01/09/2024
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1ª Leitura: Deuteronômio 4,1-2.6-8
Salmo Responsorial 14(15) R-Senhor, quem morará em vossa casa e no vosso monte santo, habitará?
2ª Leitura: Tiago 1,17-18.21b-22.27
Evangelho de Marcos 7,1-8.14-15.21-23
Naquele tempo: 1Os fariseus e alguns mestres da Lei vieram de Jerusalém e se reuniram em torno de Jesus. 2Eles viam que alguns dos seus discípulos comiam o pão com as mãos impuras, isto é, sem as terem lavado. 3Com efeito, os fariseus e todos os judeus só comem depois de lavar bem as mãos, seguindo a tradição recebida dos antigos. 4Ao voltar da praça, eles não comem sem tomar banho. E seguem muitos outros costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar copos, jarras e vasilhas de cobre. 5Os fariseus e os mestres da Lei perguntaram então a Jesus: 'Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?' 6Jesus respondeu: 'Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: 'Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. 7De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos'. 8Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens. 14Jesus chamou a multidão para perto de si e disse: 'Escutai todos e compreendei: 15o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. 21Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, 22adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. 23Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem.' Palavra da Salvação.
Mc 7,1-8.14-15.21-23
As coisas criadas por Deus são boas porque são criadas por Ele para o ser humano. Cada criatura é uma palavra de amor do Criado. Se houvesse algo mau na criação, Deus não o teria criado.
O mal, portanto, não está nas coisas criadas, mas no abuso da liberdade. Dito nas palavras de Jesus: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior.
É do coração do homem, ou seja, do exercício errado da liberdade que vêm as impurezas e os pecados. Por isso não basta lavar as mãos, os copos e as vasilhas de cobre para se manter livre da impureza. É preciso cuidar da pureza do coração, da pureza da consciência.
Assim não há moralidade das coisas criadas. O que há é moralidade dos atos humanos. As coisas criadas em si mesmas não são morais, mas o que o ser humano faz com elas pode ser qualificado de moral ou imoral.
A moralidade não qualifica as coisas criadas: elas são boas porque criadas por Deus para o ser humano (Deus viu que era bom...). A moralidade qualifica os atos humanos: eles podem ser bons ou maus.
Como faço para saber se uma ação que faço é boa ou má? Todos nós possuímos a razão e a consciência moral que nos permitem julgar com clareza sobre a bondade ou maldade de uma ação. Há algumas diretrizes que nos ajudam a distinguir as boas das más ações.
1. A ação que eu escolho fazer. Por isso aquilo que faço deve ser bom. Há muitas ações que são boas: caridade, paz, paciência, bondade, longanimidade, mansidão, fidelidade, modéstia, clemência, castidade. Existem ações que são más e devem ser evitadas. Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más (impuras) saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem.
2. A intenção com que faço algo. A intenção é a finalidade com que faço. A intenção não torna bom um ato em si mau. Roubar bancos é sempre mau, mesmo que eu tenha a intenção de distribuir o dinheiro aos pobres e necessitados. Por outro lado, uma má intenção pode tornar má uma ação que em si mesma é boa. Posso ajudar uma pessoa a levar suas compras dentro de casa com a intenção de preparar um assalto. Posso prestar um serviço com a intenção de me exibir e de me vangloriar.
3. As circunstâncias e as consequências dos atos. São elementos secundários da ação moral. Podem atenuar ou aumentar a responsabilidade da pessoa. Por exemplo: o montante de um furto; a montante de uma doação; agir por medo de morrer. As circunstâncias não podem modificar a qualidade moral dos próprios atos; não tornam boa ou má uma ação.
22º DomTComum - Mc 7,1-8.14-15.21-23 – Ano B - 01-09-24.
Os cristãos de primeira e segunda geração lembravam-se de Jesus não tanto como um homem religioso, mas como um profeta que denunciava corajosamente os perigos e as armadilhas de todas as religiões. Sua coisa não era a observância piedosa acima de tudo, mas a busca apaixonada da vontade de Deus.
Marcos, o evangelho mais antigo e direto, apresenta Jesus em conflito com os setores mais piedosos da sociedade judaica. Entre suas críticas mais radicais, duas devem ser destacadas: o escândalo de uma religião desprovida de Deus e o pecado de substituir sua vontade por "tradições humanas" a serviço de outros interesses.
Jesus cita o profeta Isaías: "Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. A adoração que eles me dão é vazia, porque a doutrina que eles ensinam são preceitos humanos". Em seguida, ele denuncia em termos claros onde está a armadilha: "Você deixou de lado o mandamento de Deus de se apegar à tradição dos homens".
Este é o grande pecado. Uma vez que estabelecemos nossos padrões e tradições, nós os colocamos no lugar que somente Deus deve ocupar. Nós os colocamos acima até mesmo de sua vontade: não devemos ignorar a menor receita, mesmo que vá contra o amor e machuque as pessoas.
Nessa religião, o que importa não é Deus, mas outros tipos de interesses. Deus é honrado com os lábios, mas o coração está longe dele – José Antonio Pagola
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Nessa religião, o que importa não é Deus, mas outros tipos de interesses. Deus é honrado com os lábios, mas o coração está longe dele; um credo obrigatório é pronunciado, mas o que é apropriado é crido; ritos são observados, mas não há obediência a Deus, mas aos homens.
Pouco a pouco esquecemos Deus e depois esquecemos que o esquecemos. Nós diminuímos o evangelho para que não tenhamos que nos converter muito. Dirigimos a vontade de Deus para o que nos interessa e esquecemos sua exigência absoluta de amor.
Este pode ser o nosso pecado hoje. Agarrar-se como que por instinto a uma religião desgastada sem força para transformar nossas vidas. Continuar a honrar Deus apenas com seus lábios. Resistir à conversão e viva no esquecimento do plano de Jesus: a construção de um mundo novo segundo o coração de Deus.
“Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (Mc7,6)
O relato do evangelho deste domingo se abre com a apresentação dos personagens. Jesus aparece como ponto de referência frente a dois grupos de indivíduos (“os fariseus e alguns mestres da lei”), representantes do poder religioso oficial, ou seja, grupos de piedosos que exerciam uma pressão religiosa sobre o povo em sua pretensão de submetê-lo a uma existência marcada pelo rigorismo religioso e pelo legalismo.
Como se explica esse fenômeno do farisaísmo religioso, tão frequente também entre nós? Estamos falando da eterna tentação, de ontem e de hoje: apresentar-se em nome de Deus para impor pesados fardos sobre as pessoas, ameaçando-as e impedindo-as de viver com mais leveza. Segundo o Papa Francisco, trata-se do terrível “poder de consciência”, exercido por autoridades religiosas, e que são profundamente manipuladoras e destruidoras da verdadeira identidade das pessoas. Na verdade, percebemos nas comunidades cristãs um florescer de práticas devocionais vazias, ritos estéreis, normas inúteis..., que só alimentam medo de Deus e culpa doentia.
Quando a religião (no sentido original de “religar”) se transforma em culto vazio, em palavras ocas que são levadas pelo vento, em simples rotina..., esvazia-se a vida, fragiliza-se o compromisso com o outro e se distancia do verdadeiro Deus revelado por Jesus. De fato, para o Mestre de Nazaré, “Deus é leve”, não complica a vida humana com mais cobranças e ameaças; basta ser transparência do Seu Amor.
Aqui está a chave para compreender o conflito de Jesus com os homens mais religiosos e observantes de seu tempo. Tal conflito se centrou em questões relativas à imagem de Deus, ao caráter absoluto das leis e normas religiosas, descendo inclusive até as chamadas “normas de pureza”. De um modo esquemático, o conflito poderia resumir-se nestas contraposições: a gratuidade frente ao mérito; o valor da pessoa acima da lei; o cuidado da interioridade frente à absolutização das tradições.
De um lado, encontramos o “ritual” e o “sagrado” como componentes essenciais da religião dos sacerdotes, fariseus e mestres da lei; de outro, encontramos nos evangelhos que o central na vida e na mensagem de Jesus não foi nem o “ritual”, nem o “sagrado”, mas o “humano”. O centro da mensagem e da atividade d’Ele não estava no templo, nas observâncias das normas e leis, na preservação da tradição religiosa..., mas na saúde dos enfermos (curas), na alimentação das pessoas (refeições), nas sadias relações humanas.
Jesus viu claramente que a religião dos ritos e do sagrado (com seus poderes, privilégios e dignidades) gerava exclusão, culpa, medo... Tal realidade era o impedimento mais imediato e mais forte para as pessoas entenderem e viverem o que significava o “Reinado de Deus”.
O Evangelho deste domingo nos situa, portanto, diante desta desumana realidade provocada por uma falsa compreensão da religião. Para Jesus, nada do que vem de fora contamina o ser humano. Isso significa que toda pessoa possui uma interioridade impoluta e resguardada, que nada nem ninguém de fora poderá destruir. No mais profundo de cada ser humano há um “sacrário”, dotado de recursos e beatitudes originais que não podem ser alcançados pela “mancha” externa do legalismo e do moralismo. Dessa forma, Jesus declara o valor absoluto da pessoa humana como portadora de valores que ninguém poderá atingir.
O que mancha a pessoa é o que sai de dentro dela. Ninguém pode manchá-la, mas ela pode manchar-se a si mesma, porque “é” um ser de coração do qual brota o bem, a verdade, o amor..., mas pode brotar também o mal, o ódio, a intolerância... O ser humano é um “ser interior” que pode desenvolver-se de forma criativa, mas também de maneira destruidora. Esta é a maior revelação de Jesus, que anuncia o Deus que quer salvar a todos, mas a partir do lugar da verdadeira interioridade. O que decide o ser humano é o coração; se este estiver petrificado, é preciso arrancá-lo e colocar em seu lugar um coração de carne, capaz de crer e amar.
Este “princípio da interioridade”, indicado por Jesus, é que define e marca a novidade do evangelho; por isso, como Libertador, empenha-se por livrar as pessoas de tudo aquilo que lhes podia oprimir e destruir a vida. Jesus interpreta a pureza ou impureza como realidade que brota do coração e, dessa forma, devolve ao ser humano sua autoria, sua autonomia. A missão da verdadeira religião é facilitar para que homens e mulheres sejam autônomos na linha do bem, que ativem seus recursos internos, que sejam livres no compromisso e no serviço da vida dos outros.
Nenhuma religião pode ter a pretensão de anular a consciência das pessoas. Seria um fatal erro atrofiá-la com ritualismos, preceitos e normas, impedindo a manifestação da voz de Deus, única e original, no interior de cada um.
Despertar essa consciência é a tarefa de todo ser humano para chegar à plenitude de seu próprio ser. Daqui nasce a verdadeira sabedoria, unindo mente e coração. Nessa proximidade de Deus, que habita em nós e nos conecta com o universo, se forja nossa verdadeira identidade de filhos(as) d’Ele e irmãos(ãs) de todos. Quando conectamos com esta realidade interior toda nossa vida se equilibra e adquire sentido. Esbarramos na fonte não contaminada e que nos humaniza.
Nós vivemos a fé dentro da religião cristã, com raízes judaicas. A fé é nossa adesão de coração a um Deus que nos cria e nos ama, a um Pai que nos salva em seu Filho. Sem essa experiência fundante, nossa religião torna-se vazia, fica restrita a uma aparência vistosa, sujeita a manipulações de todo tipo.
Quanto “farisaísmo” há em nossos costumes cristãos! Quanto ritualismo, tradição, conservação e normas sem sentido! Quando perdemos a relação com a pessoa de Jesus Cristo tudo se converte em doutrina e ritualismo que nos conduzem a uma religião intimista e egoica. O que vem depois se enche de pré-juizos, julgamentos e sentenças.
Esquecemos a medida do amor de Deus para impor a nossa medida moralista, excessivamente pobre, egoísta e insensata. Isso atenta contra nós mesmos e envenena as relações sadias que deveriam sustentar nossa vida.
O texto de Marcos nos situa, portanto, diante de duas maneiras opostas de entender e viver a religião: a estéril (ou perniciosa), que coloca a lei acima das pessoas, e a de Jesus, centrada no compromisso com os mais pobres e excluídos. Esta dicotomia na forma de entender a religião acontece em todos as épocas e culturas da história; por isso, a religião tem sido a mediação que fez emergir tanto o melhor quanto o pior da humanidade; ela tem possibilitado o surgimento de experiências sadias e profundas como também tem gerado tantas “doenças” nas pessoas, provocadas pela culpa e pelo medo.
Uma religião absolutizada, carregada de normas, leis, penitências, tradições... se faz indigesta e provoca automaticamente rejeição nas pessoas mais livres, lúcidas e abertas; estas se rebelam contra a imposição, o autoritarismo e qualquer pretensão exclusivista. E, na medida em que as pessoas crescem em espírito crítico, descobrem com facilidade que, detrás da fachada de solenidade com a qual muitas “autoridades religiosas” costumam se apresentar, se esconde uma incoerência humana que elas mesmas condenam. Jesus as chama de “hipócritas” e os desmascara porque manipulam Deus e usam da religião em proveito próprio.
Como cristãos, somos seguidores(as) de um Homem tremendamente livre diante das leis, das tradições, dos ritualismos..., pois o centro de sua missão está em despertar a vida e vida em plenitude. Suas palavras e seus gestos ousados despertam em nós uma atitude de sentinela diante deste “vírus” de aparência inofensiva, que entra em nós sob a forma de mero cumprimento de leis e sai com uma pesada carga de julgamento, de imposição, de condenação e controle sobre aqueles com quem convivemos. Um vírus antigo e contagioso, uma “covid do espírito”.
Para meditar na oração:
Reze tuas “mãos”. Tuas mãos... sacramento de Deus, pois tornam presentes e visíveis as mãos d’Ele.
Tens no coração o Amor de Deus. A força que te leva a amar o outro como Deus o ama. Serás a mão amiga de Deus, tua mão terna e carinhosa, tua mão forte e libertadora, tua mão criadora de vida, tua mão generosa que protege e cuida a vida.
Mãos para unir, criar, curar, abençoar... como as de Jesus.
Mãos abertas para compartilhar. Mãos que não retém o que o irmão necessita. Abrir a mão, abrir o coração, abrir as entranhas de misericórdia. Caminhas tu pela vida com tuas mãos abertas?
O evangelho deste final de semana é comprido. Fala dos costumes religiosos da época de Jesus, muitos dos quais já tinham perdido seu sentido e até atrapalhavam a vida do povo, ameaçando as pessoas com castigo e inferno. Enxergavam pecado em tudo! Por exemplo, comer sem lavar as mãos era considerado pecado. Mesmo assim, estes costumes eram conservados e ensinados, ou por medo, ou por superstições. Vamos conversar sobre isso!
SITUANDO
Neste círculo, olhamos de perto a atitude de Jesus frente à questão da pureza. Anteriormente, Marcos já tinha tocado neste assunto da pureza: em Me 1,23-28, Jesus expulsou um espírito impuro. Em Me 1,40-45, ele curou um leproso. Em Mc 5,25-34, curou uma mulher considerada impura. Em vários outros momentos, ele tocou em doentes e deficientes físicos, sem medo de ficar impuro. Agora, aqui no capítulo 7, Jesus ajuda o povo e os discípulos a aprofundar este assunto da pureza e das leis da pureza.
Desde séculos, os judeus, para não contrair impureza, eram proibidos de entrar em contato com os pagãos e de comer com eles. Mas nos anos 70, época de Marcos, alguns judeus convertidos diziam: "Agora que somos cristãos temos que abandonar estes costumes antigos que nos separam dos pagãos convertidos!" Outros, porém, achavam que deviam continuar a observar as leis de pureza. A atitude de Jesus, descrita no evangelho de hoje, ajudava-os a superar o problema.
COMENTANDO
Marcos 7,1-2: Controle dos fariseus e liberdade dos discípulos
Os fariseus e alguns escribas, vindos de Jerusalém, observavam como os discípulos de Jesus comiam pão com mãos impuras. Aqui há três pontos que merecem ser assinalados:
1) Os escribas são de Jerusalém, da capital! Significa que tinham vindo para observar e controlar os passos de Jesus.
2) Os discípulos não lavam as mãos para comer! Significa que a convivência com Jesus os levou a criar coragem para transgredir normas que a tradição impunha ao povo, mas que já não tinham sentido para a vida.
3) O costume de lavar as mãos, que, até hoje, continua sendo uma norma importante de higiene, tinha tomado para eles um significado religioso que servia para controlar e discriminar as pessoas.
Marcos 7,3-4: A Tradição dos Antigos
A "Tradição dos Antigos" transmitia as normas que deviam ser observadas pelo povo para ele conseguir a pureza exigida pela lei. A observância da pureza era um assunto muito sério. Eles achavam que uma pessoa impura não poderia receber a bênção prometida por Deus a Abraão. As normas de pureza eram ensinadas para abrir o caminho até Deus, fonte da paz. Mas, na realidade, em vez de ser uma fonte de paz, elas eram uma prisão, um cativeiro. Para os pobres, era praticamente impossível observá-las. Eram centenas de normas e leis. Por isso, os pobres eram desprezados como gente ignorante e maldita que não conhece a lei (Jo 7,49).
Marcos 7,5: Escribas e fariseus criticam o comportamento dos discípulos de Jesus
Os escribas e fariseus perguntam a Jesus: Por que os teus discípulos não se comportam conforme a tradição dos antigos e comem o pão com as mãos impuras? Eles fingem estar interessados em conhecer o porquê do comportamento dos discípulos. Na realidade, criticam Jesus por ele permitir que os discípulos transgridam as normas de pureza. Os fariseus formavam uma espécie de irmandade cuja principal preocupação era observar todas as leis de pureza. Os escribas eram os responsáveis pela doutrina. Ensinavam as leis referentes à observância da pureza.
Marcos 7, 6-13: Jesus critica a incoerência dos fariseus
Jesus responde citando Isaías: Este povo me honra só com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Insistindo nas normas de pureza, os fariseus esvaziavam os mandamentos da lei de Deus. Jesus cita um exemplo concreto. Eles diziam: o fulano que oferecer ao Templo os seus bens não pode usar esses bens para ajudar os pais necessitados. Assim, em nome da tradição, esvaziavam o quarto mandamento, que manda amar pai e mãe. Até hoje, tais pessoas parecem muito observantes, mas é só por fora. Por dentro, o coração delas fica longe de Deus! Como diz o canto: "Seu nome é Jesus Cristo e passa fome, e vive à beira das calçadas. E a gente quando vê passa adiante, às vezes para chegar depressa à Igreja!" No tempo de Jesus, o povo, na sua sabedoria, não concordava com tudo que se ensinava. Esperava que, um dia, o messias viesse indicar outro caminho para alcançar a pureza. Em Jesus se realiza esta esperança.
Marcos 7,14-16: Jesus abre um novo caminho para o povo se aproximar de Deus
Ele diz para a multidão: "Não há nada no exterior do ser humano que, entrando nele, possa torná-lo impuro!" (Me 7,15). Jesus inverte as coisas: o impuro não vem de fora para dentro, como ensinavam os doutores da lei, mas sim de dentro para fora. Deste modo, ninguém mais precisa se perguntar se esta ou aquela comida ou bebida é pura ou impura. Jesus coloca o puro e o impuro num outro nível, no nível do comportamento ético. Ele abre um novo caminho para chegar até Deus e, assim, realiza o desejo mais profundo do povo.
Marcos 7,17-23: Em casa, os discípulos pedem explicação
Os discípulos não entenderam bem o que Jesus queria dizer com aquela afirmação. Quando chegaram em casa, pediram uma explicação. Jesus estranhou a pergunta dos discípulos. Pensava que eles tivessem entendido a parábola. Na explicação aos discípulos, ele vai até ao fundo da questão da pureza. Declara puros todos os alimentos! Ou seja, nenhum alimento que de fora entre no ser humano pode torná-lo impuro, pois não vai até o coração, mas vai para o estômago e acaba na fosse, e, conforme o pensamento da época, o que entrava na fossa não era considerado impuro. Mas o que torna impuro, diz Jesus, é aquilo que de dentro do coração sai para envenenar o relacionamento humano. E ele enumera: prostituição, roubo, assassinato, adultério, ambição, etc.
Assim, de muitas maneiras, pela palavra, pelo toque e pela convivência, Jesus foi ajudando as pessoas a conseguir a pureza. Pela palavra, purificava os leprosos, expulsava os espíritos impuros e vencia a morte, que era a fonte de toda a impureza. Pelo toque em Jesus, a mulher excluída como impura ficou curada. Sem medo de contaminação, Jesus comia junto com as pessoas consideradas impuras.
ALARGANDO
As leis da pureza no tempo de Jesus
O povo daquela época tinha uma grande preocupação com a pureza. A lei e as normas de pureza indicavam as condições necessárias para alguém poder comparecer diante de Deus e se sentir bem na presença dele. Não se podia comparecer diante de Deus de qualquer jeito. Pois Deus é Santo. A Lei dizia: "Sede santos, porque eu sou santo!" (Lv 19,2). Quem não era puro não podia chegar perto de Deus para receber dele a bênção prometida a Abraão.
A lei do puro e do impuro (Lv 11 a 16) foi escrita depois do cativeiro da Babilônia, cerca de 800 anos depois do Êxodo, mas tinha suas raízes na mentalidade e nos costumes antigos do povo da Bíblia. Uma visão religiosa e mítica do mundo levava o povo a apreciar as coisas, as pessoas e os animais a partir da categoria da pureza (Gn 7,2; Dt 14,13-21; Nm 12,10-15; Dt 24,8-9).
No contexto da dominação persa, nos séculos V ou IV antes de Cristo, diante da dificuldade para reconstruir o templo de Jerusalém e para a própria sobrevivência do clero, os sacerdotes que estavam no governo do povo da Bíblia ampliaram as leis de pureza e a obrigação de oferecer sacrifícios de purificação pelo pecado. Assim, depois do parto (Lv 12,1-8), da menstruação (Lv 15,19-24) ou da cura de uma hemorragia (Lv 15,25-30), as mulheres tinham que oferecer sacrifícios para recuperar a pureza. Pessoas leprosas (Lv 13) também deviam oferecer sacrifícios. Uma parte destas oferendas ficava para os sacerdotes (Lv 5,13).
No tempo de Jesus, tocar um leproso, comer com publicano, comer sem lavar as mãos, etc., tudo isso tornava a pessoa impura, e qualquer contato com esta pessoa contaminava os outros. Por isso, as pessoas "impuras" deviam ser evitadas. O povo vivia acuado, sempre ameaçado pelas tantas coisas impuras que ameaçavam a vida. Era obrigado a viver desconfiado de tudo e de todos.
Agora, de repente, tudo mudou! Através da fé em Jesus, era possível conseguir a pureza e sentir-se bem diante de Deus sem que fosse necessário observar todas aquelas leis e normas da Tradição dos Antigos. Foi uma libertação! A Boa Nova anunciada por Jesus tirou o povo da defensiva, do medo, e lhe devolveu a vontade de viver, a alegria de ser filho e filha de Deus, sem medo de ser feliz!
Fonte: Cebi Nacional
Neste domingo, continuamos com a leitura do Evangelho de Marcos, que começa narrando que “alguns mestres da Lei vieram de Jerusalém e se reuniram em torno de Jesus”.
Eles não vão em busca de cura para certas doenças, como a gente leu em outras ocasiões, nem atraídos pelos comentários de pessoas simples que se admiravam com suas palavras. Eles vão para “observar”, que será o que eles vão fazer quando estejam perto de Jesus. São aparentes supervisores da conduta e do comportamento daqueles que estão próximos a Jesus. Eles viram que alguns de seus discípulos comiam pão com as mãos impuras, ou seja, sem tê-las lavado.
Eles não são atraídos pelas pessoas que podem estar perto de Jesus, mas permanecem com a atitude dos discípulos que comiam sem lavar as mãos. Eles não vão por curiosidade, nem são atraídos pelas palavras de Jesus, nem pela simplicidade das pessoas que se aproximam dele. Sua atitude é “ver”, quase como promotores que analisam o comportamento dos discípulos de acordo com a lei. De Jerusalém, eles se reuniram em torno de Jesus para investigar, como também relata o Evangelho de Lucas: “Os escribas e os fariseus observavam atentamente Jesus para ver se ele estava curando no sábado, pois queriam encontrar algo de que acusá-lo” (Lc 6,7).
A Lei era importante para os judeus porque os orientava em sua maneira de viver a aliança, dava-lhes diretrizes claras sobre o que contribuía para viver o relacionamento com Deus, que os havia libertado da escravidão e feito uma aliança com eles, e também sobre o que os separava dessa aliança. Era uma forma de manter sua identidade! Mas, especialmente após o exílio, os escribas fizeram tantas interpretações da Lei, acrescentando tradições, obrigações e regras, que era impossível para o povo conhecê-las e muito menos cumpri-las. Eles se tornaram um regulador de conduta que classificava aqueles que observavam tudo o que pensavam e decidiam como bons judeus e aqueles que não o faziam como maus judeus ou pessoas ignorantes e indignas. Dessa forma, perdeu-se o verdadeiro significado de viver a aliança de amor que Deus havia selado com seu povo.
Os fariseus e os mestres da Lei perguntaram então a Jesus: "Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?"
Firmes em sua posição de controladores da lei e, portanto, do julgamento das atitudes das pessoas, eles questionam Jesus porque seus discípulos não lavam as mãos antes de comer, quebrando a tradição dos antigos. Como ele permite que seus discípulos comam sem lavar as mãos? Jesus aproveita a oportunidade para desmascarar a hipocrisia daqueles que olham para o exterior e não sabem ver a vida que bate dentro das pessoas. Ele pega as palavras do profeta Isaías para descrevê-los: "Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: 'Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim”. É por isso que ele continua dizendo a eles: Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens". Eles permaneceram nas tradições, nas palavras, em seu próprio conhecimento, que talvez considerem como sabedoria. Mas eles se afastaram de Deus, tornaram-se juízes daquilo que eles mesmos inventaram ao longo do tempo, que são as interpretações progressivas da lei, que eles chamam de tradição.
Em nome dessa lei, eles usam palavras vazias, totalmente desvinculadas da aliança de amor de Deus com o povo, e se tornam vigilantes e inspetores rigorosos do comportamento dos outros de acordo com as regras que eles mesmos criaram. Como Jesus lhes diz, eles esquecem o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens. E Jesus reforça sua reflexão sobre o julgamento feito pelos fariseus e pelos mestres da lei e diz: “Escutai todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior”. [...] “Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem". Jesus sabe com absoluta clareza que não há nada fora do homem que possa torná-lo impuro, mas que “as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo” vêm de dentro do homem.
Quem são os inspetores de hoje que determinam o que é bom, o que é justo, o que constrói o bem comum, o que gera a verdadeira fraternidade, o que agrada a Deus? Quem são os sábios que nos cercam e que controlam as ações das pessoas simples e singelas, colocando-as sob o jugo de seus olhares? São aqueles que acumulam conhecimento passageiro, opiniões descritas ou ouvidas em diferentes plataformas ou que os ajudam a ter uma “interpretação sábia” do que deve ser feito. Líderes políticos ou religiosos, personalidades da mídia ou influenciadores das mídias sociais, acadêmicos ou grupos “proeminentes” têm uma característica comum: promovem ideologias excludentes, marginalizam perspectivas diferentes, espalham mensagens de ódio e intolerância.
Jesus nos convida a ter uma visão holística da pessoa humana, a não nos deixarmos deslumbrar pelo conhecimento “sábio” que nos posiciona em um determinado lugar, gerando superioridade e domínio de alguns sobre outros. A verdadeira sabedoria não é a soma de certos conhecimentos, nem um conjunto de ideias, sejam elas sociais, culturais ou religiosas, que formam uma rede que serve apenas para separar ricos e pobres, sábios e ignorantes ou praticantes e agnósticos. O Papa Francisco, referindo-se aos sistemas de IA, menciona que “os possíveis efeitos danosos, discriminadores e socialmente injustos dos sistemas de IA. O risco maior, segundo ele, é “a redução do pluralismo, a polarização da opinião pública ou a construção do pensamento único”. Por isso, exorta a criar “modelos de regulamentação ética de tais sistemas”. (Disponível em: Inteligência artificial ou sabedoria humana? A necessidade de superar os dualismos e habitar o devir da complexidade. Artigo de Moisés Sbardelotto)
Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem" Com essas palavras, Jesus nos convida a nos perguntarmos o que vem do nosso coração? Quais são as intenções que orientam nossas opiniões, que geram nossos pontos de vista e julgamentos sobre a realidade ou sobre os outros? Por meio de quais atitudes - pessoais ou comunitárias - somos “sábios” para julgar o comportamento dos outros, tornando-nos “certos” ou aqueles que trilham o caminho “verdadeiro”?
Pedimos ao Senhor que nos ajude a não sermos acumuladores de uma sabedoria vã que simplesmente gera um status passageiro no sentimento social, mas não cria raízes e nos prende em nossa subjetividade. Pedimos ao Senhor que tenhamos uma mente aberta que saiba ser empática com o que é novo e diferente, que realmente construa uma sociedade mais justa, uma religião mais autêntica, uma vida mais igualitária em termos de direitos básicos.
Oração
Felizes aqueles
Felizes aqueles que diante de Deus são pobres:
a eles Deus dará o seu Reino.
Felizes aqueles que estão tristes:
Deus os consolará.
Felizes aqueles que não são violentos:
Deus lhes dará a terra prometida.
Felizes aqueles que desejam ardentemente aquilo que Deus quer:
Deus atenderá os seus desejos.
Felizes aqueles que têm compaixão dos outros:
Deus terá compaixão deles.
Felizes aqueles que são puros de coração:
esses verão a Deus.
Felizes aqueles que defendem a paz:
Deus os acolherá como filhos.
Felizes aqueles que são perseguidos:
a eles Deus dará o Reino.
DOMINGO XXII DO ANO – CICLO “B”
Primeira Leitura (Dt 4,1-2.6-8):
Este texto contém um vivo apelo à escuta do ensinamento sobre as leis de Israel em toda a sua integridade, apresentando duas motivações fundamentais para isso. A primeira é que isso ouvir-obedecer A lei é condição necessária para viver e tomar posse da terra prometida. A segunda é que essas leis contêm uma sabedoria superior ao dos outros povos, portanto, ao cumpri-los, os israelitas se tornarão sábios e prudentes.
Evangelho (Mc 7,1-8.14-15.21-23):
Esta seção de Mc 7,1-23 (e a liturgia nos oferece isso de forma entrecortada, já que os vv. 9-13 e 16-20 não são lidos) está focada no tema dos “impuros”. Com efeito, o tema é introduzido pela pergunta dos fariseus e dos escribas: “Por que os seus discípulos... comem com as mãos sujas”? Então Jesus se posiciona sobre o assunto e ensina qual é a verdadeira verdade. impureza, que constitui o ponto central de toda a perícope. A seção termina com v. 23 que aponta mais uma vez o tema da impureza1.
O texto começa sem nos dar uma indicação geográfica, pelo que podemos pressupor que Jesus ainda se encontra em Genesaré onde esteve na cena anterior (cf. Mc 6,53). Ali ele é abordado por alguns fariseus e escribas de Jerusalém, que notam que os discípulos comeram o pão “com as mãos impuras”, isto é, sem lavar. A seguir, o evangelista, de acordo com o seu papel de narrador, fornece aos seus leitores – não familiarizados com os costumes judaicos – uma série de indicações e exemplos para compreender a narrativa.
De nossa parte, notamos duas coisas necessárias para a compreensão do texto. Em primeiro lugar, que a distinção entre fariseus e escribas que Marcos faz não é totalmente precisa, uma vez que havia escribas dentro do grupo de fariseus, como o próprio evangelista observa em 2:16. O nome "fariseu" deriva do hebraico celebração e significa "separados", apelido possivelmente dado por terceiros dada a estrita observância das regras de pureza jurídica que os levaram a separado-separado daqueles que não seguiram rigorosamente a lei, especialmente dos publicanos, pecadores e estrangeiros. Os fariseus eram observadores rígidos das leis e tradições como lavar-se antes das refeições (cf. Mc 7,3), dízimos, jejum às segundas e quintas-feiras (cf. Lucas 18,12), orações e rituais. Além disso, eles lutaram para impor estas tradições ou costumes a todo o povo de Israel. Dentro do grupo dos fariseus, eram influentes os membros escribas, que interpretavam as Escrituras à luz das tradições de seus antepassados, adaptando as normas à vida prática. Eles também eram chamados de doutores da lei, sábios ou professores (rabino) e eram homenageados pelo povo e recebiam posições de honra na sinagoga (cf. Mc 12,38-39).
Os fariseus, e particularmente os escribas deste grupo, desde o início do ministério de Jesus têm uma atitude hostil para com ele e os seus discípulos. Eles questionam se comem com pecadores (cf. 2:16); que eles não jejuam (cf. 2.18); Deixe-os colher o grão no sábado (cf. 2:24). A oposição chegou a tal ponto que conspirou com os herodianos para matar Jesus (cf. 3:6).
Em segundo lugar, Notamos que o significado destes “usos e costumes” dos fariseus e dos judeus em geral vai além de simples regras de higiene, como lavar as mãos antes de comer. Esta é uma questão religioso-cultural, por isso falamos de impureza e não de sujeira.. Na verdade, Israel é um povo separado, consagrado a Deus, portanto todos os aspectos da sua vida devem reflectir esta santidade ou pureza (cf. Lv 19,2; 22,31-33). A partir daqui a necessidade da distinção entre o puro e o impuro; do que pode ser oferecido a Deus (puro) e do que não pode ser oferecido porque está manchado (impuro), sejam pessoas, animais, alimentos ou objetos. Porque além da comida, as pessoas e os utensílios para comer também devem ser puros, ou purificados, caso tenham tido contato com pagãos.
Após esses esclarecimentos (Espero que eles tenham sido), poderemos compreender melhor o questionamento que os escribas e fariseus fazem de Jesus pelo comportamento dos seus discípulos: “Por que os seus discípulos não procedem de acordo com a tradição dos nossos antepassados, mas comem com mãos impuras?” (Mc 7,5).
A resposta de Jesus tem uma certa dureza e está em sintonia com a linguagem dos profetas. Na verdade, ele aplica aos fariseus a frase de Isaías 29:13 que condena a dualidade ou falta de integridade na conduta dos israelitas, contrastando o exterior (os lábios) com o interior (o coração); O mandamento de Deus para as tradições humanas. Especificamente e literalmente, diz que “eles ensinam doutrinas ou ensinamentos que são preceitos de homens”. E depois Jesus acrescenta que desta forma eles rejeitam o mandamento de Deus de seguir as suas próprias tradições ou costumes que são inventados com um espírito egoísta ou complacente. É por isso que ele os chama de “hipócritas”, que significa literalmente “ator”, mas aqui se refere à contradição entre o que é dito e o que realmente se sente ou pensa. Poderia muito bem ser traduzido como “falso”2.
No texto litúrgico, saltando alguns versículos, Jesus dirige-se agora ao povo para lhe ensinar a sua doutrina, para estabelecer a sua posição sobre esta questão. Especificamente, Jesus declara que a pureza é antes de tudo uma questão moral e, portanto, depende daquilo que o homem faz, daquilo que brota do seu coração entendido como sede das decisões (vv.14-15). Assim, a verdadeira impureza é aquela que brota do coração e se expressa em ações pecaminosas, oferecendo como exemplo deles uma lista de vícios e pecados (vv.21-22). Como esclarece J. Gnilka: “É muito mais importante fixar o olhar no próprio coração, de onde vem tudo o que mancha o homem. Na forma de uma sequência de vícios – o único que aparece nos evangelhos (e em Mt 15,18) – é descrito o que pode sair do coração do homem. A série é composta por 12 vícios. Os maus pensamentos do início são, ao mesmo tempo, um compêndio de tudo o que vem a seguir... Quanto ao conteúdo: roubo, homicídio e adultério estão relacionados com o sétimo, quinto e sexto mandamentos do decálogo. Mt 15:18ss trouxe uma harmonização mais rigorosa com o Decálogo. Se excluirmos os maus pensamentos e as más aparências, os restantes vícios também aparecem nos catálogos dos corpinho (cf. Gl 5,19-21).”3
A posição que Jesus estabelece no contexto da controvérsia com os judeus é que a santidade ou pureza moral é absoluta e essencial – e portanto é o que realmente importa na relação com Deus – enquanto a santidade ou pureza ritual é relativa e não essencial.4
O versículo final (7:23) é uma conclusão, como uma frase, de tudo o que foi dito até então: “Todas essas coisas ruins vêm de dentro e são o que mancha o homem".
ALGUNS PENSAMENTOS:
O evangelho deste domingo nos apresenta uma disputa entre Jesus e os fariseus sobre questões específicas do Judaísmo e de sua época. O desafio será compreender a discussão no seu contexto histórico original, mas não ficar aí, mas descobrir o que é permanente; que afeta a atitude religiosa do homem de todos os tempos.
Na minha opinião, existem duas questões principais que estão intimamente ligadas entre si. O primeiro é sobre a relação entre os mandamentos e tradições de Deus ou costumes humanos. Jesus censura os fariseus por terem anulado os mandamentos de Deus para seguirem as tradições dos seus antepassados. Isto fica claro no exemplo que Jesus dá em Mc 7,9-13 (texto que não lemos hoje). Ou seja, Jesus denuncia a atitude de colocar outras normas ou práticas de origem humana, e não divina, antes da Palavra de Deus..
Esta é uma atitude enganosa e acomodatícia, não autêntica, pois acaba falsificando a Palavra de Deus. E ninguém pode duvidar que esta é uma tentação permanente dos crentes e, portanto, é algo sempre atual, porque muitas vezes a nossa fé permanece nas palavras e não nos entregamos de todo o coração ao Senhor; e muitos outros damos prioridade às modas religiosas sobre as próprias palavras de Jesus nos Evangelhos.
O processo de inculturação da fé é inevitável; Além disso, é positivo por si só. Mas, como qualquer processo humano, corre o risco de se desviar, de não respeitar a hierarquia das verdades, de dar prioridade a coisas secundárias ou acidentais ou, pior ainda, de introduzir elementos de natureza supersticiosa ou pagã. Daí o necessário discernimento que deve ser feito à luz da Palavra de Deus e sob a orientação do Magistério da Igreja. Uma boa contribuição nesta linha é a Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos (2002). Ali, no número 12 lemos: “Sendo o Evangelho a medida e o critério de avaliação de todas as formas de expressão - antigas e novas - da piedade cristã, à avaliação dos exercícios de piedade e das práticas devocionais deve ser acompanhada uma tarefa de purificação, por vezes necessária, para preservar a referência correta ao mistério cristão".
Devemos purificar as nossas práticas piedosas de uma forma proposital, isto é, reorientando-as para o essencial da nossa fé. A este respeito, o Papa Francisco, no Angelus de 29 de agosto de 2021, questionou-se por que Jesus não dá atenção a estas tradições tão caras aos fariseus, às quais responde: “Porque é importante para Ele trazer a fé de volta ao seu centro. Vemos isso trazendo a fé de volta ao seu centro continuamente no Evangelho. E evitar um perigo, que se aplica tanto a esses escribas como a nós: o de observar as formalidades externas, deixando em segundo plano o coração da fé. Muitas vezes também “inventamos” nossas almas. Formalidade externa e não o cerne da fé: isto é um risco. É o risco de uma religiosidade da aparência: parece ser bom por fora, negligenciando a purificação do coração. Sempre existe a tentação de “reduzir a nossa relação com Deus” a alguma devoção externa, mas Jesus não se satisfaz com esta adoração. Jesus não quer exterioridade, quer uma fé que chegue ao coração”.
Em segundo lugar, Jesus aborda a grande questão sobre o que nos torna puros ou impuros, ou seja, sobre o que nos torna agradáveis ou desagradáveis a Deus; bom ou ruim. Aqui Jesus declara a primazia do interior, do coração. Na verdade, o coração é a morada do pecado, é daqui que surge o pecado, não de fora. A este respeito, o Papa Francisco disse
no angelus de 29 de agosto de 2021: “Muitas vezes pensamos que o mal vem principalmente de fora: do comportamento dos outros, de quem pensa mal de nós, da sociedade. Quantas vezes culpamos os outros, a sociedade, o mundo, por tudo o que nos acontece! A culpa é sempre dos “outros”: a culpa é do povo, de quem governa, do azar, etc. Parece que os problemas sempre vêm de fora. E gastamos tempo distribuindo culpas; mas gastar tempo culpando os outros é uma perda de tempo. Ficamos com raiva, amargos e mantemos Deus fora de nossos corações. Como aquelas pessoas do Evangelho que reclamam, se escandalizam, discutem e não acolhem Jesus. Não se pode ser verdadeiramente religioso na reclamação: a reclamação é um veneno, leva à raiva, ao ressentimento e à tristeza, a do coração, que fecha as portas a Deus. Peçamos em oração a graça de não perder tempo contaminando o mundo com reclamações, porque isso não é cristão. Jesus nos convida a olhar a vida e o mundo a partir do coração. Se olharmos para dentro, encontraremos quase tudo que odiamos lá fora. E se pedirmos sinceramente a Deus que purifique os nossos corações, começaremos a tornar o mundo mais limpo. Porque existe uma maneira infalível de derrotar o mal: comece a derrotá-lo dentro de você. Os primeiros Padres da Igreja, os monges, quando questionados: “Qual é o caminho da santidade? Como devo começar?”, disseram que o primeiro passo era acusar-se: acusar-se. A acusação de nós mesmos”.
Assim, o coração é o lugar da luta entre a Palavra de Deus e a tentação; Portanto, a nossa decisão de seguir o Senhor, evitando o mal e fazendo o bem, é fundamental.
Trata-se de viver a bem-aventurança dos puros de coração, onde Cristo proclama bem-aventurados aqueles que não se contentam com a pureza externa ou ritual, mas que buscam uma justiça interior absoluta que exclui toda mentira e falsidade. Como comenta PR Cantalamessa5: "A pureza de coração não indica, no pensamento de Cristo, uma virtude particular, mas antes uma qualidade que deve acompanhar todas as virtudes, para que sejam verdadeiramente virtudes e não “vícios esplêndidos”. Seu oposto mais direto não é a impureza, mas a hipocrisia. A hipocrisia é o pecado mais fortemente denunciado por Deus em toda a Bíblia e a razão é clara. Com ela, o homem rebaixa Deus, coloca-o em segundo lugar, colocando as criaturas, o público, em primeiro lugar. “O homem olha a aparência, o Senhor olha o coração” (1Sm 16, 7): cultivar mais a aparência do que o coração significa dar mais importância ao homem do que a Deus".
Um bom, “Aqui Jesus denuncia os males típicos de muitos religiosos – os do seu tempo e os de qualquer outro tempo – para quem é mais importante servir o altar do que servir a Deus, a obediência legalista mais decisiva do que agir segundo a vontade divina, e religião muito mais essencial do que amar a Deus de todo o coração, de toda a mente e de todas as forças e ao próximo como a si mesmo”6.
Vemos então que as duas questões consideradas estão intimamente relacionadas. A atitude farisaica, que Jesus classifica de hipócrita, preocupa-se sobretudo com o exterior, com a aparência, com as tradições dos antepassados, com o olhar e a aprovação dos homens. E ao fazer isso, ele negligencia o interior, os mandamentos de Deus, o olhar e a aprovação de Deus, e nega o pecado que reside em seu coração, não o combate, para acabar levando uma vida cristã da boca para fora. Ele não é puro de coração, ele não verá a Deus.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
Suas mãos e minhas mãos
minhas mãos são suas mãos
Quando sujam no plantio
E eles chocam com sua aparência.
É preciso afundá-los na lama
E ao anoitecer procuram água
Para limpeza.
Então suas mãos são minhas
Quando eles entregam a comida
Tão puros e limpos, eles acalmam a fome
Eles saciam a sede de quem tem sede
Eles abençoam e sustentam
Para todas as pessoas.
E se minhas mãos ficarem sujas
Eles se endurecem com o jugo
E eles ficam duros com o frio do trabalho
Deixe-me entregá-los a você, Senhor
Para abraçar o seu
Marcado pelas minhas unhas. Amém.
1 Cf. J. Gnilka, O Evangelho segundo São Marcos I (Siga-me; Salamanca 1992) 325.
2
2 Cf. Osvaldo D. Vena, Evangelho de Marcos (SBU; Miami 2008) 150.
3 O evangelho segundo São Marcos I, 332.
4 Cf. J. Neusner – B. Chilton (ed.), Em busca dos fariseus históricos (Baylor University Press; Texas, 2007) 86.
5 Primeira pregação da Quaresma, 2007.
6 E.Bianchi, Ouça o Filho amado, nele se cumpre a Escritura, Siga-me, Salamanca 2011, 154.