22/09/2024
LINK AUXILIAR:
1ª Leitura: Sabedoria 2,12.17-20
Salmo Responsorial 53(54)R- É o Senhor quem sustenta minha vida!
2ª Leitura: Tiago 3,16-4,3
Evangelho Marcos 9,30-37
Naquele tempo: 30Jesus e seus discípulos atravessavam a Galileia. Ele não queria que ninguém soubesse disso, 31pois estava ensinando a seus discípulos. E dizia-lhes: 'O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará'. 32Os discípulos, porém, não compreendiam estas palavras e tinham medo de perguntar. 33Eles chegaram a Cafarnaum. Estando em casa, Jesus perguntou-lhes: 'O que discutíeis pelo caminho?' 34Eles, porém, ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior. 35Jesus sentou-se, chamou os doze e lhes disse: 'Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!' 36Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no meio deles, e abraçando-a disse: 37'Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou'. Palavra da Salvação.
Mc 9,30-37
No domingo passado, o Evangelho nos falou da cruz como marca e identidade do cristão: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, vai salvá-la” (8,34-35). Como podemos notar a cruz reclama a ressurreição (perder a vida para salvá-la). Vivendo e enfrentando o sofrimento e a morte como Jesus, podemos ter esperança fundada de que viveremos com Ele.
No Evangelho de hoje, porém, Jesus aumenta mais a dureza de sua linguagem a tal ponto que parece muito difícil entendê-lo e segui-lo. A cruz não é somente um acontecimento de sofrimento e de morte que se abatem sobre nós, mas é um estilo de vida que nós devemos escolher. A cruz e o sofrimento não são somente eventualidades no nosso caminho, são o próprio caminho, são uma escolha de vida.
Jesus está atravessando a Galileia e diz aos discípulos: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará”. Eles, porém, não compreendiam o que Jesus lhes falava e ainda tinham medo de interrogá-lo. É como se a mente deles estivesse focada somente no desejo das ambições terrenas. Eles têm medo de interrogar Jesus porque intuem a resposta que não queriam ouvir.
Eles chegam a Cafarnaum e, em casa, Jesus lhes pergunta: “O que discutíeis pelo caminho?” Como resposta, Jesus recebeu um silêncio envergonhado, pois eles tinham discutido quem era o maior dentre eles. A discussão devia ter sido muito animada, mas, no momento de dar a resposta, a animação se transforma em silêncio e desconforto. Outra vez, mais do que entenderem claramente, os discípulos parecem intuir a “mancada que eles deram”.
Bastou a pergunta de Jesus, para os discípulos perceberem o quanto estavam longe do ensinamento e da vida do Mestre. Os discípulos caem na conta da distância que havia entre o que eles deviam aprender de Jesus e o que eles realmente viviam: ambição pelo primeiro lugar, soberba pessoal, competição com os outros, desejo de ser servido pelos inferiores. Perguntando, Jesus revela a soberba dos discípulos que consiste em querer o degrau mais alto na estima dos outros.
“O que discutíeis pelo caminho?”, continua Jesus a perguntar a nós. Qual é o seu desejo? O que você quer de coração? O que você procura realmente? Isso que vemos em Cafarnaum, vemos repetir-se hoje em nossas comunidades e grupos. A pergunta de Jesus nos desmascara e “nos pega de calças curtas”. Provavelmente sentimos a mesma vergonha de quem é surpreendido com desejos e pensamentos inconfessáveis.
Jesus, porém, continua a ensinar. Ele desvia a atenção dos discípulos para fora do seu “ego” com gestos bem concretos. Em vez de fazer um discurso teórico, ele dá concretude ao seu ensinamento com gestos muito reais.
Pegou uma criança, colocou-a no meio deles, e abraçando-a disse: ‘Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou’. Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!
Prestemos atenção. O ensino de Jesus é concreto (pega a criança, coloca-a n meio deles, abraça-a), não é teórico nem abstrato. Ele põe a criança no centro; o centro não sou eu mesmo; o ego não está no centro, mas a criança. A atitude de Jesus é o de acolhida (abraça a criança) e não de julgamento e de condenação. Ele pede aos discípulos atenção, concentração (por isso Jesus sentou-se e chamou os doze).
Jesus não condena que busquemos a excelência, mas finaliza essa busca pela excelência, a orienta e lhe dá uma nova finalidade: ser perfeito como o Pai é perfeito; ser misericordioso como o Pai é misericordioso; se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!
“Eles ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior” (Mc 9,34)
Continuamos o percurso contemplativo, deixando-nos ensinar pelo Mestre Jesus. No evangelho deste domingo, Ele atravessa a Galileia, a caminho de Jerusalém; e faz isso de maneira reservada, sem dar publicidade. Ele deseja se dedicar inteiramente à instrução dos seus discípulos. É muito importante o que Ele quer gravar em seus corações: seu caminho não é um caminho de glória, de êxito, de poder. Pelo contrário: é o caminho da fidelidade à causa da vida, do compromisso em aliviar o sofrimento humano, da entrega radical em favor dos últimos.
Jesus frustra os planos e as expectativas de seus discípulos e lhes propõe como critério de grandeza o serviço aos outros; estabelece como critério de honra o cuidado dos pequenos. Esta é a lógica do Reino: esvaziamento de toda pretensão de poder e vaidade, que envenenam as relações entre as pessoas, para poder construir a fraternidade sobre outros fundamentos: serviço solidário, atenção compassiva, cuidado amoroso.
Ao chegarem em casa, Jesus sentou-se; quer ensinar aos discípulos algo que eles nunca deverão esquecer. Desmascara a competição entre eles para saber quem era o “maior”. Chama os “Doze”, aqueles que estão mais intimamente associados à sua missão e os convida a que se aproximem, pois os vê muito distanciados d’Ele. Para seguir seus passos e identificar-se com Ele, é preciso aprender duas atitudes fundamentais.
Primeira atitude: “se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!”. O discípulo de Jesus deve renunciar toda pretensão de ambição, de ser importante, de honras e vaidades. Em sua comunidade ninguém deve pretender estar acima dos outros. Pelo contrário, deve ocupar o último lugar, descer ao nível daqueles que não tem poder e nem ostentam título algum. E, a partir daí, ser como o próprio Jesus: “servidor de todos”.
A segunda atitude é tão importante que Jesus ilustra com um gesto simbólico provocativo: coloca uma criança no meio dos Doze, no centro do grupo, para que, aqueles homens ambiciosos deixassem de se preocupar com honras e grandezas, e centrassem seus olhos nos pequenos, nos frágeis, nos mais necessitados de defesa e cuidado.
Deste modo, Jesus denuncia nossas tendências egóicas que estabelecem hierarquias de mando, divisão entre “superiores e inferiores”, vaidade religiosa. Para Ele, a atitude de serviço não é questão meramente ascética, mas uma proposta profética que quebra qualquer pretensão de divinizar estruturas, de justificar privilégios, de compactuar com os poderosos deste mundo.
Jesus tem plena consciência de que nenhum poder é mediação de salvação; e o pior poder é o “religioso”, pois alimenta medo e culpa, cria dependência doentia e trava toda autonomia pessoal. A cultura do poder suga o “espírito” da vida de uma comunidade, minando sua criatividade e fragilizando seus laços de convivência. O poder não constrói comunidade, pois quem tem poder se cerca de subservientes que cumprem suas ordens, dizem amém às suas ideias ou calam-se coniventes. Por seu caráter impositivo, o poder deteriora relacionamentos, resvalando-se para o terreno pantanoso da competição, da suspeita, da intriga. Quem tem “poder” o centro está em si mesmo; por isso é que toda expressão de poder é violenta, exclui, impõe-se ao outro, domina...
O poder “mata a criança” que todos carregam em sua essência, impedindo-a de se expandir.
A verdadeira grandeza consiste em servir. Para Jesus, o primeiro não é aquele que ocupa um cargo de importância, mas quem vive servindo e ajudando os outros. Os primeiros na Igreja não são os hierarcas, mas as pessoas mais simples que vivem ajudando àqueles que encontram em seu caminho.
O poder é uma das forças mais sedutoras e que sempre exerceu grande fascínio nas pessoas. Não há ser humano que não tenha sido “tentado” pelo canto desta sereia.
Sabemos que o poder nos infla como balões, com desejos de subir, e estar no mais alto, longe de tudo o que é humano, onde as fragilidades e sofrimentos das pessoas não nos afetam, onde possamos vencer, distinguir-nos dos outros...
A palavra “poder” indica sempre uma relação de dependência, manifesta uma desigualdade. Aquele que exerce o poder está acima daquele que se submete a esse poder. Jamais, nem se insinua nos evangelhos, que Jesus se relacionasse com o ser humano a partir da superioridade de quem manda sobre o inferior que obedece. A relação de Jesus com os discípulos e com as pessoas se expressa sempre, nos evangelhos, mediante a experiência do “seguimento”, que nasce da “exemplaridade”, nunca da “submissão”, que é a resposta do fraco ao forte, do pequeno ao grande.
Jesus nunca teve “poder” e nunca transmitiu “poder” aos seus discípulos. Ele deu-lhes “autoridade”, o que é bem diferente. E o evangelho destaca que se trata de uma autoridade “para expulsar demônios e curar enfermos”. Não é um poder doutrinal e, menos ainda, judicial. É uma autoridade terapêutica, para aliviar sofrimentos e fazer felizes as pessoas em suas relações com os demais e sua relação com Deus.
Quem tem poder, o centro está em si mesmo; quem tem “autoridade” o centro está fora, no outro. Significa despertar a autonomia, a autoria do outro; não alimenta dependência, mas ativa o melhor que há no outro.
Jesus, que foi tão tolerante com os discípulos em outras coisas, neste ponto foi taxativo: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e o servidor de todos!”
Ao abraçar carinhosamente uma criança, diante de todos, Jesus indica que o centro de sua comunidade não deve estar ocupado pelos grandes e poderosos que se impõem aos demais, a partir de cima. Em sua comunidade precisa-se de homens e mulheres que “desçam” para acolher, servir, abraçar e bendizer os mais fracos e necessitados.
O Reino de Deus não se expande a partir da imposição dos grandes, mas a partir da acolhida e defesa dos pequenos. Onde estes se convertem no centro de atenção e cuidado, aí está chegando o Reino de Deus, a nova sociedade humana que o Pai quer.
Entrar no Reino significa acolher e compartilhar o Projeto de Jesus; isso torna-se impossível para quem fundamenta sua vida por critérios de poder, prestígio, ambição...
Nesse contexto, o fato de Jesus propor as crianças como paradigma das relações da comunidade do reino, supõe uma mudança radical, eliminando hierarquias. Isso implica identificar-se com os mais desfavorecidos, de considerar dignos aqueles que não são contados, a “massa sobrante”; é preciso uma mudança de mentalidade e compreender que, para os seguidores e seguidoras do Mestre, os primeiros e mais importantes lugares são para os últimos; e não é só por um gesto de compaixão, mas porque essa é a chave para abrir o sentido da conduta no seguimento de Jesus e para compreender o coração do próprio Deus.
O caminho para Deus passa pela descida em direção aos outros, pelo compromisso com os pequenos e últimos, pela compaixão para com os mais carentes...
O Deus que Jesus nos revela é o Deus que se faz presente no pequeno, no simples, naqueles que não tem voz e nem vez neste mundo. Não é o Deus do poder absoluto, nem o Deus que exige obediência e submissão àqueles que se apresentam como seus representantes.
A estrutura da “nova comunidade” não é piramidal ou hierárquica, mas circular. O centro já está ocupado por uma “criança” nos braços de Jesus. Ao redor deles estamos todos, com serviços e ministérios diferentes.
Aqui não há lugar para alimentar “egos inflados”, prepotentes, autoritários...
A casa cristã é o lugar de benção, onde todos são acolhidos, começando pelas crianças, por serem as mais frágeis e necessitadas. Jesus funda a “comunidade da ternura”.
Para meditar na oração:
A palavra-chave do evangelho deste domingo é “acolhida”: ela expressa uma atitude de descentramento e sensibilidade diante dos mais vulneráveis; ela quebra toda tendência de imposição sobre os outros e revela que é anti-evangélico alimentar competição para saber quem é mais importante ou mais poderoso.
- Seu espaço familiar, sua comunidade, seu ambiente de trabalho... se revela como lugar de acolhida e de bênção ou ambiente que alimenta competição e ativa o apetite de poder e de vaidade?
O grupo de Jesus atravessa a Galileia a caminho de Jerusalém. Fazem-no de forma reservada, sem que ninguém se inteire. Jesus quer dedicar-se inteiramente a instruir os Seus discípulos. É muito importante o que quer gravar nos seus corações: o seu caminho não é um caminho de glória, êxito e poder. É o contrário: conduz à crucifixão e à rejeição, apesar de que terminará em ressurreição.
Aos discípulos não lhes entra na cabeça o que lhes diz Jesus. Dá-lhes medo até perguntar-Lhe. Não querem pensar na crucifixão. Não entra nos seus planos nem expectativas. Enquanto Jesus lhes fala de entrega e da cruz, eles falam das suas ambições: Quem será o mais importante do grupo? Quem ocupará o posto mais elevado? Quem receberá mais honras?
Jesus «senta-se». Quer ensinar-lhes algo que nunca hão de se esquecer. Chama os Doze, os que estão mais estreitamente associados à Sua missão e convida-os a que se aproximem, pois vê-os muito distanciados Dele. Para seguir os Seus passos e parecer-se a Ele têm de aprender duas atitudes fundamentais.
· Primeira atitude: «Quem queira ser o primeiro, que seja o último de todos e servidor de todos». O discípulo de Jesus tem de renunciar às ambições, cargos, honras e vaidades. No Seu grupo ninguém está acima dos outros. Pelo contrário, há de ocupar o último lugar, colocar-se ao nível de quem não tem poder nem ostenta categoria alguma. E, desde aí, ser como Jesus: «servidor de todos».
· A segunda atitude é tão importante que Jesus a ilustra com um gesto simbólico profundo. Coloca uma criança no meio dos Doze, no centro do grupo, para que aqueles homens ambiciosos se esqueçam de honras e grandezas, e ponham os seus olhos nos pequenos, os débeis, os mais necessitados de defensa e cuidado. Logo, os abraça e lhes diz: «O que acolhe a uma criança como esta em Meu nome, acolhe-me a Mim». Quem acolhe um «pequeno» está acolhendo o «maior», a Jesus. E quem acolhe a Jesus está acolhendo o Pai que O enviou.
Um Igreja que acolhe os pequenos e indefesos está ensinando a acolher a Deus. Uma Igreja que olha para os grandes e se associa com os poderosos da terra está pervertendo a Boa Nova de Deus anunciada por Jesus.
Marcos 9.30-37
O texto de Evangelho que vamos meditar hoje traz uma grande incoerência da parte dos discípulos de Jesus. Enquanto Jesus anunciava a sua paixão e morte, os discípulos discutiam entre si quem deles era o maior. Jesus queria servir, eles só pensavam em mandar! A ambição os levava a querer subir às custas de Jesus. Vamos conversar sobre isto.
SITUANDO
Esta reflexão traz o segundo anúncio da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Como no primeiro anúncio – Mc 8,27-38 -, os discípulos ficam espantados e com medo. Não entendem a palavra sobre a cruz, porque não são capazes de entender nem de aceitar um Messias que se faz empregado e servidor dos irmãos. Eles continuam sonhando com um messias glorioso. O texto ajuda a perceber algo da pedagogia de Jesus. Mostra como ele formava os discípulos, como os ajudava a perceber e a superar o “fermento dos fariseus e de Herodes”
Tanto na época de Jesus como na época de Marcos, havia o fermento da ideologia dominante. Também hoje, a ideologia das propagandas do comércio, do consumismo, das novelas influi profundamente no modo de pensar e de agir do povo. Na época de Marcos, nem sempre as comunidades eram capazes de manter uma atitude crítica frente à invasão da ideologia do império. A atitude de Jesus com relação aos apóstolos, descrita no evangelho, as ajudava e continua ajudando a nós hoje.
COMENTANDO
Marcos 9,30-32: O anúncio da cruz
Jesus caminha através da Galileia, mas não quer que o povo o saiba, pois está ocupado com a formação dos discípulos e discípulas e conversa com eles sobre a cruz. Ele diz que, conforme a profecia de Isaías – Is 53,1-10 -, o Filho do Homem deve ser entregue e morto. Isto mostra como Jesus se orientava pela Bíblia, na formação aos discípulos. Ele tirava o seu ensinamento das profecias. Os discípulos o escutam, mas não entendem a palavra sobre a cruz. Mesmo assim, não pedem esclarecimento. Eles têm medo de deixar transparecer sua ignorância.
Marcos 9,33-34: A mentalidade de competição
Chegando em casa, Jesus pergunta: Sobre que vocês estavam discutindo no caminho? Eles não respondem. É o silêncio de quem se sente culpado, pois pelo caminho discutiam sobre quem deles era o maior. Jesus é bom formador. Não intervém logo, mas sabe aguardar o momento oportuno para combater a influência da ideologia dos seus formandos. A mentalidade de competição e de prestígio que caracteriza a sociedade do Império Romano já se infiltrava na pequena comunidade que estava apenas começando! Aqui aparece o contraste! Enquanto Jesus se preocupa em ser o Messias Servidor, eles só pensam em ser o maior. Jesus procura descer. Eles querem subir!
Marcos 9, 35-37: Servir, em vez de mandar
A resposta de Jesus é um resumo do testemunho de vida que ele mesmo vinha dando desde o começo: Quem quer ser o primeiro seja o último de todos, o servidor de todos! Pois o último não ganha nada. É um servo inútil (cf. Lc 17,10). O poder deve ser usado não para subir e dominar, mas para descer e servir. Este é o ponto em que Jesus mais insistiu e em que mais deu o seu próprio testemunho (cf. Mc 10,45; Mt 20,28; Jo 13,1-16).
Em seguida, Jesus coloca uma criança no meio deles. Uma pessoa que só pensa em subir e dominar não daria tão grande atenção aos pequenos e às crianças. Mas Jesus inverte tudo! Ele diz: “Quem receber uma destas crianças em meu nome é a mim que recebe. Quem receber a mim recebe aquele que me enviou! Ele se identifica com as crianças. Quem acolhe os pequenos em nome de Jesus acolhe o próprio Deus!
ALARGANDO
Um retrato de Jesus como formador
“Seguir” era um termo que fazia parte do sistema da época. Era usado para indicar o relacionamento entre o discípulo e o mestre. O relacionamento mestre-discípulo é diferente do relacionamento professor-aluno. Os alunos assistem às aulas do professor sobre uma determinada matéria. Os discípulos “seguem” o mestre e convivem com ele. Foi nesta “convivência” de três anos com Jesus que os discípulos e as discípulas receberam a sua formação.
Não é pelo fato de uma pessoa andar com Jesus que ela já é santa e renovada. No meio dos discípulos, cada vez de novo, a mentalidade antiga levantava a cabeça, pois o “fermento de Herodes e dos fariseus” – Mc 8,15 -, isto é, a ideologia dominante, tinha raízes profundas na vida daquele povo. A conversão que Jesus pede quer atingir a raiz e erradicar o “fermento”. Já vimos como Jesus combatia a mentalidade antigo de competição e de prestígio – Mc 9,33-37 e a mentalidade fechada de quem se considera dono de tudo – Mc 9,38-40. Eis alguns outros casos desta ajuda fraterna de Jesus aos discípulos.
Mentalidade de grupo que se considera superior aos outros. Certa vez, os samaritanos não queriam dar hospedagem a Jesus. Reação dos discípulos: “Que um fogo do céu acabe com esse povo” (Lc 9,54). Achavam que, pelo fato de estarem com Jesus, todos deviam acolhê-los. Pensavam ter Deus do seu lado para defendê-los. Era a mentalidade antiga de “Povo eleito, Povo privilegiado!” Jesus os repreende: ”Vocês não sabem de que espírito estão sendo animados” (Lc 9,55).
Mentalidade de quem marginaliza o pequeno. Os discípulos afastavam as crianças. Era a mentalidade da cultura da época em que criança não contava e devia ser disciplinada pelos adultos. Jesus os repreende: ”Deixem vir a mim as crianças!” (Mc 10,14). Ele coloca a criança com professora de adulto: “Quem não receber o Reino como uma criança não pode entrar nele” (Lc 18,17).
Mentalidade de quem pensa conforme a opinião de todo mundo. Certo dia, vendo um cego, os discípulos perguntaram: ”Quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cego?” (Jo 9,2). Como hoje, o poder da opinião pública era muito forte. Fazia todo o mundo pensar de acordo com a cultura dominante. Enquanto se pensa assim não é possível perceber todo o alcance da Boa Nova do Reino. Jesus os ajuda a ter uma visão mais crítica: ”Nem ele, nem os pais dele” (Jo 9,3). A resposta de Jesus supõe uma leitura diferente da realidade.
Jesus, o Mestre, é o eixo, o centro e o modelo da formação. Pelas suas atitudes, ele é uma amostra do Reino, encarno o amor de Deus e o revela (Mc 6,31; Mt 10,30; Lc 15,11-32). Muitos pequenos gestos refletem este testemunho de vida com que Jesus marcava presença na vida dos discípulos e das discípulas, preparando-os para a vida e a missão. Era a sua maneira de dar forma humana a experiência que ele mesmo tinha de Deus como Pai:
Envolve-os na missão – Mc 6,7; Lc 9,1-2; 10,1.
Na volta, faz revisão com eles – Lc 10,17-20.
Corrige-os quando erram e querem ser os primeiros – Mc 9,33-35; 10,14-15.
Aguarda o momento oportuno para corrigir – Lc 9,46-48; Mc 10,14-15.
Ajuda-os a discernir – Mc 9,28-29.
Interpela-os quando são lentos – Mc 4,13; 8,14-21.
Prepara-os para o conflito – Jo 16,33; Mt 10,17-25.
Manda observar a realidade – Mc 8,27-29; Jo 4,35; Mt 16,1-3.
Reflete com eles sobre as questões do momento – Lc 13,1-5.
Confronta-os com as necessidades do povo – Jo 6,5.
Ensina que as necessidades do povo estão acima das prescrições rituais – Mt 12,7.12.
Tem momentos a sós para poder instrui-los – Mc 4,34; 7,17; 9,30-31; 10,10; 13,3.
Sabe escutar, mesmo quando o diálogo é difícil – Jo 4,7-42.
Ajuda-os a aceitar a si mesmos – Lc 22,32.
É exigente e pede para deixar tudo por amor a ele – Mc 10,17-31.
É severo com a hipocrisia – Lc 11,37-53.
Faz mais perguntas que dá respostas – Mc 8,17-21.
É firme e não se deixa desviar do caminho – Mc 8,33; Lc 9,54.
Prepara-os para o conflito e a perseguição – Mt 10,16-25
Este é um retrato de Jesus como formador. A formação do “seguimento de Jesus” não era, em primeiro lugar, a transmissão de verdades a serem decoradas, mas sim a comunicação da nova experiência de Deus e da vida que irradiava de Jesus para os discípulos e discípulas. A própria comunidade que se formava ao redor de Jesus era a expressão desta nova experiência. A formação levava as pessoas a terem outros olhos, outras atitudes. Fazia nascer nelas uma nova consciência a respeito da missão e a respeito de si mesmas. Fazia com que fossem colocando os pés do lado dos excluídos. Produzia, aos poucos, a “conversão” como consequência da aceitação da Boa Nova (Mc 1,15).
A confissão de Pedro que proclamava Jesus como Messias (cf. Mc 8,29) representa no Evangelho segundo Marcos uma virada na vida e na pregação de Jesus. A partir desse evento, Jesus tenta chegar a Jerusalém descendo das encostas do Hermon e passando por Cafarnaum, na Galileia.
Essa é a única subida de Jesus rumo à Cidade Santa testemunhada por Marcos e, portanto, pelos outros sinóticos, uma subida durante a qual Jesus intensifica o ensinamento dirigido aos seus discípulos, à sua comunidade itinerante, continuando a lhes anunciar a necessitas da sua paixão e morte.
Como já havia dito no início da viagem, em Cesareia de Filipe (cf. Mc 8,31), aqui ele reitera: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará”; e ainda fará isso pouco depois pela terceira vez (cf. Mc 10,33-34).
Jesus está prestes a ser entregue (paradídomi), verbo forte que indica o fato de ser dado à mercê, ao poder de alguém. Assim acontecerá, e Jesus será sempre um sujeito passivo de tal ação: entregue por Judas aos sacerdotes (cf. Mc 14,10), pelos sacerdotes a Pilatos (cf. Mc 15,1), entregue por Pilatos para ser crucificado (cf. Mc 15,15).
O passivo usado nos anúncios da paixão e a mesma necessitas expressada nos três casos indicam, no entanto, que, embora essa entrega ocorra por mãos de homens responsáveis pelas suas ações, ela não ocorre como um simples acidente (“Deu tudo errado para Jesus...”) ou como fruto de um destino cego, mas sim segundo aquilo que está em conformidade com a vontade de Deus. Ou seja, que um justo não se vingue, não se isente daquilo que os homens querem e podem fazer na sua maldade: rejeitar, odiar, perseguir, mandar à morte quem é justo, porque os injustos não o suportam.
Já falamos sobre isso, mas vale a pena voltar a isso mais uma vez, mais brevemente, porque estamos realmente no coração da vida de Jesus, portanto do Evangelho: de que necessitas se trata? Necessitas humana acima de tudo: em um mundo de injustos, o justo não pode senão sofrer e ser condenado. Sempre foi assim, em todos os tempos e lugares, e ainda hoje é assim...
Deus não quer a morte de Jesus, mas a sua vontade é de que o justo permaneça como tal, até ser entregue à morte, continuando a “amar até o fim” (cf. Jo 13,1). O justo nunca, nunca mesmo entrega outra pessoa à morte, mas, antes de fazer o mal, deixa-se libertar: eis a necessitas divina da paixão de Jesus. É o fato de continuar a “amar até ao fim” (cf. Jo 13,1), até mesmo os inimigos, em resposta à vontade do Pai, que pela graça coloca no coração humano a possibilidade desse amor que só pode brotar dele.
E o fato de esse amor ser difícil, a um caro preço, é demonstrado pela reação da comunidade de Jesus, de quem compartilhou a vida com ele e, portanto, deveria estar em sintonia com o seu ensinamento. Como Pedro no primeiro anúncio (cf. Mc 8,32-33), aqui todos os discípulos se recusam a compreender as palavras de Jesus e, fechados na sua cegueira, nem mesmo ousam interrogá-lo.
Mas eis que, chegando à casa deles em Cafarnaum, Jesus e os seus param para repousar. Nessa intimidade, Jesus lhes pergunta: “Sobre o que vocês estavam discutindo pela estrada?”. A resposta é um silêncio cheio de constrangimento e vergonha.
Os discípulos, de fato, sabem do que falavam, sabem que naquela discussão havia se manifestado neles um desejo e uma atitude em contradição com o ensinamento de Jesus: cada um havia sido tentado – e talvez até o tenha expressado em palavras – a aspirar e a pensar em si mesmo no primeiro lugar na comunidade.
Eles haviam rivalizado uns com os outros, levantando pretensões de reconhecimento e de amor. Em resposta à revelação do Messias servo e à perspectiva do seu caminho rumo à morte ignominiosa, os discípulos não souberam fazer melhor – talvez pensando no “pós-Jesus” – do que discutir sobre quem entre eles era o maior.
No Evangelho de Tomé, no loghion 12, está escrito: “Os discípulos disseram a Jesus: ‘Sabemos que em breve nos deixarás: quem será, então, o maior entre nós?’”. Sim, devemos confessar: se a comunidade cristã não assumir a lógica pascal de Jesus, acaba inevitavelmente por fomentar dentro do seu interior a mentalidade mundana da competição e da rivalidade. Desencadeiam-se, então, lógicas de poder e de força no espaço eclesial e, como que cegados, acaba-se por ler o serviço como poder, como ocasião de honra.
Jesus, então, chama a si os discípulos, chama sobretudo os Doze, aqueles que deverão ser os primeiros responsáveis pela Igreja, e faz um gesto. Ele pega um pequeno (paidíon), um pobre, alguém que vive a condição de dependência e não importa nada, coloca-o no centro e, abraçando-o com ternura, afirma: “Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou”.
Uma criança, um pequeno, um pobre, um excluído, um descartado é posto no meio do círculo de uma assembleia de primeiros, de homens destinados a ocupar o primeiro lugar na comunidade, para lhes ensinar que, se alguém quer o primeiro lugar, aquele de quem governa, deve se fazer o último e servo de todos.
Estejamos atentos à radicalidade expressada por Jesus no Evangelho segundo Marcos. Se há alguém que pensa que pode chegar ao primeiro lugar da comunidade, então o caminho a seguir para ele é simples: faça-se o último, o servo de todos, e se encontrará no primeiro lugar da comunidade.
Aqui não estão os primeiros designados aos quais Jesus pede para serem os últimos e os servos de todos, mas ele traça o caminho oposto: quem se faz último e servo de todos se encontrará tendo o primeiro lugar, sendo o primeiro dos irmãos.
Sim, um dia na Igreja será preciso escolher quem deve estar no primeiro lugar, quem deve governar: se tratará apenas de reconhecer como primeiro aquele que serve a todos, aquele que também sabe ficar no último lugar. Jesus confirmará e até ampliará esse mesmo anúncio um pouco mais adiante: “Vocês sabem que aqueles que são considerados os governadores das nações dominam sobre elas, e os seus dirigentes as oprimem. Mas entre vocês não deverá ser assim: quem de vocês quiser se tornar grande entre vocês deve ser o servo de vocês, e quem de vocês quiser ser o primeiro entre vocês deve ser escravo de todos” (Mc 10,42-44).
E, em vez disso, sabemos o que muitas vezes vai ocorrer nas comunidades cristãs: será escolhido o mais brilhante, o mais visível, quem se impõe por si mesmo, talvez o mais munido intelectualmente e o mais forte, até mesmo o prepotente, ele será aclamado como primeiro e depois lhe serão feitos os augúrios de ser o último e o servo de todos.
Pobre história das comunidades cristãs, Igrejas ou mosteiros cristãos... Não por acaso os próprios Evangelhos posteriores reconhecerão que é assim, e então Lucas deverá expressar de outro modo as palavras de Jesus: “O maior entre vocês se torne como o mais jovem; e quem governa seja como aquele que serve” (Lc 22,26). Mas, se a palavra de Jesus fosse realizada de acordo com o teor do Evangelho mais antigo, então seríamos mais fiéis ao pensamento e à vontade de Jesus!
Ao término desse trecho do Evangelho, sobretudo quem é pastor na comunidade deveria se perguntar se, ocupando o primeiro lugar, sendo quem preside, o maior, sabe também ocupar o último lugar e sabe ser um servo dos irmãos e das irmãs, sem sonhos ou tentativas de poder, sem busca de sucesso para si, sem organizar o consenso em torno de si e sem ser prepotente com os outros, talvez sob a forma da sedução.
Disso depende a verdade do seu serviço, que poderá desenvolver mais ou menos bem, mas sem desejo de poder sobre os outros ou, pior ainda, de instrumentalizá-los. Ninguém pode ser “pastor bom” como Jesus (Jo 10,11.14), e as culpas dos pastores da Igreja podem ser muitas: mas o que ameaça o serviço na sua raiz é o fato de não se sentir servo dos outros, de agir como patrão dos outros.
Por outro lado, esse desvio é visível: a autoridade que não sabe estar ao lado dos últimos, que não sabe lhes oferecer a sua presença, que não sabe ouvir aqueles que aparentemente não importam na comunidade cristã é uma autoridade que cuida de si mesma, impedida pelo próprio narcisismo de perceber aqueles que, sendo frágeis, marginais e escondidos, sempre são, mesmo assim, membros do corpo de Cristo.
Na estrutura do Marcos, depois da chamada “Crise Galilaica”, manifestada no episódio da Estada em Cesareia de Felipe, Jesus muda totalmente de tática e estratégia. Ele não anda mais com as multidões, quase não faz mais milagres - dos 19 milagres em Marcos, somente dois são realizados após o acontecimento em Cesareia. Em lugar disso, Ele se dedica à formação dos seus discípulos, tentando inculcar neles as atitudes de verdadeiros discípulos, ensinando-os que o caminho d’Ele é o caminho da Cruz, da entrega, da doação, e não da busca do poder, da glória ou da fama. Marcos demonstra isso de uma maneira bem organizada. Em três ocasiões, Jesus anuncia a sua futura paixão (8, 81; 9, 31; 10, 33-34). Em cada ocasião os discípulos não compreendem (8, 32; 8, 34; 10, 35-37), e a partir dessas incompreensões Jesus dá um ensinamento, aprofundando vários aspectos do verdadeiro seguimento d’Ele (8, 34-38; 9, 35-37; 10, 38-45).
O trecho em questão trata do segundo desses três acontecimentos. A coragem da dificuldade é a tentação do poder. Embora Jesus tenha deixado bem claro, pela segunda vez, que o seguimento d’Ele é uma vida de entrega, até à morte, em favor dos outros, os Doze discutem entre si qual deles seria o maior! O poder é tentação permanente em todas as comunidades, não isentando as Igrejas! Podemos até dizer, com certa dose de humor, que a busca de poder está no DNA das pessoas humanas! Talvez mais do que qualquer outro motivo, a sede do poder tem sido o que mais tem corrompido nas Igrejas - mais ainda do que a imoralidade ou a ganância financeira. No século dezenove o estadista e historiador católico inglês Lord Acton falou que “todo poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente” - e não há poder mais perigoso do que o religioso, exercido em nome de Deus!
Quantos sofrimentos e males são causados por essa sede de poder, disfarçada como mandato de Deus! Desde o fundamentalismo fanático do Talibã no Afeganistão, até a ufania de certos padres - mormente recém ordenados - que se ostentam com roupas finas e carros do ano e, de uma maneira opressora, dominam religiosas e leigos de muito mais experiência e sabedoria do que eles... a sêde de poder e de dominação, sempre em nome de Deus ou de Jesus, continua a distorcer a vida de muitas comunidades religiosas, dentro e fora do Cristianismo. No fundo é por isso que certos setores da Igreja se colocam frontalmente ou veladamente contra o Papa Francisco. Como escreveu o teólogo dominicano sul-africano Alberto Nolan OP, “Jesus tem sido mais frequentemente honrado e venerado por aquilo que ele não significou, do que por aquilo que ele realmente significou. A suprema ironia é que algumas das coisas, às quais Ele mais fortemente se opôs na sua época, foram ressuscitadas, pregadas e difundidas mais amplamente através do mundo – em seu nome.” O poder-dominação é frequentemente um desses elementos.
Diante da recusa dos seus discípulos em entender o seu ensinamento, Jesus, o Servo de Javé, pega uma criança como símbolo de quem deve segui-Lo. Não porque criança é sempre santa nem inocente! Mas porque é sem-poder, dependente dos adultos em tudo. No tempo de Jesus, criança não tinha direitos, e estava entre os últimos da sociedade. Os seus discípulos são convidados a despojar-se do poder para serem servos, da mesma maneira que o Mestre, Ele que “não se apegou à sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Assim, apresentando-se como simples homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte da cruz” (Fl 2, 6-8).
O poder em si é um bem - para ser usado a serviço dos outros! Todos nós - clero, religiosos/as, leigos/as - somos vulneráveis diante da tentação do poder. Levemos a sério o ensinamento de hoje, pois só pode ser discípulo de Jesus quem procura ser servo/a de todos! Evitemos títulos, privilégios, e comportamentos que tão facilmente poderão nos afastar do seguimento do Senhor. Que o nosso modelo seja sempre Ele - e não a sociedade vigente, onde é o poder que manda. A nossa força vem da Cruz de Jesus, a fraqueza do Deus “que escolheu o que o mundo despreza, acha vil e sem valor, para destruir o que o mundo pensa que é importante” (1Cor 1, 28).
XXV DOMINGO DO ANO – CICLO “B”
Primeira leitura (Sab 2,12.17-20):
Este texto faz parte do famoso canto do justo perseguido (Sb 1,16-2,24) que confronta os ímpios e os justos, expondo as suas visões contrastantes da vida. Especificamente em 2:1-20 temos um longo discurso dos ímpios onde expressam sua concepção de vida e sua condenação dos justos. O texto litúrgico começa precisamente com as declarações dos ímpios que dão razão às suas maquinações contra os inocentes e justos: o seu comportamento fiel para com Deus incomoda-os e incomoda-os porque revela as suas transgressões. Por esta razão, eles decidem testar o justo, infligindo-lhe todos os tipos de males, até mesmo a própria morte. O grave é que eles não apenas testam a virtude do justo, mas também “tentam” o próprio Deus, provocando-o para ver se ele intervém para salvá-lo. O justo é apresentado como filho de Deus pelo seu comportamento ético, pela sua fidelidade e pela sua justiça; e se Deus é verdadeiramente seu pai, ele terá que ajudá-lo. Portanto, no fundo, os ímpios expressam a sua descrença prática porque negam que Deus trabalha em favor dos homens. Como diz com razão D. Barsotti[1], é uma página impressionantemente atual e a sua apresentação da “lógica do mal” também é impressionante.
Evangelho (Marcos 9:30-37):
O evangelho de hoje contém duas partes ou subseções: 9:30-32 e 9:33-37. Embora tenham certa autonomia literária, é importante não descurar a relação entre os dois.
O primeira parte nos apresenta novamente a Jesus a caminho, viajando pela Galiléia com seus discípulos. E no caminho faz o segundo anúncio da paixão: “O Filho do Homem será entregue nas mãos dos homens; matá-lo-ão e três dias depois da sua morte ressuscitará” (9,31). A reação dos discípulos é então descrita: eles não entendem e têm medo de perguntar.
Segundo J. Gnilka[2], este medo de fazer perguntas «destina-se a caracterizar o seu medo do sofrimento. Embora pareçam movidos por um medo sagrado (cf. 4,41), prefeririam não ter ouvido a palavra ." M. Navarro Puerto[3], biblista e psicólogo, acredita de maneira semelhante: “Se têm medo de perguntar a Jesus, é porque possivelmente temem saber mais, talvez ficando mais ansiosos, de modo que a inibição aparece como uma defesa contra a dor ou sofrimento que implica informações maiores e mais claras”.
Uma nova indicação geográfica, a chegada à casa de Cafarnaum, dá início ao segunda parte da narrativa (9,33-37). Agora Jesus toma a iniciativa de perguntar aos seus discípulos sobre o tema da conversa-discussão deles ao longo do caminho. A resposta dos discípulos é um silêncio culpado porque estavam discutindo sobre quem era o maior entre eles.
Do que se segue parece que Jesus já conhecia o tema da discussão, porque embora não seja aqui explicitado, o evangelista já havia notado a capacidade de Jesus de ler os pensamentos do coração dos homens (cf. Mc 2,8; 8,17). . Por isso vai direto à questão, e o faz assumindo a postura de um professor: senta-se e chama os Doze para ouvi-lo. Seu ensinamento é: “Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos”.
Não fica evidente no texto se isso primazia O que os discípulos procuram é uma questão de poder ou honra. Eles possivelmente andam de mãos dadas. O adjetivo ordinal protos tem o sentido de “primeiro” em uma ordem; e referido às pessoas em Mc 6,21 é aplicado aos “principais” da Galiléia como às pessoas mais importantes. O contrário seria ser o último, como aparece na repetida frase do Evangelho: “Muitos dos primeiros serão últimos e os últimos serão primeiros” (Mc 10,31).
Mais tarde, numa cena semelhante do mesmo evangelho, quando Tiago e João pedem a Jesus posições de honra (sentar-se à direita e à esquerda na sua glória, 10:37), ele responde comparando o desejo de ser grande (mega) com o desejo de ser o primeiro (protós); e contrastando as demandas de se tornar servidor (estudante) e escravo (doulos) de todos: “Quem quiser ser grande, torne-se vosso servo; e quem quiser ser o primeiro, torne-se escravo de todos, porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mc 10,43-45). Neste texto duas coisas nos são esclarecidas. Em primeiro lugar, Jesus pergunta aos discípulos o que ele próprio vive: não para ser servido, mas para servir. Em segundo lugar, entendemos que a pretensão de ser o primeiro implica a pretensão de ser servido, de receber honras e atenção; e que, pelo contrário, o convite de Jesus a ser servo implica dar a vida pelos outros.
A este respeito, M. Navarro Puerto[4] observa: “Jesus não começa a sua lição dizendo demagogicamente que não se deve reivindicar o primeiro lugar.quem quiser ser o primeiro...) a sua lição consiste numa inversão paradoxal, deslocando a questão para como: para ser o primeiro é preciso tornar-se o último. Esta última é considerada uma conquista, como efeito do desejo de ser o primeiro. E sobre o quê, primeiro em quê e para quê, diz a lição de Jesus que consiste em ser servo de todos.
Resumindo, Podemos presumir que a discussão dos discípulos era sobre quem era o mais importante entre eles, com o consequente privilégio de poder e honra sobre os outros, que advém do fato de serem cuidados ou servidos. No seu ensinamento Jesus assume, de certa forma, a validade deste desejo profundamente humano de ser mais (“se quiser”); mas orienta ou canaliza-o para dar aos outros. Significa que é mais importante, grande ou primeiro, não aquele que recebe honras ou é servido por causa de sua condição; mas quem serve, quem se entrega aos outros.
Jesus completa então esta solene declaração com um gesto: pega numa criança, coloca-a no meio e abraça-a. Este gesto impressiona-nos hoje pela sua ternura. Mas é importante notar, como nos informa J. Gnilka[5], que a avaliação das crianças naquela época era bastante neutra ou negativa, uma vez que eram vistas como inacabadas, sem prudência, propensas ao mal e necessitadas de correção severa. . por parte de Deus e dos homens (cf. Is 3,4; Sb 12,24; 15,14; 2 Reis 2,23; Eclo 30,1-13). Da mesma forma, F. Lentzen-Deis diz que: “naquela época, as “crianças” não eram sujeitos de direitos, não podiam prescindir da ajuda, proteção e orientação dos pais e dos mais velhos. Jesus tirou esta criança das margens da comunidade familiar da casa, dos “últimos” em posição e importância segundo o costume da época”[6]. Assim, o significado do gesto de Jesus é que ele abraça e identifica-se com aquele que não tem valor nem conta aos olhos dos outros porque não tem poder.
As palavras de Jesus que se seguem confirmam este significado do sinal: Jesus se identifica com as crianças e, quem recebe uma criança “em seu nome”, recebe a si mesmo e ao Pai que o enviou. Desta forma mostra aos Doze que devem abraçar, identificar-se com o que é pequeno, com o que não vale, e dedicar-se ao serviço dos menos considerados da comunidade. Quem fizer isso será o primeiro e o maior.
É claro que Jesus tem um conceito de grandeza e primazia muito diferente do que o mundo tem.. Sobre o impacto destes valores na realidade do tempo de Jesus, B. Malina[7] afirma: “A inversão que Jesus faz da ordem de preferência que se poderia esperar socialmente representa um desafio radical às ideias que eram cultivadas em sua sociedade sobre os valores. “As crianças eram os membros mais vulneráveis da sociedade.”
O resumo desta perícope de J. Gnilka[8] é muito claro: “É preciso cuidar daqueles que são desprezados. Em vez de buscar egoisticamente o ganho pessoal, o discípulo deve esquecer-se de si mesmo e ajudar aqueles que não têm privilégios, e não de cima. , mas – como Jesus fez – segurando amorosamente a criança nos braços”.
Relacionando as duas partes da perícope, podemos ousar fazer duas afirmações. Primeiro, o contraste entre o que Jesus diz aos seus discípulos, ao falar-lhes da sua paixão, morte e ressurreição em Jerusalém; e o que seus discípulos têm no coração porque discutem entre si sobre quem é o mais importante no grupo. A dessincronização ou falta de sintonia é muito acentuada.
Em segundo lugar, a atitude de serviço, de dedicação em favor dos outros, seria o modo concreto como os cristãos devem assumir todos os dias o caminho da cruz.
ALGUNS PENSAMENTOS:
Como no domingo passado, a atualização deste evangelho tem dois canais: um pessoal e outro pastoral.
A nível pessoal Notamos antes de tudo a proclamação, por parte de Jesus, do mistério pascal como centro do Evangelho. No caminho para Jerusalém, caminho indubitavelmente discipular, Jesus anuncia três vezes com exclusividade ao seu povo o mistério da sua morte e ressurreição. Portanto Você se torna discípulo de Jesus na medida em que escuta, aceita pela fé e põe em prática o mistério pascal na sua própria vida.
Recordemos que o mistério pascal inclui, sem possibilidade de separação, a morte e a ressurreição. A morte como caminho, a ressurreição como meta final.
Mas um problema recorrente na aceitação e vivência do evangelho é que Jesus nos fala de forma clara e direta sobre o caminho da cruz, e a nossa reação espontânea é o medo; medo do sofrimento e medo da morte. E isso não é fácil de lidar.
A isto podemos acrescentar, num segundo momento, que o ensinamento de Jesus muitas vezes contradiz o que o mundo nos diz; aos valores do nosso meio ambiente. Por exemplo: quem são os mais importantes aos olhos do mundo? Quem é apresentado como “vencedor” na mídia? A resposta é óbvia: os ricos, os poderosos, os famosos. Pelo contrário, Jesus diz-nos que o primeiro e o mais importante é aquele que escolhe ser o último e o servo de todos.
Este ensinamento de Jesus implica uma clara inversão dos valores culturais comumente aceitos. Portanto, é possível que isso tenha aprofundado a falta de compreensão dos discípulos. Com efeito, na raiz desta incompreensão dos discípulos está o choque entre a novidade do Reino que Jesus procura estabelecer e os interesses meramente humanos. Enquanto os discípulos procuram a glória, Jesus pede-lhes que sejam os últimos; Embora entendam o poder em termos de domínio, Jesus o entende como serviço; À medida que procuram a sua própria segurança e bem-estar, Jesus fala-lhes sobre perderem-se, sobre desistirem da busca individualista do interesse próprio.
A este respeito, o Papa Francisco disse no Angelus de 19 de setembro de 2021: “Hoje em dia a palavra “serviço” parece um pouco desbotada, desgastada pelo uso. Mas no Evangelho tem um significado preciso e concreto. Servir não é uma expressão de cortesia: é faça como Jesus, que, resumindo a sua vida em poucas palavras, disse que veio “não para ser servido, mas para servir” (Mc 10.45). Assim disse o Senhor. Portanto, se quisermos seguir Jesus, devemos seguir o caminho que Ele mesmo traçou, o caminho do serviço. A nossa fidelidade ao Senhor depende da nossa vontade de servir. E isso é difícil, sabemos, porque “tem gosto de cruz”. Mas à medida que crescemos no cuidado e na disponibilidade para com os outros, tornamo-nos mais livres por dentro, mais parecido com Jesus. Quanto mais servimos, mais sentimos a presença de Deus. Especialmente quando servimos aqueles que nada têm para nos retribuir, os pobres, abraçando as suas dificuldades e necessidades com terna compaixão: e aí descobrimos que, por sua vez, somos amados e abraçados por Deus.”.
Diante dessa realidade de busca por poder e posições de honra, que é a nossa realidade, o pedagogia de Jesus É resgatar o desejo natural de ser mais, não de simplesmente consentir nele, mas de conduzi-lo aos valores do Reino que Ele mesmo encarna em sua própria vida. A este respeito, destaca Mons. Uriarte.9: "No coração humano reside um desejo saudável e nobre de realização pessoal. Não devemos escandalizar-nos com as nossas aspirações, basta passá-las pelo crivo do Evangelho. Este desejo de realização pessoal é um nobre desejo antropológico. Só uma má ascese, baseada no desprezo pelo que é humano e que nada tem a ver com o Evangelho de Jesus, pode anatematizar este saudável desejo do coração humano de se realizar plenamente. Mas esse desejo costuma ser exorbitante. Seja pela vontade excessiva de brilhar, seja pela tentação de competir, seja pela ambição de poder, seja pela paixão de dominar, seja pela fúria do gozo. Todas essas paixões podem superar o desejo de autorrealização.".
UM nível pastoral A actualização deste evangelho, especialmente da sua última parte, seria uma clara reafirmação da opção preferencial pelos pobres, também contrária ao "pensar segundo os homens", razão pela qual implica, da nossa parte, uma conversão pastoral. Jesus abraça e identifica-se com uma criança, com a qual não conta nem vale a pena. Portanto, há nos pequenos uma presença particular de Jesus, a quem somos convidados a servir neles, em seu nome. Já Bento XVI, em Deus é Amor nº 15 expressou: “Jesus se identifica com os pobres... Nos mais humildes encontramos o próprio Jesus e em Jesus encontramos Deus”. De certo modo, a cena de Jesus abraçando uma criança apresenta uma grande semelhança com a do julgamento final, em que Jesus se identifica com aqueles que sofrem necessidade (cf. Mt 25, 31-46).
No seu voo para o Reino Unido, os jornalistas perguntaram a Bento XVI: “Pode-se fazer algo para tornar a Igreja, como instituição, mais credível e atraente para todos?". Ao que o Papa respondeu: "Eu diria que uma Igreja que procura acima de tudo ser atraente já estaria no caminho errado, porque a Igreja não trabalha por si mesma, não trabalha para aumentar os seus números e, portanto, o seu próprio poder. A Igreja está ao serviço do outro: não serve para si mesma, para ser um corpo forte, mas serve para tornar acessível o anúncio de Jesus Cristo, das grandes verdades e das grandes forças do amor, do amor à reconciliação que foi apresentado nesta figura e que vem sempre da presença de Jesus Cristo. Neste sentido, a Igreja não procura a sua própria atratividade, mas deve ser transparente para Jesus Cristo e, na medida em que não existe por si mesma, como um corpo forte e poderoso no mundo, que quer ter poder, mas seja simplesmente voz do outro, torna-se verdadeiramente transparente à grande figura de Cristo e às grandes verdades que ele trouxe à humanidade. A força do amor, naquele momento, é ouvida, aceita. A Igreja não deve considerar-se a si mesma, mas antes ajudar a considerar o outro e a si mesma ver e falar do outro e para o outro".
Finalmente, peçamos ao Senhor que aumente a nossa fé. Porque a fé como confiança total em Jesus é a força que nos permite superar o medo da morte, raiz de todos os medos. E a fé é também o que supera os valores do mundo, como lemos em 1Jo 5,3-4: “O amor de Deus consiste em cumprir os seus mandamentos, e os seus mandamentos não são um peso porque quem é nascido de Deus vence o mundo. E a vitória que triunfa sobre o mundo é a nossa fé”.
E peçamos também ao Espírito Santo que conceda a toda a sua Igreja uma autêntica conversão pastoral.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
O segredo
Você é o primeiro, por ser o último
Seu exemplo é o único,
Ignorado e rejeitado pelo seu próprio povo
É difícil para nós aceitarmos essa posição.
Em nossa fraqueza esse risco aumenta
Os doentes, os idosos, os sem-abrigo...
Estamos esquecidos para sempre
Ou pelo menos ignorado por um tempo.
Mais cedo ou mais tarde
Todos nós passamos por isso.
E se por sua graça, olharmos para cima
Crucificado e ressuscitado nós vemos você
Ganhamos força e recuperamos o fôlego
Porque você certamente sopra em nós
E você se aproxima nas ruas,
Nos hospitais, na prisão, numa cama suja...
Quem será o primeiro, Senhor!
Discutiremos febrilmente em um processo
Veremos muito pouco desse triunfo, irmãos!
O segredo é tornar-se pequeno. Amém
[1] Meditazione sul libro della sapienza (Queriniana; Brescia 1985) 40.
[2] El evangelio según san Marcos Vol. II (Sígueme; Salamanca 1993) 62.
[3] Marcos (Verbo Divino; Estella 2006) 336.
[4] Marcos (Verbo Divino; Estella 2006) 339.
[5] El evangelio según san Marcos Vol. II (Sígueme; Salamanca 1993) 65.
[6] Cf. Fritzleo Lentzen-Deis, Comentario al evangelio de Marcos (Verbo Divino; Estella 1998) 292.
[7] Cf. Los evangelios y la cultura mediterránea del siglo I. Comentario desde las Ciencias Sociales (Verbo Divino; Estella 1996) 184.
[8] El evangelio según san Marcos Vol. II (Sígueme; Salamanca 1993) 66.
[9] El presbítero, Signo Sacramental de Cristo Buen Pastor (Buenos Aires 2002) 22.