lucas 10,38-42
Proclamação do evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas – Naquele tempo, 38Jesus entrou num povoado e certa mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa. 39Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor e escutava a sua palavra. 40Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres. Ela aproximou-se e disse: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!” 41O Senhor, porém, lhe respondeu: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. 42Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada”. – Palavra da salvação.
Jesus entrou em um povoado e se dirigiu a uma casa onde encontra duas irmãs de quem gosta muito. A presença do amigo Jesus vai provocar nelas duas reações diferentes e que nos ajudam em nossa vida cristã.
Maria deixa tudo e fica “sentada aos pés do Senhor”. Sua única preocupação é escutar Jesus. Ela é descrita com o comportamento típico do discípulo: sentada aos pés de Jesus, está atenta à sua voz, acolhendo a sua Palavra e alimentando-se de seu ensinamento.
A reação de Marta é diferente. Desde que chegou, ela não deixou de se agitar para acolher e atender Jesus com toda a honra possível. Lucas a descreve muito ocupada com muitas coisas. Chega então o momento em que Marta não se aguenta e, magoada com sua irmã, expõe a sua queixa a Jesus: “Não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!”
Jesus não perde a calma e responde a Marta com grande carinho, repetindo devagar o seu nome, deixando a entender que Ele também se preocupa com o sufoco que ela está passando.
Jesus não critica o serviço dedicado de Marta. Como poderia ele criticar o serviço aos outros, se Ele próprio de desdobra em se por a serviço de todos. Ele mesmo disse de si mesmo: “não vim para ser servido, mas para servir”; “eu estou no meio de vós como aquele que serve”. E não ficou só nas palavras: dia e noite, sem tempo para descansar e comer, ele serviu; e no final, lavou os pés dos discípulos.
O que Jesus critica em Marta é o modo como ele presta o serviço. Ela trabalha com os nervos à flor da pele, sob a pressão de muitas ocupações. “Marta, Marta! Tu te preocupas. E andas agitada por muitas coisas”. Jesus alerta Marta do perigo de viver absorvida por um excesso de atividades em que se perde a alegria do serviço. Em vez de gratuidade e alegria, o excesso de atividade transmite nervosismo e afobação.
O que temos no relato de hoje é a contraposição de duas atitudes interiores: o ser absorvido pelas coisas, o ser tomado pela exterioridade das coisas até o ponto de não ter mais aberto o canal para infinito e o ser discípulo atento ao que o Senhor ensina. O monge solitário pode estar tomado pelas coisas muito mais do que a pessoa unida a Deus que está em meio o ruído da cidade.
Como podemos combater o ativismo? A palavra de Jesus a Marta responde a essa pergunta: “Uma só coisa, porém, é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”.
Para evitar o ativismo, é preciso escolher o único necessário. No que consiste esse único necessário? O único necessário depende da vontade de Jesus e não da nossa.
Marta precisa tomar consciência de que o que Jesus deseja é ser escutado. Ele deseja ensinar, por isso quer ser ouvido; Ele deseja dar, por isso quer que ela receba dele. Assim a melhor forma de honrá-lo não é fazer o que imaginamos ser o melhor, mas em fazer o que Jesus deseja.
Jesus não contrapõe a escuta fiel da Palavra e o compromisso de viver na prática a entrega aos outros. Não contrapõe a vida de oração e a vida ativa, o serviço dedicado e a contemplação silenciosa. O que Jesus não quer é que nosso serviço seja ativismo esgotante, sem alegria e gratuidade.
O que Jesus deseja é que caiamos na conta de que na relação com Ele é mais importante receber dEle do que dar a Ele; é mais importante ouvi-Lo do que servi-Lo.
16° DomTComum – Lc 10,38-42 - Ciclo C
“Marta estava ocupada com muitos afazeres” (Lc 10,40)
O evangelho deste domingo nos situa num ambiente familiar onde Jesus é acolhido na casa de suas amigas, Marta e Maria, em Betânia. Ele está cansado do caminho e sempre encontra nesta casa da pequena aldeia, próxima de Jerusalém, um lugar para descansar do caminho, repor as forças para continuar e recuperar a paz que, às vezes, perdia devido às dificuldades da missão.
Jesus “entra” naquela casa como o último dos peregrinos; mas, para as duas irmãs, Ele se torna o primeiro, o único, o centro, em torno de quem se reordenam toda a atenção e as outras ocupações.
A primeira intenção de Marta é ótima: acolher o Amigo. Mas logo sua intenção primeira cede lugar às intenções secundárias, que, aos poucos, a envolvem e a afastam do essencial: hospitalidade do Amigo.
É como se a víssemos correndo de um lado a outro, talvez dedicando algum olhar ao hóspede ao princípio, mas à medida que passa o tempo, esse olhar revela-se distraído até se transformar em repreensão à sua irmã.
O ir e vir, o afanar-se ofegante terminam por afastá-la da pessoa do Senhor.
Qual foi, então, o erro de Marta? O fato de não entender que a chegada de Jesus significava, principalmente, a grande ocasião que não se podia perder e, por conseguinte, a necessidade de sacrificar o urgente em favor do que é mais importante. Ela revela um comportamento dominante e possessivo. Envolve Jesus em uma embaraçosa discussão familiar. Impõe-se autoritariamente: “Mande que ela venha me ajudar”. Sobretudo, Marta busca, por todos os meios, chamar a atenção. O nome mesmo de Marta quer dizer “dona”, “senhora”, e ninguém se atreve a negar que se comporta como tal.
Marta representa um modelo de hospitalidade que carece da capacidade para “sair de si”; obriga o Amigo hóspede a entrar nos próprios esquemas, nos próprios ritmos, nos próprios desejos. É ela que decide o que deve agradar o hóspede. E não compreende que, ao invés de estar centrada no Mestre, está dispersa e perdida em suas coisas, as quais terminam por converter-se em algo intocável.
Marta fez muitas coisas para agradar ao Senhor, mas lhe negou a única da qual ele tinha necessidade: estar sintonizada n’Ele. Mas, Jesus se comportou com extraordinária delicadeza: admoestou-a e repreendeu com suavidade: “Marta, Marta...!”
O Mestre arranca Marta do plano do mero “fazer”, no qual ela desejaria envolver também sua irmã, e a impulsiona para o plano do “ser”.
Por outro lado, Jesus vê em Maria a mulher discípula, sintonizada com Ele e não dispersa em mil ocupações. Ele rompe com a tradição machista e inaugura uma condição nova para a mulher: ser sua discípula. Ele quer a mulher dedicada à única obra essencial, aquela que se encontra para além das múltiplas ocupações.
Jesus confirma Maria em sua opção fundamental, na atitude que, de modo intuitivo, ela tinha adotado. Consagra-a naquilo que é sua atitude prioritária: a atenção contemplativa, a escuta do Mestre. Nada deverá afastá-la desta presença descentrada e gratuita.
Maria acolhe o Mestre “a partir de dentro”, converte-se em tabernáculo d’Ele; brinda-o hospitalidade naquele espaço interior, secreto, que foi predisposto por Ele e que está reservado a Ele, a seu amor. Põe à disposição aquilo que o Senhor lhe pede, já que este espaço secreto foi criado, foi preparado por Ele e o adornou e consagrou justamente para este fim.
A diaconia feminina se alimenta do encontro e da escuta da pessoa de Jesus; o único e indispensável ministério feminino fundamenta-se na acolhida contemplativa da palavra de Jesus, em sua interiorização, no serviço da gratuidade.
Portanto, a “escuta” e o “serviço”, personalizados nas duas irmãs, não são alternativos, mas expressões da única e privilegiada relação com o Mestre.
A integração e harmonia entre as duas atitudes (escuta e serviço) é o caminho proposto pela dinâmica da espiritualidade cristã; ser “contemplativo na ação” ou “ativo na contemplação”, eis o equilíbrio difícil.
O que Jesus pede a Marta é amá-lo em seu serviço, como Maria o ama em sua atitude de escuta. Tudo o que se faz sem amor é tempo perdido. Tudo o que se faz com amor é eternidade reencontrada. De fato, diante das preocupações, da agitação cotidiana, dos apegos, das “afeições desordenadas” ... a escuta e o encontro com o Outro e com os outros tornam-se praticamente impossíveis.
Tal situação nos faz prisioneiros da solidão, sentindo-nos abandonados, impotentes, sobrecarregados pelo ativismo vazio e sem sentido...
O ativismo produz, a princípio, a sensação de estarmos muito ocupados e o falso consolo de “sentir-nos úteis”. Mas, de fato, o ativismo nos converte em engrenagens de um sistema massacrante e acaba gerando frustração, impotência e vazio, falta de sentido (para quê? para quem?...).
Em sentido mais profundo, o relato deste domingo revela uma riqueza maior. A “única coisa necessária”, “a melhor parte”, que ninguém nos poderá tirar, é a compreensão daquilo que “somos”. O decisivo é “ser”, tanto na ação como na contemplação.
Diante da falta desta compreensão, podemos “multiplicar” nossas atividades e nossos serviços, mas sempre aparecerão a inquietação, a ansiedade, o nervosismo e, sobretudo, a queixa contra quem não age como nós.
Este é para nós o ativismo doentio que nos seca por dentro. Ativismo não é o mesmo que muita ação, pois a ação oblativa nos dirige para fora de nós mesmos e o ativismo nos faz ficar curvados e fechados em nós mesmos. “Contemplativos(as) no ativismo” é contraditório. Não há contemplação no ativismo, mas introspecção paralisante.
Para muitos cristãos, precisamente, a agitação, o ativismo frenético, os serviços múltiplos, as “demasiadas” exigências às quais se dedicam, constituem uma tática dispersante e defensiva que lhes servem para proteger-se das verdadeiras exigências, para não deixar que o hóspede os interpele, para fugir do compromisso cara a cara com Ele; em uma palavra, para esquivar-se do encontro.
A atitude contemplativa típica de Maria não se opõe ao serviço característico de Marta.
Na vida cristã não se trata de eleger entre Marta e Maria; elas representam duas dimensões de uma personalidade cristã que deveria tender a ser unitária, duas dimensões que deveriam estar sempre estreitamente unidas, harmonizadas, integradas. É preciso servir ao Senhor como fez Marta e é preciso escutá-lo como o fez Maria. Pode-se dedicar a diferentes coisas, mas sem perder de vista a única necessária: a centralidade na pessoa de Jesus Cristo.
Em qualquer caso, o relato deste domingo serve como advertência, pois a “dimensão Marta”, presente em nós, tende frequentemente a prevalecer, a dominar tudo, até o ponto de bloquear o espaço aberto à “dimensão Maria”. No episódio que nos ocupa, o que importa é não perder o momento, a ocasião. Em definitiva, não frustrar a relação pessoal com o Senhor. Trata-se de compreender a importância da hora e da ocasião oferecidas. É questão de sacrificar o urgente em benefício do importante.
Devemos estar de sobreaviso, de modo que a Marta cheia de tarefas, inquieta e agitada que carregamos dentro de nós não intervenha brutalmente profanando, molestando, reduzindo, interrompendo bruscamente a oração, cortando o contato vital com o Senhor.
Para meditar na oração:
Também nós precisamos habitar e saber habitar a nossa própria casa interior; só assim é possível reconhecer o Hóspede que em segredo a habita e a dignifica.
- No centro de sua casa interior está o Mestre ou está “Marta dispersa”?
- Na sua vivência do seguimento de Jesus, como integrar a “dimensão Maria” e a “dimensão Marta”?
As férias teriam um significado novo e enriquecedor para nós se pudéssemos responder a estas duas perguntas simples: Quais são as pequenas coisas da vida que a falta de paz, silêncio e oração têm ampliado indevidamente, a ponto de matar minha alegria de viver? Quais são as coisas importantes às quais tenho dedicado pouco tempo, empobrecendo assim minha vida diária?
Eis o comentário.
Quase sem perceber, nossas atividades diárias moldam nosso modo de ser. Se não conseguimos viver a partir de dentro, os acontecimentos do dia a dia nos puxam de um lugar para outro, sem outro horizonte além das preocupações de cada dia. Portanto, é bom que prestemos atenção às palavras de Jesus àquela mulher ativa e trabalhadora: "Marta, Marta, você está preocupada e perturbada com tantas coisas, mas uma só é necessária".
Sobrecarregados por tantas tarefas e preocupações, precisamos tirar um tempo de vez em quando para nos sentirmos vivos novamente. Mas também precisamos parar e encontrar a paz necessária para nos lembrarmos mais uma vez do "que é importante" na vida.
As férias teriam um significado novo e enriquecedor para nós se pudéssemos responder a estas duas perguntas simples: Quais são as pequenas coisas da vida que a falta de paz, silêncio e oração têm ampliado indevidamente, a ponto de matar minha alegria de viver? Quais são as coisas importantes às quais tenho dedicado pouco tempo, empobrecendo assim minha vida diária?
No silêncio e na paz do descanso, podemos encontrar mais facilmente a nossa própria verdade, pois vemos as coisas como elas realmente são. E também podemos encontrar Deus, descobrindo nele não apenas a força para continuar lutando, mas também a fonte suprema da paz.
Recordemos a experiência de "abandono em Deus", tão profundamente pregada por Mestre Eckhart e tão belamente comentada por Dorothee Sölle: "Não preciso me apegar a mim mesma, pois sou sustentada. Não preciso carregar o peso, pois sou sustentada. Posso sair de mim mesma e me entregar".
Quando conseguimos encontrar descanso e paz interior em Deus, as férias se tornam uma graça. Talvez uma das maiores graças que podemos receber em meio à nossa vida agitada e nervosa.
Naquele tempo, Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa. Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e escutava a sua palavra. Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres. Ela aproximou-se e disse: "Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!" O Senhor, porém, lhe respondeu: "Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada".
Neste domingo, Jesus nos apresenta duas mulheres que o recebem em sua casa e estão com ele: Marta e Maria. É um texto simples e muito rico em seu conteúdo. Em continuidade com a linha de todo o seu evangelho, Lucas dá uma prioridade significativa às mulheres. Naquele tempo, Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa. Jesus entra em sua aldeia e, seguindo seu próprio ensinamento, fica na casa daquela que o recebe: Marta.
No domingo passado, diante da pergunta de um mestre da lei sobre o que “deve fazer para receber a vida eterna”, Jesus responde com a parábola do bom samaritano. Este age rapidamente diante de quem está à beira do caminho, envolvendo-se com ele e com sua situação, ao contrário do sacerdote e do levita, que dão uma volta para seguir o caminho que já haviam decidido. Hoje Jesus segue seu caminho e entra em uma aldeia. Possivelmente ele está acompanhado por seus seguidores, mas neste momento isso não é importante. Destaca-se a acolhida de Marta em sua casa. Podemos imaginar sua alegria e seu nervosismo por receber Jesus com o melhor que ela tem: hospedá-lo, preparar uma refeição saborosa, para que ele se sinta bem-vindo. São duas irmãs, Marta e Maria, que o recebem e que, diante de Jesus, agem de maneiras complementares.
Na história da Igreja, este texto deu margem a muitas interpretações, como se marcasse duas formas de vida diante de Jesus, ou priorizasse uma das mulheres em detrimento da outra. São duas mulheres que vivem juntas, são irmãs, uma pequena comunidade de fé que recebe com alegria a presença de Jesus em sua casa. Como todas as pessoas, elas têm expectativas diferentes, sonhos distintos. O relato nos diz que Marta o recebe em sua casa e “sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e escutava a sua palavra”. Quanta sede e desejo de ouvir a viva voz a palavra de Jesus há no coração de Maria que se senta a seus pés, como uma discípula, para ouvi-lo, para dialogar com ele. O texto não menciona outras pessoas, mas nos descreve uma cena quase única: Maria sentada aos pés do Senhor, ouvindo-o. Como seria esse diálogo?
Talvez, por ressaltar a importância de ser uma mulher – Maria – que está sentada aos seus pés, como tradicionalmente fazem os discípulos diante do Mestre, possamos perder a frescura de uma conversa que não é descrita, juntamente com a escuta atenta, o prestar atenção às suas palavras, um colóquio onde existem perguntas, trocas de ideias, lembranças dos últimos encontros, a alegria própria desse encontro de ambas as partes, Maria e Jesus, que decide ir à sua casa e, junto com sua irmã, o recebe com alegria. A alegria de Maria no Magnificat também estaria presente nas duas irmãs que recebem Jesus “em sua casa”. O evangelista continua nos oferecendo essa proximidade de Jesus que entra na casa de duas mulheres, fica lá e dialoga com elas.
Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres. Ela aproximou-se e disse: "Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!"
A resposta de Jesus não opõe passividade e trabalho, muito menos vida ativa e vida contemplativa, como às vezes se tentou interpretar essa resposta. Jesus repreende Marta por estar preocupada e agitada com muitas coisas, o que a impede de dar espaço para o mais importante, que é sentar-se com ele, ouvi-lo, dialogar e compartilhar com ele. Embora a hospitalidade seja importante, há algo que não se pode esquecer ou deixar de lado: a relação com o Senhor, o relacionamento com ele que não passa pelo que se faz, mas por um vínculo de amizade profunda e pessoal com ele.
Jesus não é um hóspede como os outros, a quem se deve acolher e receber com tudo o que se tem de melhor. Jesus não precisa de grandes banquetes nem de cumprir todas as normas prescritas para receber um hóspede. Para Jesus, o importante é cada pessoa, estabelecer com ela um diálogo novo, diferente, único. E é isso que Maria faz: aquela única coisa necessária que não lhe será tirada.
No domingo passado, meditamos sobre o texto do bom samaritano, onde o hospedeiro se preocupa com o ferido que foi levado pelo samaritano para sua pousada. Em continuação a esse texto, o evangelho nos ensina a receber Jesus. Como ser hospedeiros? Como Marta, que se preocupa em dar tudo o que pode, ou como Maria, que o ouve, que recebe sua mensagem, ou como Maria, que estabelece uma relação com ele? Como acolher o ferido que entrou em nossa casa? Ele nos convida a recebê-lo, acolhê-lo e ouvir sua vida, sua história, conhecê-lo, quem ele é, por que foi atacado... ser hospedeiro não é multiplicar-se para lhe dar o melhor, mas acolher o ferido, ouvir a mensagem que ele tem para nos dar, perder tempo com ele, estabelecer um vínculo de amizade de tal forma que sua vida entre em nossa vida e a transforme!
Jesus é um hóspede que convida a uma nova forma de acolhimento, não tem grandes pretensões, não entra na casa para gerar ansiedade ou grandes preocupações, mas, pelo contrário, procura estabelecer diálogo, ouvir-nos e deixar-nos o seu consolo, a sua palavra. Como insistia o Papa Francisco para o Jubileu da Misericórdia “reforçaremos em nós a certeza de que a misericórdia pode contribuir realmente para a edificação de um mundo mais humano, especialmente neste nosso tempo, em que o perdão é um hóspede raro nos âmbitos da vida humana, a reivindicação da misericórdia é mais urgente, e isto em todos os lugares: na sociedade, nas instituições, no trabalho e também na família”. “A misericórdia é urgente, neste nosso tempo o perdão é um hóspede raro”, diz o Papa Francisco
O relato da visita de Jesus à casa de suas amigas somente se encontra no Evangelho segundo Lucas. Situa-se no longo caminho do discipulado, do seguimento de Jesus, que vai desde a Galiléia até Jerusalém (Lc 9,51-19,27), lugar do enfrentamento definitivo com o sistema de morte ali instalado. E Jesus vai instruindo a quem o segue pelo caminho.
Chegando à aldeia de Betânia, Jesus é recebido por Marta na casa dela. Maria, sua irmã, também estava. Isso revela que Marta era muito acolhedora, hospitaleira. É interessante termos presente que não havia homens na casa. Não há referência à presença de Lázaro (Cf. Jo 11,1). Lembremos que, no relato segundo João, Marta exerce uma liderança muito grande. Possivelmente, ela era a principal coordenadora das comunidades que nos legaram este evangelho, pois a profissão de fé no messianismo de Jesus sai de sua boca. Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Cristo, o Filho de Deus, aquele que deve vir ao mundo (Jo 11,27). Nos sinóticos, essa confissão de fé central das comunidades está nos lábios de Pedro, representante dos doze (Mt 16,16; Mc 8,29; Lc 9,20).
Quando Marta reclama pelo fato de Maria não lhe ajudar nos serviços domésticos, Jesus a ajuda a compreender que, além dos afazeres da casa, é fundamental entrar na dinâmica do Reino. É o que Jesus quer dizer quando afirma que, acima das preocupações com comida, bebida e roupa, é preciso buscar o Reino. Se as novas relações do Reino forem colocadas em prática, fatalmente essas coisas serão partilhadas entre todos (Lc 12,22-32). Mais uma exigência de Jesus às pessoas que o seguem confirma essa perspectiva: todo aquele que tiver deixado casa por causa do Reino de Deus, receberá muito mais no presente e, no mundo futuro, a vida eterna (Cf. Lc 18,29-30).
Marta, ao servir o ilustre visitante na sua casa, que era o lugar onde a comunidade se reunia, torna-se servidora na igreja, isto é, diácona. Enquanto Maria fica calada, Marta faz uso da palavra, o que indica sua liderança na organização da comunidade de Betânia, que significa casa dos pobres. E Jesus a convida a dar um passo a mais, a aderir a seu projeto missionário pela escuta da palavra. Escutá-la é também vivê-la, é ser discípula.
O fato de Maria não ajudar nos serviços domésticos, nesse momento da visita do Mestre em sua casa, não quer dizer que, no dia a dia, também deixasse tudo para sua irmã. O que Maria faz é aproveitar o momento único da presença de Jesus para assimilar melhor o seu programa do Reino.
Na tradição judaica na Palestina, somente homens podiam ser discípulos dos rabinos, os mestres. Também no culto, seja na sinagoga como no templo, as mulheres eram discriminadas pelos homens que não permitiam sua participação na direção. E mais. Elas também não podiam estudar a lei de Moisés, contida nas Escrituras. A prática de Jesus, porém, derruba essas tradições preconceituosas, resgatando a dignidade das mulheres, pois elas são tão filhas de Deus quanto os homens são filhos do mesmo Pai. Sentada aos pés do Mestre e escutando a sua palavra, Jesus admite Maria como discípula. Com essa atitude, Maria escolheu a boa parte e esta não lhe será tirada (Lc 10,42). Ela não só acolhe Jesus na casa, como Marta, mas vai além. Acolhe também a sua Palavra, adere ao seu projeto de amor (Lc 10,25-27) que se torna atitude prática na misericórdia com quem foi jogado na beira do caminho (Lc 10,29-37).
Somente três personagens aparecem neste curto texto de Lc 10,38-42: Jesus, Marta e Maria. Jesus visita as duas irmãs, escuta, questiona Marta, acolhe a postura de Maria. Marta é a anfitriã, a dona de casa, preocupada em oferecer um delicioso almoço a Jesus. Com esta preocupação, ela recebe Jesus e vai continuar seu trabalho, sem curtir a visita amiga. Maria não fica preocupada com a casa. Não é solidária com a irmã no serviço. Quer somente estar com Jesus. Sentada aos seus pés, escuta-o atentamente. Ela escolhe algo inédito para as mulheres de sua época. Torna-se discípula! (8,38; 10,39; At 22,3). Com qual desses três personagens nos identificamos mais?
SITUANDO
Esta narrativa sobre a visita de Jesus à Marta e Maria é própria de Lucas. O evangelista situa este texto em seguida à parábola do samaritano (Lc 10,29-37). Lucas deve ter um bom motivo para isso. Um dos motivos de ligação entre esta narrativa e a parábola do samaritano é que Jesus se faz próximo. Entra na casa de Marta, conversa, come junto com as duas Irmãs. Ele se aproxima de duas mulheres, que, como as outras judias da sua época, eram consideradas impuras. Mas, também podemos supor que Lucas tenha feito outra relação entre a parábola do samaritano e a narrativa de Marta e Maria. O texto informa que “Jesus entrou num povoado e certa mulher, chamada Marta o recebeu em sua casa” (10,38). Diante das críticas e da crescente oposição a Jesus, narrada no capítulo seguinte (11,14-54), a acolhida prestativa de Marta e a escuta amorosa de Maria podem ser também uma resposta bem concreta à pergunta do legista: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (10,25).
Situar o texto de Marta e Maria no contexto das comunidades helenistas também ajuda na sua interpretação. Nessas comunidades havia um conflito entre cristãos vindos do judaísmo e os gentios, considerados de origem pagã. Estes últimos eram tidos como impuros, porque não receberam a circuncisão e não praticavam os costumes judeus sobre a pureza. Por isso, nas comunidades cristãs, comer junto com eles foi motivo de muito conflito (At 11,2). A Boa Nova deste texto é que Jesus entra na casa de Marta e Maria e come com elas. Elas eram judias, mas eram consideradas impuras por serem mulheres. Transparece no texto muita amizade e confiança entre eles, pois Marta chega a fazer reclamações triviais em relação à falta de solidariedade de sua irmã Maria (10,40).
COMENTANDO
1 – O que é mais importante: a oração ou a missão?
A tradição cristã encontrou neste texto uma amostra de dois modelos de seguimento de Jesus, considerando um superior ao outro por causa da palavra de Jesus: “Maria escolheu a melhor parte” (10,42b). Assim, acham que Marta representa um seguimento de Jesus focado no trabalho, na intensa atividade missionária ou apostólica. Maria representa um seguimento focado na escuta, na oração, na contemplação. Mas, este dualismo é falso. Ninguém pode ser somente missionário, nem somente contemplativo. Cada pessoa que deseja seguir Jesus precisa ser ao mesmo tempo missionária contemplativa, ou contemplativa missionária. Por isso, volto ao texto, para comentá-lo:
Lc 10,38 – Marta recebe Jesus em sua casa
Jesus está a caminho e entra num povoado. Não sabemos se ele está sozinho ou acompanhado dos discípulos. Esta pergunta fica no ar. O que importa para o evangelista, ou para as comunidades de Lucas é a acolhida de Marta: ela “o recebeu em sua casa”. Na pessoa de Jesus de Nazaré, Marta recebe a visita de Deus (Lc 1,68.78; 7,16; 19,44)
10,39 – Maria é discípula de Jesus
Maria é livre em relação ao papel tradicional da mulher. Ela não está preocupada com o que pensam ou dizem. Assume, como mulher, uma nova postura diante da religião e dos padrões culturais da sua época. Ela “ficou sentada aos pés de Jesus, escutando sua palavra” (10,39). Esta era uma expressão ou postura para indicar uma atitude de discípulo/a (At 22,3).
10,40 – Qual é mesmo o papel das mulheres nas comunidades cristãs?
Ocupada e cansada, agitada com muitos serviços, Marta tenta envolver Jesus em um problema doméstico de falta de participação de Maria no serviço da casa. Será que o questionamento de Marta tem a ver com tarefas caseiras ou por trás de sua frase tem um significado escondido? Marta pode estar expressando a opinião de alguns círculos cristãos, que pretendiam limitar a função das mulheres aos serviços privados e internos nas comunidades cristãs. Não por acaso, se recorrermos ao original grego, encontraremos Marta “ocupada com muita diaconia”.
10,41-42 – Maria escolheu a melhor parte
Jesus escuta Marta, entende seu cansaço, e tenta ajudá-la a encontrar um sentido maior, mais amplo para sua vida, para o discipulado das mulheres. “Marta, Marta, tu te preocupas e agitas por muitas coisas, mas uma só é necessária. Maria, pois, escolheu a melhor parte e esta não lhe será retirada”. Jesus passa do assunto da comida para o sentido da vida. Maria escolheu a apaixonante aventura de viver na intimidade dele, para entregar-se totalmente ao seu projeto. Sua escolha é confirmada por Jesus: “e esta não lhe será retirada” (10,42).
ALARGANDO
Jesus e as mulheres do seu tempo
De um modo geral, as mulheres que se aproximaram de Jesus pertenciam ao escalão mais baixo da sociedade do seu tempo. Muitas delas eram doentes e foram curadas por ele. Provavelmente eram mulheres que não tinham vínculo com nenhum homem: eram viúvas indefesas; esposas repudiadas; mulheres sozinhas, sem recursos e difamadas. Havia também prostitutas, que eram consideradas fonte de impureza e de contaminação. E Jesus acolhia a todas com o mesmo respeito e dignidade. Elas sentavam-se entre os pecadores e indesejados para comer junto com Jesus. Embora a comunidade dos essênios não aceitasse mulheres em sua “mesa santa” e nem os fariseus as aceitassem na sua “mesa pura”, porque observavam a lei da pureza ritual criada pelos sacerdotes.
Esta comida de Jesus junto com as mulheres, os pecadores e os indesejados era precisamente um símbolo e uma antecipação do Reino de Deus. Esta comunhão de mesa com pessoas consideradas impuras mostrava como os “últimos” do povo santo e as últimas da sociedade patriarcal são os “primeiros” e as “primeiras” a entrar no Reino de Deus. Mas, essa presença das mulheres à mesa com Jesus era um escândalo para as boas famílias. Jesus não se intimida. Ele as acolhe com o amor compreensivo do seu Abbá. Jesus aproxima-se delas sem medo e as trata abertamente, sem deixar-se condicionar por nenhum preconceito. Certamente, as mulheres que seguiram o movimento de Jesus pelos caminhos da Galileia viam nele uma alternativa para uma vida mais digna.
O jeito especial de Jesus olhar para todas as mulheres, a partir da sua intimidade com seu Abbá e da sua visão do Reino de Deus, lhe dá criatividade e autoridade para mudar as situações de opressão e dominação aparentemente sem saídas. E Jesus o faz de maneira nova, diferente, inesperada. O texto de Marta e Maria desperta a memória da tradição de Jesus. Ao escrever este texto, Lucas está apontando para esta Boa Nova que já estava sendo um pouco esquecida no tempo em que ele escreveu seu evangelho: por volta do ano 85 d.C.
Catequese
No evangelho de Lucas, 10, 38-42, temos o episódio em que Jesus se encontra com Marta e Maria em casa de ambas. Marta atarefada pede que o Senhor repreenda a Maria que o escutando a seus pés, deixa a irmã com os afazeres domésticos. Esse, porém, lhe dirige a palavra enfatizando que Maria nesse momento estaria livre, pois, com a melhor parte, enquanto Marta deveria continuar executando a tarefa que a si lhe havia imposto.
Essa leitura é de difícil interpretação e que, durante séculos serviu tanto para o Ocidente quanto para o Oriente de argumentação, quando não muito, fundamentação para a concepção da vida contemplativa e ativa sob diferentes prismas.
Houve épocas até bem recente em que a vida contemplativa era tida como “melhor”, “superior” à vida ativa. Mormente fortes crises históricas, também a vida ativa sobrepujou ainda que de modo sutil a vida contemplativa. Nesses enlaces de interpretações, Ocidente e Oriente foi muitas vezes visto sob esse prisma.
A síntese entre vida contemplativa e vida ativa foi bem mais feliz no alvorecer da modernidade com o movimento franciscano, que rejeitando tais visões, preferiram uma síntese cujo elemento constitutivo se mostra numa vida simples, orante e ativa simultaneamente.
Para os franciscanos, a vida cotidiana está toda imbuída do sagrado, e nesse caso, tudo fala de Deus e para ele eleva-nos, fazendo-nos contemplativamente ativos e ativamente contemplativos. Assim, a vida cristã não é feita de dicotomia, mas de uma mesma e só essência onde na ação acontece a contemplação e na contemplação acontece a ação.
Se levarmos em conta que o evangelho não foi escrito para padres, religiosos/as, especialistas em teologia, mas para o povo simples, pessoas comuns, trabalhadoras, devotas, que vive a vida vinte e quatro horas na labuta da sobrevivência e na fé do seguimento e testemunho do Senhor; e que essas pessoas são elas próprias membros das comunidades cristãs, temos aí uma outra forma ou nível de reflexão, de ordem mais comunitária, existencial e testemunhal mesmo.
Nesse caso, Marta e Maria evidenciam não uma dicotomia, e nem uma sínteses, mas uma simultaneidade (como na moeda, onde está a cara e a coroa mesmo em lados distintos, formam a mesma e uma só moeda). Nesse caso, a lógica do texto na cabeça do povo tem uma outra conotação: fé (contemplação/Maria) e vida (ativa/Marta) não se separam, entrementes há momentos de exteriorização em contextos e momentos diversos, mas que não se excluir, não se estranham e nem se delimitam a si mesmos. Exemplo disso é por exemplo, as festas de padroeiros/as, cuja realidade é marcada pelos “atos litúrgicos” e pelos “atos folclóricos”, “festivos” (comidas, bebidas, coisas “profanas”) que se dá no entorno da igreja. É claro que, a mentalidade clerical faz divisão entre o sagrado e o profano, mas na cabeça do povo em certo sentido não funciona assim.
Daí, podemos tirar elementos de reflexão cuja ideia nos leva a perceber toda a riqueza desse evangelho, do encontro das irmãs com o Mestre. O “bom” o “melhor” que é dito pelo mestre não constitui de certo modo o “escutar” “está aos pés” (atitude de discípulo ouvinte, aprendiz) cuja regalia só Maria tem; mas sim, o “bom’ e o “melhor” é “está na presença do Mestre” (Marta e Maria + Jesus) seja de modo contemplativo, seja de modo ativo. E como ambas as realidades constitui uma só e mesma realidade, o Mestre se faz presente de modo paradoxal.
O Senhor nos chama, bate a nossa porta e como Marta e Maria, espera de nós uma atitude: contemplá-lo ativamente e servi-lo ativamente contemplando-O. Eis, pois, o convite do evangelho das imãs de Betânia.
(Veja o original em espanhol logo após o texto em português. Traduzido pelo Google sem correção nossa).
16º DOMINGO DO ANO – CICLO “C”
1ª Leitura (Jo 18,1-10):
O versículo 18:1 dá ao leitor a chave para a compreensão deste texto. Enquanto anuncia uma aparição de Deus a Abraão no carvalho de Manre, narra a aparição de três figuras misteriosas que se aproximam da tenda de Abraão. Abraão as recebe de acordo com as regras da hospitalidade, uma espécie de mandamento fundamental dos nômades do deserto.
A lei da hospitalidade é uma necessidade da vida no deserto, que se torna uma virtude. Quem viaja por estepes sem fim, sem uma gota d'água ou aldeias onde possa comprar provisões, está exposto à morte por sede ou fome. Ao chegar ao acampamento de um pastor, não é um intruso nem um inimigo. É um hóspede digno de atenção e respeito, que pode desfrutar de hospitalidade por três dias; e, ao partir, ainda lhe é devida proteção por mais três dias (cerca de 150 quilômetros). A hospitalidade de Abraão é seguida pela promessa de um filho de Sara, sua esposa estéril e idosa. Isso é um antegozo da hospitalidade que Marta e Maria oferecerão a Jesus e seus discípulos.
O mistério dos visitantes que Abraão recebe é mais tarde dissipado porque fica claro que um deles é o próprio Deus, que permanece com Abraão (cf. 18:22); enquanto os outros dois são identificados em 19:1 como anjos.
Em suma, "a liturgia escolheu esta passagem para chamar a atenção para a visita de Jesus às duas irmãs. Em ambas as imagens é Deus que visita seus filhos e Deus com rosto humano" 1 .
Evangelho (Lc 10,38-42):
É um conto, de âmbito narrativo , na medida em que nos conta uma história sobre Jesus, e de âmbito normativo , na medida em que Jesus faz um juízo de valor a respeito de duas atitudes representadas pelas duas irmãs.
Podemos distinguir três momentos nesta história:
1. Jesus é acolhido por Marta em sua casa (v. 38)
2. Descrição das ações de Maria e Marta (vv. 39-40a)
3. A queixa de Marta e a resposta de Jesus (vv. 40b-42).
A narrativa começa com uma referência à jornada em direção a Jerusalém que Jesus e seus discípulos estão fazendo, o foco de toda esta seção do Evangelho (Lucas 9:51-19:28), e que é importante ter em mente para vinculá-la tanto ao que a precede quanto ao que a segue.
Jesus entra em uma aldeia e uma mulher chamada Marta o acolhe em sua casa. A partir daí, o texto deixa os discípulos na sombra e concentra sua atenção exclusivamente em Jesus e sua conexão com as duas irmãs. O verbo grego upodéjomai (ὑποδέχομαι), que descreve a ação de Marta, implica receber e dar hospitalidade em sua própria casa . O mesmo verbo é usado para descrever a recepção de Jesus por Zaqueu (cf. Lc 19:9); a recepção de Paulo e seus companheiros por Jasão (cf. At 17:7); e a recepção dos exploradores por Raabe na referência a Josué 2, encontrada em Tiago 2:25. O fato de ser Marta quem acolhe Jesus indica que ela é a irmã mais velha e a que detém autoridade na casa. Mesmo etimologicamente, o nome Marta significa "aquela que domina", "senhora".
A história apresenta imediatamente a outra protagonista, Maria, irmã de Marta, " que se sentou aos pés do Senhor e ouviu a sua palavra " (ἤκουεν τὸν λόγον αὐτοῦ). A atitude de sentar-se aos pés do Mestre é a de um discípulo. Em Atos 22:3, Paulo diz que foi ensinado "aos pés de Gamaliel", indicando que era discípulo deste mestre de Israel.
“Escutar a Palavra” de Jesus é a atitude dos seus discípulos ou alunos e, como o próprio Lucas nos diz, escutando Jesus escuta-se a Palavra de Deus (cf. Lc 5,1: “a multidão se reuniu ao redor de Jesus para ouvir a Palavra de Deus”).
Essa "atividade" de Maria é imediatamente contrastada com a de sua irmã Marta: ocupada, inquieta, distraída e "exausta" (possíveis nuances do verbo grego perispáomai ) por muito serviço ( diakonía em grego). Portanto, a ação de Marta descrita com o verbo perispáomai implica certo grau de tensão, inquietação ou distração devido à sua intensa atividade. Como F. Bovon 2 corretamente diz : "Se há uma nuance pejorativa neste verbo, é que esse transbordamento de atividades, compreensível, mas desproporcional, impede Marta de vivenciar a essência do momento presente."
O substantivo diakonía — "serviço" — assim como o verbo diakonéó — "servir" — é sempre valorizado positivamente no Novo Testamento, indicando o trabalho ou os ministérios frequentemente realizados para o Reino de Deus e para os outros. Portanto, Marta não é julgada por "o que" ela faz, que é um valioso serviço de hospitalidade, mas sim por "como ela o faz" e pelos efeitos que isso tem em seu estado de espírito.
O diálogo entre Marta e Jesus começa então (Maria permanece em silêncio, escutando) com a queixa de Marta: "Senhor, não te importas que minha irmã me tenha deixado sozinha no culto? Dize-lhe que me ajude." Essa queixa é bastante compreensível, visto que ela está sozinha com todo o nobre serviço de oferecer hospitalidade aos hóspedes, então ela pede ao Senhor que faça sua irmã Maria perceber que precisa de sua ajuda. Mas, ao mesmo tempo, há uma certa queixa dirigida ao próprio Jesus, responsabilizando-o pela situação ao permitir que Maria permanecesse a seus pés, ouvindo-o como apenas mais uma discípula.
É importante notar aqui que, na sociedade israelita daquela época, as mulheres eram excluídas do aprendizado da Torá, ou a Lei de Deus; elas não podiam ser discípulas de nenhum rabino ou mestre em Israel. De acordo com isso, Maria está realizando uma atividade e ocupando um lugar anteriormente reservado apenas aos homens; ela está assumindo a posição de discípula do Senhor. Vale a pena notar que, de acordo com as normas culturais da época, seu lugar deveria ser na "cozinha" com sua irmã Marta, não com os discípulos que ouviam Jesus. Sobre este assunto, B. Molina, especialista em cultura mediterrânea do século I, comenta : “Nas antigas sociedades mediterrâneas, homens e mulheres eram rigorosamente divididos por espaços, papéis e expectativas. Seus mundos eram mais separados do que qualquer coisa que conhecemos em nossa sociedade moderna. O mundo privado, a família, era domínio das mulheres […] As mulheres tinham pouco ou nenhum contato com homens fora de seu grupo de parentesco […] Como a honra e a reputação de uma mulher dependiam de sua capacidade de governar uma família, a queixa de Marta era culturalmente legítima. Além disso, ao sentar-se para ouvir o mestre, Maria se comporta como um homem!”
Quanto à resposta à pretensão de Marta, o evangelista especifica que ela é dada pelo "Senhor" (εἶπεν αὐτῇ ὁ κύριος), título que se aplica a Jesus ressuscitado e glorificado, dando assim às suas palavras um maior alcance normativo.
A resposta de Jesus, o Senhor, começa com uma repetição do nome (Marta, Marta...) que indica afeição e familiaridade (cf. Lc 6,46; Hb 9,4). Segue -se uma reprovação dirigida não tanto à atividade ou serviço que está sendo realizado, mas à maneira como é realizado . Isso é descrito por dois verbos muito carregados de significado. Primeiro, μεριμνάω ( merimnaō ): estar preocupado, estar angustiado, preocupar-se . No Sermão da Montanha, este mesmo verbo é usado para criticar a preocupação ou angústia sobre as dimensões materiais da vida (comida, roupa, futuro) como contrárias à fé-confiança na Providência de Deus (cf. Mt 6,25, 27, 28, 31, 34 e Lc 12,22, 25, 26). Este mesmo verbo, merimnaō , indica que os cristãos não devem se preocupar em preparar sua defesa quando levados perante um tribunal por sua fé (cf. Lc 12,11). Em 1 Coríntios 7, São Paulo defende a virgindade porque ela liberta aqueles que se casam de preocupações ou ansiedades . Em Filipenses 4,5, São Paulo nos convida a não nos preocuparmos com nada e a apresentarmos nossos pedidos a Deus em oração.
O outro verbo, θορυβάζω ( thorubazō ) – ficar agitado – aparece apenas aqui no NT, então seu significado não é fácil de especificar. No entanto, sua raiz é um termo (θόρυβος) cujo significado é "um barulho alto que confunde, atordoa" (cf. Atos 17:5; Mateus 9:23; Marcos 5:39), então poderíamos facilmente traduzi-lo como "ficar atordoado". Ou seja, Marta está como se estivesse "atordoada".
Segue-se um contraste entre "as muitas coisas" (περὶ πολλά) e "a única coisa necessária" (ἑνὸς δέ ἐστιν χρεία). Embora existam "variantes" do texto que se refletem nas diferentes traduções, compartilhamos a opinião de F. Bovon, para quem o significado da frase é precisamente contrastar o estado de dispersão em que Marta caiu devido à multiplicidade de sua atenção, com a concentração de Maria na única coisa indispensável: estar com Jesus e ouvir sua Palavra .
Esse contraste é então complementado pelo juízo de valor normativo de Jesus sobre a escolha de Maria: "Ela escolheu a boa parte, que não lhe será tirada". A expressão "a boa parte" (τὴν ἀγαθὴν μερίδα) evoca o destino dos levitas que, na divisão da terra, nada recebem do território de Israel, mas o Senhor se torna sua herança, seu quinhão (cf. Sl 73,26.28; 16,5-6).
Jesus considera a atenção exclusiva a si mesmo e a escuta da sua Palavra como a melhor parte, a melhor parte, acima até mesmo da hospitalidade que Marta lhe oferece. Essa linha de interpretação é reforçada se considerarmos o texto que antecede o nosso Evangelho, a parábola do Bom Samaritano. Ali, o tema do amor ao próximo foi desenvolvido, com a nova interpretação de Jesus do "segundo" mandamento. Agora, com a história de Marta e Maria, o "primeiro" mandamento, o do amor a Deus, é desenvolvido, destacando sua primazia absoluta. Notemos também que o nosso Evangelho é seguido pela catequese de Jesus sobre a oração, onde ele ensina a Oração do Senhor aos seus discípulos, na qual também encontramos uma escala de valores clara e em consonância com o Evangelho de hoje.
ALGUMAS REFLEXÕES:
Este Evangelho nos apresenta a posição de Jesus, um ensinamento normativo que estabelece uma nova dimensão nos valores dos discípulos, ontem, hoje e sempre. Primeiro, temos a abertura do discipulado às mulheres . O que Maria é e o que ela faz, Jesus aprova, contrariando os costumes religiosos de seu tempo. Ele permite que as mulheres ocupem um lugar legítimo entre os discípulos de Jesus.
Em segundo lugar , o que caracteriza um discípulo de Jesus, a coisa mais importante e a única necessária para sê-lo, é a escuta da Palavra de Deus . Nesse sentido, podemos falar de uma primazia da contemplação sobre a ação ; que nada mais é do que uma consequência da primazia da Graça, da ação de Deus sobre a ação do homem.
Para tanto, precisamos recuperar o sentido autêntico da contemplação, que não é de forma alguma sinônimo de fuga ou inatividade. Pelo contrário, é a atividade suprema do amor . O Papa Paulo VI a descreveu bem : 5 "O esforço para fixar o olhar e o coração nEle (Deus), que chamamos de contemplação, torna-se o ato mais elevado e pleno do espírito, o ato que hoje pode e deve coroar a imensa pirâmide da atividade humana." A este respeito, o Papa Francisco disse no Angelus de 17 de julho de 2022: “Maria intuiu que há uma ‘boa parte’ à qual se deve dar o primeiro lugar. Tudo o mais vem depois, como um riacho que jorra de uma fonte. E então nos perguntamos: qual é esta ‘boa parte’? É ouvir as palavras de Jesus. O Evangelho diz: “Maria estava sentada aos pés do Senhor, ouvindo a sua palavra” (v. 39). Notemos que ela não estava de pé, ouvindo, fazendo outras coisas, mas sim sentada aos pés de Jesus. Ela compreendeu que Ele não é um hóspede como os outros. À primeira vista, parece que Ele veio para receber, porque precisa de comida e alojamento, mas, na realidade, o Mestre veio para se doar através da sua palavra.”
Uma vez aceita a primazia da “escuta da Palavra” e da graça, podemos ir mais à questão fundamental e dizer com M. Rupnik que “o que se deduz deste fragmento é que o discipulado tem como fundamento a amizade com Cristo, um amor que torna a pessoa toda aberta a Ele e lhe dá toda a precedência, de modo que, aceitando o seu caráter absoluto, participa da vida eterna” 6 .
Em terceiro lugar , considerando que Lucas coloca este Evangelho depois da parábola do Bom Samaritano com seu convite a ser próximo e ter compaixão pelos necessitados, podemos ver nisso uma tentativa de ordenar hierarquicamente os mandamentos do amor ao próximo e do amor ou atenção exclusiva a Deus . E também como uma tentativa de estabelecer o fundamento do amor ao próximo na medida em que a compaixão autêntica brota da verdadeira contemplação . A escuta atenta e discípula das palavras de Jesus é o que produz a mudança de coração que nos levará a ver as necessidades do nosso próximo, de todos aqueles próximos a nós, a sentir compaixão e a agir de acordo. Portanto, somente um coração que escuta pode se tornar um coração que vê e tem compaixão.
Essa ideia é encontrada em "Deus é Amor" n. 7, quando o Papa Bento XVI comenta a interpretação de São Gregório Magno da visão onírica de Jacó (cf. Gn 28,12): "A interpretação que o Papa Gregório Magno dá desta visão em sua Regra Pastoral é particularmente impressionante . O bom pastor, diz ele, deve estar ancorado na contemplação. De fato, somente assim ele será capaz de compreender as necessidades dos outros nas profundezas de seu ser, a fim de torná-las suas: 'em suas ternas misericórdias, ele deve suportar as fraquezas de todos os homens' . Nesse contexto, São Gregório menciona São Paulo, que foi arrebatado ao terceiro céu, aos maiores mistérios de Deus, e precisamente por isso, ao descer, ele é capaz de se tornar tudo para todos (cf. 2 Cor 12,2-4; 1 Cor 9,22). Ele também dá o exemplo de Moisés, que entra e sai do tabernáculo, em diálogo com Deus, para poder... Desta forma, a partir dEle, ele está à disposição de seu povo. "Dentro [ do tabernáculo] ele está extasiado em contemplação, fora [do tabernáculo] ele é pressionado pelos assuntos dos aflitos .
Por fim, vale ressaltar que o texto não contrasta duas atitudes, como se a de Marta fosse má e a de Maria fosse boa. Nem contrasta contemplação com ação. Antes, trata-se de uma escala de valores ou prioridades: o que é melhor e necessário é mais importante do que o que é bom . De fato, Marta é quem acolhe Jesus em sua casa e se esforça para proporcionar uma boa acolhida ao visitante praticando a hospitalidade, virtude muito valorizada na Bíblia. Mas é aqui que Jesus estabelece uma novidade com sua declaração normativa sobre o que Deus mais aprova, o que é mais valioso para Ele, que é justamente a dedicação de Maria ao que é essencial: ouvir a palavra de Jesus .
F. Bovon 7 compartilha esta opinião : “A angústia de Marta provém do isolamento em que foi deixada: sente-se abandonada pela irmã e incompreendida por Jesus. Este não duvida por um momento sequer do seu desejo de servir, nem da necessidade das tarefas domésticas. Ele simplesmente propõe uma hierarquia doutrinal de valores e gestos. A prioridade pertence à escuta da Palavra de Deus, ao relaxamento, ao gesto de sentar-se; consiste em não querer ir à frente do Senhor, em aceitar ser servido antes de servir. Essa é a única coisa necessária, que responde à necessidade de cada um. Essa é a parte boa, que corresponde ao desejo de todos. Maria, a silenciosa, a Maria imóvel, encarna e simboliza essa atenção prioritária e essa fé.”
E neste sentido entendemos que Jesus repreende Marta por sua agitação, pois “em tal estado de espírito, Marta não consegue ouvir a palavra e, portanto, também não consegue acolhê-la, embora esteja tão ocupada servindo à Palavra de Deus. É como se essa agitação esvaziasse Marta até mesmo de sua hospitalidade” 8 .
Na mesma linha e com grande simplicidade, Santa Teresa interpreta este Evangelho: "...uma alma abraçada pelo amor não pode permanecer inativa. É verdade que Maria... permanece aos pés de Jesus, ouvindo suas doces e inflamadas palavras. Parece que ela não dá nada, mas dá muito mais do que Marta, que é inquieta e nervosa com muitas coisas e gostaria que sua irmã a imitasse. O que Jesus censura não é o trabalho de Marta. Sua divina Mãe submeteu-se humildemente a esse trabalho durante toda a sua vida, visto que tinha que preparar comida para a Sagrada Família. A única coisa que Jesus gostaria de corrigir é a inquietação de sua ardente anfitriã. Assim o entenderam todos os santos, e mais especialmente aqueles que encheram o universo com a luz da doutrina evangélica. Não foi na oração que São Paulo, Santo Agostinho, São João da Cruz, São Tomás de Aquino, São Francisco, São Domingos e tantos outros ilustres amigos de Deus beberam daquela ciência divina que cativou os maiores gênios?..." (De Manuscrito "C" de Teresa de Lisieux).
PARA A ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM UMA ORAÇÃO):
Nas páginas de um caderno
Abro meu caderno nessas manhãs
Escrevo com letras apressadas um diálogo sincero
comigo primeiro e depois eu espero por você
Você vem até mim e não há mais monólogo nem silêncio
Eu ouço sua voz lá no fundo
É a sua hora, a nossa
Gostaria de deixar as páginas em branco
Para que somente seus traços de caligrafia perfeita
Deixe suas pegadas gravadas nele…
Há outras manhãs, em que me movo agitado
E parece que o tempo está passando
Como água entre os dedos
Eu não paro, não escrevo, não espero
Eu apenas sacudo a poeira da estrada
Acelero o passo, canso-me e tremo
Você também vem me encontrar nessas manhãs.
Você busca incansavelmente minha atenção
Você me faz entender o essencial
Sem hesitar eu entendo minha necessidade
Você me convida para jantar na sua mesa e eu te dou minha canção
Você me chama para o compromisso novamente
E no dia seguinte... abro meu caderno novamente
Escrevo com letras apressadas um diálogo sincero
comigo primeiro e depois, Senhor, eu espero por você.
Amém
1 Comissão Episcopal para o Grande Jubileu, Vim Trazer o Fogo à Terra! Diretrizes para as Homilias do Décimo Quarto ao Vigésimo Domingo do Ano (CEA; Buenos Aires 1998) 45.-
2 Evangelho segundo São Lucas II (Segue-me; Salamanca 2002) 138-139.
3 Cf. G. Napole, "Ó mulher, grande é a tua fé! (Mt 15,28). Discípulos de Jesus segundo os Evangelhos", Revista Bíblica 2006/1-2 , 12-13.
4 Os Evangelhos Sinóticos e a cultura mediterrânica do primeiro século (Verbo Divino; Estella 1996) 365 e 263.
5 Discurso de 7.12.1965 .-
6 Jesus à mesa de Betânia (Monte Carmelo; Burgos 2008) 67.
7 Evangelho segundo São Lucas II (Segue-me; Salamanca 2002) 138-139.149.-
8 MI Rupnik, Jesus à mesa de Betânia (Monte Carmelo; Burgos 2008) 60.
DOMINGO XVI DURANTE EL AÑO – CICLO "C"
1ra. Lectura (Gn 18,1-10):
El versículo 18,1 da al lector la clave de lectura de este texto pues si bien anuncia una aparición de Dios a Abraham en la encina de Mambré, a continuación se narra la aparición de tres misteriosos personajes que se llegan hasta la tienda de Abraham. Éste los recibe según las reglas de la hospitalidad, especie de mandamiento fundamental de los nómades del desierto.
La ley de hospitalidad es una necesidad de la vida del desierto, que se convierte en virtud. El hombre que recorre estepas interminables sin una gota de agua ni poblados donde comprar provisiones está expuesto a la muerte por sed o inanición. Cuando llega a un campamento de pastores, no es un intruso ni un enemigo. Es un huésped digno de atención y respeto, que puede gozar de la hospitalidad durante tres días; y cuando se marcha, todavía se le debe protección durante otros tres días (unos 150 kilómetros). A la hospitalidad de Abraham sigue la promesa de un hijo de Sara, su mujer, estéril y anciana. Es un anticipo de la hospitalidad que Marta y María tendrán para con Jesús y sus discípulos.
El misterio de los visitantes a quienes recibe Abraham se disipa más adelante porque es claro que uno de ellos es el mismo Dios quien permanece con Abraham (cf. 18,22); mientras que los otros dos son identificados en 19,1 como ángeles.
En fin, "la liturgia ha elegido esta perícopa para llamar la atención acerca de la visita de Jesús a las dos hermanas. En ambas imágenes es Dios el que visita a sus hijos y Dios con rostro humano"1.
Evangelio (Lc 10,38-42):
Se trata de un relato breve, con un alcance narrativo, por cuanto nos cuenta una historia de Jesús, y con un alcance normativo, por cuanto Jesús hace un juicio de valor frente a dos actitudes representadas por las dos hermanas.
Podemos distinguir en este relato tres momentos:
1. Jesús es recibido por Marta en su casa (v. 38)
2. Descripción de las acciones de María y de Marta (vv. 39-40a)
3. La queja de Marta y la réplica de Jesús (vv. 40b-42).
La narración comienza con la referencia al camino hacia Jerusalén que están realizando Jesús y sus discípulos, eje de toda esta sección del evangelio (Lc 9,51-19,28), y que importa tener en cuenta para vincularlo tanto con lo que antecede y como con lo que sigue.
Jesús entra en un pueblo y una mujer llamada Marta lo recibe en su casa. El texto, de ahora en más, deja en la penumbra a los discípulos y concentra su atención sólo en Jesús y en su vinculación con las dos hermanas. El verbo griego upodéjomai (ὑποδέχομαι) que describe la acción de Marta implica recibir y dar hospitalidad en la propia casa. Con el mismo verbo se indican la recepción que hace Zaqueo de Jesús (cf. Lc 19,9); Jasón de Pablo y sus compañeros (cf. He 17,7) y Rahab de los exploradores en la referencia a Josué 2 que encontramos en Stgo 2,25. El hecho de que sea Marta quien da el hospedaje a Jesús indicaría que es ella la hermana mayor y quien tiene la autoridad en la casa. Incluso etimológicamente el nombre Marta significa "la que domina", "dueña".
Enseguida el relato hace la presentación de la otra protagonista, María, hermana de Marta, "que sentada a los pies del Señor, escuchaba su Palabra" (ἤκουεν τὸν λόγον αὐτοῦ). La actitud de sentarse a los pies del Maestro es la propia del discípulo. En He 22,3 Pablo dice que fue instruido "a los pies de Gamaliel", indicando así que fue discípulo de este maestro de Israel.
La "escucha de la Palabra" de Jesús es la actitud propia de sus discípulos o alumnos y, cómo nos dice el mismo Lucas, escuchando a Jesús se escucha la Palabra de Dios (cf. Lc 5,1: "la multitud se amontonaba alrededor de Jesús para escuchar la Palabra de Dios").
A esta "actividad" de María se contrapone enseguida la de su hermana Marta: ocupada, inquieta, distraída y "sacada" (matices posibles del verbo griego perispáomai) por el mucho servicio (diakonía en griego). Por tanto, la acción de Marta descrita con el verbo perispáomai implica cierto grado de tensión, inquietud o distracción a causa de la mucha actividad. Como bien dice F. Bovon2: "Si hay un matiz peyorativo en este verbo es que ese desbordamiento de actividades, comprensible pero desproporcionado, impide a Marta vivir lo esencial del instante presente".
El sustantivo diakonía – servicio –, al igual que el verbo diakonéó – servir –, tienen siempre una valoración positiva en el Nuevo Testamento indicando los trabajos o ministerios realizados muchas veces por el Reino de Dios y en favor de los demás. Por tanto, no se juzga a Marta por "lo que" realiza, que es un valioso servicio de hospitalidad, sino más bien por el "modo como lo realiza" y por los efectos que tiene esto sobre su estado de ánimo.
Comienza luego el diálogo entre Marta y Jesús (María permanece siempre en silencio, a la escucha) con la queja de Marta: "Señor, ¿no te importa que mi hermana me deje sola en el servicio? Dile, pues, que me ayude". Esta queja es por demás de comprensible pues está sola con todo el noble servicio de brindar hospitalidad a los huéspedes, por eso pide al Señor que le haga tomar conciencia a su hermana María de que necesita su ayuda. Pero al mismo tiempo hay un cierto reclamo dirigido al mismo Jesús considerándolo responsable de la situación al permitir que María esté a sus pies escuchándolo como una discípula más.
Importa tener en cuenta aquí que, en la sociedad israelita de aquel tiempo, las mujeres estaban excluidas del aprendizaje de la Torá o Ley de Dios; no podían ser discípulas de ningún rabino o maestro de Israel. Según esto, María está realizando una actividad y ocupando un lugar reservado hasta entonces sólo a los varones; está asumiendo la posición de discípula del Señor. Vale decir que, según las normas culturales de aquel tiempo, su lugar debería ser en la "cocina" con su hermana Marta y no con los discípulos escuchando a Jesús3. Al respecto comenta B. Malina4, especialista en la cultura mediterránea del siglo I: “En las antiguas sociedades mediterráneas, los hombres y las mujeres estaban rigurosamente divididos por espacios, roles y expectativas. Sus mundos estaban más separados que cualquier cosa que conozcamos en nuestra sociedad moderna. El mundo privado, la familia, era el ámbito de las mujeres […] Las mujeres tenían poco o ningún contacto con hombres fuera de su grupo de parentesco […] Como el honor y la reputación de una mujer dependían de su capacidad de gobernar una familia, la queja de Marta era culturalmente legítima. Más aún, al sentarse a escuchar al maestro, ¡María se comporta como un hombre!”.
En cuanto a la respuesta al reclamo de Marta, el evangelista precisa que la da "el Señor" (εἶπεν αὐτῇ ὁ κύριος), título que se aplica a Jesús Resucitado y glorificado, con lo cual da a sus palabras un alcance normativo mayor.
La respuesta de Jesús, del Señor, comienza con una repetición del nombre (Marta, Marta…) que indica afecto y familiaridad (cf. Lc 6,46; He 9,4). Luego sigue un reproche dirigido no tanto a la actividad o servicio que realiza, sino al modo como lo realiza. Esto se describe con dos verbos muy cargados de sentido. En primer lugar, μεριμνάω (merimnaō): inquietarse, angustiarse, preocuparse. En el Sermón del Monte se critica con este mismo verbo la preocupación o angustia por la dimensión material de la vida (alimento, vestido, futuro) como contraria a la fe-confianza en la Providencia de Dios (cf. Mt 6,25.27.28.31.34 y Lc 12,22.25.26). Con este mismo verbo merimnaō se indica que los cristianos no deben preocuparse por preparar su defensa cuando sean llevados ante un tribunal por causa su fe (cf. Lc 12,11). En 1Cor 7 san Pablo argumenta a favor de la virginidad por cuanto libera de las preocupaciones o angustias de los que se casan. En Flp 4,5 San Pablo invita a no inquietarse por nada y a presentar en la oración las peticiones a Dios.
El otro verbo, θορυβάζω (thorubazō) – agitarse -, aparece sólo aquí en el NT, por lo que no es fácil precisar su sentido. No obstante, tiene en su raíz un término (θόρυβος) cuyo sentido es "ruido fuerte que confunde, aturde" (cf. He 17,5; Mt 9,23; Mc 5,39), por lo que bien podríamos traducirlo por "aturdirse". Es decir, Marta está como "aturdida".
Sigue luego una contraposición entre "las muchas cosas" (περὶ πολλά) y la "única cosa necesaria" (ἑνὸς δέ ἐστιν χρεία·). Si bien hay "variantes" del texto que se reflejan en las distintas traducciones, compartimos la opinión de F. Bovon para quien el sentido de la frase es justamente contraponer el estado de dispersión en que ha caído Marta por la multiplicidad de su atención, con la concentración de María en la única cosa indispensable: estar con Jesús y escuchar su Palabra.
Esta contraposición se complementa a continuación con el juicio de valor, normativo, que realiza Jesús sobre la opción practicada por María: "ha elegido la parte buena, que no le será quitada". La expresión "la parte buena" (τὴν ἀγαθὴν μερίδα) evoca la suerte de los levitas quienes en la repartición de la tierra no reciben nada del territorio de Israel sino que el Señor pasa a ser su heredad, su lote (cfr. Sal 73,26.28; 16,5-6).
Jesús considera como la parte buena, mejor, la atención exclusiva a su persona y la escucha de su Palabra; incluso por encima del servicio de hospitalidad que Marta le brinda. Esta línea de interpretación se refuerza si tenemos en cuenta el texto que precede a nuestro evangelio que es la parábola sobre el buen samaritano. Allí se desarrollaba el tema del amor al prójimo, con la nueva interpretación que hace Jesús del "segundo" mandamiento. Ahora, con la narración de Marta y María, se desarrolla el "primer" mandamiento, el del amor a Dios, resaltando su primacía absoluta. Notemos también que a nuestro evangelio le sigue la catequesis de Jesús sobre la oración, donde enseña el Padrenuestro a sus discípulos, en la cual encontramos también una clara escala de valores en consonancia con el evangelio de hoy.
ALGUNAS REFLEXIONES:
Este evangelio nos presenta una toma de posición de Jesús, una enseñanza normativa, que establece una novedad para la escala de valores de los discípulos, de ayer, hoy y siempre. En primer lugar, tenemos la apertura del discipulado a la mujer. Lo que María es y lo que hace, Jesús lo aprueba en contra de las costumbres religiosas de su época. Le permite a la mujer ocupar un legítimo lugar entre los discípulos de Jesús.
En segundo lugar, lo que caracteriza al discípulo de Jesús, lo más importante y lo único necesario para serlo, es la escucha de la Palabra de Dios. En este sentido bien podemos hablar de un primado de la contemplación sobre la acción; que no es más que consecuencia del primado de la Gracia, del obrar de Dios sobre el obrar del hombre.
En orden a esto último, hay que recuperar el sentido auténtico de la contemplación, que no es para nada sinónimo ni de evasión ni de inactividad. Al contrario, es la suprema actividad del amor. La describía muy bien el Papa Pablo VI5: “El esfuerzo por fijar en El (Dios) la mirada y el corazón, que nosotros llamamos contemplación, se convierte en el acto más alto y más pleno del espíritu, el acto que hoy todavía puede y debe coronar la inmensa pirámide de la actividad humana”. Al respecto decía el Papa Francisco en el Ángelus del 17 de julio de 2022: “María ha intuido que hay una “parte buena” a la que hay que dar el primer lugar. Todo lo demás viene después, como un arroyo de agua que brota de la fuente. Y así nos preguntamos: ¿Y qué es esta “parte buena”? Es la escucha de las palabras de Jesús. Dice el Evangelio. «María, que, sentada a los pies del Señor, escuchaba su Palabra» (v. 39). Notemos que no escuchaba de pie, haciendo otras cosas, sino que estaba sentada a los pies de Jesús. Ha entendido que Él no es un huésped como los demás. A primera vista parece que ha venido a recibir, porque necesita comida y alojamiento, pero en realidad, el Maestro ha venido para donarse a sí mismo mediante su palabra”.
Una vez aceptada la primacía de la “escucha de la Palabra” y de la gracia, podemos ir más a la cuestión de fondo y decir con M. Rupnik que “lo que se deriva de este fragmento es que el discipulado tiene como fundamento la amistad con Cristo, un amor que consigue que se abra toda la persona a él y que le de toda la precedencia, de modo que, acogiendo su carácter absoluto, participe en la vida eterna”6.
En tercer lugar, teniendo en cuenta que Lucas coloca este evangelio a continuación de la parábola del buen samaritano con su invitación a hacerse prójimo y compadecerse del necesitado, podemos ver en esto un intento de ordenar jerárquicamente los mandamientos del amor al prójimo y del amor o atención exclusiva a Dios. Y también como un intento de fundamentación del amor al prójimo por cuanto la compasión auténtica brota de una contemplación verdadera. La escucha atenta, discipular, de las palabras de Jesús son las que provocan el cambio de corazón que nos llevará a ver las necesidades del prójimo, de todo próximo, a sentir compasión y a obrar en consecuencia. Por tanto, sólo un corazón que escucha puede llegar a ser un corazón que ve y se compadece.
Esta idea la encontramos en "Dios es Amor" nº 7 al comentar el Papa Benedicto la interpretación de San Gregorio Magno sobre la visión en sueños de Jacob (cf. Gn 28,12): "Impresiona particularmente la interpretación que da el Papa Gregorio Magno de esta visión en su Regla pastoral. El pastor bueno, dice, debe estar anclado en la contemplación. En efecto, sólo de este modo le será posible captar las necesidades de los demás en lo más profundo de su ser, para hacerlas suyas: «por sus entrañas de misericordia lleve en sí las debilidades de todos los demás». En este contexto, san Gregorio menciona a san Pablo, que fue arrebatado hasta el tercer cielo, hasta los más grandes misterios de Dios y, precisamente por eso, al descender, es capaz de hacerse todo para todos (cf. 2 Co 12, 2-4; 1 Co 9, 22). También pone el ejemplo de Moisés, que entra y sale del tabernáculo, en diálogo con Dios, para poder de este modo, partiendo de Él, estar a disposición de su pueblo. «Dentro [del tabernáculo] se extasía en la contemplación, fuera [del tabernáculo] se ve apremiado por los asuntos de los afligidos»".
Por último, faltaría insistir en que el texto no está contraponiendo dos actitudes como si la de Marta fuera mala y la de María buena. Tampoco contrapone contemplación y acción. Más bien se trata de escala de valores o prioridades: lo mejor y necesario es más importante que lo bueno. De hecho, Marta es quien recibe a Jesús en su casa y quien se esfuerza por atender bien la visita poniendo en práctica la hospitalidad, virtud muy valorada por la Biblia. Pero, es aquí donde Jesús establece una novedad con su declaración normativa sobre lo que Dios aprueba más, lo que vale más para Él, que es justamente la dedicación de María a lo esencial, a la escucha de la palabra de Jesús.
En esta misma línea opina F. Bovon7: “La inquietud de Marta se debe al aislamiento en que la han dejado: se siente abandonada por su hermana y mal comprendida por Jesús. Éste último no duda ni un instante de su deseo de servir, ni de la necesidad de las tareas domésticas. Le propone simplemente una jerarquía doctrinal de los valores y los gestos. La prioridad corresponde a la escucha de la Palabra de Dios, a la distensión, al gesto de sentarse; consiste en no querer ir por delante del Señor, en aceptar ser servida antes de servir. Eso es lo único necesario, que responde a la necesidad de cada uno. Esa es la parte buena, que corresponde al deseo de todos. María, la silenciosa, la inmóvil María encarna y simboliza esta atención y esta fe prioritarias”.
Y en este sentido entendemos que Jesús le reprocha a Marta su agitación porque “en un estado de ánimo así, Marta no es capaz de escuchar la palabra y, por tanto, tampoco de acogerla, aunque esté tan atareada por servir al Verbo de Dios. Es como si esta agitación vaciara a Marta incluso de su hospitalidad”8.
En la misma línea y con su gran sencillez interpreta Sta. Teresita este evangelio: "...un alma abrazada de amor no puede permanecer inactiva, Es cierto que María...permanece a los pies de Jesús, escuchando sus palabras dulces e inflamadas. Parece que no da nada, pero da mucho más que Marta que anda inquieta y nerviosa con muchas cosas y quisiera que su hermana la imitase. Lo que Jesús censura no son los trabajos de Marta. A trabajos como ésos se sometió humildemente su divina Madre durante toda su vida, pues tenía que preparar la comida de la Sagrada Familia. Lo único que Jesús quisiera corregir es la inquietud de su ardiente anfitriona. Así lo entendieron todos los santos y más especialmente los que han llenado el universo con la luz de la doctrina evangélica. ¿No fue en la oración donde San Pablo, San Agustín, San Juan de la Cruz, Santo Tomás de Aquino, San Francisco, Santo Domingo y tantos otros amigos ilustres de Dios bebieron aquella ciencia divina que cautivaba a los más grandes genios? ...." (Del Manuscrito "C" de Teresa de Lisieux).
PARA LA ORACIÓN (RESONANCIAS DEL EVANGELIO EN UNA ORANTE):
En las hojas de un cuaderno
Abro mi cuaderno en esas mañanas
Escribo con apuradas letras un diálogo sincero
conmigo primero y luego, te espero
Vienes a mí y ya no hay monólogo ni silencio
Escucho tu voz muy dentro
Es tu momento, el nuestro
Quisiera dejar las hojas en blanco
Para que solo tus trazos de caligrafía perfecta
Dejen en él grabadas tus huellas…
Hay otras mañanas, cuando agitado me muevo
Y parece se esfuma el tiempo
Como el agua entre los dedos
No me detengo, y no escribo, no espero
Solo sacudo el polvo del camino
Apuro el paso, me desgasto y tiemblo
También esas mañanas me sales al encuentro
Buscas incansable mi atención
Me das a entender lo esencial
Sin vacilar comprendo mi necesidad
Invitas a tu mesa para la cena y te doy mi cantar
Me convocas a la cita nuevamente
Y al día siguiente… vuelvo a abrir mi cuaderno
Escribo con apuradas letras un diálogo sincero
conmigo primero y luego, Señor, te espero.
Amén
1 Comisión Episcopal para el gran Jubileo, ¡Fuego he venido a traer a la tierra! Orientaciones para las homilías desde el domingo XIV hasta el domingo XX durante el año (CEA; Buenos Aires 1998) 45.-
2 El Evangelio según San Lucas II (Sígueme; Salamanca 2002) 138-139.
3 Cf. G. Napole, "¡Oh mujer, grande es tu fe! (Mt 15,28). Discípulas de Jesús según los evangelios", Revista Bíblica 2006/1-2, 12-13.
4 Los Evangelios Sinópticos y la cultura mediterránea del siglo I (Verbo Divino; Estella 1996) 365 y 263.
5 Discurso del 7.12.1965.-
6Jesús en la Mesa de Betania (Monte Carmelo; Burgos 2008) 67.
7 El Evangelio según San Lucas II (Sígueme; Salamanca 2002) 138-139.149.-
8 M. I. Rupnik, Jesús en la Mesa de Betania (Monte Carmelo; Burgos 2008) 60.