28/07/2024
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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO
1ª Leitura: 2 Reis 4,42-44
Salmo Responsorial 144 (145)R- Saciai os vossos filhos, ó Senhor!
2ª Leitura: Efésios 4,1-6
Evangelho: João 6,1-15
Naquele tempo: 1Jesus foi para o outro lado do mar da Galiléia, também chamado de Tiberíades. 2Uma grande multidão o seguia, porque via os sinais que ele operava a favor dos doentes. 3Jesus subiu ao monte e sentou-se aí, com os seus discípulos. 4Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus. 5Levantando os olhos, e vendo que uma grande multidão estava vindo ao seu encontro, Jesus disse a Filipe: 'Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?' 6Disse isso para pô-lo à prova, pois ele mesmo sabia muito bem o que ia fazer. 7Filipe respondeu: 'Nem duzentas moedas de prata bastariam para dar um pedaço de pão a cada um'. 8Um dos discípulos, André, o irmão de Simão Pedro, disse: 9'Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é isso para tanta gente?' 10Jesus disse: 'Fazei sentar as pessoas'. Havia muita relva naquele lugar, e lá se sentaram, aproximadamente, cinco mil homens. 11Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes. 12Quando todos ficaram satisfeitos, Jesus disse aos discípulos: 'Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca!' 13Recolheram os pedaços e encheram doze cestos com as sobras dos cinco pães, deixadas pelos que haviam comido. 14Vendo o sinal que Jesus tinha realizado, aqueles homens exclamavam: 'Este é verdadeiramente o Profeta, aquele que deve vir ao mundo'. 15Mas, quando notou que estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo, sozinho, para o monte. Palavra da Salvação.
Jo 6,1-15
O milagre de Jesus está ligado a uma necessidade básica do ser humano: o alimento. Nesse sentido, é preciso que estejamos atentos: se o milagre está ligado a uma necessidade essencial é porque ele é sinal e realidade de uma necessidade absoluta para o cristão. Veremos no fim do capítulo 6 de João que Jesus se revela como o pão da vida eterna e a eucaristia como o mistério que realiza a nossa união com Cristo.
O relato começa com a grande multidão que segue Jesus. Destaca-se assim a iniciativa de Jesus: é Ele que arrastou o povo para uma região distante e afastada. Também é Jesus que se antecipa à fome das pessoas, que pergunta aos discípulos onde vão conseguir pão para tantas pessoas. É Ele também que, depois, dá ordens para as pessoas se sentarem e distribui os pedaços de pães. O fato de ser sempre Jesus quem tem a iniciativa revela que tudo recebemos das mãos do Senhor como um dom. Assim é no milagre, assim é na vida cristã.
Filipe e André representam a visão humana dos fatos. Eles veem a situação com um realismo impotente, pois estão obrigados a fazer cálculos: duzentas moedas de prata não são suficientes para dar um pedaço de pão para cinco mil pessoas.
Jesus tomou os cinco pães de cevada e dois peixes, deu graças e distribuiu os pedaços. Todos comeram quanto queriam. Jesus é a generosidade de Deus. Por isso, ir até Jesus significa não ter mais que passar fome. A multidão é alimentada por Ele, e as sobras evidenciam essa generosa superabundância do alimento dado por Deus. Ao mesmo tempo, a abundância não deve dar ocasião para o desperdício. Por isso as sobras são recolhidas.
A multidão, porém, não entendeu bem o sinal da multiplicação dos pães. Querem proclamar Jesus rei: um rei somente para resolver os problemas econômicos. Jesus busca a fé, não o entusiasmo superficial. Ele não quer o fanatismo agressivo dos que desejam proclamá-lo rei.
De todos os atos realizados por Jesus durante sua atividade profética, o mais recordado pelas primeiras comunidades cristãs foi seguramente o da comida massiva organizada por Ele no meio do campo, nas cercanias do lago de Galileia. É o único episódio recolhido em todos os evangelhos.
O conteúdo do relato é de uma grande riqueza. Seguindo seu costume, o evangelho de João não lhe chama “milagre”, mas “sinal”. Com isso convida-nos a não ficarmos nos atos que se narram, mas a descobrir desde a fé um sentido mais profundo.
Jesus ocupa o lugar central. Ninguém pede que intervenha. É Ele mesmo quem intui a fome daquela gente e coloca a necessidade de alimentá-la. É comovedor saber que Jesus não só alimentava as pessoas com a Boa Nova de Deus, mas que lhe preocupava também a fome dos seus filhos.
Como alimentar no meio do campo uma multidão? Os discípulos não encontram nenhuma solução. Felipe diz que não se pode pensar em comprar pão, pois não têm dinheiro. André pensa que se poderia partilhar o que há, mas apenas um rapaz tem cinco pães e um par de peixes. Que é isso para tantos?
Para Jesus é suficiente. Esse jovem sem nome nem rosto vai tornar possível o que parece impossível. Sua disponibilidade para partilhar tudo o que tem é o caminho para alimentar aquelas pessoas. Jesus fará o resto. Toma em suas mãos os pães do jovem, dá graças a Deus e começa a “distribuí-los” entre todos.
A cena é fascinante. Uma multidão, sentada sobre a relva verde do campo, partilhando uma comida gratuita num dia de primavera. Não é um banquete de ricos. Não há vinho nem carne. É a comida simples das pessoas que vivem junto ao lago: pão de cevada e peixe salgado. Uma comida fraterna servida por Jesus a todos graças ao gesto generoso de um jovem.
Esta comida partilhada era para os primeiros cristãos um símbolo atrativo da comunidade nascida de Jesus para construir uma humanidade nova e fraterna. Evocava-lhes ao mesmo tempo a eucaristia que celebrava o dia do Senhor para alimentar-se do espírito e da força de Jesus: o Pão vivo vindo de Deus.
Mas nunca esqueceram o gesto do jovem. Se há fome no mundo, não é por escassez de alimentos, mas por falta de solidariedade. Há pão para todos, falta generosidade para o partilhar. Temos deixado o andar do mundo nas mãos de um poder econômico inumano, dá-nos medo partilhar o que temos, e as pessoas morrem de fome pelo nosso egoísmo irracional.
“Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados...” (Jo 6,11)
São João situa na Última Ceia o mandamento do amor e o lava-pés (serviço); mas, a Eucaristia – “Eu sou o pão da vida” – ele a situa no cap. 6º. de seu Evangelho, no relato da multiplicação dos pães – “Eu sou o pão que desceu do céu”. O acontecimento da “multiplicação dos pães” ficou muito gravada na memória e no coração dos primeiros cristãos, pois aparece seis vezes nos quatro evangelhos.
De fato, a partilha dos alimentos é uma das mais sólidas e atrativas mensagens evangélicas. Certamente, nós cristãos, devemos atender ao que Jesus prega quando nos revela que Deus é nosso Pai e fonte de misericórdia; mas, é preciso também nos deixar inspirar pelos seus atos quando dá de comer aos famintos, atos que dão suficiente fundamentação à sua pregação.
Jesus sempre se preocupou com as necessidades dos enfermos, dos marginalizados e, no relato deste domingo, deixou clara sua sensibilidade diante da fome daquela multidão que fora ao seu encontro para escutá-lo. Afinal, todo ser humano precisa comer, no amplo sentido do termo “alimentar-se”.
Seguramente, o problema mais grave que a humanidade padece, em todos os tempos, está no fato de não saciar a fome de tantos milhões de seres humanos, deserdados da possibilidade de se alimentarem. Diante desta triste realidade sentimo-nos impotentes e incapazes de encontrar uma solução.
Os critérios, profundamente egóicos, que regem nossas sociedades, dificilmente resolverão o problema da fome. O milagre da multiplicação dos pães é um forte apelo a nos libertarmos de nossa indiferença diante daqueles que morrem de miséria e fome. Quando somos solidários, há pão para todos, inclusive sobra.
Nesse sentido, a multiplicação dos pães significa também multiplicar o trabalho, acolher os imigrantes, dividir os bens... Na terra há alimento para todos; inclusive sobra, quando não é especulado.
O pão de vida não vem do dinheiro ou da compra abundante, que não sacia; o pão de vida vem do coração, da boa relação, da solidariedade e da partilha entre os seres humanos. O pão de vida é um dom, uma graça (gratuidade) do Senhor. Jesus sabe disso: aqueles que tem dinheiro não resolverão nunca o problema da fome no mundo, porque, para resolver este problema é preciso algo mais que o dinheiro: partilha, solidariedade, boa vontade, sensibilidade oblativa... É muito difícil ensinar a partilhar quando unicamente sabemos comprar com ansiedade.
Diante da fome, Jesus propõe uma solução diferente daquela do comprar. Fala da partilha dos poucos pães e peixes que um menino anônimo levou consigo e que dispõe para saciar a fome dos outros. O menino põe seus pães de cevada (pão do pobre) e peixes a serviço dos demais, como a pobre viúva do evangelho que deposita seus poucos centavos na urna da coleta do Templo: era tudo o que tinha para viver.
Ao tomar os pães e peixes em suas mãos, Jesus, cheio de gratidão, dirige-se ao Pai; não é possível crer n’Ele como Pai de todos e continuar deixando que seus filhos e filhas morram de fome.
Por isso, profere a benção de ação de graças. A Terra e tudo o que nos alimenta, recebemos de Deus. É dom do Pai destinado a todos os seus filhos e filhas. Ninguém tem o direito de acumular e especular os alimentos. Se vivemos privando os outros daquilo que necessitam para viver é que já nos distanciamos de Deus e atrofiamos nossa sensibilidade solidária.
No evangelho deste domingo podemos também perceber uma profunda conexão entre a cena da multiplica-ção dos pães e peixes e o relato da Última Ceia; também nessa multiplicação “Jesus tomou os pães, deu graças e os repartiu entre aqueles que estavam sentados à mesa”. Aqui, Jesus acrescenta um pedido para que a ceia fosse celebrada “em sua memória viva”, ou seja, que todos recordassem que Ele passou neste mundo fazendo o bem, servindo e amando a todos.
Diante de tudo isso, sem refeição compartilhada, sem serviço efetivo e sem amor incondicional, não pode haver Eucaristia em sentido pleno. Percebemos, nas atuais “missas católicas”, que há muito culto, muita genuflexão, muita adoração..., mas, pouca partilha, pouca vivência do amor e reduzido serviço; “missas” que não deixam transparecer a “memória viva” da vida de Jesus, nem é o lugar do cumprimento das recomendações tão caras que Ele nos fez no momento mesmo de sua partida.
A Eucaristia nos recorda que o pão é dom de Deus a receber; se ele leva a marca do dom, ele convida à partilha. A ação de comer deixa de ser somente um ato biológico, mas um ato social e, portanto, um ato espiritual.
Alimentar-se é também uma questão moral e teológica. É preciso examinar como nossa atitude diante do alimento foi superficializado pela narrativa moderna e pela redução dele a uma mercadoria. O entendimento espiritualmente empobrecido do alimento só poderá ser corrigido se começarmos a pensar na alimentação como um “exercício espiritual”.
O alimento é uma dádiva de Deus oferecida a todas as criaturas para fins de nutrição, partilha e celebração da vida.
Quando se realiza em nome de Deus, a alimentação é a realização terrena do eterno amor de comunhão de amor do Pai com todos os seus filhos e filhas
A consciência do dom nos convence que o alimento não é um simples punhado de nutrientes que simplesmente precisamos ingerir nas quantidades, variedades e proporções certas; o alimento é muito mais que um combustível de que necessitamos para manter nosso corpo funcionando, como uma máquina, em um nível ideal. Nessa visão falta aquela atitude para o maravilhamento e reverência.
Normalmente as pessoas costumam parar e dizer uma oração antes de tomar uma refeição, mas grande parte das pessoas aprendem que o alimento é apenas um produto manufaturado que é controlado e especulado.
O pão tem sido, há muito tempo, um elemento central para o coração e a vida das culturas ocidentais e do Oriente Próximo. Por gerações, as pessoas têm associado pão com alimento, e a disponibilidade de pão com tempos bons e segurança alimentar. A ausência de pão, ou medo da escassez dele, com frequência, eram suficientes para causar revoltas. Na mente de muitos, ao longo do tempo, sem pão simplesmente não há vida.
A importância do pão ainda permanece em nossa imaginação quando nos referimos ao dinheiro como o “pão nosso de cada dia” ou aos salários como o “ganha-pão” dos trabalhadores.
O aroma do pão saído do forno é suficiente para fazer que as pessoas queiram se sentar, se acomodar e se deliciar com várias fatias. A presença visível, aromática e tátil de um pão quentinho convida ao compartilhamento e ao companheirismo (“companheiro” – do latim “cum-panis” é alguém que “compartilha o pão”).
Além de proporcionar nutrição, o pão comunica aconchego, hospitalidade, fraternidade, compartilhamento de nossa vida juntos. Podemos olhar para uma refeição e ver apenas uma variedade aleatória de nutrientes, inconscientes da graça de
Deus que nela se manifesta. Podemos esquecer que o alimento é um dos meios básicos e duradouros de Deus expressar a providência e o cuidado divinos.
Compartilhar uma refeição é participar de uma comunicação divina (cf. Sl 104,10-15).
Recebido à mesa eucarística como o corpo de Cristo, é nossa nutrição para reforçar nossos laços comunitários.
Para meditar na oração:
Não é possível reconhecer o Corpo do Senhor presente na Eucaristia se não reconhecemos o Corpo do Senhor na comunidade onde alguns passam necessidades. Pois, se fechamos os olhos às divisões e às desigualdades mentimos ao dizer que Cristo está presente na Eucaristia.
Enquanto não nos mobilizamos a mudar nossa sociedade de maneira que mais pessoas aceitem a alegria de compartilhar o pão e a vida, faltará algo em nossa Eucaristia. Essa “ferida” o cristão deve sempre tê-la presente.
- Sua participação na Eucaristia desperta uma sensibilidade solidária diante das diferentes “fomes” que afetam tantas pessoas?
Naquele tempo, Jesus foi para o outro lado do mar da Galileia, também chamado de Tiberíades. Uma grande multidão o seguia, porque via os sinais que ele operava a favor dos doentes.
Jesus subiu ao monte e sentou-se aí, com os seus discípulos. Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus. Levantando os olhos, e vendo que uma grande multidão estava vindo ao seu encontro, Jesus disse a Filipe: "Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?" Disse isso para pô-lo à prova, pois ele mesmo sabia muito bem o que ia fazer.
Filipe respondeu: "Nem duzentas moedas de prata bastariam para dar um pedaço de pão a cada um". Um dos discípulos, André, o irmão de Simão Pedro, disse: "Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é isso para tanta gente?"
Jesus disse: "Fazei sentar as pessoas". Havia muita relva naquele lugar, e lá se sentaram, aproximadamente, cinco mil homens. Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes.
Quando todos ficaram satisfeitos, Jesus disse aos discípulos: "Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca!" Recolheram os pedaços e encheram doze cestos com as sobras dos cinco pães, deixadas pelos que haviam comido.
Vendo o sinal que Jesus tinha realizado, aqueles homens exclamavam: "Este é verdadeiramente o Profeta, aquele que deve vir ao mundo". Mas, quando notou que estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo, sozinho, para o monte.
Neste domingo, a liturgia oferece um fascinante texto que nos ajuda a conhecer mais sobre Jesus e sua vida com as pessoas que o seguiam, atraídas por sua palavra e suas ações. Inicia a leitura e meditação do capítulo 6 do Evangelho de João, que continuará nos próximos domingos. É o mais longo de todos os capítulos dos Evangelhos e contém uma riqueza muito profunda que flui como uma fonte inesgotável de vida. Várias leituras e percepções ressoaram e alimentaram comunidades inteiras ao longo da história e continuam a nos enriquecer com a beleza de seus detalhes, bem como com a profunda revelação de Jesus, tão humano e tão próximo!
Jesus foi para o outro lado do Mar da Galileia, também chamado de Tiberíades.
O texto diz que Jesus muda de lugar, ele vai para “o outro lado do Mar da Galileia”, convidando-nos, assim, a ir para o seu lado. Nós o acompanhamos, deixando-nos surpreender pela novidade que ele traz, deixando para trás a visão habitual ou talvez a “já conhecida” do que vai acontecer. Uma perspectiva que, em muitas ocasiões, apenas obscureceu e velou a riqueza do Deus que se tornou homem, onde sua pessoa e sua obra foram tingidas por perspectivas teológicas posteriores.
Hoje fazemos parte dessa multidão que o segue “porque via os sinais que ele operava a favor dos doentes”. Neste tempo há milhões de pessoas que caminham durante dias e semanas até santuários e espaços de peregrinação populares, na esperança de receber a bênção e a saúde daquilo que precisam. Grupos inteiros de pessoas caminham a pé, sem se importar onde vão dormir ou o que vão comer, porque sua prioridade é outra: a saúde de um membro da família, receber uma bênção especial, agradecer por uma promessa cumprida, e assim milhares de pessoas em todo o mundo se deslocam diariamente, movidas por uma fé silenciosa, mas profunda. Elas acompanham e apoiam umas às outras, pequenas comunidades que se encorajam mutuamente a atingir a meta, a pisar naquele solo sagrado e a derramar suas dores, angústias e desejos. Entrar no recinto sagrado e respirar o ar de tantos peregrinos, receber as histórias que povoam esse lugar, ver a imagem e, se possível, tocá-la, são momentos sagrados pelos quais vale a pena percorrer esse caminho povoado pelas pegadas de outros peregrinos.
De acordo com o texto do evangelho, essa multidão segue Jesus hoje! Ele se senta com os discípulos e, “levantando os olhos, viu que uma grande multidão vinha ao seu encontro”. Jesus levanta os olhos, como um gesto de boas-vindas e de recepção dessa grande multidão que o segue, sedenta de suas palavras e de sua vida. Tantas pessoas vêm a esses lugares sagrados em busca de água para matar a sede, do conforto e da carícia de Deus. Jesus não desvia o olhar diante da dor ou de qualquer situação que surja. Jesus levanta os olhos e reconhece a multidão que o procura, reconhece os pés cansados, o coração expectante e aberto à novidade do encontro com Ele. Jesus sabe que eles estão procurando por ele e que vão encontrá-lo. Eles precisam dele! Eles precisam dele! E a resposta deles é tão generosa que supera todas as expectativas.
É uma resposta compartilhada. Em primeiro lugar, com a pergunta: “Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?”
Dessa forma, ele os convida a conhecer a individualidade de cada um dos membros dessa multidão. Nessa multidão, cada um traz suas próprias necessidades e riquezas. Ao personalizar esse grande grupo, os discípulos serão capazes de reconhecer não apenas suas necessidades e buscas, mas também sua contribuição.
“Aqui está um menino com cinco pernas de carne e dois peixes”. Para chegar a essa conclusão, foi necessário um vínculo pessoal, uma relação de confiança, em que esse menino lhes oferecesse seus pães, seus peixes e em que cada um pudesse contribuir com a riqueza que traz, que é nomeada e dada com confiança. É dessa forma que Jesus também faz com que cada pessoa que está presente ali e que compõe aquela multidão participe de sua resposta generosa: a abundância de pães.
"Fazei sentar as pessoas". Agora que chegaram até Ele, agora que estão naquele lugar sagrado que tanto desejavam, Jesus os convida a se sentarem, em um gesto de descanso com Ele. Eles caminharam ao seu encontro, cada um falou com os discípulos sobre suas necessidades, deram o pouco ou muito que tinham e deixaram tudo nas mãos do Senhor.
“Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam”. Jesus recolhe a gratidão que está no íntimo de cada um dos que estão ali e a eleva ao Pai, depois pega os pães recebidos e os distribui entre os que estão sentados. Cada um recebe a quantidade que quiser e essa é a única condição: ter o desejo de comer, de desejar o pão que é distribuído com tanta generosidade. Jesus responde à necessidade de cada um, ao seu desejo interior, àquela motivação que o leva a caminhar por horas a fio para ir ao seu encontro. Um desejo que deve continuar sempre latejando em seu interior, pois se não houver pergunta, não haverá resposta. É necessário desejá-Lo para poder encontrá-Lo.
Somos convidados a caminhar na procura do Senhor, confiando no encontro pessoal e comunitário com Ele. Sua vida nos cheia de esperança, sua generosidade alimenta nossa fé na sua presença nesse pequeno pedaço de pão partido e repartido na medida que o desejamos e necessitamos! É um pão que não pode se perder, que é preciso recolher todo porque nada é descartável. Cada humilde pedaço de pão contem a vida partilhada de uma pessoa, sua riqueza, seus dons e seus talentos.
Nada pode ser rejeitado o esquecido e por isso Jesus disse: "Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca!"
Toda pessoa tem um valor único e original que no encontro com Jesus se transforma em alimento para muitos. Recolhemos assim as palavras do Papa Francisco quando denuncia a “cultura do descarte” na qual milhões de homens e mulheres não valem nada em relação aos benefícios econômicos” e se pergunta: “como é que deixamos que esta cultura domine as nossas vidas, as nossas cidades, o nosso modo de vida?" Ele adverte “para o risco de um torcicolo de tanto desviar o olhar para não ver esta situação” e disse "paremos de tornar invisíveis" os que estão à margem da sociedade, seja por motivos de pobreza, seja por motivos de dependência, doença mental ou deficiência” (Francisco: por favor, “paremos de tornar invisíveis os que são descartados”. O vídeo do Papa)
Fazemos nossa a oração do Papa: "Rezemos para que as pessoas que vivem à margem da sociedade, em condições de vida desumanas, não sejam esquecidas pelas instituições e jamais sejam consideradas descartáveis", é o apelo final de Francisco.
João 6,1-15
SITUANDO
Hoje vamos refletir a história da multiplicação dos pães. O povo ia atrás de Jesus, porque via os sinais que ele fazia para os doentes. Era um povo faminto e doente, como um rebanho sem pastor. Estava desorientado. Buscava sinais, buscava um líder. Seguia a Jesus, porque enxergava nele o novo líder capaz de resolver os seus problemas. Vendo aquela multidão de gente que o procurava, Jesus confronta os discípulos com a fome do povo. Alguma coisa tinha de ser feita!
COMENTANDO
1. João 6,1-4: A Situação
“Estava próxima a Páscoa”. Na antiga páscoa, aquela do êxodo do Egito, o povo atravessou o Mar Vermelho. Aqui na nova páscoa, Jesus atravessa o Mar da Galiléia. Uma grande multidão seguia a Moisés no primeiro êxodo. Uma grande multidão segue Jesus nesse novo êxodo. No primeiro êxodo, Moisés subiu a Montanha. Jesus, o novo Moisés, também sobe à montanha. O povo seguia a Jesus porque tinha visto os sinais que ele fazia para os doentes.
2. João 6,5-7: Jesus e Filipe
Uma vez no deserto, apareceu a fome do povo. Vendo a multidão faminta, Jesus pergunta a Filipe: “Onde vamos comprar pão para esse povo comer?” Fez a pergunta para prová-lo, porque ele sabia o que fazer. Como sabia? É que, conforme a Escritura, no primeiro êxodo, Moisés tinha conseguido alimento para o povo faminto. Jesus, o novo Moisés, irá fazer a mesma coisa. Mas Filipe, em vez de olhar a situação à luz das Escrituras, olha a situação com os olhos do sistema e responde: “Duzentos denários não bastam!” Um denário era o salário mínimo de um dia. Filipe constata o problema e reconhece a sua total incapacidade para resolvê-lo. Faz o lamento, mas não apresenta solução.
3. João 6,8-9: André e o menino
André, em vez de lamentar-se, busca uma solução. Ele encontra um menino com cinco pães e dois peixes, disposto a partilhá-los. Cinco pães de cevada e dois peixes eram o sustento ou a ração do pobre. O menino entrega o seu sustento! Ele poderia ter dito: “Cinco pães e dois peixes, o que é isso para tanta gente? Não vai dar para nada! Vamos partilhá-los aqui entre nós com duas ou três pessoas!” Em vez disso, tem a coragem de entregar cinco pães e dois peixes para alimentar 5 mil pessoas (Jo 6,10). André percebe que neste gesto do menino está a solução. Por isso, levou-o até Jesus. Quem faz isso, ou é louco ou tem muita fé em Jesus e nas pessoas, acreditando que, por amor a Jesus, todos se disponham a partilhar como fez o menino!
4. João 6,10-11: A multiplicação
Jesus pede para o povo se acomodar na grama. Em seguida, multiplica o sustento, a ração do pobre. Diz o texto: “Jesus tomou os pães e, depois de ter dado graças, distribuiu-os aos presentes, assim como os peixes, tanto quanto queriam!” Com esta frase, escrita no ano de 100 depois de Cristo, João evoca o gesto da Ceia, do jeito que era celebrada nas comunidades (1Cor 11,23-24). A Ceia Eucarística, quando celebrada como deve, levará as pessoas à partilha como levou o menino a entregar seu sustento para ser partilhado.
5. João 6,12-13: A sobra dos 12 cestos
Jesus manda recolher a sobra do pão. Recolheram 12 cestos. O número 12 evoca a totalidade do povo com suas 12 tribos. João não informa se sobrou algo dos peixes. É que o interesse dele era evocar o pão como símbolo da Ceia Eucarística. João não descreve a Ceia Eucarística, mas descreve a multiplicação dos pães como símbolo do que deve acontecer nas comunidades e no mundo através da celebração da Ceia Eucarística. Por exemplo, se no Brasil houvesse partilha, haveria comida abundante para todos e sobrariam 12 cestos para muitos outros povos! E dizem que o Brasil é o maior país cristão do mundo! Ah, se fosse…!
6. João 6,14-15: Querem fazê-lo rei
O povo interpreta o gesto de Jesus dizendo: “Esse é verdadeiramente o profeta que deve vir ao mundo!” A intuição do povo é correta. Jesus de fato é o novo Moisés, o Messias, aquele que o povo estava esperando (Dt 18,15-19). Mas esta intuição tinha sido desviada pela ideologia da época que “queria um grande rei que fosse forte e dominador”. Por isso, vendo o sinal, o povo proclama Jesus como Messias e avança para fazê-lo rei! Jesus, percebendo o que ia acontecer, refugia-se sozinho na montanha. Não aceita esta maneira de ser messias e aguarda o momento oportuno para ajudar o povo a dar um passo.
Situando
A gente encontra o ministério profético de Elias e Elizeu nos Livros dos Reis (cf. 1 Re 17,17- 21 e 2 Re 1,1-13,21). Aconteceu num período bastante conturbado – quer em termos políticos, quer em termos religiosos – entre 874 e 797 antes do tempo de Jesus, no Reino do Norte (Israel), durante o reinado de cinco reis diferentes
A preocupação dos reis foi o desenvolvimento, e para isso procuraram estabelecer relações comerciais, económicas, políticas e militares com os povos vizinhos. Isso teve um custo alto para a vivência religiosa, uma vez que os cultos aos deuses dos povos estrangeiros, com entrada livre no país, começaram a ocupar um lugar significativo na vida, no coração e na religião dos israelitas. É uma época de mistura religiosa, em que a religião de Deus Javé ficou contaminada pelos cultos de Baal e de Astarte. Em termos sociais, é um período de instabilidade social e política, porque multiplicou as injustiças contra os pobres e as arbitrariedades contra os fracos. Os grupos fiéis interpretaram isso como sendo consequência da infidelidade a Deus e a Aliança que os antepassados haviam feito com Javé.
É contra este “mundo” que se levantam as vozes proféticas de Elias e de Eliseu. Elias aparece como o representante daqueles que conservavam os valores religiosos tradicionais, recusando a coexistência de Javé e de Baal no horizonte da fé. Essa luta de Elias foi continuada por um dos seus discípulos – Eliseu.
Parece que Eliseu fazia parte de uma comunidade de “filhos de profetas”, uma comunidade de homens que viviam pobremente (2 Re 4,1-7) e que eram seguidores incondicionais de Javé. Eles moravam em algumas localidades do reino de Israel, talvez em ligação com alguns santuários locais, como Betel, Jericó ou Guilgal. O Povo consultava estes “filhos de profetas” regularmente e buscava neles apoio face aos abusos dos poderosos. Eliseu é apresentado muitas vezes, nas histórias narradas no “ciclo de Eliseu” (cf. 2 Re 2; 3,4-27; 4,1-8,15; 9,1-10; 13,14-21), como um profeta “dos milagres”, cujas ações poderosas mostram a presença da força e da vida de Deus no meio do seu Povo. Outras vezes, Eliseu é o profeta da intervenção política; a sua ação neste campo ultrapassa mesmo as fronteiras físicas de Israel e chega a Damasco (cf. 2 Re 8,7-15).
Comentando
O cenário do trecho de hoje é, (provavelmente Guilgal), um santuário situado do lado leste de Jericó onde tinha sido erguido um monumento de pedra para comemorar a passagem do rio Jordão pelos seguidores de Javé quando entraram na Terra Prometida (Jos 4,20). Havia em Guilgal uma comunidade de “filhos de profetas” que Eliseu costumava visitar (cf. 2 Re 4,38).
O texto narra como um homem de Baal-Shalisha (um lugar perto do santuário de Guilgal) trouxe a Eliseu o “pão das primícias”: vinte pães de cevada e trigo novo. Os pães das primícias eram pães feitos com a farinha dos primeiros frutos da colheita, que deviam ser apresentados e consagrados a Deus. Depois, revertiam em benefício dos sacerdotes. Deve ser este costume que está por detrás do episódio da entrega dos pães de cevada e trigo novo a Eliseu.
Eliseu, no entanto, não conservou os pães para si, mas mandou repartir entre as pessoas que o rodeavam, provavelmente os “filhos dos profetas” que estavam em Guilgal. O “servo” do profeta não acreditava que os vinte pães oferecidos chegassem para saciar cem pessoas; no entanto, chegaram e ainda sobraram.
O mais significativo, neste episódio, é a generosidade e vontade de partilhar: tanto da do homem que leva os dons ao profeta e do próprio profeta que por sua vez manda compartilhar com as pessoas em volta.
A descrição de uma multiplicação milagrosa de pães de cevada e de trigo novo sugere que, quando o homem é capaz de sair do seu egoísmo e tem disponibilidade para partilhar as coisas recebidos de Deus, esses dons chegam para todos e ainda sobram. A generosidade, a partilha, a solidariedade, não empobrecem, mas são geradoras de Vida e de Vida em abundância.
Este relato é modelo dos relatos evangélicos das multiplicações dos pães (cf. Mc 6,34-44; 8,1-10; Mt 14,13-21; 15,32-38; Lc 9,10-17).
Alargando
O “profeta” é o rosto de Deus, que fala e age em nome de Deus; ele “diz”. As suas palavras e seus gestos é Deus encarando as dificuldades e dos seus filhos que caminham pela terra. Repartindo com os famintos o pão recebido, Eliseu não está apenas fazendo um gesto de bondade; mas está a dizendo profeticamente com gestos, que Deus não fica indiferente quando os seus filhos e filhas estão com “fome”: fome de pão, de justiça de liberdade, de dignidade, paz, de esperança.
Perguntando
Qual é o caminho para matar a fome do povo proposta pela palavra de Deus?
Como é que Deus atua na vida dos homens? Será que é fazendo chover do céu, de forma milagrosa, o “pão” de que o homem necessita ou pela generosidade e da partilha?
Quando nós cristãos somos obrigados a fazer opções –políticas, ideológicas ou religiosas – usamos como critério o projeto de Deus – partilha e fraternidade -, ou os critérios do mundo – poder, dinheiro e merecimento?
17º DOMINGO DO TEMPO COMUM – CICLO “B”
Primeira Leitura (2Rs 4,42-44):
A. Rofé[1] propôs para classificar adequadamente essas narrativas proféticas o conceito de ' lenda profética ' onde o termo latino legenda é extrapolado e comparado com as histórias que surgiram em ambientes piedosos da Igreja Católica na Idade Média sobre homens santos, muito virtuosos ou mártires (por exemplo as “florzinhas” de São Francisco).
No ciclo de Eliseu temos vários contos como este; e todas essas histórias têm em comum o fato de contarem um simples milagre com suas circunstâncias imediatas. Começam com uma descrição dos fatos que mostram a necessidade do milagre; Continuam apresentando um momento de desespero (nada pode ser feito!) e finalizam com uma solução satisfatória trazida pelo milagre. O profeta aparece como um homem reverenciado, com grande habilidade ou poder e é chamado de ‘homem de Deus’.
A liturgia de hoje escolheu este texto pelas suas semelhanças com a multiplicação dos pães do Evangelho. Mas embora esta história termine com o milagre de Eliseu, no evangelho o milagre de Jesus é apenas o começo ou o gatilho de uma revelação mais profunda.
Evangelho (Jo 6,1-15):
(A partir deste domingo, 17º, e terminando no domingo, 21º inclusive, será lido o capítulo 6 do Evangelho de João. É importante ter isso em mente, pois, durante 5 domingos consecutivos, o evangelho se referirá ao tema de Jesus como verdadeiro pão da vida e à Eucaristia, por isso é aconselhável seguir as acentuações específicas de cada perícope para evitar repetições. . Propomos para este domingo começar com uma visão global de Jo 6 e depois apontar o que há de específico na perícope de Jo 6,1-15).
No Evangelho segundo São João temos 5 capítulos dedicados à Última Ceia (Jo 13-17), mas ali não aparece nenhuma menção explícita à instituição da Eucaristia. Mas este silêncio sobre a instituição não é silêncio sobre a Eucaristia, pois ele nos dá uma profunda catequese mistagógica sobre ela no sexto capítulo.
Este capítulo começa narrando a multiplicação dos pães e dos peixes (6:1-15); história que está presente também nos três sinóticos (cf. Mt 14,13-21; Mc 6,30-44; Lc 9,10-17). Segue-se então outro milagre: Jesus caminha sobre as águas (6:16-21). Após um breve interlúdio narrativo que situa Jesus e a multidão em Cafarnaum (6,22-24), temos um longo trecho dialógico-narrativo (6,25-71) que alterna discursos de Jesus com diálogos com os judeus e com seus discípulos. .
Quanto à mensagem desta unidade literário-teológica, S. Muñoz León[2] destaca as seguintes dimensões:
Þ Dimensão cristológica : é a principal e apresenta Jesus como pão descido do céu (Encarnação); pão da vida (Salvador-Redentor); aquele que dá a sua carne como alimento para a vida do mundo (morte redentora); o filho do homem que sobe onde estava antes (Ressurreição-Ascensão); o Santo de Deus.
Þ Dimensão soteriológica : aparece nas expressões vida, vida eterna, não ter fome, não ter sede. Jesus aparece como o doador da vida verdadeira cuja fonte é Deus.
Þ Dimensão antropológica (teológica) : insiste-se na necessidade e natureza da fé como obra de Deus que o homem deve receber com Dádiva-Graça e escolher livremente.
Þ Dimensão sacramental : está presente em toda a seção de forma progressiva, começando a ser vislumbrada no sinal da multiplicação dos pães para terminar com a apresentação da carne e do sangue de Jesus como verdadeiro alimento e verdadeira bebida.
Þ Dimensão eclesiológica : sugerida nos doze cestos de pão que sobraram e evidente na confissão de fé de Pedro em nome dos doze apóstolos.
Em resumo : “Todo o capítulo é um convite urgente à fé e ao sacramento: à fé na pessoa de Cristo e à comunhão com Ele através do sacramento eucarístico”.
Em 6,1-4 nos é oferecida uma clara “composição de lugar, atores e tempo”. Ou também, como sugere F. Moloney[3], as questões clássicas são respondidas: “onde? quando? Quem? e por que?". O cenário (onde) a narrativa se passa é a costa do Mar da Galiléia ou de Tiberíades; Há uma multidão que segue Jesus atraída pelos “sinais” que ele realizava com os enfermos (por que); Jesus e seus discípulos (quem) estão num monte; A Páscoa está próxima (quando), o feriado judaico.
Esta referência à Páscoa judaica, mais a travessia para a outra margem e a subida de Jesus à montanha, são um convite à leitura da história que se segue no pano de fundo da narrativa do êxodo . Tudo isso será posteriormente confirmado com a multiplicação dos pães e a caminhada de Jesus sobre as águas, além das referências explícitas no discurso a Moisés e ao maná.
Em 6,5-9 temos um diálogo entre Jesus e Filipe e André, dois dos apóstolos, que nos revela a situação de carência que exigirá o milagre de Jesus para sermos salvos. Ao contrário dos relatos paralelos dos Sinópticos, aqui é Jesus quem, ao ver a multidão, percebe a necessidade de alimentar o povo e a escassez de recursos. Quanto a este último, Felipe calcula o dinheiro que precisariam (200 denários) e Andrés declara o que têm especificamente: uma doação feita por um jovem de 5 pães de cevada e 2 peixes. A conclusão é óbvia: “o que é isso para tanta gente?”
Em 6,10-11, apesar da desproporção entre a necessidade e os recursos existentes, Jesus rapidamente age. Ele faz o povo sentar e especifica que são cinco mil homens e que havia muita grama verde no local, o que pode ser uma referência ao Sl 23:2 (“ele me faz deitar em pastos verdejantes” ). Depois Jesus “toma” o pão, “dá graças” e “dá-o” ao povo. Estes gestos de Jesus, em particular o “ dar graças ”, remetem-nos para a Ceia da Páscoa judaica e também para a celebração eucarística cristã.
Em 6,12-13, sob orientação de Jesus, os discípulos agem e recolhem as sobras. Notemos que não só foi suficiente para todos, que “encheram” bem, mas também sobrou muito. Com tudo isto, a abundância de alimentos é destacada e seria feita referência ao Sal 23,1: “o Senhor é o meu pastor, nada me falta”. Quanto ao número de cestos que foram cheios com as sobras, doze, é difícil não ver uma relação com o grupo apostólico identificado posteriormente com este número (cf. Jo 6,67,70,71).
Em 6,14-15 temos a reação do povo ao “sinal” da multiplicação dos pães. Em primeiro lugar, dizem: “Este é verdadeiramente o profeta que deveria vir ao mundo”. Há aqui uma clara referência a Dt 18,15.18, texto messiânico porque anuncia a vinda de um profeta como Moisés. Isto é extremamente significativo porque «o contexto fundamental em que se situa todo o capítulo é a comparação entre Moisés e Jesus: Jesus é o Moisés definitivo e maior, o “profeta” que Moisés anunciou às portas da terra santa (Dt 18, 18)"[4].
Em segundo lugar , é narrado que “queriam levá-lo para torná-lo rei”. Também aqui há uma expectativa messiânica de tipo temporal-terrestre em referência ao sucessor de David que viria para libertar o povo dos seus males e devolver a glória a Israel. Segundo LH Rivas[5], como não se trata de reconhecê-lo como um rei que veio de Deus, mas de "fazê-lo rei", "isso equivaleria a colocá-lo como líder de uma revolução que visa expulsar os romanos e restaurar o reino de Israel […] O evangelista deixa claro que Jesus não se envolveu no messianismo político terreno. Seu reino não tinha sua origem nem sua força neste mundo, quando o evangelho foi escrito, quando o cristianismo incipiente poderia ser confundido com um dos movimentos nacionalistas sediciosos dos judeus.
A seção termina observando que Jesus voltou e fugiu para a montanha, desta vez sozinho.
Como diz com razão G. Zevini[6]: “Quando o homem não deixa espaço à busca sincera do dom de Deus, não consegue ler o acontecimento como palavra de salvação e não está aberto à fé. Diante deste grave mal-entendido do messianismo, Jesus não tem outra escolha senão retirar-se para a solidão da montanha para rezar, fugir das pessoas que querem segurá-lo para torná-lo um rei terreno. É aqui que começa aquela deserção progressiva do povo que é narrada neste capítulo, até que Jesus fica sozinho com os Doze”.
Em resumo: tendo em conta que esta história tem como pano de fundo duas narrativas do Antigo Testamento: a multiplicação dos pães pelo profeta Eliseu (2 Reis 4,42-44) e a dádiva do maná no deserto (Ex 16, 13-35), a mensagem é que Jesus possui a autoridade e o poder dos antigos profetas e homens de Deus, como Moisés e Eliseu . Sim, mas ele é muito mais que eles, porque tem mais para dar aos homens: outro pão e outra vida...
ALGUNS PENSAMENTOS:
Para compreender a mensagem do evangelho deste domingo temos que entrar no universo simbólico do evangelho de João. Em primeiro lugar, devemos compreender o valor e a função do signo (semeion ). No evangelho de São João o sinal é algo que Jesus faz no presente, principalmente milagres. Neles há uma realidade imediatamente perceptível e visível, mas esta realidade significa algo mais profundo que é revelado pela fé. Especificamente, os sinais têm um significado cristológico em João porque nos revelam quem é Jesus e qual é a sua obra salvadora. Como aponta Card. Martini[7]: «a fé, tal como João a descreve, não atinge o seu objectivo senão através do testemunho ou dos sinais; portanto, cumpre, na sua estrutura essencial, duas condições: a capacidade de interpretar correctamente os sinais como tais, e a capacidade de ir além dos sinais”. Ou seja, a fé exige dois movimentos por parte do crente: 1. Interpretar corretamente os sinais; 2. Vá além dos sinais até o que eles significam.
Quanto ao pão, tem um valor simbólico universal que é assumido pelo evangelista. Visto que comida e bebida são necessidades vitais, o pão simboliza a vida . Especificamente, da tradição bíblica parte a ideia de que o pão é um presente de Deus para a vida do homem . O alimento como presente de Deus já apareceu em Gênesis 1:29-30, onde Deus deu a erva, os vegetais, como alimento tanto para homens quanto para animais. O fato de precisar comer para viver indica que a vida do homem está sujeita à alimentação dia após dia, e com algo fora dele. Portanto, o homem não possui vida em si, mas é um ser criatural, dependente e não autônomo. Em suma, receber alimento de Deus indica que é o próprio Deus quem mantém vivos os seres vivos que ele criou, que ele é Providente.
Unindo estes dois aspectos, notamos que Jesus considera a multiplicação dos pães como um sinal (cf. 6,14.26.30); Isto é, um fato que não é um fim em si mesmo, mas deve levar-nos ao conhecimento de uma outra realidade, mais profunda, o sentido, que é o definitivo ou autêntico. Ou seja, o pão material que Jesus lhes deu em abundância é em si algo perecível (cf. 6,27) e é sinal de outro pão, de outro alimento que o Pai oferece e que permanece até a vida eterna. No discurso seguinte o significado cristológico ficará claro porque aparecerá que o próprio Jesus é o Pão da Vida.
Agora, acho importante assumir também a pedagogia ou caminho de fé que o evangelho nos mostra neste sexto capítulo (e presente também no quarto capítulo). Para fazer isso, devemos nos concentrar em considerar a nossa fé como a interpretação correta dos sinais de Deus e a nossa capacidade de ir além dos sinais para a realidade significada . Na verdade, é aqui que falham os comensais da multiplicação dos pães porque interpretam incorretamente o sinal, permanecendo no fato de terem enchido milagrosamente a barriga. No fundo, eles permaneceram presos às suas expectativas messiânicas de ordem terrena. Como bem observa E. Bianchi[8] “precisamente neste nível aparece a diferença entre a multidão e Jesus, e apesar de Ele ter se mostrado acolhedor e compassivo com o povo a ponto de saciar a sua fome, a ruptura é consumada : Quando Jesus verificou que o sinal que acabara de realizar não suscitou fé em si mesmo, mas apenas serviu para fomentar esperanças messiânicas mundanas, decidiu “retirar-se novamente para a montanha, sozinho”.
Traduzindo isto para a nossa linguagem atual, seria apropriado perguntar-nos quais são as nossas expectativas em relação a Jesus. O que esperamos dele? Por que procuramos isso? Em outras palavras: em que ordem está a nossa fome de Deus? Não se trata de forma alguma de minimizar a nossa necessidade de comida e bebida; de saúde, de carinho, de contenção, de trabalho, de sucesso; Mas estarão todas as nossas buscas e desejos reduzidos a isso? E pode a nossa busca de Deus também ser reduzida a isto? Por isso é tão importante nos perguntarmos sobre nossos desejos, pois segundo A. Cencini[9]: “O conceito de desejo é considerado o índice do processo de formação permanente. como dinamismo (a capacidade e liberdade de desejar).
A recuperação do desejo de Deus é algo vital, mas hoje colide com a cultura da gratificação imediata, que ao satisfazer os nossos desejos primários acaba por entorpecer os nossos desejos profundos, a nossa fome de Deus.
É também um convite a um olhar de fé para ir além dos sinais da nossa vida concreta . Porque a fé é a porta de um caminho para Deus, ou melhor, uma escada que nos obriga a dar passos ou saltos para crescermos para uma fé mais viva e plena.
O primeiro passo ou passo necessário é aceitar que a realidade não se esgota naquilo que vemos, no material; mas que há algo mais e que a própria realidade e os acontecimentos da vida são sinais que nos remetem a Deus. Com o olhar da fé descobriremos que toda a realidade é de algum modo um sinal, uma escada para Deus. Assim, por exemplo, posso me levantar e me concentrar diretamente nas minhas atividades. Ou posso tomar consciência, graças à fé, de que cada dia é um presente de Deus, que estou vivo e graças a Ele posso fazer muitas coisas ao longo do dia. Posso apenas desfrutar de uma refeição; mas com fé também posso agradecer ao Senhor pelo dom dos alimentos. E assim acontece com todas as coisas da minha vida: tudo é sinal da sua presença e do seu amor. Só nos falta a fé para descobri-lo e vivê-lo.
Por fim, consideremos a generosidade do jovem que contribuiu com o que tinha e graças a isso Jesus realizou o milagre da multiplicação. “Certamente temos alguma hora de tempo, algum talento, alguma competência… Quem entre nós não tem os seus “cinco pães e dois peixes”? Todos nós os temos! Se estivermos dispostos a colocá-los nas mãos do Senhor, seriam suficientes para que o mundo tivesse um pouco mais de amor, de paz, de justiça e, acima de tudo, de alegria. Quão necessária é a alegria no mundo! Deus é capaz de multiplicar os nossos pequenos gestos de solidariedade e de nos fazer participar do seu dom” (Papa Francisco, Angelus de domingo, 26 de julho de 2015).
Em resumo : a pedagogia de Jesus no evangelho de João começa por “ancorar” a fé na experiência humana, neste caso específico na nossa necessidade de alimento, de pão para poder viver. Depois, com o sinal da multiplicação dos pães, Jesus demonstra a sua capacidade de saciar superabundantemente, mas também apenas momentaneamente, a fome de pão de todos os homens presentes. Desta forma permite que você confie nele, acredite nele. Mas depois convida-nos a subir, através da fé, a dimensões mais profundas, mas não menos autenticamente humanas. Portanto, o signo tem uma função provocativa, nos convida a refletir sobre aquilo em que baseamos a nossa vida, sobre os objetos dos nossos desejos e aspirações cotidianas. Convida-nos a dar-lhes o devido valor, mas ao mesmo tempo a abrir-nos ao transcendente, ao máximo que Deus quer nos dar.
PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):
No Altar, alguns pães e peixes
Senhor
Vamos cruzar o mar com você, ver você curar os enfermos
E interprete seu visual entendendo os desejos da galera
Admire-nos com seus caminhos e aceite ser seus discípulos.
Faz-nos conhecer a fundo a paciência do verdadeiro Mestre
Quando pergunta, sabendo esperar pelas respostas que já conhece
E que não se cansa de ensinar, que tenta sempre e sempre.
Isso chega aos mais pequenos, e os encoraja, os eleva
Mostre-nos qual é a sua pesquisa, onde está o seu interesse
Nosso nada e nosso pecado são um obstáculo à compreensão.
Faça-nos descansar perto de você, abra nosso apetite por pão
E sem medida ou medo, um ao outro, faça-nos Um compartilhando
Como não se tornar rei? Venha logo governar!
Milagre é ver você, Deus, distribuindo comida até ficarmos satisfeitos.
No templo o coração do homem vazio de paz te espera
Quebrado pela violência, confuso pelo ódio à Verdade.
E você... nos ligando, esperando por nós todos os dias,
Tomando a sesta com alguns pães e peixes,
O que deixamos no altar de cada Eucaristia. Amém
[1] “The Classification of the Prophetical Stories”, JBL 89 (1970) 427-440.
[2] Predicación del Evangelio de Juan (Comisión Episcopal del Clero; Madrid 1988) 307-308.
[3] El evangelio de Juan (Verbo Divino; Estella 2005) 218.
[4] J. Ratzinger, Jesús de Nazaret. Primera parte (Planeta; Buenos Aires 2007) 312.
[5] El evangelio de Juan (San Benito; Buenos Aires 2006) 213-214.
[6] G. Zevini, Evangelio según san Juan, Salamanca, 1995., 179.
[7] El Evangelio de San Juan. Ejercicios espirituales sobre San Juan (Paulinas; Bogotá 1986) 92.
[8] E. Bianchi, Escuchad al Hijo amado, en él se cumple la Escritura, Salamanca, 2011.,139.
[9]A. Cencini, La formación permanente (San Pablo; Madrid 2002) 188.