08/09/2024
LINK AUXILIAR:
1ª Leitura: Isaías 35,4-7a
Salmo Responsorial 145(146)-R- Bendize, ó minha alma ao Senhor. Bendirei ao Senhor toda a vida!
2ª Leitura: Tiago 2,1-5
Evangelho Marcos 7,31-37
Naquele tempo: 31Jesus saiu de novo da região de Tiro, passou por Sidônia e continuou até o mar da Galiléia, atravessando a região da Decápole. 32Trouxeram então um homem surdo, que falava com dificuldade, e pediram que Jesus lhe impusesse a mão. 33Jesus afastou-se com o homem, para fora da multidão; em seguida colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele. 34Olhando para o céu, suspirou e disse: 'Efatá!', que quer dizer: 'Abre-te!' 35Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade. 36Jesus recomendou com insistência que não contassem a ninguém. Mas, quanto mais ele recomendava, mais eles divulgavam. 37Muito impressionados, diziam: 'Ele tem feito bem todas as coisas: Aos surdos faz ouvir e aos mudos falar'. Palavra da Salvação.
Mc 7,31-37
Chamo a atenção para alguns gestos que Jesus realiza na cura do surdo mudo: Jesus afastou-se com o homem, para fora da multidão: em seguida colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou na língua dele. Olhando para o céu, suspirou e disse: Efatá – Abre-te!
Por que tudo isso? Não bastava – como fez em outras ocasiões – uma palavra de Jesus? Não bastava ter dito Efatá?
Ao invés disso, afastou-se com o doente, colocou os dedos nos ouvidos dele e tocou-lhe a língua com a saliva. Tratava-se de gestos mágicos?
Jesus não quer usar de magia. Os gestos de Jesus demonstram a atenção dele para com o surdo-mudo. Para os casos de pessoas que ouvem, bastava uma palavra de Jesus, mas para um surdo, Jesus precisa dos gestos para que o surdo fazê-lo entender o que pretende curá-lo da surdez e da mudez. Com efeito, o surdo não tinha condições de entender o que Jesus iria fazer a não ser através dos gestos.
Além disso, os gestos de Jesus demonstram que a cura do surdo é custosa e difícil. Com efeito, o surdo vive isolado e fechado em si mesmo; não tem a capacidade de se comunicar e, por isso, sequer consegue formular o pedido de ajuda. São os outros que precisam interceder por ele.
Os gestos de Jesus demonstram também que a cura do surde exige recolhimento e relação pessoal. Não dá para fazer isso no meio da massa. O surdo precisa ser interpelado pessoalmente para que compreenda e seja curado. Esse é um aspecto próprio das curas de Jesus: ele sempre se dirige a consciência das pessoas. Não realiza curas como meio para dominar as pessoas.
Não devemos, no entanto, ficar só na cura física. Este relato chegou até nós porque ele tem valor salvador para nós. Por isso é preciso passar do sinal visível para o mistério da salvação.
Como a cura do surdo-mudo evidencia: nós só podemos falar se ouvirmos. Sem ouvir, a fala fica comprometida. Com muito mais razão ainda: nós só podemos comunicar a Palavra de Deus, se antes a ouvirmos. Se não somos capazes de receber a Palavra, também não poderemos anunciar a Palavra.
O milagre do surdo-mudo ilustra o caminho de fé que devemos trilhar. 1. Jesus nos separa da multidão: a fé é um dom absolutamente pessoal; não é um dom dado à massa; antes, é a fé que nos personaliza. 2. Jesus coloca seus dedos em nossos ouvidos para que possamos ouvir e para que, ouvindo, sejamos transformados no que ouvimos: tornamo-nos ouvintes da Palavra. 3. Jesus toca a nossa língua para que ela fale do que o coração está cheio. 4. Jesus suspira, olha para o Pai e diz Efatá: tendo aberto nossos ouvidos podemos nos comunicar com Deus e com os irmãos; trata-se de uma nova vida que começa; é nossa libertação do isolamento para a comunhão com Deus e com os irmãos.
É urgente que nós ouçamos o que Jesus nos fala hoje. Vivemos tempos difíceis para a Igreja. E isso exige de nós agir com lucidez e responsabilidade. Mas para isso é preciso ouvir o que o Espírito diz à Igreja e obedecer. Seria uma tragédia viver como surdos: fechados em nós mesmos; indiferentes a Deus e aos irmãos. Peçamos a Jesus que nos cure da nossa surdez espiritual.
23° DTComum – Mc 7, 31-37 - ciclo B – 08-09-24.
“Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar” (Mc 7,33)
O relato do evangelho deste domingo é como se fosse um “ritual ou sacramento de iniciação à palavra”. Para compreender a parte anterior do evangelho de Marcos e para acompanhar Jesus no seu caminho posterior, é necessário abrir os ouvidos e a língua, aprendendo a escutar e a falar.
Para aquela cultura do tempo de Jesus o fato de uma pessoa ser surda, muda ou cega, não era simplesmente uma questão de saúde, mas um problema religioso. Essa carência física era sinal de que Deus a tinha abandonada. Se Deus a abandonara, a instituição religiosa estava obrigada a fazer o mesmo. Era, portanto, marginalizada pela religião; e isto era a maior desgraça que podia acontecer a uma pessoa.
Jesus, com sua atitude e seus gestos terapêuticos, revela que Deus está mais próximo dos marginalizados, daqueles que sofrem. Ao curar, Ele os arranca de sua marginalização religiosa, demonstrando que Deus não marginaliza ninguém e que a religião não atua em seu nome.
O evangelho de João começa dizendo que “no princípio era a Palavra”, e que a Palavra era Deus, para depois acrescentar: “... e a palavra se fez carne” (Jo 1,14). Pois bem, o evangelho de Marcos continua dizendo que Jesus “veio ao mundo” precisamente para que homens e mulheres pudessem viver sua verdadeira identidade, ou seja, na sua essência, ser palavra oferecida, partilhada, escutada... Em sentido mais profundo, nascemos da palavra, nela existimos, nos movemos e somos, como seres de linguagem.
Este é o maior de todos os milagres: que homens e mulheres aprendam a escutar e responder, sendo o que são, “palavra feito carne” no tempo. Assim nos mostra o relato da cura de um surdo-mudo na região da Decápole, a quem Jesus abre os ouvidos e desata a língua para que pudesse escutar a palavra, dizê-la e dizer-se, partilhando assim sua vida com os outros.
De Jesus foi dito que “passou pela vida fazendo o bem” (At 10,38). Defendeu sempre as pessoas, frente à tirania das autoridades religiosas, das normas e tradições, apostando por sua dignidade. No encontro com Ele, muitas pessoas se sentiram reconhecidas, pois Ele sabia olhar o coração de cada uma delas; elas também se sentiram libertadas das escravidões de todo tipo e impulsionadas a viver com mais intensidade, saindo de sua situação tão desumana.
“Trouxeram-lhe um homem surdo (não é capaz de escutar a palavra), que falava com dificuldade...” (tem a língua presa). É um enfermo de comunicação: não pode falar corretamente, nem se expressar com desenvoltura, não pode escutar a voz de Deus, nem se comunicar de verdade com os outros. No fundo, é um escravo de sua própria surdez e mudez: não consegue entender o que dizem, não pode se manifestar.
O enfermo é a expressão de uma humanidade que não tem acesso à palavra: as leis religiosas lhe impedem entender e falar, fazendo-o puro espectador em um sistema onde outros pensam e decidem em seu nome, mantendo-o fechado em si mesmo.
Aqueles que trouxeram o surdo-mudo até Jesus são anônimos; não sabemos quem são, se eram familiares ou amigos, nem sequem quantos formavam o grupo. O que podemos intuir é que estas pessoas buscaram o melhor modo de ajudar a quem tinha dificuldade e foram capazes de se organizar para isso. Não pediram algo para si mesmos, mas o bem para quem estava mais ferido em sua dignidade.
O surdo-mudo deixou-se ajudar e acompanhar pelos outros. Porque, às vezes, alguém está tão bloqueado que não pode, por si mesmo, sair da situação na qual se encontra. Se o surdo foi apresentado diante de Jesus é porque também ele se deixou apresentar.
Nesta expressão encontramos o valor da amizade, a força do grupo ou da comunidade. Todos precisamos uns dos outros! Quanto bem podemos fazer uns aos outros!
Marcos supõe que este enfermo, embora tivesse amigos que o levaram ao lugar onde estava Jesus, não tinha recebido ainda uma devida atenção pessoal. Pois bem, Jesus a oferece, pela primeira vez, respondendo ao desejo daqueles que o trouxeram: o acolhe, o toma consigo e lhe trata como irmão/amigo, iniciando uma terapia de proximidade e conversação simbólica, numa linha de humanidade básica (que possa ouvir, que possa falar!). Jesus não lhe ensina nenhuma doutrina e nem lhe complica a vida com leis e normas mais pesadas. Realiza numerosos gestos significativos: tira a pessoa do entorno no qual se mantinha surda e com dificuldades para falar, afastando-a um pouco do grupo; toca-lhe os ouvidos, a língua, os órgãos do corpo onde se manifesta o bloqueio; eleva seus olhos ao céu como expressão de oração, de sintonia permanente com seu Abba.
“Ephathá!” (abre-te), é a única palavra que Jesus pronuncia neste relato. Só pronuncia uma palavra e, surpreendentemente, não é “ouve”, “escuta” ou “fala” ... É “abre-te”.
Por meio de seus gestos e palavra (por sua vida inteira) Jesus pôs em marcha um processo definitivo de comunicação, semeando “a palavra”, isto é, fazendo com que os homens e as mulheres pudessem ouvir e falar. Jesus não impõe aos surdos-mudos um tipo de palavra (não os obriga a pensar e falar de uma maneira), mas faz algo muito mais profundo: oferece a eles uma possibilidade de comunicação, para que sejam eles mesmos os que falam, os que expressam em suas ideias e sentimentos.
“Ele tem feito bem a todas as coisas”: esta é a experiência que Jesus nos oferece. Ao encontrar-nos com Ele, sua força sanadora rompe nossas ataduras e bloqueios. Assim como o homem do evangelho, também nós experimentamos nossa língua se desatar e poderemos, assim, pronunciar nossa própria palavra. Uma palavra que se multiplica no encontro com os outros.
A escassez de escuta na comunicação humana atual é talvez causa e consequência desse excesso de palavras que padecemos. Causa, porque ao não sentirmos escutados, pensamos que falando mais talvez consigamos fazer chegar algo ao nosso interlocutor. Consequência, porque frente tal torrente de palavras optamos por não escutar, já que não somos capazes de assimilar tanta informação.
Precisamos abrir o nosso mundo interior para fazer chegar aí um pouco de luz. Isso significa olhar, reconhecer, nomear e acolher tudo o que se move no campo dos sentimentos e das emoções. Implica também abri-lo para reconhecer nossa sombra e abraçá-la. Porque só o encontro com tudo isso tornará possível viver de maneira integrada, unificada, harmoniosa, serena e criativa.
É preciso ter vivido este tempo interior gratuito para saber escutar. Um trabalho para toda a vida. É quando estamos preparados para saber escutar o outro.
Mas é preciso saber ativar a capacidade de escuta. É uma atitude sábia, ou seja, escutar com atenção, seguir as razões ou a argumentação do outro. Não confundir escutar com ouvir: ouvir vozes, ouvir movimento das cordas vocais, ouvir falar… Ouvir faz referência ao ato simples, desnudo, de perceber um som; escutar é o ato reflexo, consciente, atento, desse ouvir. Acontece com frequência que escutamos sem ouvir, do mesmo modo que também ouvimos sem escutar. Chegam até nós os sons do falar alheio, ouvimos seus ruídos, mas não suas palavras.
As palavras só se abrem para a escuta. Saber escutar é saborear o que o outro diz; e isto pede, em primeiro lugar, ter aprendido a escutar-se a si mesmo.
Para meditar na oração:
Em nosso contexto, há uma doentia “surdez” generalizada alimentada pelas “redes sociais”; escuta-se atentamente os aparelhos eletrônicos, mas não as pessoas; escasseia-se uma atitude de escuta das carências e das palavras dos outros; atrofia-se a capacidade de escuta dos sofrimentos e dos sentimentos dos demais; distancia-se da escuta da Palavra de Deus. É por isso que, vivendo numa sociedade da comunicação, nos sentimos incomunicáveis; numa sociedade de ruídos, e vivemos todos sem nos escutar.
- Na cultura do ruído e do palavreado crônico como a nossa, o silêncio nos aterroriza, porque o confundimos com o mutismo. Ouvidos saturados de ruídos não podem perceber o som do Silêncio.
- O que está surdo e mudo em você? Como se manifesta?
- Você vive em atitude de abertura e sensibilidade diante daqueles que não tem voz nem vez?
Neste domingo, continuamos nossa leitura do Evangelho de Marcos. No início de sua jornada por terras estrangeiras, Jesus conheceu uma mulher cananeia, pagã por sua religiosidade e siro-fenícia por sua nacionalidade, que lhe deu uma nova perspectiva sobre sua missão. Os pagãos também são destinatários da mensagem do Reino de Deus.
O texto do Evangelho que meditamos hoje nos diz que “Jesus saiu de novo da região de Tiro, passou por Sidônia e continuou até o mar da Galileia, atravessando a região da Decápole”. Apresenta Jesus como um viajante, como um peregrino que atravessa diferentes regiões para chegar a um determinado lugar. Ele está na terra dos pagãos e pretende voltar para a Galileia e, para isso, precisa atravessar a Decápole.
Em seu caminho, ele é abordado por um homem que fala com dificuldade e lhe é pedido que imponha as mãos sobre ele para que seja curado.
Jesus afastou-se com o homem, para fora da multidão; em seguida, colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele
A história nos permite recriar a cena em que vemos Jesus, com o homem, afastando-se da multidão. O que ele está prestes a realizar é algo “pessoal”, reservado para esse homem que não ouve e fala com dificuldade. Não é um milagre para alimentar a curiosidade, mas responde a uma necessidade pessoal e muito particular. Jesus estabelece uma relação pessoal com ele, com seus desejos, seus anseios mais profundos, e realiza um gesto que, sem dúvida, chama a atenção por sua particularidade: coloca os dedos em seus ouvidos e toca sua língua com a saliva. Jesus não apenas se afasta do homem, mas, com sua própria mão, toca os lugares feridos em seu corpo, ele vai diretamente àquela impossibilidade de se comunicar com outras pessoas, tanto ouvindo quanto falando.
No texto anterior a essa história, a mulher cananeia havia conseguido abrir os ouvidos de Jesus para seu pedido de ajuda, ampliando o horizonte de sua missão. Jesus aceita a súplica da mulher e, assim, pronuncia as palavras que ela tanto queria: “Pelo que disseste, podes ir, porque o demônio saiu de tua filha”. Jesus abriu os ouvidos e se deixou ouvir pelo clamor do povo pagão e, a partir desse momento, sua palavra se torna uma palavra ampliada, que não tem um limite estabelecido pela religião judaica, mas será proclamada a todos os povos ao seu redor. Assim, quando esse homem surdo que fala com dificuldade se aproxima, Jesus percebe e aceita seu clamor de uma maneira diferente, e pode ouvir sua voz mesmo que ele a pronuncie com dificuldade. As palavras da mulher despertaram nele uma nova sensibilidade e uma sensibilidade para reconhecer a origem do problema que, nesse momento, assedia esse homem, que é um sinal de tantas pessoas oprimidas e marginalizadas cujos gritos não são ouvidos.
Jesus se deixou desafiar pelo grito da mulher cananeia e, a partir dessa nova sensibilidade, pôde tocar com os dedos os ouvidos do homem surdo para que seus ouvidos se abrissem à palavra dela: "Efatá!", que quer dizer: "Abre-te!". Não é uma palavra mágica, mas é a voz que emerge de uma interioridade impregnada dos sons de quem foi impregnado pela realidade crua da marginalização, do desprezo, daqueles que foram considerados indignos.
Depois de abrir os ouvidos ao primeiro apelo, ele não pôde mais ficar indiferente às inúmeras pessoas “surdas” e com deficiência auditiva que encontrou pelo caminho. Novas realidades começaram a povoar sua interioridade com sons variados e novos gemidos. Quando abrimos nossos olhos e ouvidos já não há possiblidade de fechá-los.
Alguns tentam ser indiferentes, negando a dura realidade que os cerca, cobrindo os olhos com grandes vendas, fechando os ouvidos e andando como cegos e surdos em seu pequeno mundo protegido por muros altos para que os gritos de socorro de nossos irmãos e irmãs não cheguem até eles. Prisões pequenas, mas confortáveis, cercadas por muros altos, que exalam cheiros ricos, sons pacíficos que não perturbam a aparente tranquilidade, que nos encerram em um micromundo do qual não se pode sair porque se corre o risco de perder aquilo que se considera valioso! São grupos auto excluídos que escolhem um recinto que traz uma aparente tranquilidade, mas que, na realidade, exige cuidado constante para que nenhum clamor possa se infiltrar e causar desconforto...
Diante desta situação o Papa Francisco expressou sua “perplexidade com o nível de indiferença a que chegamos diante de um irmão que vive à margem da sociedade”. E ele se perguntou "Como é que deixamos que a 'cultura do descarte', na qual milhões de homens e mulheres não valem nada em relação aos benefícios econômicos, como é que deixamos que esta cultura domine as nossas vidas, as nossas cidades, o nosso modo de vida?"
Fazemos nossa sua advertência sobre o risco de “desviar o olhar para não ver esta situação” e seu pedido para no “tornar invisíveis" os que estão à margem da sociedade, seja por motivos de pobreza, seja por motivos de dependência, doença mental ou deficiência. "Rezemos para que as pessoas que vivem à margem da sociedade, em condições de vida desumanas, não sejam esquecidas pelas instituições e jamais sejam consideradas descartáveis", é o apelo final de Francisco (cf. Francisco: por favor, “paremos de tornar invisíveis os que são descartados”. O vídeo do Papa)
Neste domingo, pedimos ao Senhor que abra nossos ouvidos para ouvir os gritos de tantas pessoas que vagueiam por nossas cidades e que sejamos portadores de uma palavra profética que grite “abre-te” aos que tentam silenciar esses gritos.
- tradução Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
De repente, nos tornamos surdos aos gritos dos que sofrem, dos que passam fome, dos homens, mulheres e crianças praticamente reduzidos à escravidão. E permanecemos mudos ao invés de tomar a sua defesa: será que não temos “outra coisa a fazer”?
Temos dificuldade em compreender porque os textos evangélicos insistem tanto na geografia. Para os primeiros cristãos isto devia ter um significado maior do que para nós. A Decápole, na origem, era a confederação de dez cidades de cultura grega, a sudeste do Lago de Tiberíades. Os judeus eram ali pouco numerosos. E o que Jesus foi fazer lá? Não foi ele enviado apenas “aos filhos perdidos da casa de Israel”, como ele mesmo disse à cananéia que lhe pediu para curar a filha endemoninhada (Mateus 15,24)? Em Marcos, a passagem paralela a esta vem imediatamente antes do texto de hoje. Os evangelistas insistem, pois, nesta expedição de Jesus a um país pagão. Mas as palavras e os atos de Jesus se destinavam a revelar aos judeus que os anúncios feitos pelos profetas haviam se cumprido e que Deus tinha vindo visitar seu povo. Como Jesus fosse “Filho de Davi”, sua obra devia dizer respeito a Israel apenas. Por isso talvez é que ele leve o surdo-mudo “a sós, para longe da multidão”. E por isso também Marcos insiste na advertência de que não se divulgue a cura realizada. Devemos perceber que existe aí algo de muito importante: diante do sofrimento humano, seja lá qual for a cultura, pertencimento ou religião da pessoa que sofre, o Cristo não pode deixar de intervir. Ele vai além dos limites da sua missão. Não há então mais nenhuma regra, nem Lei, nem fronteiras. Deus é amor, nada mais que amor. E o amor não se justifica nem tem que se justificar. A cura deste estrangeiro pode nos ajudar a descobrir a gratuidade de nossas existências.
Que gestos mais estranhos!
Em geral, basta uma palavra de Jesus para que a cura se realize. Mesmo assim, nem sempre ela é atribuída à ação de Jesus, mas à fé do beneficiário. Lembremos todos os “a tua fé te salvou” que encontramos nos evangelhos. Aconteceu até mesmo de a cura ter sido obtida à distância, como o servo do centurião (Mateus 8,15 e Lucas 7,6): Jesus nem chegou a ver aquele homem. Neste caso, “trouxeram-lhe um surdo-mudo” para que impusesse as mãos sobre ele, gesto muito frequente e carregado de significação. Antes de qualquer coisa há o contato, que é uma espécie de benção. O contato sugere que alguma coisa passe de um para o outro. É um gesto tão eloquente quanto o de tomar pela mão uma pessoa prostrada para fazê-la levantar-se (Mateus 9,25): é uma ressurreição. Mais surpreendentes ainda são a cura da mulher que toca as vestes de Jesus sem que ele saiba ou sem que o perceba (Mateus 9,20) e esta cura aqui, do surdo-mudo de nossa leitura. Há quem pense em magia. Já a imposição das mãos pode ser tomada, de um modo meio torto, como sendo um rito eficaz por si mesmo. De fato, este gesto é uma linguagem que diz muito de um conviver entre quem realiza e quem recebe. Significa o dom que aquele que produz a cura faz de seu próprio poder: dom de si mesmo. Temos aí uma das formas do amor. Os gestos de Jesus para com o surdo-mudo podem ser tomados nesse mesmo sentido. Jesus passa a si mesmo para o corpo da pessoa enferma. Daí para frente a pessoa irá ouvir com os ouvidos de Jesus e falar por sua boca.
Ouvir e falar
Os milagres de Jesus são sinais: seu significado ultrapassa a sua materialidade. As doenças e enfermidades que eles curam são “teológicas”. Quem é que tem ouvidos e não escuta, tem boca e não fala, tem olhos e não vê? É, em primeiro lugar, o ídolo. Mas o que é o ídolo? É, em última instância, a imagem idealizada de si mesmo. Mas, se um ídolo ganha a aparência da pessoa que o construiu e é esta pessoa que lhe presta culto, esta mesma irá acabar se parecendo com aquela imagem: também ela tem boca, mas não fala; tem ouvidos, mas não ouve (ver Salmo 115 e 135). Em que isto pode se referir a nós, ou à maior parte de nós, que não adoramos estátuas? Ora, podemos muito bem sacrificar tudo à imagem mental que fazemos de nós mesmos, ao culto de nossa importância social, de nossa conta bancária, de nossa notoriedade, da autoridade que exercemos sobre os subalternos. Assim, consumismo, dinheiro e influência podem se tornar equivalentes aos ídolos. Tanto como as ideologias, estes ídolos sangrentos. De repente, nos tornamos surdos aos gritos dos que sofrem, dos que passam fome, dos homens, mulheres e crianças praticamente reduzidos à escravidão. E permanecemos mudos ao invés de tomar a sua defesa: será que não temos “outra coisa a fazer”? Jesus vai até à Decápole, praticamente ao estrangeiro, para curar um pagão de seu fechamento, de sua dificuldade em se relacionar, escutar, trocar palavras com os outros. E o que diz Jesus para curá-lo?“Abre-te.” É todo um programa!
“Ele tem feito bem todas as coisas: aos surdos faz ouvir e aos mudos falar” (Mc 7, 31-37).
Neste 23º.Domingo, vamos encontrar Jesus ainda em terras estrangeiras. Ele sai de Tiro, território dos fenícios e cananeus, passa por Sidônia e pelas montanhas da Decápole e ruma para o Lago de Genesareth. À beira do lago, logo se aglomera uma multidão. Trouxeram a ele um homem surdo e gago e pedem que lhe imponha as mãos.
Jesus o leva à parte sozinho, coloca os dedos nos seus ouvidos. Pega depois um pouco de saliva e toca sua língua. “Olhando para o céu suspirou e disse, ‘Efata’, que quer dizer ‘abre-te’. Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade” (7, 34- 35).
Nos tempos em que vivemos, estamos perdendo a capacidade de ouvir, de colocar-nos à escuta dos que clamam e vamos nos fechando em nossas casas e em nossos mundos. Muros cada vez mais altos em volta das casas, condomínios fechados e isolados são sintomas de pessoas e sociedade adoecidas, que renunciaram à comunicação e se fecham na indiferença, no medo ou na hostilidade ao diferente.
Pais reclamam que falam para os filhos e suas palavras entram por um ouvido e saem pelo outros. Filhos reclamam que os pais não tem tempo nem disposição para ouvi-los. Não se encontram mais. Passam recados pelo celular dentro da mesma casa.
Temos também nós que suplicar para que Jesus nos cure de nossos fechamentos, abra nossos ouvidos e nossos corações para a escuta, a compaixão e a solidariedade.
Nesse momento, estamos no Brasil diante de dois eventos que afetam a todos nós: a seca com incêndios generalizados e as eleições.
Mais da metade dos municípios brasileiros foram atingidos por ondas de calor extremas e estão há meses sem chuva. Mesmo na Amazônia, os rios baixaram tanto e que a navegação foi interrompida e falta água nas cidades. A terra está com febre diz o Papa Francisco pois a temperatura subiu tanto, que estamos sujeitos a secas prolongadas nalguns lugares, a furações e inundações noutros. Somos convocados a cuidar urgentemente da nossa Casa Comum, coletar e armazenar água da chuva, evitar o desperdício, plantar árvores e bosques nas cidades, recuperar as nascentes e as matas ciliares dos nossos rios, parar de desmatar e de colocar fogo para limpar pastagens.
Vai haver eleições logo mais nos 5.569 municípios brasileiros, no Distrito Federal e em Fernando de Noronha. Ocasião preciosa para retomar muita coisa. Que os candidatos escutem a população e suas necessidades e que os eleitores exijam compromisso de prefeitos e vereadores com políticas públicas que cuidem do saneamento, educação, saúde, moradia, emprego, lazer e atenção os mais vulneráveis. Que cessem discursos de ódio e mentiras que só envenenam a vida social.
Na primeira leitura desse domingo, ouvimos do profeta Isaias:
“Dizei às pessoas deprimidas: ‘Criai ânimo, não tenhais medo’”. Promete ainda: “A terra árida se transformará em lago, e a região sedenta em fontes de água” (Is 35, 4 e 7).
Na segunda leitura, o apóstolo Tiago nos adverte: “A fé... não deve admitir acepção de pessoas” (Tiago 2, 1).
Marcos conclui no evangelho de hoje, dizendo de Jesus: “Ele tem feito bem todas as coisas: aos surdos faz ouvir e aos mudos falar” (7, 37).
São Paulo, por sua vez, nos aconselha: “Não nos cansemos de fazer o bem, pois a seu tempo colheremos sem fadiga. Portanto, enquanto se oferece a ocasião, façamos o bem a todos” (Gl 6, 9-10).
DOMINGO XXIII DO ANO – CICLO “B”
Primeira Leitura (Is 35,4-7a):
O capítulo 35 de Isaías, mantendo o tom apocalíptico típico da secção denominada “Apocalipse Menor” (Is 34-35), promete o regresso dos exilados a Sião num clima de alegria e de júbilo. Há uma certeza de fé que nos permite recuperar o espírito e vencer todo o medo: o próprio Senhor vem para nos salvar (Is 35,4). E os sinais e efeitos desta vinda salvadora do Senhor são a cura dos cegos, surdos, paralíticos e mudos. Estes milagres físicos têm um significado espiritual no próprio Isaías, pois o profeta denunciou a paralisia dos israelitas que não querem voltar e a sua resistência em ouvir a Palavra de Deus que lhes permitirá ver e confessar a obra que o Senhor está realizando. realizando neles o favor deles.
Evangelho (Marcos 7:31-37):
Desta vez o texto começa dando-nos uma indicação geográfica dos movimentos de Jesus. Os lugares nomeados (Tiro, Sidom, Decápolis) têm em comum o fato de não pertencerem a Israel, mas serem territórios habitados por pagãos, por não-israelitas. Disto podemos deduzir com probabilidade que a pessoa curada por Jesus é pagã. Com isto o evangelista Marcos sugere a abertura do evangelho aos não-judeus e a missão de Jesus além das fronteiras de Israel[1]. Neste sentido, “o surdo é um símbolo dos pagãos que recebem a possibilidade de ouvir e dizer a Palavra de Deus”[2].
Depois de nos localizarmos, a história entra em ação ao trazer a Jesus um homem surdo (κωφὸν) que “fala com dificuldade” (μογιλάλον), onde o significado de mogilálos é o de gago e não o de mudo; e eles pedem que ele coloque a mão sobre eles.
Outro texto de Marcos pode ajudar-nos a compreender o significado desta doença, onde um pai leva também o seu filho surdo a Jesus para ser curado (cf. Mc 9, 14-29). Embora seja verdade que este menino também apresente sintomas de epilepsia como convulsões, o importante é que a causa da doença seja identificada: “Mestre, trouxe-te meu filho, que está possuído por um espírito mudo” (9: 17). E Jesus o liberta do mal expulsando esse espírito impuro: “Jesus repreendeu o espírito impuro, dizendo-lhe: “Espírito mudo e surdo, eu te ordeno, saia dele e não volte mais” (9,25).
Quanto ao gesto de impor as mãos como forma de cura, parece ser comum naquela época. De facto, no Evangelho de Marcos é feita referência a diversas curas realizadas por Jesus através da imposição das suas mãos (cf. Marcos 5,35; 6,2.5; 8,23-25).
Apesar do pedido, o evangelista não diz que Jesus impôs a mão sobre o surdo-mudo, mas sim que “separou-o da multidão e, afastando-o, colocou-lhe os dedos nos ouvidos e tocou-lhe a língua com a saliva”. ”(7, 33). Primeiro, Jesus leva-o à parte, longe da multidão, talvez para evitar a curiosidade e procurar o extraordinário tão comum nas pessoas. No que diz respeito às ações de Jesus, os textos da época também refletem esses gestos como terapêuticos ou curativos, em particular o uso da saliva. Mas junto com estes gestos de Jesus, e mais importantes que eles, estão o olhar para o céu, o suspiro profundo e a palavra aramaica “effatá”: abra-se! Este clima de oração, de invocação do poder de Deus, distancia-o de qualquer alusão à magia. Além disso, é a palavra autorizada de Jesus que opera definitiva e instantaneamente o milagre: os seus ouvidos são abertos, a sua língua é solta e ele é capaz de falar corretamente (cf. 7,35).
O final da história é entendido no quadro do “segredo messiânico” característico de São Marcos. Na verdade, Jesus chamou o surdo para curá-lo e agora pede que não divulguem o que aconteceu. Mas esta proibição, como em outras ocasiões, não pode impedir que as pessoas se maravilhem e a proclamem ( verbo keryssō do qual deriva kerygma ).
A expressão do povo que encerra a história: “Ele fez tudo bem: fez ouvir os surdos e falar os mudos” (7,37) lembra o texto de Is 35,5 que a liturgia nos traz como primeira leitura de hoje; e talvez também se refira a Gênesis 1:31, que valoriza a obra criativa de Deus como muito boa. Como comenta J. Gnilka[3] com razão: “O louvor apresenta a interpretação teológica do milagre. Através da atividade de Jesus, a criação caída é renovada. Nesta atuação de Jesus, a redenção messiânica anunciada pelos profetas é tornada presente”.
ALGUNS PENSAMENTOS:
A interpretação simbólica do milagre prevaleceu na sua exegese; e com base. Na verdade, a profecia de Is 35,5 já se referia principalmente à “surdez espiritual” de Israel, ou seja, ao seu coração fechado à Palavra de Deus. Por esta razão, o profeta anuncia que num tempo futuro o próprio Deus abrirá os ouvidos do povo à sua Palavra.
Ao mesmo tempo, devemos recordar a estreita ligação entre ouvir e acreditar , fundamental para a tradição judaico-cristã, como bem resume São Paulo: “a fé vem do ouvir” (Rm 10,17).
Portanto, tendo em conta tudo isto mais a referência geográfica às regiões pagãs, o significado do milagre é a abertura à fé, a graça de poder acreditar em Jesus; e tendo acreditado, proclame-o, anuncie-o .
A este respeito, o Papa Francisco disse no Angelus de 2021: “Somos cristãos, mas talvez, entre os milhares de palavras que ouvimos todos os dias, não encontremos alguns segundos para deixar ressoar em nós algumas palavras do Evangelho. Jesus é a Palavra: se não pararmos para ouvi-lo, ele passa por nós. Se não pararmos para ouvir Jesus, ele passa por nós. Santo Agostinho disse: “Tenho medo do Senhor quando ele passa”. E o medo era deixar passar sem ouvir. Mas se dedicarmos tempo ao Evangelho, encontraremos um segredo para a nossa saúde espiritual. Aqui está o remédio: todos os dias um pouco de silêncio e escuta, menos algumas palavras inúteis e mais algumas palavras de Deus. Sempre com o Evangelho no bolso, o que ajuda muito. Escutemos hoje, como no dia do nosso batismo, as palavras de Jesus: “Efatá, abra”! Abra seus ouvidos. Jesus, quero abrir-me à tua Palavra, Jesus, abre-me à tua escuta; Jesus cura meu coração do fechamento, Jesus cura meu coração da pressa, Jesus cura meu coração da impaciência”.
Ao mesmo tempo, podemos ver nesta cura uma referência a um mal profundo e generalizado hoje: falta de comunicação entre as pessoas.
A doença da surdez e da gagueira sempre teve, mas ainda mais naquela época, graves consequências sociais, nomeadamente o isolamento resultante da incapacidade de comunicar. O evangelho denota isso na passividade do doente que é conduzido como se fosse um paralítico. Portanto, a cura realizada por Jesus, ao dar-lhe a possibilidade de acreditar, liberta-o do “isolamento de si mesmo” que o tinha de certa forma aprisionado e que o impedia de comunicar (de facto, o texto grego fala de liberando ou liberando uma cadeia da linguagem). A este respeito, o Papa Bento XVI disse: “esta pequena palavra"efatá-abre-te", resume em si toda a missão de Cristo. Ele se fez homem para que o homem, que se tornou surdo e mudo interiormente por causa do pecado, pudesse ouvir a voz de Deus, a voz do Amor que Ele fala ao teu coração, e assim aprendes a falar ao mesmo tempo a linguagem do amor, a comunicar com Deus e com os outros, a palavra e o gesto de”.Efatá“foram incluídos no Rito do Batismo, como um dos sinais que explicam o significado: o sacerdote, tocando a boca e os ouvidos do recém-batizado, diz:”Efatá", rezando para que em breve possa ouvir a Palavra de Deus e professar a fé. Pelo Batismo, o homem começa, por assim dizer, a "respirar" o Espírito Santo, que Jesus invocou do Pai com aquele sopro profundo, para "curar o surdo-mudo."
O Cardeal C. M. Martini escreveu uma carta pastoral sobre o tema da comunicação em seu tempo e tomou como texto base o Evangelho deste domingo. Referindo-se justamente aos surdos ele diz: “Neste homem que não sabe comunicar e é lançado por Jesus na
2 O evangelho segundo São Marcos I, 347.
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vórtice alegre de comunicação autêntica, podemos ler a parábola da nossa difícil comunicação interpessoal, eclesial, social"3. Mais tarde pergunta sobre a raiz profunda da falta de comunicação que nos leva a ser uma sociedade com muitas solidões; e a resposta dele é que no fundo "Há uma ganância e uma concupiscência ocultas em possuir o outro, como se fossem uma coisa em nossas mãos para montar e desarmar ao nosso capricho, o que revela o desejo sombrio de domínio."4. Diante desta realidade, a proposta do Cardeal Martini é ouvir e contemplar Deus, que ao comunicar nos torna capazes de comunicar. Suas palavras, entre muitas, são: “Não há nada que cure tanto o coração como a contemplação da comunicação divina nas suas diversas formas […] É o próprio Deus quem vem ao nosso encontro: ele é comunicação, é capaz de curar as nossas falhas de comunicação e de nos encher de graça. de um fluxo relacional saudável e construtivo […] Toda a Bíblia pode ser lida, portanto, como a história do diálogo entre Deus e os homens e dos homens entre si […] A escuta fiel da Palavra de Deus liberta e unifica. Também une entre si aqueles que ouvem a mesma Palavra, produzindo experiências de comunicação autêntica."5. Para este mês bíblico, ok.
Para encerrar, consideramos magistral a síntese de H. U. von Baltasar.6: "No evangelho de hoje Jesus cura um surdo. É claro que para ele não é apenas um defeito físico, mas um símbolo do povo de Israel (representando toda a humanidade): Israel é, como diziam frequentemente os profetas, surdo à palavra de Deus e, portanto, ambos incapazes de dar uma resposta válida para isso. Jesus não faz milagres espetaculares, por isso separa os surdos da multidão: procura um delicado equilíbrio entre a discrição (face à propaganda mundial) e a ajuda que deve prestar ao povo. Os dois toques corporais (nos ouvidos e na língua) constituem o prelúdio do momento solene em que Jesus eleva os olhos ao céu – cada milagre de Jesus é uma obra do Pai nele – e solta um suspiro, que indica que ele está cheio do Espírito Santo; Esta abundância trinitária mostra claramente que na ordem “abrir” ressoa uma palavra que não só produz uma cura corporal, mas também um efeito de graça para Israel e para toda a humanidade.".
Em resumo, o evangelho deste domingo, com a cura de um homem surdo e mudo, oferece-nos a possibilidade de meditar sobre um tema tão vital como a comunicação, tanto entre nós como com Deus. Somos convidados a tomar consciência de que Deus quebrou o silêncio e se comunicou conosco. Ser crente, ter fé, é antes de tudo aceitar que Deus nos falou e continua a falar-nos; que Deus tomou a iniciativa de comunicar-se conosco para iniciar um diálogo de amizade. Porque nos tornamos amigos de alguém ouvindo e conversando, compartilhando a vida. E Jesus procura isso conosco quando nos fala através dos evangelhos e através da vida. Mas pode acontecer-nos o mesmo que aconteceu ao povo de Israel ao longo de muitos momentos da sua história: comportaram-se como um povo surdo, não ouviram a voz do Senhor.
Portanto, Jesus, além de falar conosco, deve primeiro nos curar da nossa surdez, tirar-nos do nosso isolamento egoísta que nos separa de Deus e dos outros. Esta foi a experiência de Santo Agostinho quando se converteu, e dela nos conta nas suas Confissões, onde diz a Deus: “Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! e você estava dentro de mim e eu estava fora, e então de fora te procurei; e, deformado como estava, me joguei nessas coisas que você criou. Você estava comigo e eu não estava com você. Todas as coisas me mantiveram longe de Ti, embora se não estivessem em Ti não seriam nada. Você ligou e chorou, e você quebrou minha surdez. Você brilhou e brilhou e colocou minha cegueira em fuga. Você exalou seu perfume e eu respirei e suspirei por você. Gostei de Ti e sinto fome e sede. Você me tocou e eu queimei em sua paz.”
E não menos grave é a falta de comunicação que vivemos entre nós; Bom, embora estejamos na era da mídia com celulares, Whatsapp, Twitter, Instagram; No entanto, não experimentamos uma comunicação profunda e sincera com os outros. É por isso que precisamos que o Senhor abra os nossos ouvidos; mas acima de tudo o nosso coração pela comunicação transparente com Deus e com os nossos irmãos.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
Não conte a ninguém
Não conte a ninguém
Deixe apenas o coração falar.
Quando os olhos dele focam em você
E eles olham para você com amor,
Você saberá que o mundo para
Tudo gira em torno Dele.
Sua saúde piora
Te abraça e faz seu corpo tremer
O sentimento é tão eucarístico!
E se junta a você no Mistério
você se torna um com ele
Sem resistir.
e você sabe querido
Como você nunca experimentou antes.
E Ele saberá sorrir para você com ternura,
Abra seus ouvidos para Sua Voz.
O silêncio será impossível
A alma ficará cheia de loucura.
E o Amor não diz o suficiente.
Ele faz tudo bem, sem desabafos nem pressas...
Senhor, venha saciar minha sede.
Eu só te peço, não me deixe
fique aqui comigo,
Para sempre. Amém.
[1] Cf. J. Gnilka, El evangelio según San Marcos I, 346.
[2] Para gloria y alabanza de la Santísima Trinidad. Orientaciones para las homilías desde el domingo de la Santísima Trinidad hasta el domingo de Cristo Rey. Ciclo B (CEA; Buenos Aires 2000) 194.
[3] El evangelio según San Marcos I, 347.
[4] C. M. Martini, Effatá. "Ábrete" (San Pablo; Bogotá 1995) 13.
[5] C. M. Martini, Effatá. "Ábrete" (San Pablo; Bogotá 1995) 28.
[6] C. M. Martini, Effatá. "Ábrete" (San Pablo; Bogotá 1995) 37. 45. 53. 86.-
[7] Luz de la palabra. Comentarios a las lecturas dominicales (Encuentro; Madrid 1998) 190-191.