16/02/2025
1ª Leitura: Jeremias 17,5-8
Salmo 1 R- É feliz quem a Deus se confia!
2ª leitura:- 1 Coríntios 15,12.16-20
Evangelho de Lucas 6,17.20-26
"17.Descendo com eles, parou numa planície. Aí se achava um grande número de seus discípulos e uma grande multidão de pessoas vindas da Judeia, de Jerusalém, da região marítima, de Tiro e Sidônia, que tinham vindo para ouvi-lo e serem curadas de suas enfermidades. 20.Então, ele ergueu os olhos para os seus discípulos e disse: “Bem-aventurados vós que sois pobres, porque vosso é o Reino de Deus!* 21.Bem-aventurados vós que agora tendes fome, porque sereis fartos! Bem-aventurados vós que agora chorais, porque vos alegrareis! 22.Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos ultrajarem, e quando repelirem o vosso nome como infame por causa do Filho do Homem! 23.Alegrai-vos naquele dia e exultai, porque grande é o vosso galardão no céu. Era assim que os pais deles tratavam os profetas. 24.Mas ai de vós, ricos, porque tendes a vossa consolação! 25.Ai de vós, que estais fartos, porque vireis a ter fome! Ai de vós, que agora rides, porque gemereis e chorareis! 26.Ai de vós, quando vos louvarem os homens, porque assim faziam os pais deles aos falsos profetas!"
As bem-aventuranças segundo o evangelho de Lucas, nos remetem a Ex 19. Como Moisés subiu ao Sinai para receber de Deus a Lei e desceu para entregar a revelação divina para o Povo de Deus, assim também Jesus sobe para o alto do monte e de lá desce para a planície onde se encontram os discípulos. Jesus sobe para orar e, depois desce para escolher os Doze apóstolos e para proclamar as bem-aventuranças.
As bem-aventuranças devem ser bem entendidas. Não devemos entendê-las em chave moralista. Jesus não está falando do que “nós devemos fazer”. As bem-aventuranças, primeiramente, não devem ser entendidas como se fossem um programa de vida para nós pormos em prática. Por isso, quando falamos das bem-aventuranças como a Nova Lei do Reino é preciso entender que “o que devemos fazer” não vem em primeiro lugar.
Em primeiro lugar, está “o que Deus faz”. As bem-aventuranças proclamam o que Deus faz no mundo, como Ele intervém em nossa história. Revelam qual é o desígnio de Deus em relação a essa nossa humanidade ferida, sofredora... qual é a atitude de Deus ante tanta injustiça, morte, violência...
Assim as bem-aventuranças não são a proclamação da bondade dos pobres, mas o anúncio da bondade de Deus que não suporta mais o sofrimento dos pobres; não é a justificação da fome que mata tantos, mas a proclamação de que os famintos são felizes porque Deus os ama e não quer que ninguém morra de fome; não é a aceitação resignada do sofrimentos, mas o anúncio de que Deus não é indiferente às lágrimas de quem sofre por si ou pelas tribulações de outros.
Jesus não proclama as bem-aventuranças como um ensinamento teórico. Ele é o bem-aventurado misericordioso que fala não de um palácio ou de uma vida confortável, mas a partir da pobreza pessoalmente vivida: não tem dinheiro na bolsa, não tem duas túnicas e está próximo dos mais pobres, de tal modo que pode falar: “felizes vós”.
As bem-aventuranças não falam dos pobres, mas de Deus. Mais exatamente falam de Jesus. Quem o vê, vê o Pai. Jesus é o Filho obediente que se despojou de sua glória – foi odiado, desprezado e morto na cruz – e que foi glorificado na ressurreição. Ele realiza na sua pessoa o abaixamento de Deus: Deus ama a tal ponto que se solidariza com os últimos desta terra. Ele não é indiferente aos descartados; Ele vê os invisíveis; Ele deseja os indesejados. Jesus realiza na sua pessoa a bem-aventurança: identificando consigo todos os pobres e sofredores, sacia-os com o banquete messiânico.
Somente depois de entender as bem-aventuranças em chave teológica e cristológica é que podemos entende-las em chave moral. O “o que devemos fazer” decorre do “o que Jesus faz por nós”. Nesse sentido, a prática da misericórdia, mesmo que não seja mencionada explicitamente no texto de hoje, aparece como a nossa nova lei. Ser misericordiosos como Jesus é o que nos pedem as bem-aventuranças.
6º Domingo do Tempo Comum – Lc 6,17.20-26 – ano C
“E, levantando os olhos para os seus discípulos, disse: bem-aventurados vós...” (Lc 6,20)
O cristianismo sempre proclamou a grandeza das bem-aventuranças; sempre afirmou que elas são o “coração do Evangelho”, a proclamação do Reino de Deus, a síntese da fé cristã. Mas, na realidade, são poucos os que compreendem sua mensagem e, menos ainda, os que fazem dela o núcleo real de suas vidas.
Podem as bem-aventuranças acrescentar algo a quem se sente infeliz, rejeitado, frustrado...? Não seriam as bem-aventuranças uma bela teoria sem qualquer repercussão em nossas vidas?
Sempre se disse que as bem-aventuranças são a maneira original de viver o seguimento de Jesus Cristo. Porém, estaríamos equivocados se somente víssemos nelas um código moral ou um manual de conduta. As bem-aventuranças são muito mais. Elas não são leis que se impõem de fora, mas “dinamismos vitais” que brotam de nosso ser essencial; elas emanam das profundezas do nosso coração, qual água cristalina que brota das entranhas da terra.
Por um lado, elas indicam o espírito que deve animar os seguidores de Jesus. Por outro, elas nos prometem aquilo que mais ardentemente deseja o nosso coração: a felicidade.
Todos nós carregamos na mais profundo de nosso ser uma fome insaciável de “algo” que chamamos felicidade. Por isso, quando ouvimos com atenção e sensibilidade, as bem-aventuranças despertam em nós um eco especial, reacendem a esperança e sustentam uma vida mais ousada.
O fundamento de todas as bem-aventuranças está no próprio Deus, em sua Presença e em seu reinado.
Na proclamação das bem-aventuranças, Deus se coloca como defensor e garantidor da vida dos pobres, dos que estão cansados, marcados pela dor e pela violência, e que, aos olhos dos outros, são os últimos, os “perdedores”, insignificantes. Aos olhos de Deus, no entanto, essas vidas valem, são preciosas, são a "menina de seus olhos”, precisamente porque são frágeis, ameaçadas.
A felicidade, a vida ditosa, a bem-aventurança, é que Deus pôs seu olhar sobre eles e elas
Deus se oferece a si mesmo como abundância, alegria, consolo, esperança, terra prometida, rosto visível, misericordioso, Pai-Mãe. Eis aí a bem-aventurança por excelência: Deus mesmo.
Um dos fracassos mais graves da Igreja talvez seja o de não saber apresentar o Deus cristão como amigo da felicidade do ser humano. Infelizmente, parece ser consenso afirmar que o específico “do cristão” não é buscar a felicidade, mas sim as exigências das leis, das abnegações, das penitências e mortificações. Com isso, a vida de muitos cristãos torna-se um “peso” insuportável e a imagem de Deus revela-se terrível.
Na realidade, o ser humano somente se interessará por Deus se intuir que Ele pode ser fonte de felicidade.
Esse é o primeiro dado. Todos buscamos ser felizes. Não sabemos como alcançá-la, nem onde ela pode estar, mas todos a buscamos. O ser humano sempre anda em busca da felicidade. Se não a tem, a busca; se crê possuí-la, trata de conservá-la; se a perde, esforça-se para recuperá-la. E quando renuncia a uma determinada felicidade, sempre o faz buscando outra de maior profundidade.
Se aprofundarmos um pouco, percebemos que a cada manhã nos despertamos para a felicidade. Por detrás de todas as ocupações, experiências ou acontecimentos que nos esperam está o desejo de viver com mais intensidade e com mais sentido: aqui está o cerne da felicidade.
E a felicidade não vem das coisas, dos bens, das riquezas; estas até podem nos dar pequenas satisfações, mas não a felicidade.
A felicidade não é tirar água do poço, mas ser manancial de água viva; a felicidade não é aquecer o fogo, mas ser fogo que aquece. A felicidade não é escutar música, mas ser música por dentro. A felicidade não é crer no Evangelho, mas sentir o Evangelho arder por dentro.
Não é a miséria, o sofrimento, a injustiça, nem a submissão e a resignação... que as bem-aventuranças tratam. Deus não se torna feliz com a fome, a pobreza, a dor e o pranto dos seus filhos e filhas. Neste sentido, dirigindo-se à multidão ou à sua comunidade de discípulos, Jesus emite um grito, um protesto, e nos lança um desafio em nome de Deus Pai e Mãe que Ele descobre e chama “Abba”.
O que é que leva Jesus a proclamar, com alta e viva voz, “felizes” os pobres, os que choram e padecem fome, perseguição...? A partir de onde olha Jesus e o quê vê?
Jesus não vê outra realidade; vê a mesma realidade de dor e injustiça, mas faz isso a partir de outro olhar.
Sua própria interioridade, profundidade habitada, sua ousada atitude solidária, sua paixão pelo Reino de Deus e seu compromisso com a vida em meio àquela Galiléia de injustiças e mortes prematuras, lhe permitem um olhar diferente, “a partir de outro lugar”.
Uma grande sensibilidade e pureza de coração permitem a Jesus atravessar a superfície, a casca obscura daquela dura realidade que encontra, e o capacita a olhar mais profundamente. Jesus vê a resistência e a reserva de esperança, o reduto de dignidade não contaminado nos seus contemporâneos, uma marca invisível da mesma fibra ou da “mesma madeira” de seu Pai e nosso.
Jesus vê essa marca divina (pegadas) mesmo nos rostos e corpos mais feios e deformados pela fome, doença, miséria... Em todos, vê “filhos(as) de Deus” e não malditos de Deus. Ele conhece o Pai intimamente e sabe de seu amor incondicional por todos, mas também sabe que há filhos que, por sua vulnerabilidade e abandono, são os seus “preferidos”.
O próprio Jesus, sendo pobre, conhecendo o pranto, a fome, a crítica, a perseguição... experimentou a si mesmo como “feliz”, consolado, Filho de Deus. E Ele compartilhou sua felicidade em excesso, para que outros pudessem também compartilhar com Ele essa vida prazerosa.
A mesma bem-aventurança, nascida de sua certeza de ser amado, é a que assegura aos que o seguem, que todos estão no coração compassivo do Deus Pai-Mãe.
E isso que Jesus vê é o que ensina a seus discípulos e todos os que o escutam. Descobre e experimenta a paternidade-maternidade de Deus; a partir dessa experiência prega o advento do reinado de Deus e sua justiça. Assim, redescobrimos a Bem-aventurança como a proximidade, a presença, o abraço de Deus a todos os seus filhos(as), mas de modo privilegiado aqueles que tem a vida ameaçada.
Resulta, então, que as bem-aventuranças são uma provocação de Deus, interpelação e desafio para os seguidores de Jesus de todos os tempos. Deus é a sorte e a promessa, a garantia última, mas conta com nossa liberdade e nossa colaboração para consolar, saciar as fomes, curar, levantar...
Somos convidados a nos re-situar, a mudar de olhar, de lógica e de coração: em vez de acumular, compartilhar; em vez de rir de costas para a dor do mundo, consolar; em vez de resignar-se à injustiça, trabalhar pela paz e pela justiça. Deus continua sonhando e apostando na humanidade... em nós.
Concluímos afirmando que as bem-aventuranças são uma alternativa de vida para os discípulos, de ontem e de hoje; como comunidade de seguidores de Jesus, animada pelo espírito das bem-aventuranças, todos se tornam testemunhas desse “mundo às avessas”.
Neste domingo, continuamos com a leitura do Evangelho de Lucas, também chamado de Evangelho da misericórdia. Jesus desce da montanha e se aproxima das pessoas que o procuram para ouvir sua palavra. É um grande grupo de pessoas vindas de diferentes lugares que anseiam por ouvir sua mensagem. Ao detalhar os lugares de onde cada grupo vem, uma ampla gama se abre para nós, dentro da qual está a Galileia, que é a terra de Jesus. “A palavra se espalhou” e a mensagem chegou ao litoral (Tiro e Sidom) e também a Jerusalém, o centro da província da Judeia. Jesus não pertence mais a um pequeno grupo, mas vem falar a todos que querem aceitar sua palavra.
É uma grande multidão em que cada pessoa ou cada pequeno grupo traz situações muito diferentes, tem sentimentos, desejos e buscas diferentes; talvez para alguns tenha sido um momento de reunião, de se sentirem unidos em uma mesma necessidade e desejo. Pessoas que vêm de longe, possivelmente cansadas da estrada e das realidades que precisam percorrer, feridas por dentro, mães e pais que não têm muitos recursos para dar a seus filhos, que não sabem onde procurar uma saída e precisam de uma mudança. Situações em que saciar a fome é a prioridade e isso não é fácil. Jesus conhece essa realidade porque viveu com ela e a conhece profundamente. Ele conhece a tristeza e o peso que a pobreza e a fome geram, o choro profundo daqueles que se veem cercados pela injustiça que não escolheram viver.
O texto nos diz: E, levantando os olhos para os seus discípulos
Esse é um detalhe importante: Jesus fala olhando para seus discípulos, portanto suas palavras contêm um ensinamento para aqueles que querem segui-lo e para toda a comunidade cristã. Lembremos que Jesus havia subido ao monte para orar e, depois de orar a noite toda, “quando amanheceu”, chamou os discípulos para estarem com ele e enviá-los para pregar. Jesus desce com os discípulos - apóstolos - e, no meio da multidão, dirige-lhes estas palavras.
Jesus disse: "Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus!
Quantas vezes interpretamos erroneamente as palavras de Jesus, como se ele abençoasse a pobreza, a fome, a exclusão, a falta de justiça... Às vezes, a Boa Nova e o compromisso com a justiça que ela implica foram reduzidos, como se Jesus prometesse àqueles que vivem na pobreza, com tudo o que isso implica - dor, choro, angústia, tristeza, desenraizamento - uma recompensa na “outra vida”, após a morte! Nada poderia estar mais longe da mensagem cristã!
As pessoas que sofrem com a pobreza passam fome porque não têm comida, porque não têm os recursos e os bens necessários para viver. Essa situação gera tristeza, dor e choro por causa da injustiça com a qual temos de conviver. A pobreza é fruto da injustiça, econômica, social, cultural, e deve acabar com a chegada do reino de Deus, que é a mensagem cristã de abrir caminhos de justiça, de igualdade de direitos, do compromisso de gerar possibilidades para todas as pessoas. As palavras de Jesus são um projeto a ser levado adiante. Aqueles que seguem Jesus têm a tarefa de tornar o reino de Deus traduzido em categorias de justiça uma realidade efetiva e de viver a alegria da presença de Deus em nosso meio! Jesus fala aos discípulos porque são eles que assumem esse compromisso. A distribuição injusta de alimentos, de recursos, de oportunidades, terá de desaparecer como resultado do compromisso de todos na busca da justiça que gera igualdade de oportunidades e autêntica fraternidade.
A justiça busca acabar com a pobreza, com a desigualdade, com a falta de recursos para tantas pessoas devido à acumulação de muitos bens por alguns. É uma luta e um esforço constante para alcançar essa sociedade que Deus sempre quis e que Jesus colocou no centro de sua missão e da missão de seus seguidores. Mas isso não será alcançado pacificamente, e é por isso que Jesus também adverte os discípulos sobre a perseguição, a crueldade e a violência que sofrerão por parte daqueles que se opõem ao compartilhamento de bens. Com base nessa realidade, é compreensível que Jesus diga: Bem-aventurados, sereis, quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome, por causa do Filho do Homem
Lembramos de maneira especial a irmã Dorothy, que morreu –há 20 anos- “recitando as bem-aventuranças”, como disse Don Erwin ao lembrar as últimas palavras da religiosa: “antes de ser assassinada abriu sua sacola de pano, cumprindo ‘ordem’ de seus algozes que queriam saber se ela estava armada. Mostrou-lhes o que ela chamava de sua arma: a Bíblia Sagrada. Este seu gesto derradeiro é o último recado que Dorothy nos deixou. É sempre a Palavra de Deus que nos inspira e orienta em nosso caminho. ‘As armas com que combatemos não são humanas, o seu poder vem de Deus e são capazes de destruir fortalezas“ (2Cor 10,4)’”. Dorothy Stang: “Quem derramou o seu sangue pela causa mais nobre, o Reino de Deus, nunca pode ser esquecido”
Jesus também adverte aqueles que escolhem viver em uma ordem totalmente injusta, em que os bens da criação, da cultura, da ciência e da tecnologia são absorvidos por poucos, gerando mais pobreza, pessoas morrendo por falta de comida, lágrimas como consequência do acúmulo de riqueza por poucos. Pessoas que colocaram o significado de suas vidas em posses, em bens. São elas que estão fartas, que ignoram os destituídos, que são objeto do desprezo dos outros, uma vida jogada no esquecimento.
Jesus proclama um ano de graca para todo o povo. Lembreos que o Ano Santo ou jubilar remete à festa memorial do povo judeu” tal como “consta do livro do Levítico na Bíblia Hebraica capítulo 25 versículos 8 a 17: “O jubileu será uma coisa sagrada, e vocês comerão o que o campo produzir (frugalmente)”. Portanto a cada 50 anos deve-se dar descanso à terra, libertar os escravos, devolver os bens tomados de outrem, mudar a vida toda do povo todo. Tal qual uma nova constituinte. Um recomeço na justiça”. Disponível: Os 30 jubileus ou Anos Santos na História da Igreja de 1300 ao ano 2025. Pesquisa de Fernando Altemeyer Junior.
Nós que seguimos Jesus, os que fazemos parta das comunidades cristãs, não podemos ignorar esse compromisso com a busca da igualdade social, onde as dívidas são perdoadas, os bens são recuperados, o direito à propriedade e à terra é igual para todos. A possibilidade de retorno à casa da família daqueles que foram escravizados.
Estamos em um novo ano jubilar em que o Papa Francisco nos disse "somos chamados a ser sinais tangíveis de esperança para aqueles de nossos irmãos e irmãs que experimentam dificuldades de qualquer tipo". Ano Jubilar de 2025.
Oração
Um pobre assim, um Deus assim
Pobre
daquele que descobriu
a dor do mundo
como dor de Deus,
a injustiça dos povos
como rejeição de Deus,
a exclusão dos fracos
como batalha contra Deus!
Já tem a cruz assegurada!
Feliz
o que descobriu
no protesto do pobre
a ruptura do sepulcro,
na comunidade marginal
o por-vir de Jesus,
nos últimos que nos acolhem
o regaço materno de Deus!
Já começou a ressuscitar!
Pobre
do que se encontrou
com um pobre assim,
com um Deus assim!
Feliz dele!
Benjamin González Buelta SJ
Salmos para sentir e saborear as coisas internamente
Pode-se ler e ouvir notícias cada vez mais otimistas sobre a superação da crise e a recuperação progressiva da economia. Dizem-nos que já estamos a assistir a um crescimento económico, mas, crescimento de quê? Crescimento para quem? Dificilmente somos informados da verdade completa do que está a acontecer.
A recuperação econômica em curso está consolidando e até perpetuando a chamada «sociedade dual». Um crescente abismo está a abrir-se entre os que vão poder melhorar o seu nível de vida cada vez com maior segurança e aqueles que serão deixados para trás, sem trabalho nem futuro nesta vasta operação econômica.
De facto, está, em simultâneo, a crescer o consumo ostentoso e provocativo dos cada vez mais ricos e a miséria e insegurança dos cada vez mais pobres.
A parábola do homem rico «que se vestia de púrpura e linho e que se banqueteava sumptuosamente todos os dias» e do pobre Lázaro que procurava sem conseguir, para saciar o seu estômago, o que deitavam fora da mesa do rico, é uma crua realidade da sociedade dual.
Entre nós existem esses «mecanismos econômicos, financeiros e sociais» denunciados por João Paulo II, «que, embora manejados pela vontade dos homens, trabalharam quase automaticamente, tornando mais rígidas as situações de riqueza de uns e as de pobreza de outros».
Mais uma vez estamos consolidando uma sociedade profundamente desigual e injusta. Nessa encíclica tão lúcida e evangélica que é Sollicitudo Rei Socialis, tão pouco ouvida, inclusive por aqueles que constantemente o vitoriam, João Paulo II descobriu na raiz desta situação algo que só tem um nome: o pecado.
Podemos dar todos os tipos de explicações técnicas, mas quando o resultado é o enriquecimento cada vez maior dos já ricos e o afundamento dos mais pobres, aí se está a consolidar a falta de solidariedade e a injustiça.
Nas Suas bem-aventuranças, Jesus adverte que um dia se inverterá o destino dos ricos e dos pobres. É fácil que também hoje sejam muitos os que seguindo Nietzsche, pensam que a atitude de Jesus é fruto do ressentimento e impotência de quem, não podendo obter mais justiça, pede a vingança de Deus.
No entanto, a mensagem de Jesus não nasce da impotência de um homem derrotado e ressentido, mas da sua visão intensa da justiça de Deus, que não pode permitir o triunfo final da injustiça.
Vinte séculos se passaram, mas a palavra de Jesus continua a ser decisiva para os ricos e para os pobres. Palavra de denúncia para alguns e promessa para outros, ainda está viva e interpela-nos a todos.
Os pobres, hoje, incomodam muitos, comovem outros. Muitos se tornam indiferentes diante da dor e dos clamores dos pobres. Uns pensam que basta fazer filantropia. Outros se comprometem com a causa dos pobres e por eles doam a vida. Como o evangelho de Lucas e o livro de Atos dos Apóstolos encaram os pobres?
No evangelho de Lucas (Lc) os pobres não são espiritualizados, como o evangelho de Mateus pode sugerir à primeira vista, mas têm conotações concretas. São carentes economicamente, marginalizados e excluídos socialmente. Não têm relevância na sociedade. Os Atos dos Apóstolos (At), 2º volume da obra lucana, aprofundam mais essa radicalidade. O apóstolo Pedro, por exemplo, declara-se em absoluta pobreza, não tendo nem prata e nem ouro, mas somente a Palavra que revigora e reanima os cansados (At 3,6 - Cf. também At 4,32.34-35; 2,44-45; 4,37.).
O contraste entre ricos e pobres transcende as dimensões socioeconômicas. A categoria pobre compreende presos, cegos, oprimidos (Lc 4,18), famintos, desolados, aborrecidos, difamados, perseguidos, marginalizados (Lc 6,20-22), coxos, leprosos, surdos e até mortos (Lc 7,22). Para a ideologia hegemônica, que é sempre a da classe dominante, pobres são a escória, os dejetos e a imundície da sociedade. São usados e não amados. A riqueza é, quase sempre, uma armadilha mortal para a pessoa humana, pois, muitas vezes, envolve a pessoa em um processo de desumanização, ao prometer estabilidade, reforçar a auto-suficiência e causar muitas injustiças.
No evangelho de Lucas, as bem-aventuranças têm uma orientação social (Lc 6,20-23). Dirigem-se aos discípulos como os verdadeiramente pobres, famintos, aflitos, injustiçados e excluídos do mundo onde há organização para uma minoria e caos para a maioria. Lucas não tende a espiritualizar a condição dos seus discípulos, como à primeira vista faz Mateus nas bem-aventuranças (Mt 5,1-12). As prescrições que Mateus acrescenta — pobres em espírito, fome e sede de justiça — respeitam a condição de diversos membros da comunidade mista a quem a narração evangélica é dirigida. Em Lucas a pobreza, a fome, a aflição, o ódio e o exílio caracterizam a situação concreta e existencial dos discípulos e das discípulas de Jesus Cristo, que é quem Jesus declara feliz.
No evangelho segundo Lucas aparece nitidamente uma opção pelos pobres, contra a pobreza. Os ricos não são excluídos a priori, mas são convidados a abandonar a idolatria do capital e do poder e a tornarem-se pobres. O servo sofredor padre Alfredinho dizia: “O mundo vai virar um paraíso no dia em que os ricos desejarem passar fome”. Lucas é duro contra os ricos e a riqueza (Lc 6,24).
“Cuidem dos enfraquecidos!” (At 20,35). Eis um apelo forte do apóstolo Paulo no seu testamento espiritual, escrito por Lucas, que conservava na mente e no coração a imagem de Paulo como alguém que dava atenção especial aos empobrecidos. É provável que nas comunidades de Lucas, no fim do século I, um desejo grande de fidelidade ao passado estivesse gerando esquecimento dos empobrecidos e excluídos. Estes nem sempre podem respeitar as regras da comunidade. Para Paulo, o sinal por excelência da autenticidade do ministério era o amor desinteressado e gratuito aos pobres (Cf. Gl 4,17; 2Cor 11,8-9; 12,13; Cf. também escritos posteriores, como: 2Tm 3,2.6-9; Tt 1,11; 2Pd 2,3; Didaqué 11,5-6.9.12.). Essa opção aparece de modo muito eloqüente quando Paulo diz às comunidades de Antioquia que a única coisa que a Assembleia de Jerusalém fez questão de alertar foi: “Nós só deveríamos nos lembrar dos pobres...” (Gálatas 2,10). No discurso aos presbíteros, em At 20,17-35, Lucas alerta para o cuidado com os pobres, porque provavelmente os presbíteros estavam preocupando-se menos com aqueles e agindo mais como “os falsos pastores que apascentam a si mesmos e devoram as ovelhas” (Ezequiel 34,8-10). Estariam eles gastando mais energias com os ritos do que com a promoção humana dos excluídos e com a luta por justiça?
A teologia lucana propõe uma mística evangélica que seja uma Boa Notícia para os pobres, isto é, para cegos, surdos, mudos, presos, alienados, doentes e pecadores; enfim, para marginalizados e excluídos. Lucas é muito realista, porque percebe que a Boa Notícia para os pobres é, normalmente, péssima notícia para os opressores e violentadores dos pobres. Lucas defende não toda e qualquer notícia, mas apenas aquela que traz qualidade de vida para todos e para tudo, a partir dos oprimidos.
Jesus de Nazaré, segundo Lucas, encontra-se com os pobres e com eles se compromete. Sua vida, que conhecemos também por suas posturas e ensinamentos, caracteriza-se por encontros com pessoas do seu círculo de amizade e com pessoas do mundo dos excluídos. Jesus foi sempre um inconformado com as injustiças e com os sistemas injustos, um sonhador que cultivava a utopia bonita do Reino de Deus no nosso meio. Jesus tinha os pés no chão, mas o coração nos céus. Era um profeta, alguém sensível, capaz de captar os sussurros e os apelos de Deus por meio das entranhas dos fatos históricos. O Galileu foi uma testemunha, um mártir, que não apenas disse verdades, mas doou a vida pelas verdades que defendia.
Jesus e seu movimento, em uma postura altamente irreverente, deixam-se envolver, apaixonar-se, compadecer-se pelo povo sofrido e revelam um grande esforço de transformação. Desmistificam o que é mistificado pelo senso comum. Des-idolatram deuses e ídolos que concorrem em uma imensa gritaria tentando seduzir as pessoas para projetos escravizadores. Des-sacralizam o poder, desmascarando o poder religioso, o político e o econômico que, endeusados, promovem grandes atrocidades. Des-dualizam a forma de encarar a realidade — com Jesus, “o véu do templo se rasga” (Lc 23,45) e “ninguém deve chamar de impuro aquilo que Deus criou” (At 10,15). Não há mais separação entre puro e impuro, entre santo e pecador, entre transcendência e imanência, entre dentro e fora, entre sagrado e profano, entre céu e terra, entre humano e animal etc. Tudo e todos são banhados pela dimensão divina e transcendente da vida. Em cada um(a) de nós estão o feminino e o masculino, o bem e o mal, o sagrado e o profano.
Enfim, oxalá esta rápida retrospectiva sobre a relação de Jesus e seus discípulos/as com os pobres nos inspirem na construção de uma sociedade para além do capitalismo e para além do capital.
Como cristão que reflete sobre aquilo que crê, às vezes me pergunto se a ressurreição dos mortos era uma preocupação fundamental de Jesus de Nazaré. É verdade que a fé na ressurreição dos mortos faz parte do credo cristão, e o próprio Paulo questiona: “Se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como podem alguns dentre vós dizer que não há ressurreição dos mortos? E Se Cristo não ressuscitou, a vossa fé não tem nenhum valor e ainda estais nos vossos pecados”. Mas a fé na ressurreição e na vida eterna não é uma fuga, e está a serviço da vida terrena e terna, da vida engajada na transformação do mundo.
Escutando atentamente o Evangelho deste domingo, não podemos contornar uma outra pergunta, tão importante como a pergunta pela vida após a morte: os pobres e oprimidos têm futuro, já que a opressão e a escravidão teimam em não desaparecer e, com o passar dos séculos, vêm se maquiando e reciclando? Revoluções feitas em nome dos oprimidos, aos poucos esquecem suas promessas e se fecham em torno dos interesses de uma nova classe hegemônica. O próprio cristianismo, que lança suas raízes nas esperanças dos pobres e oprimidos, caiu na tentação da fuga na tranquilidade do culto e na segurança da doutrina.
No breve texto do Evangelho que ouvimos hoje, Jesus retoma sua pregação inaugural na sinagoga de Nazaré. Depois de colher trigo em propriedade alheia e em dia de sábado e de curar um homem que tinha uma mão paralisada, depois de retirar-se para rezar e de constituir uma comunidade de discípulos, Jesus é cercado por uma numerosa multidão, profundamente necessitada de ajuda. É neste contexto que Jesus ensina seus discípulos, definindo claramente quem é feliz e pode contar com Deus e quem dá as costas a Deus e caminha para uma vida frustrada. E ele fala com a força e a autoridade do próprio Deus.
Para Jesus, os pobres e oprimidos podem contar com Deus e, por isso, têm futuro. Às pessoas sem segurança material e social, tratadas como últimas nos projetos políticos, famintas e sofredoras, Jesus não promete riquezas, mas afirma: “Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus! Sereis saciados! Havereis de rir!” E esta esperança não engana, porque o próprio Jesus veio, como intuiu Maria, para mostrar a força do braço de Deus, dispersar os orgulhosos, derrubar os poderosos, exaltar os humildes e beneficiar os famintos (cf. Lc 1,51-53). E ele reúne, forma e envia discípulos e discípulas para continuarem sua ação.
E os ricos e opressores têm um futuro, merecem nossa admiração? O peso dos fatos quase nos obriga a crer que os ricos e poderosos sempre têm a última palavra, riem por último, riem melhor. “Eles confiam na sua força e se orgulham da sua grande riqueza” (Sl 49,7). Mas, para Jesus, eles já escolheram sua consolação e, permanecendo indiferentes e violentos, se auto excluem do banquete do Reino. “Mas ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! Ai de vós que agora estais rindo, porque ficareis de luto e chorareis!” Com a parábola do pobre Lázaro e do rico anônimo Jesus não deixa dúvidas sobre isso (cf. Lc 16,19-31).
Não se trata de revanchismo barato, mas de justiça de Deus. Deus trata as pessoas e governa o mundo seguindo o critério da necessidade concreta, e não do mérito. E Jesus leva isso à radicalidade, começando pela inclusão dos ‘últimos’. Nenhuma concessão aos ricos, famosos e poderosos. Para o Evangelho, a felicidade que não fere e não é roubada é aquela que se enraíza na fidelidade a Jesus de Nazaré e nos engaja na sua missão, a assumir, se for o caso, o ódio e os insultos que isso traz. Felizes são os mártires, cuja caravana exultante e jubilosa atravessa os séculos e provoca instabilidade nos poderes e igrejas.
Jesus delimita muito bem o lugar e o caminho daqueles que chama a seguir seus passos. Precisamos granjear fama e honra a qualquer preço, mesmo que seja o alto preço do silêncio diante dos opressores? “Ai de vós quando todos falarem bem de vós, pois era assim que seus antepassados tratavam os falsos profetas”. A profecia e a perseguição são sinais inequívocos da fidelidade a Jesus Cristo. “Pois era assim que os seus antepassados tratavam os profetas”. Eles são como árvore plantada na beira do rio: suas folhas não murcham e dão frutos no tempo certo. Há esperança para sua descendência! (cf. Jr 31,17)
Jesus de Nazaré, missionário intrépido do Pai: a caravana dos homens e mulheres de boa vontade, que transforma a possibilidade de um outro mundo em realidade, se manifesta em nossas comunidades cristãs, mas as ultrapassa por todos os lados. Ajuda-nos a tomar consciência de que este mundo está sendo gestado, que somos chamados a ajudar no seu parto, que nisso reside a verdadeira felicidade, aquela alegria profunda e verdadeira que ofusca as apoteoses do carnaval e dos vencedores de plantão. Assim seja! Amém!
(Traduzido diretamente pelo Tradutor Google, português de Portugal, sem nossa correção)
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6º DOMINGO DO ANO – CICLO “C”
1º. Leitura (Jr 17,5-8):
Esses versículos são escritos no estilo dos provérbios sapienciais, onde maldição e bênção formam um binômio homogêneo. Em 17,5-6 temos a maldição do homem que confia nas forças humanas. Pelo contexto, referir-se-ia às alianças políticas que os líderes de Jerusalém fazem com os poderes do seu tempo, pensando que a salvação do país está aqui. Tanto os versículos anteriores como os posteriores a esta perícope falam do castigo de Deus contra Judá por seus pecados. Então, a raiz desse pecado é colocar confiança, fé nos poderes humanos enquanto o coração se afasta de Deus. O resultado de tudo isso é viver no inóspito, no deserto.
Por contrapartida, está a bênção do homem que confia em Deus e faz dele o seu apoio (17,7-8). A consequência disso é expressa com a metáfora da árvore plantada à beira das águas porque, mesmo que sobre ela venha o calor e a seca, ela sempre dará frutos. A semelhança deste versículo com o Salmo 1 (que lemos hoje) é evidente.
Evangelho (Lucas 6:12-13, 17, 20-26):
No texto litúrgico de hoje encontramos duas subseções. Em primeiro lugar (6:12-13), temos a eleição dos doze apóstolos. Na apresentação deste evento por Lucas, ele destaca particularmente a oração antes da eleição. Com efeito, Lucas assinala que Jesus sobe ao monte "para orar, e passei a noite inteira em oração com Deus". No dia seguinte segue-se a eleição de doze entre os seus discípulos, a quem chamou de apóstolos, sem dar mais detalhes sobre a sua missão neste momento, como fazem Mateus e Marcos.
A segunda subseção começa com v. 17 que nos foi apresentado pelo público do sermão da planície que se segue: “Muitos dos seus discípulos estavam ali, junto com uma grande multidão que tinha vindo de toda a Judéia, de Jerusalém e da região costeira de Tiro e Sidom.".
Diante deste grupo Jesus começa a anunciar as bem-aventuranças. Para nós a versão mais conhecida ou clássica é a de São Mateus; Por esta razão, notamos que São Lucas faz uma apresentação um tanto diferente.
BEM-AVENTURANÇAS
“Bem-aventurados vocês, pobres, porque o Reino de Deus pertence a vocês!
Felizes vocês, aqueles que agora Eles estão com fome, porque ficarão satisfeitos!
Felizes vocês, aqueles que agora Eles choram, porque vão rir!
Bem-aventurados sois vós, quando os homens vos odeiam, excluem-vos, insultam-vos e proscrevem-vos, considerando-vos vil e banindo-vos, considerando-vos vil por causa do Filho do Homem! 23 Alegrem-se e encham-se de alegria naquele dia, pois será grande a sua recompensa no céu. Da mesma forma que seus pais trataram os profetas!
LAMENTAÇÕES
Ai de vocês, ricos, porque já têm o seu consolo!
Ai de vocês, aqueles que agora Eles estão satisfeitos porque terão fome!
Ai de vocês, aqueles que agora riam, porque conhecerão a aflição e as lágrimas!
Ai de você quando todos te elogiam! Da mesma forma, seus pais restringem os falsos profetas!
Em primeiro lugar, Lucas traz apenas 4 bem-aventuranças, às quais contrasta 4 lamentações ou “ais”. Além disso, a sua versão deles é mais curta e "literal" porque
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Ele fala apenas dos pobres, sem acrescentar “o espírito”; e daqueles que têm fome, sem acréscimo de “justiça”. Notemos também que todos eles são escritos na segunda pessoa do plural (vós ou tu) e duas vezes é adicionado o advérbio “agora” (agora). De acordo com J. Dupont1, estas duas últimas características de Lucas permitem-nos ter uma ideia da existência cristã segundo este evangelista.
Jesus fixa o olhar nos discípulos (6,20a) e fala diretamente aos pobres, aos que choram, aos que têm fome e aos que são perseguidos; e ele os declara abençoados, felizes. Como observa A. Rodríguez Carmona2: “O motivo da felicitação, então, não é a situação desagradável em si, mas a promessa de que Deus agirá para mudá-la.”.
O advérbio "agora" (agora) aparece em duas das bem-aventuranças e em duas das lamentações; e a presença desta indicação temporal colore todo o anúncio. De acordo com isso, Lucas considera que o agora Para o cristão, o tempo presente ainda é um tempo de provação, de carência material, de perseguição. Mas uma transformação se seguirá, uma salvação prometida por Deus para o futuro. Quando isso acontecerá? O contexto do evangelho de Lucas sugere que ele se refere à vida após a morte. É o que vemos, por exemplo, na parábola de Lázaro e do rico (cf. Lc 16,25) e na cena do bom ladrão (cf. 23,43).
Portanto, Para Lucas, a existência atual dos cristãos é marcada pela carência material, pelas tribulações e pelas perseguições.; como foi marcada a existência terrena do Senhor (cf. 24,26). Por outras palavras, a vida do discípulo não pode ser diferente da vida do Mestre, de Jesus (cf. 6,40). Mas a mudança de situação que a Ressurreição traz também será compartilhada com Jesus porque na vida eterna Deus recompensará aqueles que sofreram nesta vida. As quatro bem-aventuranças são opostas por quatro lamentações. A opinião de J. Dupont3 A questão é que estas não são dirigidas aos discípulos cristãos, mas aos não-cristãos, que seriam os ricos, os satisfeitos, os que riem e gozam de estima. Com temor e tremor afastamo-nos da opinião deste notável exegeta porque parece mais condizente com o paralelismo do texto considerar que se dirigem ao mesmo povo, isto é, aos discípulos cristãos. E fá-lo, como no resto do evangelho, com a função de alertar sobre os perigos que a riqueza, uma vida satisfeita e feliz, contém, com a aprovação de todos.
Em particular, notemos que, no último paralelo, aqueles que são perseguidos são contrastados com aqueles que são lisonjeados ou elogiados. Se fossem não-cristãos, seria de esperar que o lamento fosse dirigido aos “perseguidores”. Portanto, assim como os verdadeiros profetas são contrastados com os falsos profetas, da mesma forma Podemos pensar que a intenção é contrastar os verdadeiros com os falsos cristãos. E tudo isso com uma intenção pedagógica porque está apontando qual é o caminho da felicidade e qual é o caminho da desgraça, tudo visto a partir da fé cristã. A favor disto temos a tradição do Antigo Testamento onde os macarismos (bem-aventuranças) e as lamentações cumprem esta função pedagógica. Como exemplo do primeiro temos o Salmo 1 que lemos hoje; e do segundo temos as lamentações ou desgraças presentes nos profetas que assim alertaram Israel com o anúncio do julgamento de Deus sobre aqueles que seguiram o caminho errado (cf. Am. 5,7,18; 6,1).
A abundância de bens, seguida da satisfação e da vida feliz, é frequentemente apresentada no evangelho de Lucas como um perigo. Também a busca prioritária da opinião favorável dos homens pode ser um perigo ou uma tentação no seguimento do Senhor. Observou-se que Lucas, como resultado de sua educação grega, é muito sensível à questão da honra e da honra que vem dos homens (cf. 14:8-10:24; 16:3; 22:25). E ele percebe que o “respeito humano” pode ser um obstáculo para o cristão que resiste a ser perseguido, a sofrer humilhações, como Jesus sofreu. Então, "A opinião dos homens não é um critério válido para os cristãos. O que importa ao cristão é tudo o que pode aproximá-lo do seu Senhor, a começar pela humilhação que nos une àquela que ele sofreu na sua paixão."4.
ALGUNS PENSAMENTOS:
O evangelho de hoje nos convida a meditar sobre a felicidade do ponto de vista cristão. Jesus fala abertamente das pessoas que considera felizes ou abençoadas; e aqueles que lamentam porque estão seguindo o caminho errado.
Talvez seja bom lembrar que todo homem se move como se fosse atraído por um ímã rumo à felicidade, peregrina rumo à plenitude do seu ser porque não a tem e a deseja. E ele espera alcançá-lo. Ele caminha e espera chegar à meta, ao fim do seu caminho. E como esta meta ou fim nunca é alcançado nesta vida, todo homem até a sua morte é um caminhante, um “peregrino da esperança”. Este paradoxo da condição humana foi expresso de forma tão correta e sintética Julián Marías ao se referir à felicidade como aquele “impossível necessário”5. A felicidade é uma necessidade da natureza humana, naturalmente tendemos a ela, o tempo todo, com nomes diferentes. Mas é impossível ao homem possuí-lo plena e totalmente nesta vida. Podemos sentir uma experiência de plenitude, ter um momento de muita felicidade, mas é sempre limitado e transitório. Não há necessidade de provar isso porque todos nós já passamos por isso.
Para Jesus, a verdadeira felicidade está na comunhão com Deus, em sentir o amor do Pai, em pertencer ao Reino de Deus. Ou seja, somente o amor de Deus pode nos tornar completamente felizes. Mas ele deixa claro desde o início que esta plenitude pertence ao Reino celeste, embora a Esperança baseada na certeza do amor de Deus nos permita antecipar um pouco, “agora”, esta felicidade.
Também para Jesus a felicidade se identifica com a santidade cristã, como nos lembrou recentemente o Papa Francisco: “A palavra “feliz” ou “bem-aventurado” torna-se sinônimo de “santo”, porque expressa que quem é fiel a Deus e vive a sua Palavra alcança, na doação, a verdadeira felicidade.”(GE 64).
O próprio Jesus mostra-nos então quem são os destinatários privilegiados do amor do Pai: os pobres, os insatisfeitos, os que choram, os que são perseguidos por serem crentes. Aqueles que se encontram nesta situação são destinatários privilegiados do amor do Senhor e aí podem encontrar a sua felicidade.
Pelo contrário, os ricos, os satisfeitos, os que se divertem e recebem a adulação dos outros estão numa situação perigosa porque serão muito tentados a viver centrados em si mesmos, sem abrir o coração a Deus e aos outros; colocando-se assim no caminho da perda da verdadeira felicidade, aquela que dura para sempre.
É muito claro que precisamos meditar muito neste texto para que nossos corações se abram à sabedoria divina que ele contém, pois nos leva contra a corrente daquilo que o mundo nos propõe todos os dias. A este respeito, o Papa Francisco disse: “Jesus diz duas coisas sobre o seu povo: que são felizes e que são pobres; Na verdade, eles estão felizes porque são pobres.
Em que sentido? No sentido de que o discípulo de Jesus não encontra a sua alegria no dinheiro, no poder ou noutros bens materiais, mas nos dons que recebe todos os dias de Deus: a vida, a criação, os irmãos, etc. Eles são presentes da vida. Ele também compartilha com prazer os bens que possui, porque vive na lógica de Deus. E qual é a lógica de Deus? Gratificação. O discípulo aprendeu a viver na gratuidade. Esta pobreza é também uma atitude em relação ao sentido da vida, porque o discípulo de Jesus não acredita que o tem, que já sabe tudo, mas sabe que deve aprender todos os dias. E isto é uma pobreza: o ser consciente de que você deve aprender todos os dias. O discípulo de Jesus, por ter essa atitude, é uma pessoa humilde e aberta, sem preconceitos ou rigidez [...] O discípulo, ou seja, aceita o paradoxo das bem-aventuranças: Estes declaram que é bem-aventurado, ou seja, feliz, que é pobre, que carece de tantas coisas e reconhece isso. Humanamente, somos levados a pensar diferente: feliz é aquele que é rico, que está cheio de bens, que recebe aplausos e é invejado por muitos, que tem toda a segurança. Mas este é um pensamento mundano, não é o pensamento das Bem-aventuranças. Jesus, por outro lado, declara que o sucesso mundano é um fracasso porque se baseia num egoísmo que infla e depois deixa um vazio no coração. Perante o paradoxo das Bem-aventuranças, o discípulo deixa-se colocar em crise, consciente de que não é Deus quem deve entrar na nossa lógica, mas nós na sua. E isto exige um caminho, às vezes cansativo, mas sempre acompanhado de alegria. Porque o discípulo de Jesus fica feliz com a alegria que vem de Jesus”(Ângelus 13 de fevereiro de 2022).
Em suma, Jesus proclama a felicidade eterna para aqueles a quem ela é negada nesta vida; para aqueles que, apesar de tudo e de todos, continuam a confiar apenas em Deus. E esta felicidade futura, certa para o crente, é portanto já uma consolação no presente, antecipa a paz do coração e a alegria que o Senhor concede aos humildes. “A alegria que nasce da certeza de que o essencial foi dado, já a possuímos e definitivamente, embora devamos agora aceitar viver na espera, no esforço, na contradição com tudo o que parece se opor a essa realização, na decepção de ver a obra do espírito do mal e da tristeza sombria, aparentemente vitoriosa, continuando sempre com a semeadura “entre lágrimas” da boa semente. Aquilo que florescerá mais tarde. A alegria – às vezes – é apenas esta certeza escondida, esta espera ardente e activa, esta consciência agradável e tranquilizadora de estar na verdade, saudade do Esposo, esperança que não desiste, com um rosto sereno e pouco inclinado a sorrir”.6.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO): Busca
Meu coração, busque o olhar do Mestre
fique esperando
Quando os olhos deles descansam em você
Você verá o céu aberto e descoberto
Como você nunca viu antes
Meu coração, abençoado é você
Quando nas noites de exílio
Na solidão e no silêncio
Sua necessidade única
Seja o olhar do Mestre
Meu coração, perceba
Seu Deus entende tudo
Saiba mais do que você, sobre seus desejos,
Suas alegrias, seus sofrimentos
Ai de vocês, ricos...!
Meu coração, sempre insatisfeito
Deixe-se realizar por quem consegue
E embora você não tenha mérito
Mesmo assim, ele busca o olhar do Mestre
Você verá o céu aberto e descoberto. Amém
[1] J. Dupont, El mensaje de las bienaventuranzas (CB 24 Verbo Divino; Estella 1985) 24-27.
[2] Evangelio según san Lucas (BAC; Madrid 2014) 120.
[3] El mensaje de las bienaventuranzas (CB 24 Verbo Divino; Estella 1985) 28.
[4] J. Dupont, El mensaje de las bienaventuranzas (CB 24 Verbo Divino; Estella 1985) 37.
[5] El mensaje de las bienaventuranzas (CB 24 Verbo Divino; Estella 1985) 29.
[6] Archimandrita Sofronio, Silvano del Monte Athos, Turín 1973, 274; citado por G. Zevini – P. G. Cabra, La lectio divina para cada día del año vol. 15, 290-291.