Primeira Leitura: Atos dos Apóstolos 12,1-11
Salmo Responsorial-33(34)-R- De todos os temores me livrou o Senhor Deus.
Segunda Leitura: 2 Timóteo 4,6-8.17-18
Evangelho: Mateus 16,13-19 (Tu és Pedro...)
Proclamação do evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus – Naquele tempo, 13Jesus foi à região de Cesareia de Filipe e ali perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do homem?” 14Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros, ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”. 15Então Jesus lhes perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” 16Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. 17Respondendo, Jesus lhe disse: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. 18Por isso eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. 19Eu te darei as chaves do reino dos céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus”. – Palavra da salvação.
Mt 16,13-19
Celebramos hoje o martírio dos apóstolos Pedro e Paulo. Eles foram mortos na perseguição de Nero mais ou menos no ano 64. Através desses dois apóstolos, a Igreja celebra hoje a sua apostolicidade: a Igreja de Cristo, a verdadeira Igreja é una, santa, católica e apostólica.
O que significa que a Igreja é apostólica?
Dizer que a Igreja é apostólica significa que sua origem está relacionada aos apóstolos. Ela não começou no século passado, não foi fundada por qualquer um. Significa também que, para chegar a ter comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo não há outro caminho a não ser aceitar o testemunho daqueles que, desde o princípio viram o Senhor e conviveram com Ele. Dizer que a Igreja é apostólica é dizer que a Igreja católica está fundada sobre os apóstolos e reconhecer com gratidão que vivemos na Igreja que tem sua origem na Igreja dos Apóstolos.
Por que os apóstolos são importantes para a Igreja?
Isso se deve à originalidade da revelação cristã. A revelação não se fundamenta, em primeira instância, sobre um texto sagrado. Isso acontece, por exemplo, com o Islã que tem uma “Escritura que desceu de Deus”, que disse ao profeta: “Fizemos descer sobre ti a Escritura” (Corão, Sura 39,1-2). No Islã, é o texto e não Maomé o lugar próprio da Palavra de Deus.
No cristianismo, pelo contrario, a revelação de Deus não é primeiramente um livro, mas a pessoa e a vida histórica de Jesus de Nazaré. Jesus, porém, não escreveu, não ditou, nem trouxe consigo um documento sagrado: Ele nada escreveu nem nos entregou um “livro vindo do céu”.
A revelação divina é realizada na pessoa e na história de Jesus e tal revelação pôde chegar até nós somente porque existiram homens que viveram com Ele e que testemunharam para nós tudo o que Ele disse e fez: como viveu, como morreu, como apareceu para eles, depois da morte, ressuscitado. Esses homens que receberam o Evangelho diretamente de Jesus são os Apóstolos. A Igreja atual, a Igreja na qual vivemos, descende da Igreja dos Apóstolos: nós estamos unidos a Jesus Cristo, ao Pai e ao Espirito Santo pela cadeia ininterrupta de testemunho que se origina nos Apóstolos e chega até nós pelos sucessores dos apóstolos que são os bispos.
Por que é tão importante essa transmissão pela sucessão apostólica? Porque a transmissão da fé não é um processo mecânico de comunicação. A fé apostólica é uma vida que só pode ser transmitida por meios vivos e não por meros meios mecânicos ou virtuais.
O texto de hoje fala da confissão de Pedro em Cesaréia de Filipe. Mais ainda, fala da confissão de Jesus. Pedro confessa que Jesus é o Messias, o Filho de Deus; Jesus confessa que Simão é Pedro, pedra sobre a qual edificará a sua Igreja. A Igreja não é uma sociedade de pessoas que decidiram se associar por iniciativa própria para um determinado fim. A Igreja é fundada sobre a fé de Pedro: tu és o Messias, o Filho de Deus. É essa adesão a Cristo que cria entre as pessoas uma nova relação.
Jesus confessa que a fé de Pedro não provém dos homens, mas é uma revelação de Deus. Assim a Igreja fundada sobre Pedro é uma convocação para a fé de Pedro.
A função de Pedro não é meramente honorífica, não é a recompensa de Jesus pela sua confissão de fé. A função de Pedro é um serviço que inclui ligar e desligar. Jesus promete a Pedro que ele terá as chaves de acesso ao Reino de Deus e terá o poder de julgar, perdoar e condenar. Tudo isso será ratificado por Deus: o que ligares na terra será ligado nos céus, o que desligares na terra será desligado nos céus.
Pedro e Paulo foram chamados por Jesus para levar o Evangelho a todas as nações. Mas esse evangelho não é um primeiramente um livro, é o próprio Jesus vivo. E Jesus vivo só pode ser levado por pessoas vivas, que vivem a vida de Jesus. Assim é o bispo para a Igreja: ele não é um mero comunicador de uma mensagem bonita. Ele leva Cristo, sendo Cristo para as pessoas. Evidentemente ele nunca deve ter a pretensão de se substituir a Cristo, mas não há outro meio de ser portador do evangelho a não ser tornando presente Cristo.
Admirável dom! Dom maravilhoso esse! Ao mesmo tempo, quanta responsabilidade! Pois se o recebemos, podemos também tratar esse dom com relaxo e desprezo: é como atirar as pérolas aos porcos, ou dar as coisas santas para os cães. Fazemos isso toda vez que não empenhamos tempo, esforço e energia para corresponder ao dom recebido. Não há como exercer o ministério sacerdotal (ser o Cristo para os outros) sem santidade pessoal (ter os mesmos sentimentos de Cristo e identificar-se com Ele). A identidade do bispo consiste no dom de Jesus: no dom de ser Jesus para os outros, e no dom de se empenhar de verdade em se identificar com Cristo ao longo de toda a vida.
Festa de São Pedro e São Paulo - Mt 16,13-19- Ano B – 30-06-24
“E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15)
A festa de S. Pedro e S. Paulo pode ser uma ocasião privilegiada para aprofunda nosso “ser Igreja”; pertencemos à Comunidade dos seguidores e seguidoras de Jesus, prolongando seu modo de ser e viver; Ele iniciou um “movimento de vida”; por isso se distanciou de todo poder e se preocupou especialmente das pessoas marginalizadas; cercou-se de mulheres e homens dispostos a continuar seu caminho, anunciando a mensagem do Reino de Deus; proclamou as bem-aventuranças como modo de viver; denunciou as opressões e injustiças tornando realidade a salvação do Deus Pai e Mãe, através de suas curas.
Hoje este movimento quer se fazer presente e continuar nas comunidades cristãs de base, espalhadas pelo mundo, distantes, em muitos aspectos, da estrutura clerical e em conflitos com os interesses e objetivos da instituição eclesiástica, centrada no poder e no controle das pessoas.
No relato do evangelho deste domingo percebemos que foi importante para Jesus saber o que as pessoas pensavam d’Ele. Mas, é possível que isso tenha sido apenas uma introdução para a segunda pergunta, dirigida aos próprios discípulos. De modo particular, a Jesus lhe interessava não tanto saber o que os outros sabiam ou pensavam d’Ele, mas o “que Ele significava para eles?”, depois de um bom tempo de convivência.
Assim, Pedro confessa a verdadeira identidade de Jesus (“Messias, o Filho do Deus vivo”); ao mesmo tempo, Jesus des-vela a identidade de Pedro: “Tu és “petros” (pedregulho) e sobre esta “petra” (rocha) edificarei minha igreja”. Pedro se torna rocha firme (“petra”) quando se apoia na identidade de Jesus (a verdadeira Rocha).
Pedro, que era “petros” (pedra de tropeço no caminho), foi sendo transformado, através da identificação com Jesus, em “petra”, rocha firme da primitiva comunidade cristã.
Dessa forma, o Simão que era “petros” /pedregulho se converte em “Petra”/rocha firme, porque o mestre des-velou a nobreza que estava escondida no coração dele, ou seja, sua verdadeira identidade sobre a qual o mesmo Jesus iria edificar sua Igreja.
Todo ser humano possui dentro de si uma profundidade que é o seu mistério íntimo e pessoal; trata-se do “eu original”, aquele lugar santo, intocável, sólido, onde se encontra o fundamento para poder construir a própria vida. É aqui onde a pessoa encontra a sua identidade pessoal; trata-se do coração, da dimensão mais verdadeira de si, da sede das decisões vitais, lugar das riquezas pessoais, onde ela vive o melhor de si mesma, onde se encontram os dinamismos do seu crescimento, de onde parte as suas aspirações e desejos fundamentais, onde percebe as dimensões do Absoluto e do Infinito da sua vida.
A essência do próprio ser é a rocha consistente e firme, bem talhada e preciosa que cada pessoa tem para encontrar segurança e caminhar na vida superando as dificuldades e os inevitáveis conflitos.
Com confiança em si e na rocha do próprio interior, todas as forças vitais se acham disponíveis para crescer dia a dia, para a pessoa se tornar aquilo que originalmente é chamada a ser.
De “petros” a “petra”: esse é o des-velamento que acontece em todo seguidor de Jesus quando escuta e vive sua Palavra, proclamada no Sermão da Montanha.
Nossa identidade profunda é constituída pela fragilidade/petros e pela fortaleza/petra. Só no encontro com Aquele que é a Rocha firme é que transparece a “petra” que está oculta em nosso interior.
A pergunta de Jesus, dirigida a Simão Pedro, deve ter uma profunda ressonância em todos nós; aqui, o decisivo não é o quanto sabemos d’Ele, nem que doutrinas ou teorias sobre Ele seguimos, nem qual é a nossa teologia sobre Ele. Para Jesus lhe interessa mais “o significado, o sentido de Sua Vida em nossas vidas”.
Muitas vezes a própria comunidade cristã está muito mais preocupada com a “ortodoxia doutrinal” e não se empenha em revestir-se da Vida de Jesus. Há mais condenações doutrinais que condenações de falta de vivências. É preciso “mais evangelho e menos doutrina” (Papa Francisco).
A fé implica ideias e doutrinas. Mas a fé não é crer em doutrinas; é crer em “Alguém”; e, crer em Alguém que seja o centro de nossas vidas, em Alguém que inspira as nossas vidas, em Alguém que dê sentido ao que fazemos e como fazemos.
Começamos a ser cristãos quando nos deixamos impactar pela pessoa de Jesus e decidimos seguir seus passos e viver como Ele viveu. Podemos saber muita teologia sobre Jesus e ter uma vivência d’Ele muito pobre. O que importa é o “Jesus Vida e na vida”.
Todos estamos seguros de que Jesus é o centro de nossas vidas, mas não nos atrevemos a nos questionar por dentro. Com isso, nosso seguimento vai se esvaziando e se tornando pura normatividade.
Para aprofundar nossa fé em Jesus, é preciso nos perguntar constantemente por ela: que significado Ele tem em nossas vidas? Que implicações tem no nosso cotidiano o modo de ser e de viver de Jesus?
Porque não basta dizer que cremos nele; é preciso perguntar-nos: em que Jesus cremos e quem é Ele para nós? Tal pergunta nos conduz a uma identificação com o estilo de vida d’Ele. Afinal, somos seguidores de uma Pessoa e não seguidores de uma religião, de uma determinada igreja, de doutrinas, de ritos...
Evidentemente, Jesus não “instituiu” nenhuma “estrutura eclesial” propriamente dita, nem uma doutrina, uma liturgia, um governo... Jesus pôs em marcha um movimento que, através de muitas circunstâncias e adversidades históricas, desembocará em igrejas organizadas e, muito mais tarde, em uma Igreja centra-lizada, com uma estrutura hierarquizada e com poder.
No entanto, a verdadeira comunidade cristã é aquela que se deixa conduzir pelo mesmo Espírito do Ressuscitado, soprado sobre cada um dos seus seguidores(as); ela é o ambiente propício para personalizar a fé e vivê-la como con-vocação e co-responsabilidade com os outros; ela é o espaço privilégio para reforçar os laços de verdadeira amizade, interna e externa; ela é o lugar extremamente válido para a formação de cristãos comprometidos com a causa do Reino e com a evangelização de seu meio.
O Papa Francisco vem pedindo insistentemente à Igreja sua conversão sinodal. Muitos nem sabem o que isso significa; outros resistem a qualquer mudança. Mas, na realidade, estamos vivendo uma mudança de época, favorável à conversão sinodal, uma mudança urgente.
Que a Igreja seja “sinodal” é de sua essência mesma como Comunidade de seguidores(as) de Jesus. A conversão sinodal é retomar o início fundamental da mesma Igreja. São séculos de história onde houve um caminhar de outra forma. Sua conversão, portanto, é urgente e inadiável.
“Sinodal” significa “caminhar com”. Em grego, “sin” é “com” e “odos” é “caminho”. A Igreja é Sinodal porque a totalidade de seus membros, todos e todas “caminham uns com os outros”, muito unidos. Todos e todas são iguais em seu valor, sua dignidade, são ativos e participativos... Isso implica ter uma capacidade de escuta mútua, ativar o espírito de discernimento, tomar decisões buscando o bem de todos.
O cristão deve estar imbuído de mentalidade profundamente eclesial, de maneira que o seu sentir, pensar, falar e agir entre em sintonia com o sentir, pensar, falar e agir da grande comunidade cristã.
Para meditar na oração:
A pergunta de Jesus dirigida aos discípulos pode se expandir nestas outras perguntas:
- Seguimos Jesus com paixão ou Ele se converteu para nós em um personagem gasto, ao qual continuamos invocando enquanto em nosso coração vai crescendo a indiferença e o esquecimento do modo de ser e viver do mesmo Jesus?
- Aqueles que se aproximam de nossas comunidades cristãs podem sentir a força e o atrativo que Jesus tem para nós? Sentimo-nos discípulos e discípulas de Jesus? Estamos aprendendo a viver Seu estilo de vida em meio à sociedade atual, ou nos deixamos arrastar pelo impulso consumista e egocêntrico? Dá no mesmo viver de qualquer maneira, ou fazemos de nossa comunidade uma escola para aprender a viver como Jesus?
- Temos aprendido a encontrar Jesus no silêncio do coração, ou sentimos que nossa fé vai se apagando, afogada pelo ruído e pelo vazio que há dentro de nós?
Este domingo é a festa dos Apóstolos Pedro e Paulo. A liturgia nos oferece o Evangelho de João capítulo 21, 15-19 para meditação. Quem são os apóstolos Pedro e Paulo? Nosso foco é a pessoa de Pedro. Os quatro evangelhos nos apresentam diferentes momentos da vida de Pedro e sua progressiva caminhada com Jesus. Conhecemos sua resposta rápida ao chamado de Jesus, suas perguntas inquietantes, seu desejo de dar tudo por Jesus e também os momentos em que ele não entendeu o caminho para a cruz, a morte de Jesus, seu "não fazer nada", seu "aparente" deixar-se matar quando ele, Pedro, queria sair com espadas e paus para defender seu Mestre. Em Pedro, vemos refletidos os diferentes estágios pelos quais aqueles que querem seguir Jesus podem passar. Vemos a rapidez de sua resposta ao seguimento, seu questionamento sobre o que não entende, sua sinceridade quando questiona Jesus sobre seu modo de agir, seu desejo de resolver possíveis problemas, movido, sem dúvida, pelo amor, mas obscurecido por critérios "muito humanos". Também conhecemos suas negações quando Jesus está sendo julgado, seu choro desconsolado quando seus olhos encontram o olhar condenado de Jesus e ele caminha em direção à cruz. O texto deste domingo nos oferece uma cena que é como um bálsamo para Pedro e também para aqueles que querem seguir Jesus e que se encontram com suas limitações, sua fragilidade, sua incompreensão diante do mistério de um Deus crucificado!
O Jesus ressuscitado encontra os discípulos à beira-mar, como em outras ocasiões. Jesus está próximo a eles, é um amigo e companheiro. Depois de uma pesca maravilhosa, que deixou os discípulos boquiabertos, e depois de comer o que havia preparado para seus amigos, Jesus se senta para conversar com Pedro.
«Simão, filho de João, você me ama mais do que estes outros?» Com essas palavras, ele inicia o diálogo com Pedro que o leva às profundezas de um amor novo e total que se baseia na confiança em Jesus. Após a tríplice pergunta e a subsequente confissão, que pode ser entendida como uma reparação pelas três negações ou também, a partir da cultura semita, como uma forma de ratificar seu compromisso, Pedro responde: Você sabe tudo, você sabe que eu te amo! Palavras tão simples e, no entanto, tão profundas que selam para sempre o alicerce que sustenta a amizade com Jesus, tanto pessoal quanto comunitariamente. A "confissão de amor de Pedro por Jesus é sustentada pela total confiança n'Aquele que «conhece tudo, e sabes que eu te amo», conhece a fragilidade e a fraqueza desse amor. A missão que Pedro recebe de apascentar suas ovelhas tem sua fonte nesse vínculo amoroso de total sinceridade. Jesus é o Mestre e o Pastor por excelência. A tarefa de Pedro, assim como a de qualquer pessoa que queira seguir Jesus, será cuidar de um rebanho que não lhe pertence, que é "de Jesus", mas que confia na fraqueza e na fragilidade de seus discípulos.
Esse texto é frequentemente lido como uma equiparação entre o convite para cuidar do rebanho e a tarefa pastoral dos bispos ou sacerdotes. O texto nos apresenta uma missão/tarefa que nasce de um vínculo de amor entre Jesus e Pedro, que se apresenta como fraco, frágil e pecador, mas com uma capacidade de amar Jesus que supera suas próprias falhas e coloca toda a sua confiança em Jesus Ressuscitado, em amizade com Ele.
O cuidado com o rebanho nasce dessa amizade em que o amor flui. Não é uma tarefa imposta por decreto ou por um determinado lugar na organização eclesial. Jesus delega sua tarefa por amor e é somente a partir daí que o discípulo aprenderá a ser o pastor de um rebanho que não lhe pertence, para o qual ele deve renunciar a seus próprios planos e deixar que Ele continue a ser o único Pastor.
Neste domingo nos deixamos interpelar pelas palavras do Papa Francisco: “Irmãos e irmãs, festejamos Pedro e Paulo. Eles responderam à pergunta fundamental da vida – quem é Jesus para mim? – vivendo o seguimento de Jesus e anunciando o Evangelho. É bom crescer como Igreja do seguimento, como Igreja humilde que nunca dá por terminada a busca do Senhor, tornando-se simultaneamente uma Igreja aberta, que encontra a sua alegria, não nas coisas do mundo, mas no anúncio do Evangelho ao mundo a fim de semear no coração das pessoas a inquietação de Deus. Com humildade e alegria, há de levar o Senhor Jesus a todo o lado: à nossa cidade de Roma, às nossas famílias, às relações e vizinhanças, à sociedade civil, à Igreja, à política, ao mundo inteiro, especialmente onde se verifica pobreza, degradação e marginalização. (Disponível: Papa Francisco pede aos novos arcebispos que "dialoguem com todos e se tornem um lugar de esperança".)
Somos convidados e convidadas a renovar nosso amor a Jesus fazendo nossa a atitude de Pedro que soube da sua debilidade e fragilidade, mas não ficou submetido no seu fracasso senão que olhou para o Senhor e o seguiu como um amor renovado!
Oração
A festa dos Apóstolos alegra todo o mundo
até os seus extremos com júbilo profundo.
Louvamos Pedro e Paulo, por Cristo consagrados
colunas das Igrejas no sangue derramado.
São duas oliveiras diante do Senhor,
brilhantes candelabros de esplêndido fulgor.
Do céu luzeiros claros, desatam todo laço
de culpa, abrindo aos santos de Deus o eterno Paço.
Ao Pai louvor e glória nos tempos sem fronteiras.
Império a vós, o Filho, beleza verdadeira.
Poder ao Santo Espírito, Amor e Sumo Bem.
Louvores à Trindade nos séculos. Amém.
Hino da Liturgia da Horas
da Comunidade de Bose tradução Moisés Sbardelotto.
As Igrejas do Oriente e do Ocidente contemplam no dia 29 de junho [no Brasil, neste ano, a solenidade é celebrada no domingo seguinte, 1º de julho] o abraço dos santos Pedro e Paulo, os “corifeus” dos apóstolos, um termo que designava os líderes do antigo coro grego e que sugere, portanto, uma imagem coral da Igreja, chamada à unidade sinfônica, ao acordo das vozes e dos corações – uma meta para a qual sempre estamos a caminho...
Pedro e Paulo foram testemunhas e anunciadores do Cristo crucificado e ressuscitado, cada um com sua própria originalidade, sem abdicar do próprio “estilo” muito pessoal, da própria índole, dos próprios impulsos na fé e no amor, assim como sem calar as próprias quedas, as próprias contradições, os próprios passos em falso.
Duas histórias que narram, na concretude situada de uma biografia humana, o dom e o mistério do chamado, da fé, da conversão: quem negará o Cristo é também aquele que tem a graça de confessá-lo como Senhor e Filho do Deus vivo, enquanto o perseguidor da Igreja se tornará seu “paraninfo” – é assim que a tradição oriental designa Paulo, que apresenta “a Igreja como esposa ao Cristo esposo”.
Em caminhos diferentes que seguiram as pegadas de Cristo, para levar seu Evangelho até as extremidades da terra, como canta a liturgia bizantina: “Eles são as asas do conhecimento de Deus que percorreram voando os confins da terra e se levantaram até o céu; são as mãos do evangelho da graça, os pés da verdade do anúncio, os rios da sabedoria, os braços da cruz”.
E seu testemunho encontrou uma convergência definitiva no martírio, na morte sofrida em Roma: assim, “o Ocidente oferecerá a Cristo duas coroas resplandecentes, cujo perfume se espalhou por toda a parte. O Ocidente no qual entraram em declínio os dois astros, os dois apóstolos sepultados, que lá fazem resplandecer raios que nunca entram em declínio. Eis: Simão superou o sol, e o Apóstolo eclipsou a lua” (Efrém, o Sírio).
“E vós, quem dizeis que eu sou?” A pergunta de Cristo encontrou nas palavras, nas escolhas, na vida e na morte de Pedro e Paulo uma resposta convicta e convincente. Mas essa pergunta continua vibrando, hoje, para cada cristão e para toda a Igreja: quem é Cristo para nós?
E a resposta, inevitavelmente, não pode se limitar a uma mera profissão de fé em palavras, a uma fórmula teológica, mas pede para ser traduzida em palavras capazes de vida, em gestos carregados de esperança, em ações capazes de contar o amor.
Paulo pergunta aos cristãos de Roma e a nós com eles: “Quem nos poderá separar do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada?”. O Apóstolo mesmo, na companhia de Pedro, nos sugere a resposta, embebida em uma confiança inquebrantável naquele que “morreu ou, melhor, ressuscitou”: “Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes nem as forças das alturas ou das profundidades, nem qualquer outra criatura, nada nos poderá separar do amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 8, 35-39; trad. Bíblia Pastoral).
Que essa seja a palavra da fé, também para nós, daquela fé que repousa sobre a rocha de um fundamento inabalável (cf. Mt 16, 18), daquela fé que confirma os irmãos (cf. Lc 22, 32).
o Uma mulher envergonhada e temerosa se aproxima secretamente de Jesus, confiante de que será curada de uma doença que há muito a humilha.
o A cura ocorre quando ela consegue se libertar da lei para confiar em Jesus... Naquele profeta, enviado por Deus, há um poder capaz de salvá-la...
o Seria anacrônico apresentar Jesus como um feminista moderno... Sua mensagem é mais radical: a superioridade do homem e a submissão da mulher não vêm de Deus.
o A relação entre homens e mulheres ainda é doente, mesmo dentro da Igreja.
O artigo é de José Antonio Pagola, teólogo espanhol, publicado por Religión Digital, 24-06-2024.
Eis o artigo.
Uma mulher envergonhada e temerosa se aproxima secretamente de Jesus, confiante de que será curada de uma doença que há muito a humilha. Arruinada pelos médicos, sozinha e sem futuro, ela vem a Jesus com muita fé. Ele só busca uma vida mais digna e saudável.
No pano de fundo da história um problema sério pode ser adivinhado. A mulher sofre de perda de sangue: uma doença que a obriga a viver em um estado de impureza ritual e discriminação. As leis religiosas a obrigam a evitar o contato com Jesus e, no entanto, é justamente esse contato que poderia curá-la.
A cura ocorre quando essa mulher, educada em categorias religiosas que a condenam à discriminação, consegue libertar-se da lei para confiar em Jesus. Nesse profeta, enviado por Deus, há um poder capaz de salvá-la. Ela "notou que seu corpo estava curado"; Jesus "percebeu o poder salvífico que dele havia saído".
Esse episódio, aparentemente insignificante, é mais um expoente do que está constantemente registrado nas fontes evangélicas: a ação salvífica de Jesus, sempre empenhado em libertar as mulheres da exclusão social, da opressão masculina na família patriarcal e da dominação religiosa no seio do povo de Deus.
Sua mensagem é mais radical: a superioridade do macho e a submissão da fêmea não vêm de Deus. É por isso que entre seus seguidores eles devem desaparecer. Jesus concebe seu movimento como um espaço sem dominação masculina.
Seria anacrônico apresentar Jesus como um feminista moderno, comprometido com a luta pela igualdade de direitos entre mulheres e homens. Sua mensagem é mais radical: a superioridade do homem e a submissão da mulher não vêm de Deus. É por isso que entre seus seguidores eles devem desaparecer. Jesus concebe seu movimento como um espaço sem dominação masculina.
A relação entre homens e mulheres permanece doente, mesmo dentro da Igreja. As mulheres não conseguem perceber com transparência "o poder salvífico" que vem de Jesus. É um dos nossos grandes pecados. O caminho da cura é claro: suprimir as leis, costumes, estruturas e práticas que geram discriminação contra as mulheres, fazer da Igreja um espaço sem dominação masculina.
NESTA SEMANA NÃO TEMOS O TEXTO DE DOM DAMIÁN NANNINI PORQUE NA ARGENTINA ELES CELEBRAM HOJE O 13º DOMINGO DO TEMPO COMUM.
(Tradução do tradutor Google sem correção nossa)
Dom Damián Nannini, Argentina
DOMINGO XIV DURANTE EL AÑO – CICLO "B"
Primeira Leitura (Ez 2,2-5):
Este texto personaliza no profeta Ezequiel o que veio a cristalizar-se como lugar-comum em Israel: o profeta como homem de Deus rejeitado e até perseguido por aqueles a quem é enviado. É a ameaça do fracasso apostólico, do definhamento numa atitude que não encontra resposta nos ouvintes. Mas esta é a coisa mais branda que pode acontecer com ele. Às vezes eles enfrentam situações mais difíceis. Eles chamam Oséias de louco; Jeremias como traidor do país. E ainda leva à perseguição, prisão e morte. Elias teve que fugir do rei em muitas ocasiões; Micah ben Yimlá acaba na prisão; Amós é expulso do Reino do Norte; Jeremias passa vários meses de sua vida na prisão. Zacarias é apedrejado nos pátios do templo (cf. 2Cr 24,17-22). Esta perseguição não ocorre apenas por parte dos reis e dos poderosos; Sacerdotes e falsos profetas também intervêm nisso. E até o povo se volta contra eles, critica-os, despreza-os e persegue-os. Neste destino dos profetas está prefigurado o de Jesus de Nazaré. "Por que esta oposição perpétua? Só pode ser explicada pelo contraste entre as aspirações imediatas do povo e a meta distante para a qual Deus o atrai. No tempo de Ezequiel trata-se de reconhecer, em primeiro lugar, que o a vida conduzida por Israel no reino judaico de Jerusalém encontra-se em oposição às exigências divinas, mas trata-se também de aceitar o que já ninguém consegue compreender, que Israel está a viver a dolorosa mutação que tornará o Reino, até então fechado na sua política; atividade, uma comunidade religiosa mais fiel e mais aberta ao ambiente universal"[1].
Diante da possibilidade real de rejeição por parte do povo rebelde, a Palavra de Deus para o profeta Ezequiel é que ele deve pregar; porque além do resultado, sucesso ou fracasso, o que deveria importar para você é tornar a Palavra de Deus presente naquela situação: “eles saberão que há um profeta entre eles”. A grande mensagem é a fidelidade de Deus que continua a tornar presente a sua palavra através da voz do profeta. A resposta permanece, então, nas mãos do povo: ouvir, obedecer ou continuar com o seu coração teimoso. Porque «nem mesmo a Palavra e o poder do Espírito podem restringir a liberdade do homem de acolher a revelação de Deus. O profeta então se levanta, sozinho, como sinal de contradição, como pedra de tropeço para aqueles que correm para a própria ruína.”[2]
Segunda Leitura (2Cor 12,7-10):
No início deste discurso Paulo fez referência às visões e revelações com as quais foi favorecido no início do seu ministério apostólico (cf. 12, 1-2). A esta primeira confiança acrescentou a de uma revelação diferente, mas intimamente ligada às anteriores, que para ele teve grande importância. A verdade é que, para evitar que se tornasse vaidoso ou engrandecido (“ele acredita”, diria Francisco), foi-lhe dado um “espinho na carne”. Designa São Paulo com este termo misterioso uma doença crónica que o afligia periodicamente? Muitos acreditam nisso e é muito provável. Mas devemos dizer que São Paulo vê nele um obstáculo ao Reino de Deus que ele, pela missão que recebeu, deve promover: é um “anjo de Satanás”, “inimigo do género humano”, e que incessantemente impede São Paulo no seu ministério (cf. 1 Tes 2, 18; 2 Tes 2, 9). Com extrema insistência, três vezes, como Cristo no Getsêmani, ele pede ao Senhor que o liberte disso. Mas este parece insensível. A sua resposta à oração do Apóstolo é, aparentemente, negativa. Na verdade, eu não conseguia ouvi-lo mais plenamente. Paulo pediu a Cristo que o libertasse deste espinho na carne, porque ele via isso como um obstáculo ao seu apostolado. Porém, era a condição mais favorável, até mesmo a condição necessária. Porque o poder de Deus se manifesta, isto é – segundo o verbo grego – “alcança a sua perfeição”, a sua consumação, o “seu fim”; Em outras palavras, pode exercer todas as suas potencialidades na fraqueza humana. O que era motivo de dúvida é motivo de confiança. Desta forma, podemos entender o que São Paulo diz a seguir: (“Minha graça te basta, porque meu poder (δύναμις) triunfa sobre a fraqueza (ἀσθενείᾳ).” Em vez disso, me gloriarei de todo o coração em minha fraqueza (ἀσθενείᾳ), para que o poder (δύναμις) de Cristo possa residir em mim.10 Portanto, tenho prazer nas minhas fraquezas (ἀσθενείᾳ), nas censuras, nas privações, nas perseguições e nas angústias suportadas pelo amor de Cristo fraco (ἀσθενῶ; ), então sou forte (δυνατός)” (2 Cor 12, 9-10).
O espinho na carne é o símbolo de tudo o que o faz experimentar o seu desamparo radical. As suas fragilidades identificam-se, de facto, com todas as tribulações que a vida apostólica comporta e que acaba de ser evocada no capítulo anterior: provações físicas, trabalho, prisões, chicotadas, naufrágios, esforços, cansaço, vigílias prolongadas, fome e sede, frequentes jejuns, frio e nudez (cf. 2 Cor 11, 23-29). Mas muito mais os testes morais entre os quais ele menciona a hostilidade que encontrou não apenas nos seus inimigos - perigos dos seus compatriotas, perigos dos pagãos - mas, muito mais doloroso, o que encontrou nos seus amigos, perigos de falsos irmãos, dos judaizantes, isto é, dos discípulos de Cristo que não quiseram renunciar a Moisés. Precisamente quando o Apóstolo sente mais profundamente a sua fraqueza, o poder de Cristo "habita nele", como noutros tempos a Glória de Javé "habitou" na Arca da Aliança - sinal da habitação de Javé no meio do seu povo ( cf. Ex 40, 34-35; Nm 9, 18.22), como o Verbo “habitou entre nós”. No apóstolo despojado de todo apoio humano, certo da sua fraqueza, «encarnou-se», por assim dizer, o próprio poder de Cristo[3].
Evangelho (Mc 6,1-6a):
“Esta história é a conclusão de toda a segunda seção dedicada à revelação de Jesus e à reação do povo. Jesus foi rejeitado mesmo na sua pequena pátria, Nazaré, que aqui é um tipo do povo judeu”[4]. Na verdade, como nos habituou o evangelista São Marcos, o texto começa com uma indicação espacial ou geográfica. Jesus sai da casa de Jairo e vai para a sua cidade, Nazaré, situada a cerca de 30 km a oeste do mar da Galiléia, em cujas margens aconteceram as histórias anteriores. Outra indicação importante do texto é que ele é seguido pelos seus discípulos, que, embora não desempenhem nenhum papel activo nesta narrativa, estão presentes e aprendendo em vista do seu próximo envio missionário (cf. Mc 6,7-13 que leremos no próximo domingo).
Chegando à sua cidade, segundo o seu costume (cf. Mc 1,21.39), Jesus ensina na sinagoga no sábado. Depois, muitos dos que o ouviram ficaram primeiro maravilhados (verbo ἐκπλήσσω o mesmo que em Mc 1,22; 7,37; 10,26; 11,18). Mas então eles começam a expressar sua surpresa pela sabedoria que ele manifesta em seus ensinamentos e seu poder em realizar milagres: "De onde vem isso? E que sabedoria é essa que lhe foi dada? E esses milagres feitos por suas mãos ?” Podemos pensar que são questionados pela falta de adequação entre o Jesus que conheceram antes (“Não é este o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, Josete, Judas e Simão? E não estão aqui entre as suas irmãs?” nós?") e aquele que está na sua frente agora. A princípio temos a impressão de que se trata apenas de espanto ou estranheza, mas no final vemos claramente que se trata de desconfiança e desqualificação da pessoa de Jesus (ἄτιμος com o sentido de desonra ou descrédito em 6, 4). J. Gnilka[5] considera esta uma “atitude crítica” e explica-a da seguinte forma: “A crítica articula-se em cinco questões. Três delas referem-se à actividade de Jesus e duas aos seus familiares. As três primeiras perguntas pretendem refletir a excitação em que as pessoas caíram. A primeira pergunta o julga de uma forma geral, a segunda a sua vida e a terceira os seus milagres. A pergunta sobre onde – quase joanino – pergunta sobre ele. desta forma os familiares já entram em cena. A fé conhece a identidade de Jesus. Este é o Filho de Deus. O conhecimento do ambiente onde Jesus residia tornou-se um impedimento quase intransponível para reconhecer a sua pretensão de revelação.
É interessante o que M. Navarro[6] deduz deste texto sobre a família de Jesus: “A pergunta sobre a origem das suas palavras e dos seus gestos indica que para os camponeses nada previa o seu futuro. porque não sabiam ler os sinais que ele emitia. A verdade é que a pergunta se torna uma luz sobre sua família, pois indica que não havia nada de especial nela. Uma família normal, sem formação especial.
Todas as perguntas dos ouvintes de Jesus terminam com a afirmação: “E escandalizaram-se por causa dele”. O substantivo skándalon designava originalmente o fechamento de uma armadilha[7]. Na Bíblia Grega (LXX) adquire um significado figurado: ocasião de ruína ou pecado; obstáculo que se encontra. No NT a ideia original de cair em uma armadilha é mantida em Rm 11:9 que cita Sl 69:23. Fora deste lugar, geralmente mantém o significado figurado da LXX: ocasião de pecado, incitação à apostasia ou descrença. O que escandaliza é algo que se choca e que provoca indignação ou protesto.
O verbo escandalizar (skandalízomai), na voz passiva, como no nosso texto, significa cair, ser enganado ou atrapalhado, irritar-se, aborrecer-se. Nos evangelhos é comum as pessoas se escandalizarem com Jesus; por exemplo, os discípulos antes da paixão (cf. Marcos 14,27); ou João Baptista antes do seu messianismo misericordioso (cf. Mt 11,3-6); ou os fariseus diante da sua doutrina (cf. Mt 15,12).
O texto mais próximo para nos ajudar a entender o significado do verbo escandalizar é encontrado em Marcos 4:17, quando Jesus explica o fracasso da semente que cai em solo pedregoso. Ali diz: “aqueles que recebem a semente em solo pedregoso são aqueles que, ao ouvirem a Palavra, imediatamente a recebem com alegria, mas não têm raiz em si mesmos, mas são inconstantes; e assim que ocorre tribulação ou perseguição por causa de a palavra, eles sucumbem imediatamente." “Sucumbir” ou “cair” é a tradução usual neste versículo do verbo skandalízomai. De certa forma descreve a mesma atitude dos nazarenos porque começam com entusiasmo com as palavras de Jesus, mas depois ficam escandalizados. E isso porque não têm raízes, são inconstantes, o que implica que são superficiais, que permanecem na aparência e não se aprofundam.
Em resumo: a origem humilde de Jesus e da sua família, a sua falta de preparação intelectual, o facto de o ter conhecido como alguém normal numa família normal; Tudo isto representou um obstáculo à fé para os Nazarenos. A sabedoria e o poder de Jesus “não os fecham” com o que sabem dele. E isso os irrita, incomoda. Colidem com a humanidade de Jesus e não podem ou não querem dar o salto para a fé.
O que Jesus diz aos seus compatriotas (“Um profeta é desprezado (ἄτιμος) apenas na sua cidade, na sua família e na sua casa”) é apresentado antes como um ensinamento para os discípulos, que devem estar preparados para sofrer a sua própria rejeição. "ambiente". Esta frase ou ditado condensa a experiência histórica de Israel com a sua repetida rejeição dos profetas. Literalmente o texto fala de “desonra” (á-timos) ou desprezo, referindo-se a não considerá-lo, a não reconhecê-lo como enviado de Deus.
Então o narrador comenta que Jesus só conseguiu fazer poucos milagres ali. A causa disso estaria no versículo seguinte: a falta de fé ou descrença (a-pistía), da qual Jesus é agora quem fica maravilhado ou surpreso.
Lembremo-nos que em Marcos os milagres são sobretudo atos de poder (dinamis) que dão autoridade às palavras e obras de Jesus; e verificam o anúncio da chegada do Reino de Deus entre os homens. É por isso que os milagres, em vez de despertarem a fé, implicam isso. Além disso, “a impossibilidade de realizar milagres em que Jesus se encontra pretende significar que a incredulidade, como rejeição da oferta salvadora de Deus, impede a manifestação de qualquer evento salvífico”.
ALGUNS PENSAMENTOS:
Uma primeira forma de nos apropriarmos do evangelho de hoje é tomar o lado dos nazarenos e perguntar-nos quais são os obstáculos que encontramos para crer em Jesus. Embora nos possa parecer estranho, a proximidade dos Nazarenos com Jesus, conhecendo-o durante toda a vida, acabou por ser um muro para a sua fé. Eles não conseguiram superá-lo e no final rejeitaram-no. É que para acreditar “o homem é chamado a deixar de lado as suas normas, os seus critérios e as suas formas mundanas de agir. A carne, o sangue, a pátria e o bom senso não superam o escândalo da palavra feita carne. Mas só no ato de fé Jesus aparece como acontecimento decisivo. Somente na fé existe a possibilidade do acontecimento milagroso. A fé é a superação do escândalo. É a opção contra o mundo e é a vitória sobre o mundo”[9].
No fundo, como nota R. Cantalamessa, os nazarenos tinham medo da “novidade” do Reino de Deus que Jesus trazia e por isso o rejeitaram.
E a mesma coisa pode acontecer conosco. O fato de Jesus entrar em nossas vidas e nos amar tanto nos desorienta e pode até nos deixar desconfortáveis. E então preferimos que ele não seja tão próximo de nós ou tão bom para nós. E nos distanciamos.
Também pode acontecer-nos, e acontecerá na maioria das vezes, que os meios e os momentos escolhidos por Jesus para estar presente nas nossas vidas e comunicar connosco não sejam os que esperávamos. E nos sentindo desapontados, vamos embora. Aconteceu com Santo Agostinho, que quando conseguiu, depois de muitas buscas, encontrar o Senhor, escreveu nas suas Confissões 10, 27, 38: “Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, quão tarde te amei você! Você estava dentro de mim, e eu estava fora, e por fora te procurei, e deformado como estava, me joguei nas coisas lindas criadas por Ti. Você estava comigo, mas eu não estava com você".
O Senhor não costuma se manifestar em meio a nuvens e trovões, com ações extraordinárias, mas de forma simples e próxima. É precisamente que Deus se fez homem para que o sentíssemos próximo, um de nós, que sentiu e experimentou a mesma coisa que sentimos e experimentamos, menos o pecado. Jesus foi homem e viveu como homem, mas ao mesmo tempo é o Filho eterno do Pai que com a sua humanidade nos abriu o caminho para a vida com Deus e em Deus.
Em suma, como disse o Papa Francisco no Angelus de 8 de julho de 2018: “Em vez de se abrirem à realidade, ficam escandalizados: Deus é demasiado grande para se rebaixar a falar através de um homem tão simples! É o escândalo da encarnação: o acontecimento desconcertante de um Deus feito carne, que pensa com mente de homem, trabalha e age com mãos de homem, ama com coração de homem, um Deus que luta, come e dorme como todos os outros. de nós […] Mas o Senhor convida-nos a assumir uma atitude de escuta humilde e de espera dócil, porque a graça de Deus muitas vezes se apresenta a nós de formas surpreendentes, que não correspondem às nossas expectativas. Pensemos juntos em Madre Teresa de Calcutá, por exemplo. Uma irmãzinha – ninguém dava dez liras por ela – que andava pelas ruas recolhendo moribundos para que tivessem uma morte digna. Esta irmãzinha, com a oração e o seu trabalho, fez maravilhas. A pequenez da mulher revolucionou a obra de caridade na Igreja. É um exemplo dos nossos dias. Deus não se conforma com preconceitos. Devemos nos esforçar para abrir nossos corações e mentes, para acolher a realidade divina que vem ao nosso encontro. Trata-se de ter fé: a falta de fé é um obstáculo à graça de Deus. Muitos baptizados vivem como se Cristo não existisse: repetem-se gestos e sinais de fé, mas não correspondem a uma verdadeira adesão à pessoa de Jesus e ao seu Evangelho. Cada cristão – todos nós, cada um de nós – é chamado a aprofundar esta pertença fundamental, procurando testemunhá-la com uma conduta de vida coerente, cujo fio condutor será a caridade”.
Uma segunda forma de apropriação do texto é colocar-se ao lado de Jesus e dos apóstolos para compreender e partilhar a sua dor pela rejeição daqueles por quem Ele veio ao mundo: “Ele veio para o que era seu, e os seus não receberam ele” (João 1,11). Segundo F. Lentzen Deis[10] “ninguém quer pregar em sua própria casa. Ele acha que ninguém vai ouvi-lo. No entanto, Jesus fez isso, mas ficou surpreso com a pouca recepção que recebeu. Os discípulos também pregarão em sua terra natal. E será difícil para os parentes e o clã aceitá-lo como enviado; “Será mais fácil para os outros, para estranhos.” Portanto, temos que aceitar que também nós podemos experimentar a rejeição ao anunciar Jesus aos outros, especialmente à nossa família e às pessoas mais próximas de nós.
A este respeito, o Papa Francisco adverte-nos para não desanimarmos diante dos fracassos pastorais, que Jesus também teve: “O imediatismo ansioso destes tempos faz com que os agentes pastorais não tolerem facilmente o que significa alguma contradição, um aparente fracasso, uma crítica, uma cruz” (EG 82). Em vez do desânimo, ele nos convida a aguçar o olhar para reconhecer que a obra de Deus ainda está misteriosamente presente: “Como nem sempre vemos esses surtos, precisamos de uma certeza interior e é a convicção de que Deus pode agir em qualquer circunstância , mesmo no meio de fracassos aparentes, porque «carregamos este tesouro em vasos de barro» (2 Cor 4, 7). Essa certeza é o que chamamos de “senso de mistério”. É saber com certeza que quem se oferece e se entrega a Deus por amor certamente será fecundo (cf. Jo 15, 5)” (EG 279).
O grande apóstolo dos gentios, São Paulo, teve muitos fracassos pastorais em sua vida, sofreu muitas rejeições virulentas por parte de seu próprio povo por seguir e pregar Jesus. Mas o Senhor ensinou-lhe que «o poder de Deus manifesta-se na fraqueza do homem» (cf. 2Cor 12,9). Isto é, a vulnerabilidade, os fracassos pastorais e a pobreza de recursos materiais e humanos não são um obstáculo à evangelização, mas antes uma condição para a sua fecundidade. Porque o poder de Deus se manifesta e pode exercer todo o seu potencial nas fraquezas humanas. Como observa com razão A. Vanhoye[11]: “o Senhor não precisa das nossas capacidades, mas sim da nossa docilidade e humildade. Na verdade, se não formos humildes, ele não poderá realizar a sua obra. As graças do Senhor não podem ser comunicadas aos orgulhosos, porque se aproveitariam delas para serem ainda mais orgulhosos e arrogantes”.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
Senhor, eu acredito em você...
Jesus, permita-me ouvi-lo com espanto
aceitar sua proposta, sinta-se cativado
e abandonar tudo para ficar ao seu lado.
Desejo reconhecê-lo como um de nós
percorrendo nossos caminhos, explorando nossos bairros,
para vir nos curar.
Abra meu coração aos seus cuidados
para que me chegue a tua ternura, a tua loucura de Amor por mim,
Santo, Santo, Santo.
Enxugue as lágrimas, acalme a angústia,
Preencha todos os meus espaços de alegria, você é meu amigo e meu Deus
Eu me rendo a você com confiança, Amém.
[1] L. Monloubou, Leer y predicar el Evangelio de Marcos (Sal Terrae; Santander 1981) 78-79.
[2] G. Zevini - P. G. Cabra, La Lectio divina para cada día del año. Vol. 14 (Verbo Divino; Estella 2002) 124.
[3] Resumido de S. Lyonnet, Iniciación a la doctrina espiritual de San Pablo (Roma 1963). Más ampliado se encuentra como "La ley fundamental del apostolado formulada y vivida por san Pablo (2Cor 12,9)" en I. De la Potterie- S. Lyonnet, La vida según el espíritu (Sígueme; Salamanca; 1967) 275-296.
[4] A. Rodríguez Carmona, Evangelio de Marcos (DDB; Sevilla 2006) 68.
[5] El evangelio según San Marcos. Vol. I (Sígueme; Salamanca 1992) 267.
[6] Marcos (Verbo Divino; Estella 2006) 212.
[7] Cf. J. Guhrt, "Escándalo" en Coenen-Beyreuther-Bietenhard, Diccionario Teológico del Nuevo Testamento vol. II (Sígueme; Salamanca 1990) 97-99.
[8] G. Zevini - P. G. Cabra, La Lectio divina para cada día del año. Vol. 14 (Verbo Divino; Estella 2002) 126.
[9] T. Beck – U. Benedetti – G. Brambillasca – Clerici - S. Fauti, Una comunidad lee el Evangelio de Marcos (San Pablo; Bogotá 2006) 193.
[10] Comentario al evangelio de Marcos (Verbo Divino; Estella 1998) 177.
[11] Lecturas bíblicas de los domingos y fiestas. Ciclo B (Mensajero; Bilbao 2008) 226